Resumo: O artigo aborda a problemática envolvendo a concessão ou o indeferimento do benefício de auxílio-doença em virtude de incapacidade parcial e temporária, em especial em uma sociedade que exige, cada vez mais, especialização e qualificação para o ingresso e manutenção no mercado de trabalho.
Palavras-chave: Auxílio-doença. Incapacidade parcial e temporária. Perícia médica. INSS. Jurisprudência.
Sumário: 1. Introdução; 2. Os requisitos para a concessão do auxílio-doença; 3. A incapacidade parcial e temporária; 4. A jurisprudência sobre a matéria; 5. Conclusão;
1. Introdução:
O tema abordado no presente artigo será a possibilidade de concessão do benefício de auxílio-doença, pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), aos segurados que possuam incapacidade apenas parcial e temporária.
A matéria é controversa porque a Lei 8213/91, em seu artigo 59, não foi clara quanto à necessidade de a incapacidade ser total ou parcial.
Entretanto, conforme se buscará demonstrar ao longo do presente artigo, as atuais exigências do mercado de trabalho, no tocante à qualificação e especialização do trabalhador acabam prejudicando substancialmente o retorno à atividade laborativa, do segurado que está apenas parcialmente incapacitado, o que ensejou a criação de um entendimento jurisprudencial autorizador da concessão do auxílio-doença ao segurado que possuísse uma incapacidade apenas relativa (parcial).
2. Os requisitos para a concessão do auxílio-doença:
O Professor Sérgio Pinto Martins lembra que “o auxílio-doença tem sua origem na Almanha de Bismarck, sendo o primeiro benefício que foi implantado naquele país”. (p. 313, Direito da Seguridade Social, 23ª edição, editora Atlas).
No Brasil, a Constituição Federal elenca como dever da Previdência Social a proteção e cobertura dos infortúnios relacionados às doenças, consoante artigo 201, inciso I da Carta Magna.
Referida proteção é regulamentada pela Lei 8213/91, notadamente, no caso do auxílio-doença, em seu artigo 59, que estabelece os requisitos necessários para a concessão e o gozo do aludido benefício.
O referido dispositivo legal exige que o segurado esteja incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos, além do cumprimento do respectivo período de carência.
Portanto, sob o ponto de vista da incapacidade física, a Lei é clara ao demandar que o segurado da Previdência Social comprove que não pode exercer as suas funções laborativas habituais.
Registre-se, por oportuno, que o parágrafo único do mencionado artigo 59 proíbe a concessão do benefício de auxílio-doença para o segurado que já possuía a moléstia incapacitante antes do seu ingresso no Regime Geral da Previdência Social.
É a chamada doença pré-existente, que o referido dispositivo legal cuida de afastar da proteção previdenciária, salvo no caso de agravamento ou progressão da referida doença ou lesão.
Eis o texto do artigo invocado:
“Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Parágrafo único. Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.”
O professor Miguel Horvath Junior assevera que “não é devido o benefício no caso de doença ou lesão pré-adquirida, salvo quando a incapacidade decorrer de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão”. (p. 237, Direito Previdenciário, Sexta Edição, Quartier Latin).
Portanto, sob o ponto de vista do requisito relativo à incapacidade, verifica-se que a Lei 8.213 preocupou-se com o critério temporal da incapacidade, detalhando o momento a partir da qual ela será considerada ou desconsiderada para fins de ser albergada pela proteção previdenciária.
Contudo, não houve um detalhamento acerca do critério material da incapacidade, ou seja, qual a intensidade que referida incapacidade deveria possuir, ou seja, se ela deveria ser total e temporária ou apenas parcial e temporária.
Quando nos deparamos com a noção de que o segurado deveria estar incapacitado para o seu trabalho ou atividade habitual, conforme consta do “caput” do artigo 59, é possível concluir que a Lei exige a total impossibilidade do exercício daquele trabalho, demandando, portanto, uma incapacidade total, a qual não permite que o segurado exerça aquele ofício, atividade ou profissão, mesmo que mediante um esforço maior.
Entretanto, a complexidade da análise do comando normativo surge quando a perícia médica aponta para incapacidade apenas relativa para o exercício da atividade.
3. A incapacidade parcial e temporária:
Existem situações onde a perícia médica constata que a incapacidade é apenas parcial, ou seja, há uma redução da capacidade de exercício daquele ofício, trabalho ou profissão, mas não há um impedimento físico total para o seu exercício.
Noutras palavras, o segurado poderá desempenhar aquela mesma atividade laborativa, mas isso demandará um esforço maior de sua parte.
Contudo, o grande problema nessa situação é a realidade da sociedade capitalista e do mercado de trabalho em que atualmente vivemos.
Isso porque, nos dias atuais, os trabalhadores têm sido cada vez mais exigidos em suas funções, no sentido de produzir metas e alcançar a maior eficiência possível durante o exercício de seu trabalho.
Não há espaços, na iniciativa privada do século XXI, para eficiências parciais, sendo exigido, sempre, que o empregado produza em sua capacidade máxima, sob pena de ser substituído por outra pessoa que esteja postulando uma vaga no mercado de trabalho, juntamente com outras tantas.
É justamente essa circunstância que acaba por gerar uma situação perversa àquele segurado que possui uma incapacidade apenas parcial.
Porque uma vez não protegido pelo Regime Geral de Previdência Social, até que consiga se reabilitar plenamente, o mercado de trabalho poderá não ter tanta paciência para aguardar tal recuperação.
Outrossim, é importante registrar que, muitas vezes, o segurado desenvolveu aquela mesma atividade laborativa durante muitos anos, sem a exigência de uma qualificação mais específica, sendo pouco provável que consiga uma recolocação em outro emprego ou função que exijam conhecimentos técnicos.
A situação se agrava ainda mais nos casos de segurados que possuem idade já considerada avançada pelos padrões da sociedade e do mundo empresarial, bem como nas hipóteses de segurados que desenvolvem atividades braçais e que exigem grande esforço físico.
Mas, assentadas tais premissas, como resolver, portanto, a questão do segurado que está acometido de uma doença, lesão ou enfermidade que o incapacita parcial e temporariamente para o exercício de sua atividade laborativa, sem afrontar os requisitos legais exigidos pelo arigo 59 da Lei 8213/91 e sem impactar o equilíbrio econômico e atuarial do Regime Geral da Previdência Social?
A resposta está em uma interpretação teleológica do “caput” do aludido artigo 59.
É cediço que a finalidade da Previdência Social é garantir proteção ao segurado nos momentos em que ocorram os infortúnios descritos na Constituição Federal e na legislação regulamentadora.
Cuida-se de uma política pública garantidora e materializadora do princípio da dignidade da pessoa humana e dos direitos sociais elencados na Carta Magna, notadamente na busca da erradicação da marginalização e da pobreza, consoante artigos 1º, inciso III; 3º, inciso III, 6º e 201, inciso I.
Tendo em mente tal premissa, é possível concluir-se que será possível a concessão do benefício de auxílio-doença caso a incapacidade parcial exija do trabalhador uma maior esforço para o exercício de sua atividade habitual, a ponto de indicar, pelas circunstâncias do caso concreto, que ele não conseguirá desempenhar aquele trabalho satisfatoriamente e que, consequentemente, terá poucas chances de recolocação no mercado de trabalho, seja em virtude de sua idade avançada, seja em razão da pouca qualificação técnica que eventualmente possua.
A jurisprudência tem se inclinado para a aplicação do entendimento acima exposto.
4. A jurisprudência sobre a matéria:
No Tribunal Regional Federal da Terceira Região predomina o entendimento de que, quando presente a incapacidade parcial acumulada com elementos concretos que indiquem a necessidade de submeter-se o segurado à reabilitação profissional, de rigor a concessão do auxílio-doença:
“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DO AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE PARCIAL. TERMO INICIAL NA DATA DA CESSAÇÃO INDEVIDA. VERBA HONORÁRIA. AGRAVO LEGAL PARCIALMENTE PROVIDO. I – Agravo legal interposto da decisão monocrática que deu provimento ao apelo Autárquico para julgar improcedente o pedido. II – Sustenta a agravante fazer jus à aposentadoria por invalidez. III – O laudo pericial conclui pela incapacidade parcial e definitiva que impede o desenvolvimento da atividade habitual, devendo ser tentada a reabilitação para atividade mais leve. IV – Embora não preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez, há nos autos elementos que permitem o deferimento do auxílio-doença. V – Não há como deixar de se reconhecer o seu direito ao benefício previdenciário para que possa se submeter a tratamento, no período de reabilitação profissional. VI – O termo inicial do benefício deve ser mantido na data seguinte à cessação administrativa, uma vez que o conjunto probatório revela a presença das enfermidades incapacitantes desde aquela época. VII – Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, até a sentença (Súmula nº 111, do STJ), de acordo com o entendimento desta Colenda Turma. VIII – Agravo legal parcialmente provido. (AC – APELAÇÃO CÍVEL – 1494380).
PROCESSO CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE PARCIAL E TEMPORÁRIA. TERMO INICIAL. AGRAVO DO ART. 557, §1º DO CPC. IMPROVIMENTO. I- Cabível a concessão do benefício de auxílio-doença na presente hipótese, consoante restou consignado na decisão ora agravada, já que restou evidenciado no julgado que a autora é portadora de quadro psiquiátrico consistente em psiquismo alterado, com labilidade emocional severa, atestado pelo laudo médico pericial de fl. 99/102, o qual revelou que a capacidade laborativa é de natureza parcial e temporária, com possibilidade de readaptação. II- A fixação do termo inicial também se submete ao prudente arbítrio do magistrado. No caso em tela, o perito especificou a data do laudo pericial como a data em que a enfermidade causou impedimento para o desempenho da atividade laborativa (quesito nº11 de fl. 102). III – A decisão agravada apreciou os documentos que instruíram a inicial, sopesando todos os elementos apresentados, segundo o princípio da livre convicção motivada, concluindo que foi demonstrada a incapacidade para o exercício atividade laborativa, suscetível da concessão de auxílio-doença. IV- Agravo (CPC, art. 557, §1º) interposto pela parte autora improvido”. (AC – APELAÇÃO CÍVEL – 1536888).
O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência no mesmo sentido, consoante é possível se extrair da seguinte ementa:
“RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE PARCIAL PARA O TRABALHO HABITUAL.
1. É devido o auxílio-doença ao segurado considerado parcialmente incapaz para o trabalho, mas suscetível de reabilitação profissional para o exercício de outras atividades laborais.
2. Recurso improvido.”
(REsp 501.267/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 27/04/2004, DJ 28/06/2004, p. 427).
No mesmo caminho, é a jurisprudência da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, consoante demonstra a seguinte ementa:
“EMENTA PROCESSUAL. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. INCAPACIDADE PARCIAL E TEMPORÁRIA ADEQUADA AO BENEFÍCIO DE AUXÍLIO DOENÇA POR SUA NATUREZA. CONDIÇÕES PESSOAIS. VISÃO MONOCULAR. PRESTÍGIO AO PROCESSO DE REABILITAÇÃO PROFISSIONAL. INCIDENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A melhor interpretação relativa à questão da incapacidade parcial com base na visão monocular deve considerar as circunstâncias pessoais do segurado, na ponderação das consequências respectivas, que, sem dúvida, resultam da perda da visão plena. 2. O Superior Tribunal de Justiça, examinando as consequências jurídicas da mesma patologia, já reconheceu de forma implícita a ocorrência de incapacidade parcial e transitória, sinalizando a necessidade de reabilitação profissional, interpretação que se apresenta na mesma linha do paradigma invocado . 3. Pedido de Uniformização conhecido e parcialmente provido. (PEDILEF 05051817620084058500).”
Visando pacificar a matéria no âmbito dos órgãos jurídicos da União Federal, a Advocacia-Geral da União editou a súmula 25, cujo teor é:
“Será concedido auxílio-doença ao segurado considerado temporariamente incapaz para o trabalho ou sua atividade habitual, de forma total ou parcial, atendidos os demais requisitos legais, entendendo-se por incapacidade parcial aquela que permita sua reabilitação para outras atividades laborais.”
5. Conclusão:
Ante o quanto exposto no presente artigo, pode-se concluir que a jurisprudência e a própria Advocacia-Geral da União, passaram a entender ser possível a concessão do auxílio-doença ao segurado que demonstre uma incapacidade parcial para o trabalho que geralmente desempenhava, em especial quando demonstrado, por circunstâncias concretas como a baixa qualificação profissional, idade avançada ou natureza do trabalho, que a sua recolocação no mercado de trabalho, sem a aplicação do instituto da reabilitação profissional, seria inócua.
Tal entendimento prestigia o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, e confere concretude à universalidade do atendimento da Previdência Social, colaborando para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e solidária.
Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Professor universitário e de curso preparatório para concursos públicos.
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