Resumo: A polícia é o órgão do governo que que é responsável por assegurar, principalmente, os Direitos Humanos, especialmente quando violados. A conduta dos agentes policiais na abordagem é referência para compor este estudo, pontualmente retratando as diferenças existentes entre a discricionariedade e à arbitrariedade durante o seu trabalho. O objetivo deste artigo é promover um estudo introdutório sobre a ilicitude da devassa de dados durante a abordagem policial, especialmente a questão do que é essencial a ser observado pelo agente público no cumprimento do seu dever. O conhecimento adquirido para a elaboração desse artigo obteve-se com a leitura de bibliografia de renomados juristas e, de artigos e monografias referentes ao tema, aliados à jurisprudência pátria, principalmente a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, a qual serve como orientação basilar. Assim, concluiu-se que para que haja o manuseio, desbloqueio e acesso aos dados de aparelho celular, durante uma abordagem policial, necessário se faz a ordem judicial, no sentido de que não se afronte a lei maior (CF/88), bem como legislação infraconstitucional a fim de que se resguardem os direitos e garantias fundamentais do cidadão.
Palavras-chave: Segurança Pública. Devassa de dados. Abordagem policial.
INTRODUÇÃO
A Constituição Brasileira de 1988, em seu Artigo 144, definiu que a missão da Segurança Pública, objeto principal das deliberações deste artigo, é a de proteger a incolumidade das pessoas e dos patrimônios. Assim, por determinação constitucional, a polícia é o órgão do governo que que é responsável por assegurar, principalmente, os Direitos Humanos, especialmente quando violados.
Logo, analisar os aspectos contemporâneos que abarcam os limites da ação do Estado é imprescindível. Por isso, é correto afirmar que o Estado deve garantir a segurança do indivíduo e da sociedade, bem como manter os limites das liberdades individuais. No entanto, os direitos dos cidadãos quando relacionados à segurança pública, em primeira perspectiva, dispõem de posicionamentos antagônicos. Para alinhá-los, é necessário observar os princípios que norteiam a Administração Pública.
Portanto, para auxiliar em qualquer dúvida referente ao assunto, este artigo tem por objetivo fazer um estudo a respeito da inviolabilidade do conteúdo dos smartphones durante a abordagem policial. Tal possibilidade é apresentada aqui, ao relatar os aspectos de conduta do agente público que devem ser observados durante a abordagem policial. A observância aos direitos fundamentais e aos princípios que visam proteger a dignidade da pessoa humana são destacados. Especialmente no tocante a função dos agentes públicos, que devem estar aptos a entenderem as transformações da sociedade. Notadamente na atividade policial, pois, no exercício da função, estes profissionais estão aptos a condicionar e restringir o uso e o gozo dos direitos individuais.
A conduta dos agentes policiais na abordagem também foi objeto para compor este estudo, pontualmente retratando as diferenças existentes entre a discricionariedade com relação à arbitrariedade, precisas para o assunto tratado no presente artigo, a ilicitude da devassa de dados durante a abordagem policial. A posição do STJ também foi destaque, visto que entendem como “ilícita a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp, obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial”.
O conhecimento adquirido para a elaboração desse artigo obteve-se com a leitura de bibliografia de renomados juristas e, de artigos e monografias referentes ao tema, aliados à jurisprudência pátria, principalmente a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, a qual serve como orientação basilar.
Portanto, esta pesquisa introdutória justifica-se pelo caráter atual, e mutável, do assunto.
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DO CIDADÃO ABORDADO: A CONDUTA DO AGENTE ADMINISTRATIVO.
O cerne da questão, do que é essencial, a ser observado pelo agente público no cumprimento do seu dever, traduz-se no enfoque dos direitos e garantias fundamentais, explanados no Art. 5° da Carta Magna. Como complemento desta afirmativa, é imprescindível ressaltar os ensinamentos de Bobbio (1992), os quais apontam que os direitos e garantias fundamentais do homem foram conquistados progressivamente, individualmente, desde os remotos períodos históricos e que podem variar, segundo o autor, no tempo e no espaço:
“Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (…) o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas”. (BOBBIO, 1992, p. 5. 19)
É importante salientar, também, o posicionamento de Branco (2008), com características conceituais, o qual afirma que os direitos fundamentais constituem um núcleo, um conjunto de regras e princípios que visam proteger a dignidade da pessoa humana. Ambos os autores, Bobbio (1992) e Branco (2008) concordam que os direitos fundamentais são um conjunto de regras e princípios que tutelam a dignidade da pessoa humana e que são positivados por um ordenamento jurídico.
Por isso, é imprescindível, no discorrer do assunto em questão, arrazoar a respeito do significado e o que é objeto de tutela, por parte do Estado Democrático de Direito.
“O conceito de Estado de Direito (CF, art. 1º, caput) pode ser entendido, em poucas palavras, como o Estado de poderes limitados, por oposição ao chamado Estado Absoluto (em que o poder do soberano era ilimitado). Nesse sentido, o conceito clássico de Estado de Direito abrange três características: a) submissão (dos governantes e dos cidadãos) ao império da lei; b) separação de poderes; c) garantia dos direitos fundamentais”. (SILVA, 2006, p.113).
Logo, os agentes do Estado Democrático de Direito, que se fundamenta, também, nos princípios da dignidade da pessoa humana e da cidadania, também estão sujeitos às regras de direitos, e devem proteger e respeitar as liberdades civis, na visão do autor supracitado. Para maior entendimento da questão, continua-se com os ensinamentos de Silva (2006, p. 113), o qual afirma que “a concepção liberal do Estado de Direito servirá de apoio aos direitos do homem, convertendo súditos em cidadãos livres”.
No entanto, é importante salientar que, mesmo os direitos fundamentais podem ser objeto de limitações e mudanças em um dado momento específico, destacando-se o que foi pontuado por Bobbio (1992). Prontamente, Branco (2008) pontua, em seus estudos, que estas limitações estão explícitas no inciso XLVII do Art. 5° da Constituição Federal. É o caso da pena de morte, em caso de guerra formalmente declarada.
Por isso, os agentes públicos, devem estar aptos a entenderem e se adaptarem às transformações da sociedade. Especialmente a atividade policial, pois, no exercício da função, se deparam, frequentemente, com os limites que tutelam a dignidade humana.
Na lição de Reis (2006), aquele que é investido de competências estatais, tem o dever objetivo de adotar as providências necessárias e adequadas a evitar danos às pessoas e ao patrimônio. O texto, constitucional, responsável por evidenciar a conduta dos agentes é originário do § 6º do artigo 37[1]. Este fragmento contém os princípios balizadores da conduta do agente administrativo, além da responsabilidade objetiva do Estado, relatada por Reis (2006), na busca da coibição dos danos a terceiros.
Logo, é preponderante que o agente policial atue em conformidade com os direitos e garantias fundamentais de cada cidadão. Portanto, a Constituição Federal de 1988 contemplou a Administração Pública com os princípios estabelecidos em seu caput, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Dentre estes princípios, Albuquerque (2011) os cita como preponderantes à conduta dos agentes policiais.
No que tange à legalidade, entende-se que ninguém é obrigado a fazer algo senão, de acordo com a lei. Em contrapartida a esta afirmativa, os agentes administrativos devem fazer apenas o que a lei permite que deve ser feito, suprimindo sua vontade particular, sob pena de ato ilícito.
“Visa-se com o princípio da legalidade expressar, claramente, que toda e qualquer atividade desenvolvida pelo agente durante a gestão pública deverá pautar pelo que a lei expressamente autoriza, sob pena de ato ilícito. Note-se que no cumprimento do princípio da legalidade, a vontade subjetiva do agente público é suprimida a fim de garantir tão somente a finalidade da normal legal” (ALBUQUERQUE, 2011, p.20).
É mister, neste caso, pontuar questões referentes aos direitos civis e à liberdade, explicitadas nos seguintes questionamentos: Existe um judiciário Independente no Brasil? A lei prevalece na resolução de conflitos civis ou criminais? A polícia está diretamente sob controle civil? Existem proteções contra os abusos policiais, torturas, exílio, prisão injustificada? A população é tratada com igualdade pela lei? (Adaptado de FREEDOM IN THE WORLD, 2015).
Com relação ao princípio da impessoalidade, este propõe que toda e qualquer ação da Administração Pública privilegie a sociedade em sua totalidade, sem discriminações. Em seus ensinamentos, Medauar (2010), pontua que que o princípio da impessoalidade proíbe ao agente público, no exercício da gestão, beneficiar de qualquer forma o particular ou o privado.
Figueiredo (2010) afirma que a moralidade, no texto constitucional, corresponde aos padrões que norteiam a moral jurídica, do direito positivo. Isso posto, corrobora a afirmativa de Albuquerque (2011), na qual, o autor pontua que a gestão pública deverá agir pelo que a lei expressamente autoriza, sob pena de ato ilícito.
Nesta discussão, é importante, também, salientar as características do regime democrático.
A democracia, de caráter jurídico, laico, neutro, mínimo, que protege a liberdade das partes (SEMERARO,1999), efetivada na forma da Constituição de 1988, também impõe os limites e as regras de ação para os seus agentes, justamente para tutelar a ação do Estado. Portanto, no tocante à democracia, cita-se a publicidade como um dos princípios basilares da Administração Pública. No que ensina Carlin (2007, p.71) “ a democracia de um país deve ter a transparência como regra básica e o segredo como exceção”. Logo, depreende-se que o princípio constitucional da publicidade exerce, também, um certo controle da conduta de seus agentes, perante à sociedade.
“A inserção do princípio da eficiência, ao lado dos vetores clássicos da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, calcou-se no argumento de que o aparelho estatal deve se revelar apto para gerar benefícios, prestando serviços à sociedade e respeitando o cidadão contribuinte”. (MEDAUAR, 2010, p.133)
No agir dos agentes públicos, a eficiência constitui-se em um elemento importante. Isso porque O respeito aos cidadãos deve ser a base da ação administrativa e, pautando-se, especialmente, em critérios morais e legais.
A conduta na abordagem policial
A segurança pública, em um Estado Democrático de Direito, é permeada de questionamentos, principalmente no que se refere à disciplina de conduta do agente de polícia, durante a abordagem a um cidadão. Araújo (2008) declara que, para se discutir segurança pública em um estado democrático de direito, é necessário debater e tornar válidos os termos de consentimento dos cidadãos, diante da possibilidade de excessos do agente público. As questões referentes à cidadania podem, em primeiro entendimento, parecer divergentes. Entretanto, para Boni (2006), não existe colisão entre os termos.
“A noção de cidadania pode se apresentar paradoxal à ideia de poder de polícia, num exame imediato dos princípios de liberdade e autoridade. Entretanto, o que se constata é que ambos coexistem de forma complementar e harmônica, pois ao passo que se sustentam no interesse público, a cidadania e o poder de polícia são pilares do Estado Democrático de Direito.” (BONI, 2006, p.24).
O Art.144, § 5º da Constituição da República, no tocante à segurança pública, declara que a Polícia Militar tem como principal competência, o policiamento ostensivo e a preservação da ordem social. Em seus ensinamentos, Lazzarini (1998) pontua que a polícia militar atua com enfoque no poder discricionário de polícia. No tocante à discricionariedade, cabe ressaltar suas diferenças com relação à arbitrariedade, pontuais para o assunto tratado no presente artigo.
“Prerrogativa legal conferida à Administração pública, explicita ou implícita para a prática de atos administrativos, quanto à conveniência, oportunidade e conteúdo destes. A Discricionariedade, portanto, é a liberdade de ação administrativa dentro dos limites estabelecidos pela lei e, portanto, não se confunde com a arbitrariedade. Assim, o ato discricionário sempre se desenvolve dentro de uma margem de liberdade conferida pela lei, ao contrário do ato arbitrário, que extrapola os limites desta, sendo, portanto, ilegal.” (MILDENBERGER,2013,p.2)
Suas ações, segundo Lazzarini (1998), devem ser preventivas à prática de delitos e das condutas ofensivas à ordem pública. Continuando com os ensinamentos de Lazzarini (1998, p.26) ofensivas a uma “situação de convivência pacífica e harmoniosa da população, fundada nos princípios vigentes do direito, do costume e da moral ”. Neste entendimento, é de valiosa contribuição a opinião de Neto (2007), o qual destaca a necessidade da observância das normas de conduta, por parte do agente público.
“A ética (ou deontologia) policial militar é constituída pelos valores e deveres éticos, traduzidos em normas de conduta, que se impõe para o exercício da profissão policial atinja plenamente ideais de realização do bem comum, mediante a preservação da ordem pública. Estes valores são aplicados, indistintamente, aos integrantes da Polícia Militar, independentemente do posto ou graduação. Esta deontologia policial deve reunir valores úteis e lógicos e valores espirituais superiores, destinados a elevar a profissão policial-militar à condição da missão”. (NETO, 2007, p.9).
Lazzarini (2003), complementa, ao afirmar que a ordem pública deve ser mantida, enfoca a importância dos preceitos constitucionais nesse processo.
“A ordem pública, contudo, sendo violada em razão de ilícito penal, deve ser restabelecida de imediato e automaticamente pelo órgão de polícia administrativa que tenha a competência constitucional de “preservação da ordem pública”. Cuida-se da “repressão imediata”, que tem o seu fundamento no art. 144, § 5º, da vigente Constituição da República, porque, se não se conseguiu preservar a ordem pública, o órgão policial que detém a exclusividade dessa competência constitucional deve restabelecê-la imediata e automaticamente”. (LAZZARINI, 2003, p.97)
É importante salientar o posicionamento de Neto (2007), o qual afirma que o Brasil inovou ao delimitar os limites e parâmetros para a atuação das Instituições de Segurança Pública, na promulgação da Constituição da República de 1988. Ainda de acordo com o referido autor, são originários da nova constituição os poderes que fiscalizam o trabalho da polícia. Entre estes órgãos fiscalizadores, Neto (2007) cita o Ministério Público, que foi incumbido pela Magna Carta para o controle externo da atividade policial. Competência essa registrada em seus Artigos 127 caput e 129, VII.[2]
Continuando com os ensinamentos de Neto (2007), o autor aduz que nas instâncias federal, estadual e municipal, foram estruturadas as ouvidorias, as comissões e os conselhos de direitos humanos, para monitorar, fiscalizar e para assegurar o respeito aos direitos e garantias individuais.
Outras formas de controle da atividade policial efetivada pela Constituição de 1988, pontua Neto (2007), foram as corregedorias e as ouvidorias de polícia. Estes órgãos formam um canal de comunicação entre a população e a polícia, onde os cidadãos podem denunciar a conduta abusiva de policiais.
Nesse sentido, é efetiva a afirmativa de Boni (2006), que enfatiza que a ação do agente policial deve estar pautada nos limites legais de atuação, para que não se configure em abuso de poder. O supracitado autor declara que “tanto a abordagem policial, quanto a busca pessoal configuram o exercício do poder de polícia”. Entretanto, Araújo (2008) pondera, ao afirmar que é importante saber que a ação policial deve ser dentro dos limites legais. Um complemento para a efetiva democracia, ao utilizar-se da discricionariedade e não da arbitrariedade.
A inviolabilidade da devassa de dados
Conforme já explicitado anteriormente, no decorrer deste estudo, a Constituição Federal de 1988 prevê como garantias ao cidadão a inviolabilidade da intimidade, do sigilo da correspondência, do sigilo de dados e das comunicações telefônicas – salvo por ordem judicial.[3]
Por isso, é importante destacar a visão do Supremo Tribunal de Justiça, a qual direciona que "Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp, obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial." – STJ, RHC 51.531. Ademais, é importante salientar a Lei 9.296/96.[4]
Ensinamentos e correntes doutrinárias atuais vêm destacando que a devassa dos dados de aparelhos celulares é permitida, para fins de investigação criminal, seja na fase policial ou judicial, somente com a devida e expressa ordem judicial, a fim de que se resguardem os direitos e garantias dos cidadãos que aqui transitam, amplamente citados neste artigo. Desta forma, pontuam Junior e Nery (2014):
“Somente é permitida por ordem judicial, para fins de investigação criminal, tanto na fase do inquérito policial, quanto na do processo judicial, nos crimes cominados com pena de reclusão (LIT 2°. III a contrário sensu). Fica vedada a determinação judicial da escuta no processo civil. A exceção da parte final da CF 5° XII abrange apenas a comunicação telefônica, isto é, conversas telefônicas entre pessoas, mas não a comunicação telemática feita por meio de linha telefônica (internet, e-mail, fax, etc.), de modo que é inconstitucional a LIT 1°, par.único. que acrescentou a possibilidade de quebra da inviolabilidade de comunicação telemática, acréscimo que a CF não permite. As exceções aos direitos fundamentais têm que ser interpretadas restritivamente e não, ampliativamente.” (JÚNIOR E NERY, 2014, p.231)
Embora muito discutido e recém firmado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria, sabe-se que na prática a teoria é outra e, infelizmente, muitos operadores das forças policiais acabam por utilizar em demasia suas atribuições, bem como seu “poder”, gerando fundado abuso do direito.
Com o atual posicionamento da colenda corte superior citada, subentende-se, por questões lógicas, que em abordagens policiais não pode haver o manuseio, desbloqueio e acesso aos dados de aparelho celular, sem que haja devida ordem judicial para tanto. Enfático, o ministro relator Néfi Cordeiro, da 6ª Turma do STJ, afirma em seu voto, que:
“Nas conversas mantidas pelo programa whatsapp, que é forma de comunicação escrita, imediata, entre interlocutores, tem-se efetiva interceptação inautorizada de comunicações. É situação similar às conversas mantidas por e-mail, onde para o acesso tem-se igualmente exigido a prévia ordem judicial”. (BRASIL, 2016)
Ainda, destaca-se do voto, definição precisa do que um smartphone representa, atualmente, bem como todas as suas funcionalidades:
“Atualmente, o celular deixou de ser apenas um instrumento de conversação pela voz à longa distância, permitindo, diante do avanço tecnológico, o acesso de múltiplas funções, incluindo, no caso, a verificação da correspondência eletrônica, de mensagens e de outros aplicativos que possibilitam a comunicação por meio de troca de dados de forma similar à telefonia convencional”. (BRASIL, 2016)
Não é novidade que, no mundo e momento contemporâneo, celulares são ferramentas poderosas, servindo não apenas como meio de comunicação por voz, mas também como e-mail, rede social e ferramenta de trabalho. Sabe-se que, atualmente, o mundo respira “ao redor” da internet e com o advento das tecnologias de internet móvel, pode-se utilizar aplicativos com poder de acessar bibliotecas de todo o mundo, contas em bancos públicos ou privados, dentre outras das milhares de funções conferidas a esse pequeno aparelho de “telefonia móvel”.
Ainda, do brilhante voto:
“Atualmente, o acesso a aparelho de telefonia celular de pessoa presa em flagrante possibilita, à autoridade policial, o acesso à inúmeros aplicativos de comunicação em tempo real, tais como Whatsapp, Viber, Line, Wechat, Telegram, BBM, SnapChat, etc. Todos eles com as mesmas funcionalidades de envio e recebimento de mensagens, fotos, vídeos e documentos em tempo real. Após baixados automaticamente no aparelho celular, tais arquivos ficam armazenados na memória do telefone, cabendo ressaltar que a maioria das empresas que disponibilizam tais funcionalidades não guardam os referidos arquivos em seus servidores”. (BRASIL, 2016)
Nesse viés, surge o que a doutrina nomeia de direito probatório de terceira geração, que trata de "provas invasivas, altamente tecnológicas, que permitem alcançar conhecimentos e resultados inatingíveis pelos sentidos e pelas técnicas tradicionais":
“A menção a elementos tangíveis tendeu, por longa data, a condicionar a teoria e prática jurídicas. Contudo, a penetração do mundo virtual como nova realidade, demonstra claramente que tais elementos vinculados à propriedade longe está de abarcar todo o âmbito de incidência de buscas e apreensões, que, de ordinário, exigiriam mandado judicial, impondo reinterpretar o que são "coisas" ou "qualquer elemento de convicção", para abranger todos os elementos que hoje contém dados informacionais. Nesse sentido, tome-se o exemplo de um smartphone: ali, estão e-mails, mensagens, informações sobre usos e costumes do usuário, enfim, um conjunto extenso de informações que extrapolam em muito o conceito de coisa ou de telefone. Supondo-se que a polícia encontre incidentalmente a uma busca um smartphone, poderá apreendê-lo e acessá-lo sem ordem judicial para tanto? Suponha-se, de outra parte, que se pretenda utilizar um sistema capa? De captar emanações de calor de uma residência, para, assim, levantar indícios suficientes ã obtenção de um mandado de busca e apreensão: se estará a restringir algum direito fundamento do interessado, a demandar a obtenção de um mandado expedido por magistrado imparcial de equidistante, sob pena de inutilizabilidade? O e-mail, incidentalmente alcançado por via da apreensão de um notebook, é uma "carta aberta ou não"? Enfim, o conceito de coisa, enquanto res tangível e sujeita a uma relação de pertencimento, persiste como referencial constitucionalmente ainda aplicável à tutela dos direitos fundamentais ou, caso concreto, deveria ser substituído por outro paradigma? Esse é um dos questionamentos básicos da aqui denominada de prova de terceira geração: "chega-se ao problema com o qual as Cortes interminavelmente se deparam, quando consideram os novos avanços tecnológicos: como aplicar a regra baseada em tecnologias passadas às presentes e aos futuros avanços tecnológicos"." Trata-se, pois, de um questionamento bem mais amplo, que convém, todavia, melhor examinar”. (KNIJNIK, 2014, p.179)
Nesse sentido, a flagrante ilegalidade surge quando se afronta intimidade dos cidadãos, na hipótese da apreensão de um aparelho de telefonia celular em uma prisão em flagrante, quiçá em uma abordagem policial, quando, na maioria das vezes, é rotineira e não resguarda uma prévia investigação criminal sobre o sujeito passivo da mesma.
Utilizando-se do direito alienígena, pode-se analisar a jurisprudência comparada, mais recentemente, na experiência da Suprema Corte norte-americana no julgado Riley vs. California (2014), descrita no voto do ministro relator Néfi Cordeiro, em abril de 2016.
No caso em comento pelo descrito relator, David Leon Riley, no dia 22/8/2009, fora abordado pela Polícia de San Diego, onde morava, e surpreendido com a carteira de motorista vencida. A polícia revista o veículo e acaba por encontrar duas pistolas escondidas sob o capô. Após o flagrante, a polícia manuseou o seu aparelho telefone celular, sem um mandado judicial, e descobriu que David Leon Riley fazia parte de uma organização criminosa, a qual era envolvida em inúmeros assassinatos.
Ainda segundo a descrição do ministro relator Néfi Cordeiro, o procurador de Riley sustentou a ilegalidade de todas as provas, por flagrante violação à Quarta Emenda, que é a parte da Declaração de Direitos que guarda contra buscas e apreensões. O Juiz rejeitou este argumento e considerou a busca legítima. Riley fora condenado.
Em sede recursal, a Corte de Apelo ratificou a condenação, reafirmando s fundamentos do juiz adequado ao search incident to arrest (SITA) ou Chimel Rule, baseado à época em recente decisão da Suprema Corte da Califórnia em People v. Diaz, na qual o Tribunal considerou que a Quarta Emenda da Constituição dos EUA permitia à polícia realizar uma pesquisa exploratória de um telefone celular sempre que encontrado perto do suspeito no momento da prisão.
Ainda, a Suprema Corte da Califórnia julgou no mesmo sentido e ratificou o entendimento das instâncias inferiores, afirmando que é possível aproveitar objetos sob o controle de um detido e, assim, realizar buscas sem mandado judicial, para fins de preservação de provas, conforme o caso People v. Diaz, também enfatizado pelo ministro relator Néfi Cordeiro, na justificativa de seu voto.
Em recurso à Suprema Corte dos Estados Unidos da América, Jeffrey L. Fisher, até então professor de direito da Universidade de Stanford argumentou, em nome do peticionário David Riley, que o acesso ao seu smartphone viola os seus direitos inerentes à privacidade.
O Chief Justice John Roberts, em nome da Corte, concluiu que:
“Modern cell phones are not just another technological convenience. With all they contain and all they may reveal, they hold for many Americans “the privacies of life". The fact that technology now allows an individual to carry such information in his hand does not make the information any less worthy of the protection for which the Founders fought”. ((RILEY VS. CALIFORNIA, 573 U.S._2014 apud BRASIL, 2016).
Traduzindo-se, depreende-se que é necessário mandado judicial a fim de que se possa acessar o telefone celular de um cidadão, mesmo em prisão em flagrante, pois, como cita: "telefones celulares modernos não são apenas mais conveniência tecnológica, porque o seu conteúdo revela a intimidade da vida. O fato de a tecnologia agora permitir que um indivíduo transporte essas informações em sua mão não torna a informação menos digna de proteção".
Dessa premissa, por consequência, obtém-se o perfeito entendimento de que durante abordagens policiais rotineiras, blitz, entre outras, o sujeito ativo (policial) não pode manusear, com o intuito de acesso e devassa de dados, o aparelho celular do sujeito passivo do procedimento (abordado), sob pena de flagrante ilegalidade, qual seja, afronta dos direitos e garantias fundamentais ligados à vida privada e a privacidade, bem como, ao sigilo de suas correspondências e comunicações telegráficas.
CONCLUSÃO
Recentemente, a 6ª Turma do STJ – Superior Tribunal de Justiça, decidiu, por unanimidade, em sede de Recurso Ordinário (art. 105, II, “a”, da CF) em Habeas Corpus nº 51.531, oriundo do Estado de Rondônia, que: “Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de WhatsApp, obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial”. Todavia, o escopo do estudo é a devassa de dados dos aparelhos celulares (smartphones), em abordagens policiais ou prisões em flagrante.
Para tanto, servindo-se da tenra decisão em comento, prima-se por salientar que, se ilícita a devassa de dados em processo criminal, oriundo de prisão em flagrante, notória ilicitude se verifica quando presente tal devassa em abordagens policiais, de qualquer corporação que seja. Assim, indiscutível que sem autorização do poder judiciário, a verificação, desbloqueio de senhas, manuseio e devassa de dados de aparelho celular, durante abordagens policiais, blitz de trânsito, bem como em operações de rotina é terminante proibida e ilícita.
À luz da Carta Magna, é garantia fundamental e direito maior do indivíduo, a inviolabilidade dos dados de aparelho celular, bem como a interceptação de e-mail, cartas, mensagens e conversas telefônicas. O inc. XII do art. 5º preleciona que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial.
Assim, conclui-se que para que haja o manuseio, desbloqueio e acesso aos dados de aparelho celular, durante uma abordagem policial, necessário se faz a ordem judicial, no sentido de que não se afronte a lei maior (CF/88), bem como legislação infraconstitucional, cita-se a Lei 9.296 de 96, conhecida como a Lei da Interceptação Telefônica, a fim de que se resguardem os direitos e garantias fundamentais do cidadão abordado.
Bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina 2014. Monitor na disciplina de Direito Penal II. Especialista em Processo Penal pela Universidade Cndido Mendes 2015 e Advocacia Criminal pela Verbo Jurídico 2016. Especialista em em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 2016. É sócio fundador do escritório de advocacia criminal Sardagna Poeta Advogados e cursa Psicologia pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Competências na área de Direito e Psicologia com ênfase em Direito Processual Penal Direito Penal e Criminologia
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