A interrupção da prescrição penal pela publicação de acórdão condenatório recorrível


“Interpretar, em seu conceito fundamental, não é senão conhecer, saber em essência, exatamente a consistência da própria norma, o que ela quer dizer; afirmar o seu significado, as suas finalidades e, associadas a estas, as razões do seu aparecimento e as causas de sua elaboração” (Fernando L. Coelho).


Com[1] a promulgação da Lei n. 11.596, de 29 de novembro de 2007 e conseqüente inclusão no Código Penal do “acórdão condenatório recorrível” como causa de interrupção da prescrição penal, passou-se a perquirir o verdadeiro significado desta alteração.


Diante da nova redação, a prescrição da pretensão punitiva se interrompe “pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis” (art. 117, IV, CP).


Insuspeito que a alteração produzida pretende evitar a prescrição nos processos em que os réus, muitas vezes, abusam da utilização dos recursos para, com a conivência de nosso sistema recursal, conseguirem a extinção da punibilidade. Aliás, esse objetivo está expresso na exposição de motivos do projeto de lei.


Mal entrou em vigor, alguns doutos já se manifestaram pela ineficiência da mudança com o argumento de que “acórdão condenatório” difere de “acórdão confirmatório de condenação” e, como apenas o primeiro foi expressamente previsto em lei, não haveria interrupção da prescrição no segundo caso.


Argumentam ainda, em resumo, que o sentido legal independe da motivação do legislador e que, por se tratar de direito substantivo, a matéria não admite interpretação extensiva.


Discordamos.


Acreditamos que a redação concebida, ainda que careça de primor técnico, como sói acontecer nos últimos tempos, autoriza o entendimento de que a partir da vigência da nova lei, o acórdão condenatório referente à sentença absolutória no juízo a quo bem como o acórdão que majore a pena de sentença condenatória inferior mas também o acórdão que confirma a sentença condenatória ensejam – todos os casos – a interrupção da prescrição.


Inicialmente, os argumentos apresentados contra o dispositivo se baseiam em entendimento jurisprudencial formado sobre a legislação passada na qual sequer havia referência expressa a “acórdão”.


Por outro lado, ainda que a norma jurídica se desvincule da intenção do legislador quando entra em vigência, ao realizar sua interpretação, deve-se buscar o sentido que lhe emprestou o legislador, salvo quando o texto de lei não corresponder de forma alguma com o sentido proposto (ou quando houver incompatibilidade com norma de maior hierarquia). Pensamos que a intenção do legislador, manifestada na exposição de motivos do projeto de lei, não pode ser desprezada.


Afinal, entre os meio interpretativos, admite-se a interpretação racional, constituída pela mens legislatoris (o que o legislador queria dizer) e também pela ocasio legis (circunstâncias que determinaram a criação da lei). Neste sentido, a exposição de motivos mostra-se como um mecanismo valioso para conhecimento e interpretação da lei.


E mais, ao acrescentar a expressão “acórdão condenatório recorrível” fica clara a opção do legislador em ampliar as causas interruptivas da prescrição. Por isso, insistimos, ser no mínimo discutível qualquer juízo de valor fundado em interpretações jurisprudenciais pretéritas realizadas quando o comando cingia-se à “sentença condenatória recorrível”.


Discordamos também das pretensas diferenças entre “acórdão condenatório” e “acórdão confirmatório da condenação”. A utilização do dispositivo do inciso III, do artigo 117 do Código Penal (“pela decisão confirmatória da pronúncia”) como argumento para tanto, não satisfaz pela simples razão do legislador não estar obrigado a empregar as mesmas expressões nos comandos legais, ainda mais quanto se trata de expressão de pouco apuro técnico, como se verá abaixo. Portanto, o simples fato de não se valer da expressão “confirmatória”, por si só, não implica no afastamento da interrupção da prescrição.


É preciso esclarecer que a rigor não existe “acórdão confirmatório” de absolvição ou de condenação, o que existe tecnicamente é acórdão absolutório ou acórdão condenatório substitutivos de sentença absolutória ou condenatória.


Assim, “ainda que a decisão recursal negue provimento ao recurso, ou, na linguagem inexata, mas corrente, ‘confirme’ a decisão recorrida, existe o efeito substitutivo, de sorte que o que passa a valer e ter eficácia é a decisão substitutiva e não a decisão ‘confirmada”.


Essa substituição decorre do pressuposto lógico de que não podem subsistir duas decisões sobre o mesmo fato no processo, logo, “o julgamento proferido pelo órgão ad quem necessariamente substitui a decisão recorrida, nos limites da impugnação. A substituição pode dar-se por decisão de teor diverso daquele que tenha a inferior (caso de provimento do recurso) ou por decisão de igual teor (caso de desprovimento do recurso em que se costuma dizer, de modo inexato, que a decisão anterior foi confirmada)”.


Como ensinava o mestre Frederico Marques:


“Na apelação plena, a decisão de segundo grau substituirá a decisão apelada. Donde concluir-se que a decisão do juízo ad quem, na apelação, ‘èl’unica sentenza che decide la causa,’ ainda que confirme a sentença apelada, pouco importando que o acórdão emanado do juízo de recurso adote iguais fundamentos aos da sentença recorrida”.


Portanto, o chamado “acórdão confirmatório da condenação” nada mais é senão uma decisão colegiada que, negando provimento ao recurso da parte, afirma a exatidão da decisão condenatória proferida pelo órgão primário. E qual a natureza jurídica deste acórdão? Condenatória, por óbvio.


Assim sendo, não enxergamos qualquer óbice na interrupção da prescrição com a publicação do acórdão condenatório recorrível, quando negar provimento a recurso e mantiver o teor da sentença anteriormente proferida.


Por fim, cumpre alertar que o comando em questão, por ser inovação prejudicial ao agente, não retroage, aplicando-se apenas aos crimes cometidos depois da data de sua vigência (art. 5º, XL, CF).




Nota:

[1] Artigo publicado na edição de abril/08 do Boletim Nacional do IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

Informações Sobre o Autor

Fernando Brandini Barbagalo

juiz de direito do Distrito Federal e dos Territórios, especialista em Direito Penal, Processual Penal e Criminologia pela Universidade Cândido Mendes –RJ, professor da UNIP/Brasília.


Equipe Âmbito Jurídico

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