A influência filosófica de Rousseua na constitucionalização do direito fundamental à educação

Resumo: O presente trabalho objetiva o estudo da influência filosófica de Rousseau na constitucionalização do direito fundamental à educação, bem como destacar o modelo de pedagogia proposta pelo teórico em questão e os fundamentos que serviram de alicerce para consolidação das ideais preconizados por ele de forma a evidenciar sua preocupação para com a formação do homem como pessoa humana.

Palavras-chave: Rousseau; Educação; Direito Fundamental; Constituição.

Resumen: Este trabajo pretende estudiar la influencia de la constitucionalización filosófica de Rousseau sobre el derecho fundamental a la educación, así como poner de relieve el modelo de la pedagogía propuesta por la teoría en cuestión y los fundamentos que sirvieron de base para la consolidación de los ideales defendidos por él a fin de muestran su preocupación por la formación del hombre como persona humana.

Palabras clave: Rousseau, Educación, Fundación de Derecho, Constitución.

Sumário: 1. Introdução; 2. Reconhecimento universal a respeito da eficácia e alcance do direito fundamental à educação; 3. Do direito à educação na constituição federal; 4. Objeto e eficácia do direito à educação; 5. Conclusão; 6. Referência.

1. INTRODUÇÃO

A imprescindível decodificação da pedagogia de Jean-Jacques Rousseau fixa-se através de dois fundamentos, quais sejam, a notória abastança de seu esforço como teórico da educação, e o fato de que tais contribuições conservam-se como um artefato ainda não sondado, inexplorado e infundadamente avaliado, em razão mesmo de seus feitios antinômicos. Diante de tal quadro, hesitando nessas antinomias, os historiadores mais clássicos da educação têm as seguintes concepções: a) ou são radicalmente contra Rousseau; b) ou são apologiticamente a favor de Rousseau; c) ou simplesmente o declaram contraditório e o rejeitam de forma a incidir no esquecimento.

Agrega-se fundamentalmente um elemento explicativo fundamental, haja vista que Jean-Jacques Rousseau implantou uma inovação na tradição da educação. Nesse esboço, ele foi a baliza que repartiu a velha e a nova escola. No entanto, o que é peculiar à época moderna é que suas obras como “sobre a desigualdade entre os homens”, “O contrato Social” e “Emilio” são interpretadas até hoje.

Há que se destacar um ponto: Rousseau trata, basicamente, da conexão entre a educação e a política. Trata, de forma elementar, sobre o tema da infância na educação. Com estas concepções, a criança não significaria apenas um adulto em miniatura, pois ela vive em um mundo próprio que é preciso entender; o educador para educar deve fazer-se educando de seu educando: a criança nasce boa, o adulto, com sua falsa concepção da vida, é que perverte a criança.

Rousseau propõe mudanças essenciais na educação para alforriar o indivíduo das algemas da civilização. Seu ponto de vista primordial consiste na ideia de que a educação não deve ter como desígnio sobrepujar e disciplinar as tendências naturais da criança, outrossim, estimular a sua expressão e desenvolvimento. Segundo ele, o principal veículo de instrução não deve ser a instrução verbal, muito menos a livresca, mas a prática e o exemplo. O ambiente natural para que isso possa acontecer é no seio da família e não da escola; e os seus incentivos naturais são o amor e a simpatia, e não as regras ou os castigos. Para Roussau o que há de mais essencial no homem é a liberdade, por isso a liberdade é inalienável. Esta concepção moral resulta em determinados Princípios que vão garantir a liberdade.

Nessa medida, é lógica e aceitável as suas ideias “pedagógicas” que se encontram ligadas aos seus ideais políticos, pois segundo Rousseau “uma criança que cresce numa sociedade civilizada é ensinada a refrear os seus instintos naturais, a reprimir os seus verdadeiros sentimentos, a impor as categorias artificiais do pensamento conceptual sobre os seus sentimentos e a fingir que pensa e sente coisas que não sente nem pensa. Por conseguinte, a civilização é corruptora e castradora dos valores verdadeiros”. Assim, o que devemos fazer é “mudar a civilização de forma a possibilitar aos nossos instintos naturais uma expressão completa e livre”.

 Com suas concepções, Rousseau contradisse que a educação é uma técnica pela qual a criança transpõe conhecimentos, hábitos e atitudes armazenados pela civilização, sem qualquer modificação. Anote-se, que em cada fase de vida seja infância, adolescência, juventude e maturidade é concebida como portadora de atributos próprios, respeitando a individualidade de cada um.   Faça-se menção de que se Rousseau for examinado na conjuntura de sua época, perceberemos que ele estabeleceu, com brilhantismo, princípios educacionais que se conservam na atualidade. 

 Em seu livro ”O Emílio ou da Educação”, Rousseau manifesta sua inquietação para com a formação do homem como pessoa humana, pois acredita que sua propensão ordinária seja a condição de homem.  Grosso modo, com muita propriedade o teórico evidencia que a educação enquanto artifício permanente de constituição do homem tem, como mira, a realidade da natureza humana. Rousseau chega a admitir que se trate de um conceito de educação porquanto um processo natural e espontâneo, um autodesenvolvimento, uma evolução criadora. 

Também é de ser mencionado que a maior inquietação de Rousseau consistia na formação do homem íntegro, virtuoso, aquele que melhor pode suportar os bens e os males da vida. Por último, é de mencionar que sua educação deve iniciar-se o mais cedo possível, pois acredita que nossa instrução inicia-se conosco. Portanto, qualquer tempo perdido pode significar obstáculos à sua liberdade e à racionalidade.  Ademais, sua contribuição pedagógica e histórica reside no fato de compreender a educação como essencial ao processo de subjetivação, ou seja, de constituição do sujeito moral, livre e autônomo.

Destaca-se a importância com que Rousseau tratava a educação e a família. Para ele esta questão é muito séria, sendo à base da sociedade. Se formos trazer esta questão para os dias atuais, é evidente que isto não tem sido valorizado. No Brasil ainda são restritos a uma pequena parcela da população o acesso às escolas e universidades, o que compromete as possibilidades no mercado de trabalho, já que o ensino público é de péssima qualidade na nossa sociedade.  Nessa linha de pensamento, cite-se o seguinte trecho da obra de Fábio Konder Comparato, que valoriza o papel da educação:

“A lição dos antigos é irrefutável: há sempre uma íntima ligação entre educação e política, entre a formação do cidadão e a organização jurídica da cidadania. Se a boa natureza original do ser humano o foi corrompida pela sociedade moderna, a regeneração dependerá de uma reforma profunda, tanto do sistema educacional, quanto da organização do Estado, pois esses dois setores estão intimamente ligados.

(…) a verdadeira educação é de cunho moral e não técnico. A educação preocupa-se com a única finalidade que importa: o desenvolvimento harmônico de todas as qualidades humanas. A mera instrução, diferentemente cuida dos meios ou instrumentos. Desviada de sua finalidade maior, ela pode criar autônomos e súditos, nunca cidadãos e homens livres.”

Observa-se que apesar de serem diferentes as épocas, as ideias de Rousseau, assim como as de Maquiavel e de Hobbes, permanecem atuais e vivas. É importante apontar que as ideias de Rousseau são fundamentais para compreensão do Estado moderno. A forte crítica ao Estado representativo permite interpretar que ele era um crítico do liberalismo. Rousseau jamais foi um liberal. Ele não acreditava na possibilidade de qualquer rígida separação entre indivíduo e o Estado, como queriam os teóricos liberais, pois achava inconcebível o desenvolvimento da plena vida moral sem ativa participação do indivíduo no corpo inteiro da sociedade. Defendia que a unidade e permanência do Estado dependem da integridade moral e da lealdade indivisível de cada cidadão.

2. RECONHECIMENTO UNIVERSAL A RESPEITO DA EFICÁCIA E ALCANCE DO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO

Mesmo tratando-se de direitos fundamentais, não podemos afirmar que todas as normas relativas a esse tema e introduzidas no texto constitucional contêm aplicabilidade direta e imediata. Assim, se de uma banda o conglomerado de normas constitucionais são municiadas de uma cabal eficácia jurídica, então, em outro sentido, nem todas podem desfrutar dessa mesma foca quanto à sua aplicabilidade.

De toda sorte, importa estabelecer, desde logo o alcance, das normas em exame, para indagar se o mesmo é empregado a todos os direitos fundamentais, sendo que, o que nos interessa no presente trabalho é o direito fundamental à educação.

O Direito à Educação deve ser estudado como um direito humano fundamental, pois é uma das extensões mais significante da concretização do postulado da dignidade da pessoa humana. Os direitos humanos fundamentais constituem valores materialmente aplicados no direito, que despontam para a tutela e ascensão da dignidade do ser humano.

O postulado da dignidade da pessoa humana constitui em um preceito ético-jurídico basilar que determina a obrigação de se adotar o ser humano como um ser revestido de valores inclusos no ordenamento. O ser humano é um termo em si mesmo. Esse princípio serve de alicerce para a compreensão dos direitos humanos essenciais.

Não se pode considerar a existência de uma vida íntegra sem a caução institucional e normativa do direito à educação. O direito à educação é uma pressuposição para a concretização da dignidade humana e ostenta importância basilar na preparação do indivíduo para o exercício de outros direitos. É, ainda, norma constitucional de princípio programático, tendo em vista que são traçados princípios ou programas que servirão de diretrizes para o aglomerado de órgãos estatais tendo, pois, como dito, aplicação direta e imediata.

3. DO DIREITO À EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O pensamento de Rousseau influenciou todas as legislações modernas no aspecto relativo à garantia do direito à educação. Ao denegar a intromissão do liberalismo ele acabou por fomentar a constância estatal em setores da sociedade fundamentais para assegurar a promoção da dignidade humana. Mesmo facultando a atuação da iniciativa privada, a legislação brasileira, nesse aspecto, indubitavelmente inspirada nas ideias de Rousseau, notadamente nossa Constituição Federal, tratou da educação como direito de todos e dever do Estado e da família e que será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. É o que se infere do art. 206 da Constituição, in verbis:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

 I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

 II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII – garantia de padrão de qualidade.

VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006).

Ressalte-se que como pregava Rousseau, negando qualquer rígida separação entre indivíduo e o Estado, este reservou para si o encargo de zelar pelas condições basilares do processo educacional. Conforme ensina Kildere Gonçalves Carvalho, um dos maiores teóricos do constitucionalismo brasileiro da atualidade,

“Constitui dever do Poder Público zelar, junto aos pais, pela freqüência escolar. Determina a Constituição, em seu art. 210, a fixação de conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos nacionais e regionais. Com isso, se preserva a cultura regional e nacional, o que se completa pela obrigação de o ensino fundamental regular ser ministrado na língua portuguesa, respeitando-se as comunidades indígenas que poderão, também, utilizar sua língua materna, adotando processos próprios de aprendizagem, o que implica na preservação da cultura indígena”. (CARVALHO, kildare Gonçalves, 2007, p. 1174-1175)

Verifica-se, então, que os titulares do direito à educação são todos os brasileiros, sejam natos ou naturalizados, bem como os estrangeiros residentes no Brasil.

Doutro lado, fala-se que qualificam esse direito a fundamentalidade formal, ou seja, a positivação em declarações internacionais e nas Constituições dos países. Traduz-se na previsão do direito à educação em uma dada Constituição. As Constituições liberais não traziam direito à educação no corpo principal; a mudança de paradigma deve-se, portanto, mais uma vez, à forte influência do pensamento de Rousseau.  

Com o advento do Estado intervencionista, o constitucionalismo liberal foi sendo substituído pelo constitucionalismo social. Esse processo, no Brasil, se iniciou com o advento da Constituição Federal de 1934.

Qualifica, também, o direito à educação, a fundamentalidade material que designa a precedência valorativa de um dado direito fundamental. Cite-se, ainda, a internacionalização, posto que os direitos humanos fundamentais formam uma série de valores em diversas declarações internacionais de direito. A historicidade, que trata do direito à educação como histórico, pois vem sendo afirmado através das diversas lutas sociais ao longo da história. Exprime a expansão da consciência ética dos povos. É a historicidade que nos permite afirmar que o direito à educação é um direito fundamental de segunda geração. Outra característica é a indivisibilidade. Nesse aspecto, o direito à educação apresenta três dimensões: a) individual: o direito à educação pode se realizar por um indivíduo isolado. Para ser cumprido demanda também a deferência à esfera de liberdade do indivíduo, importando também condutas negativas. b) social: para que se concretize o direito à educação, são essenciais prestações positivas, sobretudo do Estado. c) transindividual: a educação é também um interesse difuso.

Como direito fundamental que é, fala-se em interdependência, pois os direitos humanos fundamentais são interdependentes porque se articulam, totalizando uma rede de proteção à cidadania. Caracteriza-se, ainda, pela conflituosidade. Os direitos humanos fundamentais muitas vezes se confudem. Isso ocorre porque são estabelecidos por meio de princípios. Os princípios constitucionais muitas vezes corporificam valores conflitantes. É, ainda, um direito inalienável, pois não é possível transferir ou negociar. Daí advém à imprescritibilidade e a irrenunciabilidade. Por fim, cite-se a abertura/inexauribilidade (art. 5º, §2º).

4. OBJETO E EFICÁCIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO

Conforme menciona o art. 205 da Constituição federal:

“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

Trata-se, pois, de deveres de abstenção e prestação, visto que trata da completa formação da pessoa (virtudes e aptidões das pessoas), seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Em relação à eficácia do direito à educação observa-se que a mesma admite duas feições: a efetividade e a aplicabilidade, sendo, pois a aplicabilidade a eficácia técnica, haja vista que as normas de educação são normas de eficácia plena e imediata, segundo comando do art. 5º, § 1º da CF/88 que determina que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Interessa destacar ainda dois aspectos, em sua forma de organizar o problema. Primeiro: o ativismo judicial, que no pós-positivismo, vem consolidar os direitos fundamentais do cidadão. Faz-se mister destacar que o Poder Público discorre que sua efetividade embarra na reserva do possível, posto que o ente público apresenta entraves de ordem financeira e orçamentária. Importa assinalar desde logo, que isso não se aplica na realidade brasileira, já que o país possui um cenário social desenhado pela desigualdade.

É possível admitir que o mínimo existencial constitua o centro consistente da dignidade da pessoa humana e perpetra a reserva do possível, sendo, pois vedada a sua invocação quando o direito a educação estiver em discussão. Assim quando se estiver discutindo a educação básica, que engloba o ensino infantil, fundamental e médio, não abarcando o ensino superior, o Estado não pode eximir-se de atuar com fundamento na reserva do possível. Tal dedução se dá com fulcro no art. 7º, IV e do art. 208 da Constituição Federal de 1988 que ostenta as garantias mínimas da educação e o art. 21 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996.

CF/88 – Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

CF/88 – Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) (Vide Emenda Constitucional nº 59, de 2009)

II – progressiva universalização do ensino médio gratuito; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)

III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV – educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)

§ 1º – O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º – O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º – Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

LDB – Art. 21. A educação escolar compõe-se de:

I – educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;”

Neste sentido, RESP 1.185.474/SC – não se aplica a teoria da reserva do possível com relação à educação:

“RESP 1.185.474/SC – não se aplica a teoria da reserva do possível com relação a educação. ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL? ACESSO À CRECHE AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS? DIREITO SUBJETIVO? RESERVA DO POSSÍVEL? TEORIZAÇÃO E CABIMENTO? IMPOSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO COMO TESE ABSTRATA DE DEFESA? ESCASSEZ DE RECURSOS COMO O RESULTADO DE UMA DECISÃO POLÍTICA?  PRIORIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS? CONTEÚDO DO MÍNIMO EXISTENCIAL? ESSENCIALIDADE DO DIREITO À EDUCAÇÃO?  PRECEDENTES DO STF E STJ. 1. A tese da reserva do possível assenta-se em ideia que, desde os romanos, está incorporada na tradição ocidental, no sentido de que a obrigação impossível não pode ser exigida (Impossibilium nulla obligatio est – Celso, D. 50, 17, 185). Por tal motivo, a insuficiência de recursos orçamentários não pode ser considerada uma mera falácia. 2. Todavia, observa-se que a dimensão fática da reserva do possível é questão intrinsecamente vinculada ao problema da escassez. Esta pode ser compreendida como "sinônimo" de desigualdade. Bens escassos são bens que não podem ser usufruídos por todos e, justamente por isso, devem ser distribuídos segundo regras que pressupõe o direito igual ao bem e a impossibilidade do uso igual e simultâneo. 3. Esse estado de escassez, muitas vezes, é resultado de um processo de escolha, de uma decisão. Quando não há recursos suficientes para prover todas as necessidades, a decisão do administrador de investir em determinada área implica escassez de recursos para outra que não foi contemplada. A título de exemplo, o gasto com festividades ou propagandas governamentais pode ser traduzido na ausência de dinheiro para a prestação de uma educação de qualidade. 4. É por esse motivo que, em um primeiro momento, a reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos Direitos Fundamentais, já que, quanto a estes, não cabe ao administrador público preterí-los em suas escolhas. Nem mesmo a vontade da maioria pode tratar tais direitos como secundários. Isso, porque a democracia não se restinge na vontade da maioria. O princípio do majoritário é apenas um instrumento no processo democrático, mas este não se resume àquele. Democracia é, além da vontade da maioria, a realização dos direitos fundamentais. Só haverá democracia real onde houver liberdade de expressão, pluralismo político, acesso à informação, à educação, inviolabilidade da intimidade, o respeito às minorias e às ideias minoritárias etc. Tais valores não podem ser malferidos, ainda que seja a vontade da maioria. Caso contrário, se estará usando da "democracia" para extinguir a Democracia. 5. Com isso, observa-se que a realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador. Não é por outra razão que se afirma que a reserva do possível não é oponível à realização do mínimo existencial. 6. O mínimo existencial não se resume ao mínimo vital, ou seja, o mínimo para se viver. O conteúdo daquilo que seja o mínimo existencial abrange também as condições socioculturais, que, para além da questão da mera sobrevivência, asseguram ao indivíduo um mínimo de inserção na "vida" social. 7. Sendo assim, não fica difícil perceber que dentre os direitos considerados prioritários encontra-se o direito à educação. O que distingue o homem dos demais seres vivos não é a sua condição de animal social, mas sim de ser um animal político. É a sua capacidade de relacionar-se com os demais e, através da ação e do discurso, programar a vida em sociedade. 8. A consciência de que é da essência do ser humano, inclusive sendo o seu traço característico, o relacionamento com os demais em um espaço público – onde todos são, in abstrato, iguais, e cuja diferenciação se dá mais em razão da capacidade para a ação e o discurso do que em virtude de atributos biológicos – é que torna a educação um valor ímpar. No espaço público – onde se travam as relações comerciais, profissionais, trabalhistas, bem como onde se exerce a cidadania – a ausência de educação, de conhecimento, em regra, relega o indivíduo a posições subalternas, o torna dependente das forças físicas para continuar a sobreviver e, ainda assim, em condições precárias. 9. Eis a razão pela qual o art. 227 da CF e o art. 4º da Lei n. 8.069/90 dispõem que a educação deve ser tratada pelo Estado com absoluta prioridade. No mesmo sentido, o art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente prescreve que é dever do Estado assegurar às crianças de zero a seis anos de idade o atendimento em creche e pré-escola. Portanto, o pleito do Ministério Público encontra respaldo legal e jurisprudencial. Precedentes: REsp 511.645/SP, Rel.Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18.8.2009, DJe 27.8.2009; RE 410.715 AgR / SP – Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 22.11.2005, DJ 3.2.2006, p. 76. 10. Porém é preciso fazer uma ressalva no sentido de que mesmo com a alocação dos recursos no atendimento do mínimo existencial persistaa carência orçamentária para atender a todas as demandas. Nesse caso, a escassez não seria fruto da escolha de atividades não prioritárias, mas sim da real insuficiência orçamentária. Em situações limítrofes como essa, não há como o Poder Judiciário imiscuir-se nos planos governamentais, pois estes, dentro do que é possível, estão de acordo com a Constituição, não havendo omissão injustificável. 11. Todavia, a real insuficiência de recursos deve ser demonstrada pelo Poder Público, não sendo admitido que a tese seja utilizada como uma desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, principalmente os de cunho social. No caso dos autos, não houve essa demonstração. Precedente: REsp 764.085/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 1º.12.2009, DJe 10.12.2009. Recurso especial improvido.”

5. CONCLUSÃO

O presente trabalho teve por objetivo o estudo da influência filosófica de Rousseau na constitucionalização do direito fundamental à educação. Destacou-se o modelo de pedagogia proposta pelo teórico em questão, bem como os fundamentos que servirão de alicerce para consolidação das ideais preconizados por ele. Ficou evidenciada a preocupação de Rousseau para com a formação do homem como pessoa humana. Também é de ser mencionado que a maior inquietação de Rousseau consistia na formação do homem íntegro, virtuoso, aquele que melhor pode suportar os bens e os males da vida.

Finalmente, reiteramos adesão à tese de que o pensamento de Rousseau influenciou todas as legislações modernas no aspecto relativo à garantia do direito à educação. Ao denegar a intromissão do liberalismo ele acabou por fomentar a constância estatal em setores da sociedade fundamentais para assegurar a promoção da dignidade humana. Mesmo facultando a atuação da iniciativa privada, a legislação brasileira, nesse aspecto, indubitavelmente inspirada nas ideias de Rousseau, notadamente nossa Constituição Federal, tratou da educação como direito de todos e dever do Estado e da família e que será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

 

Referências
ANTUNES, Marcus Vinicius Martins. Mudança Constitucional: O Brasil Pós-88. Livraria do Advogado. Porto Alegre. 2003.
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional: Teoria do Estado e da Constituição. 13 ed. Del Rey. Belo-Horizonte. 2007.
NASSETTI. Pietro. Do Contrato Social: Jean- Jacques Rousseau. 3. Ed. Martin Claret. São Paulo, 2011.
SIMPSON, Matthew. Compreender Rousseau. Tradução: Hélio Magri Filho. Vozes. Petrópolis. 2007.
SAVIANI. Dermeval. História das Ideias Pedagógicas no Brasil. 3. ed. Autores Associados. Campinas, 2010.


Informações Sobre os Autores

Elizangela Santos de Almeida

Mestranda em Educação pela Universidade de Uberaba – UNIUBE; Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes – UCAM; Pós-Graduanda em Ensino de Filosofia, bem como Coordenação Pedagógica e Planejamento pela Universidade Cândido Mendes – UCAM; Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES

Marcelo Silva.

Mestrando em Educação pela Universidade de Uberaba; Especialização em Inglês; Graduação em Licenciatura em Letras


Equipe Âmbito Jurídico

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