A legitimação passiva no mandado de segurança

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Resumo: objetiva o presente estudo versar sobre a clássica questão da legitimação passiva em sede de mandado de segurança, renovada ante ao surgimento da Lei nº. 12.016 de 07/08/2009, expondo as principais correntes doutrinárias que se propõem a sistematizá-la, culminando com a apresentação de nossas sumárias opiniões. 


Sumário: 01. Introdução. 02. A Legitimação Passiva no Mandado de Segurança. 03. Conclusão. 04. Bibliografia.


01) Introdução:


O mandado de segurança, segundo autorizada doutrina, é uma criação tipicamente brasileira, com inspiração no juício de amparo do Direito Mexicano[1].


Não representando, aos olhos de JOSÈ CARLOS BARBOSA MOREIRA, “um monstrum sem parentesco algum com o resto do universo, uma singular esquisitisse legislativa, uma peça exótica, uma curiosidade a ser exibida em vitrina ou em jaula para assombro dos passantes”.[2]


Sendo, segundo o maior de nossos processualistas, “uma ação, uma espécie de gênero bem conhecido e familiar, cujas peculiaridades, sem dúvidas dignas de notas, não a desligam do convívio das outras espécies, não a retiram do contexto normal do ordenamento jurídico, não a condenam a degredo em ilha deserta[3].


Disciplinando o inciso LXIX, do artigo 5º, da CRFB/1988 que “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.


Não existindo consenso na doutrina, nem mesmo na jurisprudência, se a impetração do writ deve-se dar em face da autoridade responsável pelo ato e/ou em face da pessoa jurídica de direito público ou a de direito privado que esteja no exercício de atribuições do Poder Público.


Questão tormentosa que a novel Lei 12.016/2009 perdeu a oportunidade de esclarecer[4].


Sendo de se expor e questionar os fundamentos de cada setor de nossa doutrina.


Vale grifar: nosso estudo não almeja enfrentar todo o conteúdo normativo concernente ao mandado de segurança, sendo mais restrito o seu objetivo, o de questionar qual seja a legitimação passiva no writ.


02. A Legitimação Passiva no Mandado de Segurança.


Uma primeira corrente, liderada por HELY LOPES MEIRELLES, defende que o impetrado, em sede de mandado de segurança, seja a autoridade coatora e não a pessoa jurídica ou órgão a que pertence e ao qual seu ato é imputado[5].


Reconhecendo na pessoa física da autoridade uma legitimação ordinária para a causa[6].


Argumentando-se, em apoio, que o objeto dessa ação constitucional seja a reparação da ilegalidade ou do abuso de poder praticado pelo agente do Poder Público que violou direito líquido e certo[7].


Posição que parecia ter sido a adotada pela Lei 1533/51, a qual, no inciso I, do artigo 7º, prescrevia que o juiz, ao despachar a inicial, ordenaria que se notificasse o coator do conteúdo da petição, silenciando-se quanto à necessidade de eventual citação da pessoa jurídica[8].


Uma segunda corrente defende, entretanto, que o pólo passivo da relação processual seja ocupado pela pessoa jurídica de direito público ou a que esteja no exercício de atribuições do Poder Público.


Tese essa liderada por CELSO AGRÍCOLA BARBI[9].


Argumentando-se, em apoio, que será a pessoa jurídica que arcará com os ônus processuais e que terá legitimidade para recorrer da decisão judicial[10].


E, em sede pretoriana, nesse mesmo sentido, já se manifestou o STF, RTJ 118/337 e o STJ, RT 730/201.


Leitura essa que melhor se amolda ao “modelo constitucional de processo”, pois permite ao ente que suportará, concretamente, os ônus processuais, defender seus interesses em juízo. 


Uma terceira corrente proclama, ainda, que, em litisconsórcio necessário, devam figurar no pólo passivo do mandamus, a autoridade coatora e a pessoa jurídica a cujos quadros aquela pertença[11].


Posição que também veio a ser defendida, ainda sob a égide da Lei 1533/51, em alentado estudo, por LÚCIA VALLE FIGUEIREDO[12].


E que, aos olhos de CASSIO SCARPINELLA BUENO, teria sido encampada, ainda que involuntariamente, pela Lei 12.016/2009, ante ao que prescreve o seu artigo 7º, inciso II[13].


Em relação às duas últimas vertentes, recebe dura crítica pretoriana, sob o argumento de que não haveria que se falar em litisconsórcio entre a autoridade coatora e o ente público legitimado, pois este último é a própria parte, da qual a primeira seria um mero órgão.


Assim, por exemplo, STJ, Recurso Especial de nº. 99.271-CE, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, RSTJ 93/117; e Recurso Especial de nº. 86.030-AM, Relator Ministro Peçanha Martins, DJU 28.6.99.  


 Identificando-se, sem muito esforço, uma quarta corrente que não obstante afirmar que o pólo passivo no writ deva ser formado pela pessoa jurídica a quem pertença a autoridade coatora, sustenta que aquela seja representada por esta, em primeiro grau[14].


Nessa marcha, o aplaudido CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO[15].


Segmento rejeitado por ANDRÉ RAMOS TAVARES, para quem essa solução seria ferina ao direito de defesa (técnica) da pessoa jurídica[16].


03) Conclusão:


Buscou-se, nesse módico artigo, enfrentar a sempre atual questão da legitimação passiva em sede de mandado de segurança. 


 Em relação à qual, nos alinhamos àqueles que a atribuem, exclusivamente, à pessoa jurídica de direito público ou a de direito privado que esteja no exercício de atribuições do Poder Público, posto ser essa que arcará com os ônus processuais e que terá legitimidade para recorrer da decisão judicial.


 Entendendo que a autoridade é chamada ao processo na qualidade de mera informante, obrigada ao dever de verdade[17].


 Finalmente, temos para nós não haver que se falar em litisconsórcio entre a autoridade e o ente público legitimado, pois este último é a própria parte, da qual a primeira é um mero agente.


 


Bibliografia:

BARBI, CELSO AGRÍCOLA. Do Mandado de Segurança, 7ª edição, Editora Forense, 1993.

BARBOSA MOREIRA, JOSÈ CARLOS. Artigo: “Recorribilidade das Decisões Interlocutórias no Processo do Mandado de Segurança”, Revista Forense, nº. 324, RJ, fls. 75-80, 1993.

BARROSO, LUIS ROBERTO. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas, 4ª edição, Editora Renovar, 2000.

BASTOS, CELSO RIBEIRO. Do Mandado de Segurança, Editora Saraiva, 1982.

BUZAID, ALFREDO. Do Mandado de Segurança, Editora Saraiva, 1981.

DI PIETRO, MARIA SYLVIA ZANELLA. Direito Administrativo, 21ª edição, Editora Atlas, 2008.

DINAMARCO, CANDIDO RANGEL. Instituições de Direito Processual Civil, volume 2, 4ª edição, Malheiros Editores, 2004.

FIGUEIREDO, LÚCIA VALLE. Mandado de Segurança, 6ª edição, Malheiros Editores, 2009.

FIGUEIREDO, LÚCIA VALLE. Artigo: “A Autoridade Coatora e o Sujeito Passivo do Mandado de Segurança”, SP, Ed. RT, 1991. 

GRECO FILHO, VICENTE. Direito Processual Civil Brasileiro, volume 3, 18ª edição, Editora Saraiva, 2006.

JUSTEN FILHO, MARÇAL. Curso de Direito Administrativo, 4ª edição, Editora Saraiva, 2009.

MARINONI, LUIZ GUILHERME e outro. Curso de Processo Civil, volume V, Ed. RT, 2008, fls. 242.

MEIRELLES, HELY LOPES. Mandado de Segurança, 31ª ed. atualizada por ARNOLDO WALD e por GILMAR FERREIRA MENDES, Malheiros Editores, 2008.

MORAES, ALEXANDRE DE. Direito Constitucional, 23ª ed., Editora Atlas, 2008.

MOREIRA NETO, DIOGO DE FIGUEIREDO. Curso de Direito Administrativo, 15ª edição, Editora Forense, 2009.

RAMOS TAVARES, ANDRE. Curso de Direito Constitucional, 7ª edição, 2009, Editora Saraiva.

SCARPINELLA BUENO, CÁSSIO. A Nova Lei do Mandado de Segurança, 2009, Editora Saraiva.


Notas:

[1] Assim, v.g., LUIS ROBERTO BARROSO, in O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas, 4ª edição, Editora Renovar, 2000, fls. 185.

[2] Apud Artigo: “Recorribilidade das Decisões Interlocutórias no Processo do Mandado de Segurança”, Revista Forense, nº. 324, RJ, 1993, fls. 75.

[3] Expressamente, J.C. BARBOSA Moreira, in artigo citado, fls. 75.

[4] Tal qual reconhece CÁSSIO SCARPINELLA BUENO, in A Nova Lei do Mandado de Segurança, 2009, Editora Saraiva, fls. 36.

[5] Apud Mandado de Segurança, 31ª ed., Malheiros Editores, 2008, fls. 64. Também assim, MARÇAL JUSTEN FILHO in Curso de Direito Administrativo, 4ª edição, Editora Saraiva, fls. 1017, 2009.

[6] Nessa marcha, Alexandre de Moraes, apud Direito Constitucional, 23ª ed., Editora Atlas, 2008, fls. 156.

[7] Expressamente, VICENTE GRECO FILHO, Direito Processual Civil Brasileiro, volume 3, 18ª edição, Editora Saraiva, 2006, fls. 320.

[8] Sendo que, nesse primeiro segmento, parece não se olvidar que a pessoa jurídica possa ingressar na lide, em qualquer fase, ante ao que prescrevia o artigo 19 da Lei 1533/51. E, ao sentir de  HELY LOPES MEIRELLES, na qualidade de litisconsorte ou de assistente (cf. obra citada, fls. 72 a 74). Mas, para parte da jurisprudência, não seria cabível, aqui, a assistência (v.g., STJ, AgRgMS nº 5690-DF, Rel. Ministro José Delgado, DJU 24.09.2001 e STF, MS nº 24.414-DF, Rel. Ministro Cezar Peluzo, RTJ 188/663).

[9] Apud “Do Mandado de Segurança”, 7ª edição, Editora Forense, 1993, fls. 154.

[10] Nesse sentido, DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, apud Curso de Direito Administrativo, 15ª edição, 2009, Editora Forense, fls. 674 e 675. Também assim, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, in Direito Administrativo, 21ª edição, Editora Atlas, 2008, fls. 737. Ainda que essa autora diferencie a figura do impetrado, que afirma ser a autoridade coatora, da figura do legitimado passivo, que afirma ser a pessoa jurídica.

[11] Expressamente, ALFREDO BUZAID, em seu clássico “Do Mandado de Segurança”, Editora Saraiva, 1989, fls. 184.

[12] Apud Artigo: “A Autoridade Coatora e o Sujeito Passivo do Mandado de Segurança”, SP, Ed. RT, 1991, fls. 33. Sendo, entretanto, do saber geral que prestigiada autora veio a alterar seu posicionamento, passando a entender que a pessoa jurídica seja, na hipótese, a titular da legitimação passiva (cf. Mandado de Segurança, 6ª edição, Malheiros Editores, 2009, fls. 54 e 55).

[13] Apud obra citada, fls. 37 e 38.

[14] Seria uma hipótese de representação processual e não de substituição processual (cf. nesse sentido, expressamente, LUIS ROBERTO BARROSO, in O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas, 4ª edição, Editora Renovar, 2000, fls. 191). Ainda que CELSO RIBEIRO BASTOS tenha defendido – e depois abandonado – a concepção de que teríamos, na hipótese, uma verdadeira substituição processual (cf. da lavra do saudoso mestre, “Do Mandado de Segurança”, 1982, Saraiva, fls. 38).

[15] In Instituições de Direito Processual Civil, volume 2, 4ª edição, Malheiros Editores, 2004, fls. 202. Também assim, LUIZ GUILHERME MARINONI e SERGIO CRUZ ARENHART, apud Curso de Processo Civil, volume V, Ed. RT, 2008, fls. 242, nota 22.

[16] In Curso de Direito Constitucional, 7ª edição, 2009, Editora Saraiva, fls. 892. Opinião à qual manifestamos nossa adesão, posto que permitir à autoridade a representação processual da pessoa jurídica não se amolda, aos nossos olhos, ao modelo constitucional do processo.

[17] Sendo essa a conhecida opinião de ANDRE RAMOS TAVARES, in obra citada, fls. 895.

Informações Sobre o Autor

Alexandre Costa de Araújo

Especialista em Direito do Consumidor e em Direito Processual Civil. Membro Honorário da Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Advogado, no Rio de Janeiro.


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Equipe Âmbito Jurídico

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