Resumo. Breve exame sobre a possibilidade de extensão dos efeitos da declaração inconstitucionalidade a dispositivos não impugnados, instituto chamado de inconstitucionalidade por arrastamento.
Palavras-chave: Controle de Constitucionalidade. Inconstitucionalidade por Arrastamento.
Sumário: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 3. Conclusão; Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo examinar a possibilidade de extensão da declaração de inconstitucionalidade a dispositivos não impugnados expressamente na petição inicial da ação declaratória de inconstitucionalidade.
2. DESENVOLVIMENTO
Entre as diversas formas de classificação das constituições, destaca-se àquela que classifica as Cartas quanto à forma de alteração.
Nesse contexto, as constituições podem ser classificadas como flexíveis, semirrígidas ou rígidas. As primeiras, não são submetidas a nenhum mecanismo diferenciado de modificação, sendo-lhes aplicável, em regra, o mesmo processo legislativo imposto às leis ordinárias. Em contraponto, as constituições rígidas apenas poderão ser alteradas por procedimento mais complexo, com requisitos mais severos daqueles impostos à legislação ordinária. Entre os dois extremos, as Constituições chamadas de semirrígidas tem parcela de suas normas submetidas ao regime rígido, parte submetida ao regime flexível.
A Constituição Federal brasileira é classificada como rígida, pois seu texto, na forma do art. 60, apenas poderá ser alterada por procedimento mais complexo e rígido do que as demais normas (legislação ordinária ou complementar).
Como consequência do sistema rígido, é instituído sistema de controle de constitucionalidade, pois de nada adiantaria a previsão de procedimento mais complexo para alteração do texto da Carta Política, se não houve mecanismo de extirpação das normas que afrontam seu conteúdo e regras.
Em nosso sistema jurídico, há possibilidade de controle difuso ou concentrado difuso. O primeiro, exercido por qualquer Magistrado, ao examinar o pedido formulado pelos litigantes nas diversas espécies de ações judiciais. No controle difuso, o exame da constitucionalidade é apenas incidental, pois o objeto do pedido é bem da vida diverso (por exemplo, condenação ao pagamento de indenização).
O controle concentrado, por força do art. 102, inc. I, alínea “a”, da Constituição Federal, é exercido exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal, que examina a própria afronta ao texto da Carta Política, realizada por determinado dispositivo legal.
Neste contexto, cumpre investigar a possibilidade, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, de extensão da declaração a dispositivos não impugnados expressamente na petição inicial da ação declaratória de inconstitucionalidade.
Por regra, à luz do princípio da demanda, o juiz estaria vinculado ao pedido inicial, sendo caso, inclusive, de nulidade da sentença, se o julgamento ultrapassar o pedido.
Contudo, em sede de controle de constitucionalidade, o princípio sofre ponderação, autorizando-se que, ao julgar uma ação declaratória de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal acabe por também reconhecer a inconstitucionalidade de dispositivos não impugnados.
Trata-se da chamada inconstitucionalidade consequencial, também conhecida por arrastamento ou por atração.
Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal estende os efeitos da declaração de inconstitucionalidade para outros não impugnados, em razão da relação de dependência ou interdependência entre os dispositivos.
Essa relação de interdependência poderá ser entre dispositivos de uma mesma norma ou a atos regulamentares da norma originalmente impugnada.
A primeira hipótese é chamada por arrastamento horizontal, já que a relação de interdependência se dá entre dispositivos da mesma norma. Com efeito, não haveria sentido manter-se vigente dispositivo que acabaria por manter no sistema jurídico regra já reconhecida como violadora da Constituição Federal e, portanto, inconstitucional.
Na segunda hipótese, se tem a chamada inconstitucionalidade por arrastamento vertical, pois a decisão atinge o ato regulamentador da norma diretamente impugnada, já que acaba por perder seu fundamento de validade. A norma regulamentadora (por exemplo, decreto) está diretamente vinculada a lei que lhe dá origem (decreto de execução), não sendo razoável permanecer no cenário jurídico se a norma principal foi considerada inconstitucional.
A propósito, decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. AMB. Lei nº 12.398/98-Paraná. Decreto estadual nº 721/99. Edição da EC nº 41/03. Substancial alteração do parâmetro de controle. Não ocorrência de prejuízo. Superação da jurisprudência da Corte acerca da matéria. Contribuição dos inativos. Inconstitucionalidade sob a EC nº 20/98. Precedentes. […] 4. No mérito, é pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que é inconstitucional a incidência, sob a égide da EC nº 20/98, de contribuição previdenciária sobre os proventos dos servidores públicos inativos e dos pensionistas, como previu a Lei nº 12.398/98, do Estado do Paraná (cf. ADI nº 2.010/DF-MC, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 12/4/02; e RE nº 408.824/RS-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJ de 25/4/08). 5. É igualmente inconstitucional a incidência, sobre os proventos de inativos e pensionistas, de contribuição compulsória para o custeio de serviços médico-hospitalares (cf. RE nº 346.797/RS-AgR, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Primeira Turma, DJ de 28/11/03; ADI nº 1.920/BA-MC, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 20/9/02). 6. Declaração de inconstitucionalidade por arrastamento das normas impugnadas do decreto regulamentar, em virtude da relação de dependência com a lei impugnada. Precedentes. 7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente. (ADI 2158, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 15/09/2010, DJe-247 DIVULG 15-12-2010 PUBLIC 16-12-2010 EMENT VOL-02452-01 PP-00010 RT v. 100, n. 906, 2011, p. 410-426 RSJADV abr., 2011, p. 40-49)
EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta. Lei nº 2.749, de 23 de junho de 1997, do Estado do Rio de Janeiro, e Decreto Regulamentar nº 23.591, de 13 de outubro de 1997. Revista íntima em funcionários de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços com sede ou filiais no Estado. Proibição. Matéria concernente a relações de trabalho. Usurpação de competência privativa da União. Ofensa aos arts. 21, XXIV, e 22, I, da CF. Vício formal caracterizado. Ação julgada procedente. Inconstitucionalidade por arrastamento, ou conseqüência lógico-jurídica, do decreto regulamentar. É inconstitucional norma do Estado ou do Distrito Federal que disponha sobre proibição de revista íntima em empregados de estabelecimentos situados no respectivo território”. (ADI 2947, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2010, DJe-168 DIVULG 09-09-2010 PUBLIC 10-09-2010 EMENT VOL-02414-02 PP-00244 RT v. 99, n. 902, 2010, p. 128-131)
Sobre o tema, ainda, é impositivo colacionar lição de Pedro Lenza:
“Pela referida teoria da inconstitucionalidade por ‘arrastamento’ ou ‘atração’ ou ‘inconstitucionalidade consequente de preceitos não impugnados’, se em determinado processo de controle concentrado de constitucionalidade for julgada inconstitucional a norma principal, em futuro processo, outra norma dependente daquela que foi declarada inconstitucional em processo anterior – tendo em vista a relação de instrumentalidade que entre elas existe – também estará eivada de vício de inconstitucionalidade ‘consequente’, ou por ‘arrastamento’ ou ‘atração’. (LENZA, 2006. Página 130)”.
Na verdade, apesar de se referir que há distanciamento do pedido inicial, o que se observa é que a declaração de inconstitucionalidade acaba por atingir dispositivos ligados ao inicialmente impugnado, que não devem ser mantidos no sistema jurídico, em razão da já reconhecida inconstitucionalidade.
Portanto, pelo exposto, se observa que é possível a extensão da declaração de inconstitucionalidade a dispositivos não impugnados expressamente na petição inicial da ação declaratória de inconstitucionalidade.
3. CONCLUSÃO
A partir do exame realizado, se conclui pela possibilidade de reconhecimento da inconstitucionalidade de dispositivos não impugnados diretamente na petição inicial, fenômeno denominado inconstitucionalidade por arrastamento.
Procuradora da Fazenda Nacional. Pós-graduanda em Direito Público pela UNIDERP.
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