Sumário: 1. Introdução; 2. Princípios reguladores dos Juizados Especiais; 2.1. Oralidade; 2.2. Simplicidade; 2.3. Informalidade; 2.4. Economia processual; 2.5. Celeridade; 3. O cerceamento da palavra falada; 4. Conclusão.
1. Introdução.
Trata-se de engenho do Poder Constituinte de 1988, ao versar acerca da organização do Poder Judiciário, impor aos entes federativos a tarefa de criar órgãos especiais com o escopo de promover uma maior efetividade na prestação jurisdicional por intermédio de rito simplificado. De acordo com os preceitos esculpidos na Carta Magna, aos aludidos órgãos caberia realizar a conciliação, julgamento e execução das causas de menor complexidade, mediante procedimentos oral e sumaríssimo.[[1]]
O legislador ordinário, cumprindo o mandamento constitucional acima referido, editou a Lei 9.099/1995 com o objetivo de regular o processamento dos feitos no âmbito dos denominados Juizados Especiais. O procedimento em questão fora elaborado com fulcro, sobretudo, no princípio da oralidade, em observância ao consagrado na Constituição.
De toda sorte, a despeito do estabelecido na ordem constitucional e reproduzido na letra fria da lei, a oralidade vem sendo frontalmente violada na práxis jurídica. A palavra falada cedeu lugar às manifestações formais e prolixas dos operadores do direito e tal realidade se deve ao entendimento adotado pelos magistrados.
Nas audiências em sede de juizados especiais somente utiliza-se a comunicação oral para se tomar o depoimento pessoal das partes e efetivar manifestação sobre documentos novos trazidos aos autos. Curiosamente, outrossim, os juizes firmaram entendimento uníssono acerca da dispensabilidade dos debates orais.
2. Princípios informadores dos Juizados Especiais.
O princípio basilar dos Juizados Especiais, sob a nossa óptica, é o da Oralidade. Este entendimento se deve ao disposto no texto constitucional, o qual consagra expressamente a idéia de procedimento oral (art. 98, I, da CF).
Não é sem razão que a legislação infraconstitucional reproduz o mencionado princípio no seu bojo, citando-o, inclusive, antes de todos os outros preceitos norteadores desse regime procedimental. De acordo com o diploma legal ordinário, o processo nos Juizados será guiado pelos seguintes critérios, a saber:
“…oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade…” (artigo 2º da Lei 9.099/1995)
Ante a discriminação dos princípios informativos do procedimento positivado na Lei 9.099/95, trataremos adiante cada um, de forma individual, na ordem em que citados no aludido diploma.
2.1. Oralidade;
Reitere-se, esse princípio de acordo com nossa visão é privilegiado em relação aos demais, conquanto, fora o único expressamente previsto na Norma Maior. Em razão deste princípio, os processos em curso nos Juizados deverão ter a maior parte dos seus procedimentos implementados pelo meio oral. Somente os atos de maior relevância devem ser reduzidos a termo, os demais atos aperfeiçoados durante a instrução serão gravados em fita magnética (art. 13, §3º, da Lei 9.099/95).
2.2. Simplicidade;
O princípio em tela preceitua que os atos processuais deverão ser realizados de forma a atender o seu escopo, sem ficar adstrito à formas taxativas. O processar do feito deverá ser finalístico, célere, direto, oral, e todos os atos deverão ser aproveitados ao máximo.
De acordo com o texto da lei especial os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais forem realizados. Não suficiente, corroborando com o explicitado, a norma determina que não haverá nulidade sem prejuízo.
2.3. Informalidade;
Em consonância com o aduzido no tópico anterior, o princípio da informalidade ratifica o cuidado com a teleologia dos atos efetivados no processo em detrimento da observância da forma prescrita.
Figura como exemplo crasso da informalidade esposada pelos Juizados a concessão do jus postulandi a qualquer cidadão, nas causas com valor inferior ou igual a 20 salários mínimos, tal como estabelecido pelo caput do art. 9º da Lei 9.099/95.
Nesse mesmo sentido, os pedidos iniciais não ficarão sujeitos aos formalismos do art. 282 do Código de Processo Civil, bem como os recursos poderão ser julgados por colegiado de juízes de primeiro grau, não carecendo da atuação de tribunal para revisão dos julgados.
2.4. Economia processual;
Reza, o princípio ora ventilado, que o procedimento dos Juizados deverá ser barato e acessível. Em virtude do exposto, os litigantes ficam isentos do pagamento de quaisquer custas processuais e cartorárias, bem como do ônus da sucumbência, na primeira instância de julgamento.
Cumpre destacar, contudo, que na hipótese de extinção do processo sem julgamento de mérito, em razão do não comparecimento do autor a qualquer das audiências do processo, deverá haver condenação em custas processuais. Tal entendimento almeja coibir que os jurisdicionados busquem o Judiciário de forma irresponsável e fora uniformizado no enunciado nº 28 dos juizados especiais, ratificado até o XVII Encontro Nacional de Coordenadores de Juizados Especiais do Brasil que ocorreu no período de 25 a 29 de maio de 2005 na cidade de Curitiba.
2.5. Celeridade;
A prestação jurisdicional deverá ser entregue de forma célere. Tal princípio, antes aplicável tão somente a procedimentos específicos na forma das suas disposições legais, desde a publicação da Emenda Constitucional 45 fora elevado a condição de garantia fundamental.
Nesse diapasão, o processo deverá ser rápido. Uma vez provocado, o órgão jurisdicional deverá agir com a maior presteza possível, promovendo a instrução, o julgamento e, se o interessado demandar, a execução do título.
3. O cerceamento da palavra falada.
A despeito do comando disposto na Constituição Federal, segundo o qual o processo terá caráter eminentemente oral, os Juizados Especiais vêm promovendo a prestação jurisdicional com base em autos robustos, repletos de atos administrativos, petições e documentos.
Inobstante o acima asseverado, diuturnamente a prática forense afronta a legislação ordinária, a qual prescreve que apenas os atos considerados essenciais serão registrados resumidamente, em notas manuscritas, taquigrafadas ou estenotipadas. Os demais atos poderão ser gravados em fita magnética ou equivalente, que será inutilizada após o trânsito em julgado da decisão.
Com efeito, a realidade não se coaduna aos preceitos esculpidos na norma legal. A prestação jurisdicional em sede de juizados especiais tem se mostrado divergente, em demasia, dos fundamentos que determinaram sua criação.
Inexiste, ao menos nos juizados do Estado da Bahia, qualquer tipo de simplificação no registro dos atos processuais. Assim como ocorre nos processos instaurados com amparo nos ritos comuns do CPC, os autos dos processos em curso nos juizados são instruídos com todos os rigores formais, incluindo os registros cartorários, as manifestações das partes e todo o farto conjunto probatório documental.
Ratificando o descompasso entre os preceitos constitucionais sobre a matéria e o procedimento adotado na práxis, no XVII Encontro Nacional de Coordenadores de Juizados Especiais do Brasil fora confirmado o enunciado nº 35. A aludida norma assevera:
“Enunciado 35 – Finda a instrução, não são obrigatórios os debates orais.”
Alguns parcos doutrinadores, se posicionando de maneira favorável à norma acima transcrita, teceram o seguinte entendimento:
“Todavia, declarada encerrada a instrução, o Juiz proferirá em seguida, isto é, no mesmo ato, oralmente, a sentença. A Lei suprimiu – no nosso entender acertadamente – as alegações finais, a exemplo de que já ocorria também com a Lei 7.244/84 (art. 29). Normalmente, esses últimos debates ou razões finais transformam-se na prática forense em instrumento que serve apenas para procrastinar a conclusão do processo, em nada ou pouquíssimo contribuindo em algum ponto para o esclarecimento de algumas questões já colocadas.
O que se verifica no procedimento comum (sumário ou ordinário) – e com maior razão verificar-se-ia no sumaríssimo regulado por esta Lei, se permitido fosse – é que as partes, através de seus advogados, nas alegações finais limitam-se a reportar-se aos articulados anteriormente apresentados e, quando muito, a citar trechos dos depoimentos das testemunhas que acabaram de ser ouvidas. Observa-se que nada de novo vem a lume, sendo sempre a mesma retórica.” (Figueira Júnior, Joel Dias – Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais : Lei 9.099, de 26.09.1995, 3ª ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2000. Página 281.)
A doutrina acima mencionada, de maneira absolutamente contraditória, concluiu nos seguintes termos:
“Portanto, nos Juizados Especiais, onde o princípio da oralidade aparece em grau máximo, em hipótese alguma há de se permitir o oferecimento de alegações finais, por escrito ou verbalmente (e repita-se, essa fase foi suprimida pelo sistema) e, muito menos, em forma de memoriais.” (Ibidem. Página 282.)
Ora, evidente a impropriedade do entendimento em tela, uma vez que os debates ORAIS se amoldam perfeitamente ao princípio da oralidade e, sobretudo, funcionam como instrumento conferido ao advogado para sinalizar ao magistrado fatos relevantes para o deslinde da causa e/ou nulidades porventura existentes e que impeçam o regular transcorrer do feito.
Por via transversa, inclusive, há que se salientar a premente importância das alegações finais, na modalidade oral, com o escopo de auxiliar na efetividade da celeridade processual. Obviamente, o tempo concedido para adução dos debates orais sempre será infinitamente mais breve do que o tempo que se consome para reformar o mérito da decisão ou sanar nulidades não observadas pelo magistrado.
Os julgadores fundamentam o entendimento do não cabimento das alegações finais na norma contida no art 28 da Lei especial, cujo conteúdo predispõe que na audiência de instrução e julgamento serão ouvidas as partes, colhida a prova e, em seguida, proferida a sentença. De acordo com o entendimento pretoriano, a lei suprimiu os debates orais uma vez que determina seja a sentença proferida logo em seguida à colheita da prova.
De toda maneira, assim como acima demonstrado, o cabimento das alegações finais em sede de juizados especiais decorre do princípio maior que norteia tal procedimento: A oralidade. Não suficiente, o instituto ora comentado desponta relevante em demasia a fim de proporcionar ao jurisdicionado momento processual adequado para manifestar-se acerca das provas produzidas em audiência, dado o princípio da concentração, para que o mesmo saliente os pontos controvertidos da causa sub judice ou mesmo aponte nulidades que venham a obstar o andamento da querela processual.
As partes têm o direito de apreciar e se manifestar sobre as provas trazidas ao processo e, já que toda a prova é produzida na audiência de instrução e julgamento, a única oportunidade viável para consecução dessa tarefa é justamente nos debates orais, afinal, em seguida será proferida a sentença ou, ao menos, dever-se-ia proferir a sentença, haja vista que tal expediente quase nunca é adotado pelos magistrados.
Os fundamentos que motivaram a edição do enunciado nº 35 e o pensamento da doutrina que adota posicionamento favorável à aludida norma, não se coadunam à segurança jurídica, haja vista que prefere uma suposta celeridade processual em detrimento da ampla defesa e do contraditório.
Ora, as garantias individuais não podem ser maculadas e violadas com o desiderato de impulsionar o andamento dos processos judiciais. Não se pode querer, sob o pretexto de acelerar a entrega da prestação jurisdicional, deixar fenecer a segurança jurídica das decisões jurídicas emanadas dos órgãos que prestam tal mister.
Incontáveis são os pareceres doutrinários que, ao versar acerca do tema ora comentado, se manifestaram a favor dos debates orais nos processos em curso pelo rito da Lei 9.099/95. JOÃO ROBERTO PARIZZATO, inclusive, defendeu a possibilidade de entrega de memoriais escritos, desde que já elaborados quando do término da audiência instrutória, da seguinte forma:
“A lei que criou os Juizados Especiais, nada dispôs a respeito de se conceder oportunidade às partes, após a instrução, para que essas façam suas alegações finais, devendo a nosso ver, ser concedida tal oportunidade, para que se preserve o contraditório com os recursos a ele inerentes, possibilitando-se que as partes se manifestem sobre a prova. Nada impede que se ofereçam ao juiz, memoriais escritos, desde que esses venham prontos para serem entregues quando finda a instrução, todavia, dificilmente isso ocorrerá, pois, que as alegações finais na maioria das vezes dependerá das provas produzidas em audiência.” (Parizzato, João Roberto – Comentários à lei dos juizados especiais : cíveis e criminais de acordo com a lei nº 9.099, de 26-09-1995 – Brasília, DF : Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1996. Página 84.)
O ilustre processualista ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, defende o cabimento dos debates orais, ao tempo em que nega a possibilidade de utilização de memoriais na seara dos Juizados, nos seguintes termos:
“Encerrada a colheita de provas deve-se dar às partes oportunidade para o oferecimento de alegações, as quais sempre serão apresentadas oralmente. Não se admite, no processo dos Juizados Especiais Cíveis, a substituição das alegações finais orais por memoriais escritos, eis que tal substituição só é possível em causas complexas, e não pode se desenvolver nenhuma causa de grande complexidade perante os Juizados Especiais. Após a apresentação das alegações finais, então, só restará ao juiz proferir a sentença.”[[2]]
Prosseguindo na adução de suas razões, o referido Jurista salienta que a seiva do contraditório alberga o direito das partes litigantes se manifestarem acerca das provas produzidas, a despeito da omissão do texto da Lei 9.099/95, nos exatos termos adiante transcritos:
“É este o procedimento da audiência de instrução e julgamento, de extrema simplicidade, que o art. 28 da Lei nº 9.099/95 descreve, ao estabelecer que “na audiência de instrução e julgamento serão ouvidas as partes, colhida a prova e, em seguida, proferida a sentença”. Não se pode, porém, proferir sentença imediatamente após a colheita da prova, já que a garantia do contraditório exige a manifestação das partes sobre as mesmas antes da prolação da decisão, conforme o rito que acaba de ser descrito. O procedimento é, em síntese, pois, este: tentativa de conciliação – apresentação da resposta do demandado – colheita de provas – alegações finais – sentença.”[[3]]
Nesse mesmo sentido, se posicionou LUIZ FUX, ao asseverar que a despeito do silêncio da lei, deve o juiz conferir a palavra às partes para alegações finais, haja vista a sua utilidade e necessidade, diante da novidade e da concentração da prova.[[4]]
Assente na doutrina pátria, portanto, a necessidade de se conceder aos litigantes em processo instaurado no âmbito dos Juizados Especiais oportunidade para aduzir os debates orais, por corolário do princípio do contraditório e da oralidade.
4. Conclusão.
Ante os fundamentos trazidos no presente trabalho, denota-se a arbitrariedade da conduta dos magistrados atuantes nos Juizados Especiais, consubstanciada na vedação da palavra falada nos debates orais.
Como visto, os debates orais se coadunam ao princípio da oralidade, da celeridade e, sobretudo, ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Tal instituto figura como instrumento eficaz para, após a produção probatória, se esclarecer os pontos controvertidos da demanda e/ou nulidades que viciem a relação processual.
Nesse diapasão, evidenciada a enorme utilidade das alegações finais para o aperfeiçoamento dos princípios acima deduzidos, bem como a corriqueira vedação do acesso às partes a tal instrumento no âmbito dos Juizados, resta caracterizada a crise da oralidade na atual aplicação do rito esculpido na Lei 9.099/95.
Acadêmico em direito (10º semestre – UCSal), estagiário do EABL – Escritório de Advocacia Barachisio Lisbôa.
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