A judicialização do Estado brasileiro, um caminho antidemocrático

Hoje vivemos um fenômeno em nosso país
que remonta aos tempos da aristocracia monárquica, mas atualmente discutimos o
papel do aspecto jurídico e seu impacto na sociedade.  A evolução jurídica
representará o mesmo avanço que promoveu o fim da escravidão e da monarquia em
nossa pátria. Não podemos esquecer que muitos nobres “causídicos” defendiam a
monarquia e a escravidão com vários argumentos inclusive constitucionais.
Afinal, interpretar a Constituição apenas com elementos jurídicos, sem adentrar
nos aspectos sociais e políticos é quase um crime contra a
sociedade, por isto o sistema ideal de interpretação da Constituição  é o
alemão, onde um Conselho com mandato de doze anos e sem vinculação a nenhum dos
poderes estatais ou sociais decide o que é constitucional e o que é
inconstitucional, trazendo a pacificação social e a mudança de pensamento, pois
não permanecem até se aposentarem como é no Brasil. Com uma Constituição
extensa e com termos subjetivos é humanamente obter-se um consenso,
principalmente quando se trata de assuntos de interesse do judiciário. Como
pode o Judiciário ser menos parcial ao decidir acerca de um artigo
constitucional de seu interesse institucional. Particularmente,
acreditamos que juiz imparcial é um mero dogma, principalmente nos julgamentos
individuais, mas certamente ao julgar  poderá ser mais ou menos parcial.
Também não há como definir categoricamente e com critérios meramente jurídicos
o que é intimidade, independência, autonomia e outros termos constitucionais.

A judicialização
do país traz um enorme prejuízo à sociedade e enriquecimento da classe jurídica
em face de conflitos infindáveis que poderiam ser resolvidos de outra forma,
mas o monopólio do mercado de trabalho de juristas incorre no empobrecimento da
sociedade. Fórum não produz riqueza, indústria e empregos, sim. Um país não
pode passar mais tempo gerindo conflitos do que produzindo trabalho rentável. É
óbvio que há o aspecto cultural, onde se confunde Judiciário com Justiça, mas
esta não pode ser monopólio de um grupo, todos podem fazer justiça,
principalmente a conciliatória. O Executivo faz justiça
quando emprega bem as verbas, o Legislativo faz justiça quando faz boas leis, o
Ministério Público também faz justiça quando fiscaliza e não é omisso, a igreja
faz justiça, a escola faz justiça. E o Judiciário faz injustiça também,
quando realiza concursos sem critérios de correção publicamente definidos,
quando promove os que agradam a cúpula, quando não participa da vida social dos
pobres, quando impede a fiscalização da sociedade e quando usam questões
processuais para não decidir o mérito, apesar de  o único motivo de sua
existência é para decidir o mérito, pois inclusive as
teses jurídicas já constam das petições iniciais, contestações, manifestações
ministeriais (formulações para consolidação dos direitos), onde a função da
sentença seria dar eficácia executiva à tese que for acolhida na sentença.
Porém, para efetivar este monopólio induzem a sociedade crer que acesso à
Justiça é apenas acesso ao Judiciário e até criam complicações processuais para
dificultar o acesso, apesar de externarem um discurso de acesso. Mas acesso à
justiça não é apenas “entrar” é também “sair” com a solução definitiva. O que
se veda ao cidadão é o exercício violento do seu direito, mas mesmo assim há
exceções como na legítima defesa.

O sistema jurídico é caro, improdutivo,
apesar de ter  número de juízes e promotores suficientes, pois quando usa
um dado de que em alguns países existe um juiz para três mil habitantes, omite que lá entram no cômputo os juízes arbitrais, os
juízes leigos, os juízes de paz, os juízes municipais, juízes administrativos e
os juízes de instrução (que seriam os promotores no Brasil), mas desejam manter
um monopólio judicial, pois em geral no campo judicial é necessário contratar
um advogado para defender os seus direitos com base em um suposto princípio de
cidadania, mas que tem um fundo de reserva de mercado de trabalho. Afinal se o
direito, em geral, é disponível por que não posso dispor do mesmo em juízo? E
por que um bacharel em Direito precisa contratar um advogado? O correto é o
direito do cidadão de contratar um advogado e não ser obrigado a contratar um
advogado. Em face desta reserva de mercado todas as tentativas de buscar
alternativas extrajudiciais de solução de conflitos são sutilmente boicotadas.
Mas jurídico não é apenas o judicial, este pode ter aspectos jurídicos e também
meramente administrativos. Por exemplo, uma execução de direito sem embargos
não é um ato jurídico, e sim administrativo, afinal jurídico é dizer o direito
e em uma execução o próprio nome diz simplesmente executa. Mas até hoje ainda
consideramos o ato de execução, salvo algumas exceções legais,  como ato
jurídico, o que implica na necessidade de contratar um advogado e iniciar um
novo processo judicial.

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Outro aspecto desta judicialização
é que através das ações do Ministério Público a classe jurídica passa a
administrar o país juntamente com o Judiciário, aparentemente há um aspectos positivos, mas o problema é que são duas
instituições autocráticas e sem respaldo popular, e quando falamos em
participação popular não estamos nos referindo apenas a eleições, pois hoje já
conhecemos outros mecanismos como o referendum, e por qual motivo não consultam
a população sobre o trabalho individual dos promotores e juízes? Por qual
motivo não publicam na Internet a produtividade de cada membro para sabermos
quem está trabalhando? Por qual razão não publica o resultado das punições
anuais aplicadas, ainda que se oculte o nome do profissional? Em geral decidem
individualmente de acordo com interesses pessoais e dizem estar fazendo justiça
social, a melhor justiça social é a preventiva e feita com a participação do
povo. A maioria dos “juristas” não sabe como obter um auxílio reclusão, ou
pensão por morte ou uma assistência social junto ao INSS, pois somente conhecem
o processo judicial. Por falta de implantar o gerenciamento nas atividades os
processos acumulam e depois pousam como vítimas dizendo que há milhares de
processos. Mas não mostram a distribuição  mensal, não fazem atividades
jurídico-sociais e nem dividem em processos complexos e simples. Ações da área
da família deveriam passar por assistentes sociais e psicólogos e não por
advogados, juízes e promotores. Até hoje ainda se idolatram as audiências de
reconciliação judicial como se o juiz ou o promotor fossem dotados de poder
divino ou técnico para resolver estas questões. O motivo pelo qual não delegam
o trabalho é a vaidade pessoal. Um fator agravante é que para exercer os altos
postos da área jurídica não se exige conhecimentos de administração pública e
ciência política. E são estes profissionais que definem a estrutura da lei
orgânica do Ministério Público e da Magistratura, se tivessem interesse
bastaria fazer uma lei orgânica moderna que o legislativo aprovaria, mas apenas
fazem projetos de leis orgânicas que em geral  criam cargos e benefícios
salariais para juízes e promotores. Um trabalho importante do Ministério
Público, mas que é legado a segundo plano são as
recomendações ministeriais e atuação junto ao legislativo e executivo, muitos
membros ministeriais ainda sofrem da síndrome do judicialismo.

Isto tem causado sérios problemas à
nação tanto econômicos como políticos, pois o desequilíbrio
entres os poderes é uma ameaça à soberania. Recentemente, observamos um
presidente da alta corte judiciária dizer que não cumpriria a Lei de
Responsabilidade Fiscal porque é um Poder e não precisa obedecer a lei do
legislativo. Ora, com este mesmo raciocínio o Executivo poderia dizer que é um Poder
e não cumpre mais as decisões judiciais.

Quanto aos concursos jurídicos não
preenchem as vagas em razão da escolha dos examinadores, muitos sem cursos de
pós-graduação e com uma cultura jurídica inaceitável pelos mais jovens, mas por
pressão dos donos e professores de cursinho que de forma inadmissível também
pertencem à magistratura e ao Ministério Público, continuam priorizando provas
teóricas desconexas com a realidade onde os cursinhos enriquecem seus
proprietários ensinando os futuros “juízes e promotores” a decorarem respostas. Além do aspecto ético pelo fato de na
mesma instituição existir examinadores e professores de cursinho, existe a
questão de que se o serviço não está em dia, como é que os seus membros podem
Ter outro emprego?

O grande problema jurídico brasileiro
são os comportamentos jurídicos não definidos, mas existentes, como os
promotores engavetadores, deixam tudo parado, diferem
dos arquivadores, pois estes pelo menos decidem pelo
arquivamento, ou seja, resolvem a situação. Também há
os promotores bumerangues vivem pedindo diligências e o processo vai e volta,
só faltam pedir para provar documentalmente a existência de Deus. Mas estes
profissionais ministeriais não estão sós, existem os juízes “emprateleiradores”, deixam tudo na prateleira, assim
impressionam os que a visualiza, mas como não decide, o volume aumenta
diariamente. Há também juiz esportista que joga pingue pongue
processual, fazendo o chamado ao, ao, ao,… ao autor,
ao réu, ao promotor.

Recapitulando alguns conceitos básicos,
a função do Judiciário não é administrar o país e sim resolver conflitos de
forma definitiva e deve ser considerada a última opção a ser adotada para a
solução dos conflitos, democraticamente a sentença deveria ser a conclusão das
teses e fatos apresentados nas formulações iniciais, pois senão o judiciário
estaria sendo parte direta também. Afinal as formulações iniciais (petição e
contestação) não encaminham apenas o problema ao juízo, mas apresentam a
solução que é o pedido estrito. No Brasil, em razão do monopólio passou a ser a
primeira opção e em breve estará sendo necessário solicitar autorização
judicial para nascer. Afinal, por qual motivo para fazer um divórcio
consensual, um inventário consensual precisa ir ao juiz judicial. Porque não implantaram
os juízes de paz, e nem remuneram os juízes leigos, que devem Ter no mínimo
cinco anos de experiência, mas contratam juízes judiciais que têm um custo
muito maior e em alguns estados nem se exige experiência? E a função do
Ministério Público é fiscalizar os serviços prestados pelos poderes estatais,
mas alguns colegas insistem em comportarem como assessores do Judiciário. Por
qual motivo mantém-se a paridade numérica de juízes e promotores. Isto não tem
nenhum sentido técnico, a não ser que alguns promotores trabalham demais e
outros de menos. Alguns promotores fiscalizam sozinho cinco prefeitos e mais de
setenta vereadores enquanto dez promotores fiscalizam um único prefeito e
alguns vereadores. Alguns ajuízam ações civis públicas altamente complexas,
enquanto alguns dão “pareceres” em ações de divórcio consensual e usucapião.

Aos que dizem que uma administração
jurídica do Estado é eficaz, tenho minhas dúvidas afinal a
classe jurídica é historicamente lenta em seus pensamentos e decisões. E ainda
culpa o legislativo, mas este sempre que vai fazer uma lei sobre questões
nitidamente jurídicas consulta a velha guarda dos juristas que raramente
apresentam alguma solução e quando muito apontam problemas, pois a evolução
hoje é muito rápida e é preciso ver o futuro, não basta uma experiência do
passado,  mas a solução todo mundo sabe que é
democratizar tanto o Ministério Público e o Judiciário, o problema não é
processual e sim institucional. Enquanto existirem os “Coronéis” e “reis”
da  “Justiça” estes não permitiram mudanças pois
não admitem ceder poder, e nem aparecerá a corrupção, afinal a cúpula escolhe
quem os sucederá através de promoções ( sem fundamentação escrita) e concursos
(por que não filmam as provas orais e disponibilizam para o povo, inclusive as
escritas após a correção ?) Assim, dificilmente o baixo clero do sistema
jurídico tem acesso ao conteúdo das decisões e quando detecta algum problema
tem que denunciar à Corregedoria, pois se expor a instituição ao público passa
a ser perseguido e torna-se o denunciado. Por isto o controle externo é natural
em qualquer instituição democrática, e será apenas administrativo, sem os
aspectos de interpretação da aplicação da lei. Quem não presta contas ao povo é
ditador, independente do nome que use.

O desrespeito é tão grande que inventam
até concursos de peças processuais dentro de processos, ou seja, o cidadão
ansioso para o deslinde de seu problema e os juristas escrevendo bonito
para o concurso. Uma coisa é o mero discurso retórico, escrito ou falado, outra
são as ações efetivas. Uma coisa é dizer que quer combater o crime, outra é
trabalhar em conjunto com o Legislativo para aprovar medidas que permitam
defender a sociedade. Uma coisa é dizer que aumentar o acesso à justiça, outra
coisa é fazer medidas efetivas para efetivar este acesso amplo e não
monopolista.

Por fim, justiça não pode ser monopólio
dos juristas, principalmente dos “práticos judicialistas”.
Justiça é democracia, e onde houver democracia haverá justiça, mas esta não é
romântica, pois democracia é confronto. Romântico é a monarquia, a ditadura,
onde poucos mandam e muitos obedecem. Resta saber qual tipo de regime queremos.
Confesso que vislumbro pouquíssimos elementos democráticos no Ministério
Público brasileiro, e nenhum no Judiciário brasileiro, posso estar enganado,
mas também não podemos confundir democracia com aristocracia. Na verdade a reforma jurídica será feita por bem ou por mal, é
melhor que seja por bem e que a classe jurídica participe deste momento,
deixando o comportamento de apenas interpretar as leis e passar a influenciar o
Legislativo para fazer boas leis, a função do jurista é muito mais nobre, não é
mero despachante judicial como as faculdades têm ensinado, afinal hoje nem se
forma mais em Direito, não raramente adquire-se o diploma em prestações
mensais, afinal o índice de reprovação nas faculdades em Direito é muito baixo.
Por isto defendemos a criação dos cursos sequenciais
em Direito com duração menor para exercer funções jurídicas menos complexas. Precisamos rever até a questão de  que apenas bacharéis em
Direito podem fazer provas para a OAB, para a magistratura e para o Ministério
Público, afinal se são apenas provas teóricas que medem o conhecimento jurídico
e que quase todos os aprovados têm que submeter a fazer cursinhos e decorar
apostilas, talvez outras carreiras também devam ter o direito de fazer as
provas. Principalmente no caso do Brasil,  onde na verdade não há
uma petição inicial, mas sim uma formulação inicial para consolidação do
direito, pois em um país positivista raramente é possível criar algum direito a
não ser através de lei, em geral apenas consolida-se no caso concreto a norma
geral, poderíamos discutir após constatar que em vários países, como na antiga rússia, não se exige conhecimento
jurídico acadêmico formal para a magistratura judiciante
ou como é na França onde o que predomina são os julgamentos coletivos e na
“justiça administrativa” há uma composição eclética entre juristas e
administradores públicos.

A judicialização
do Estado brasileiro é um fenômeno que diante do contexto mundial atual é
inconcebível, pois fórum não produz riqueza, uma nação não pode consumir-se em
litígios e a agilização do sistema jurídico ocorreria naturalmente com a
criação de períodos fixos para permanência nos cargos de cúpula, assim como já
é até nas forças armadas para os generais, o mesmo sistema seria adotado para
desembargadores e procuradores de justiça, que seria a aposentadoria
compulsória após um período de oito anos no cargo ou retornaria para o cargo de
origem, pois em uma democracia não há superioridade definitiva entre membros de
uma instituição.
Por fim, precisamos encontrar soluções e não apenas identificar problemas,
sendo que a questão não é apenas jurídica, mas também política e social, e no
contexto não há espaço para corporativismos, sob pena de transformarmos os
cidadãos brasileiros em servos de uma cultura jurídica atrasada, ressaltando
que alguns já confundem cidadãos  com   consumidores. Também é
preciso formar opiniões públicas da necessidade de represália social e moral e
não apenas jurídica, pois cassa-se um político, mas em
seguida ele se elege novamente. É preciso democratizar os
concursos jurídicos, os controles dos gastos, bem como ouvir a população e
permitir a sua participação nas decisões administrativas do Judiciário e do
Ministério Público e no momento de vitaliciamento de
juízes e promotores, além de reduzir os custos e exigir o aperfeiçoamento
permanente dos profissionais, como gerenciamento do trabalho, pois senão não
estaremos defendendo a sociedade, mas os nossos interesses pessoais e
institucionais. E se não conseguimos administrar nem as nossas próprias
instituições, não é crível imaginar que seja justo administrar indiretamente o
país. Caso contrário, saímos da ditadura da farda e
entramos na ditadura da toga.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

André Luís Alves de Melo

 

Mestre em Direito Público pela Unifran e Promotor de Justiça em Estrela do Sul MG, pesquisador jurídico

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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