A legitimidade do exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil)

Resumo: O objetivo deste trabalho é demonstrar que o exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) possui legitimidade no ordenamento jurídico pátrio, seu respaldo legal advém da própria Carta Magna de 1988. Dessa maneira, projetos de lei com escopo de extinguir o exame que é promovido pela OAB, contradiz fundamento, que por certo, é incontestável. O presente artigo analisa a justificativa apresentada no projeto de Lei do Senado nº 186/2006, que tem por fito extinguir o exame de ordem, sob a argumentação de que a advocacia é a única profissão que exige exame para o exercício da profissão. Entretanto, os defensores desta tese esquecem que a advocacia é uma profissão diferenciada por lei, pois faz parte da administração da justiça. O interesse público é inerente a profissão do advogado, eis que sua função possui caráter social, mesmo quando exercida privativamente. Ademais, se o advogado não observar os valores éticos e o conhecimento jurídico poderá causar danos irreparáveis ou de difícil reparação aos que pleiteiam por meio dele a tutela estatal. Portanto, a função do advogado é essencialmente social, haja vista que este é um servidor da sociedade, além de ser parte efetiva na busca da justiça. Para compreender as razões da obrigatoriedade do exame de ordem foi analisada a sua evolução histórica e o desenvolvimento dos cursos jurídicos no Brasil. Após essa análise, infere-se que o exame de ordem passou a ser fundamental no atual cenário brasileiro.  Isto porque a exigência da prova da OAB é meio que testa a qualidade dos cursos jurídicos e do bacharel em Direito, sendo importante tal exame, mormente diante do fenômeno de expansão das Faculdades de Direito sem o devido controle de qualidade.  


Palavras-chave: Advogado (a). Exame da OAB. Exigência. Ensino Jurídico. Função Social.


Resumén: La finalidad de este estudio es comprobar que la evolución realizada por el Orden de los Abogados de Brasil (OAB) tiene legitimidad en el ordenamiento jurídico patrio. Su fundamento legal viene de la Constitución de la República de 1988. De esa manera, Proyectos de Ley con el escopo de extinguir esa evaluación, hecha por el OAB, son opuestos a su fundamento. El presente trabajo analiza la exposición de motivos existente en el Proyecto de Ley nº 186/2006, del Senado, que tiene el objetivo de extinguir el examen, requisito para el ejercicio de la profesión de abogado en Brasil. Sin embargo, los defensores de esa tesis se olvidan que la profesión de abogado es distinguida por ley, ya que consiste en función esencial a la administración de la justicia. La finalidad pública es presupuesto de la profesión de abogado, pues su función detiene carácter social, aunque ejercida privativamente. Además, si el abogado no observar los valores éticos y el conocimiento jurídico podrá generar daños sin reparación a sus clientes, que solicitan la tutela estatal. Por tanto, la función del abogado es esencialmente social, puesto que él es un servidor de la sociedad como un todo y por ser parte procesal que busca la justicia. Para entender las razones de la obligatoriedad de esa evolución de conocimientos, ha sido analizada la historia y el desarrollo de los cursos de enseñanza superior de Derecho en Brasil. Después, se concluye que la evaluación del Orden de los Abogados de Brasil es fundamental en el panorama brasileño, ya que atesta la calidad de las licenciaturas en Derecho y de sus bachilleres. De hecho, tal evolución es de extrema importancia, ante el fenómeno de la expansión de las Facultades de Derecho sin un efectivo control de calidad.


Palabras-clave: Abogado. Evaluación del Orden de los Abogados de Brasil. Obligación. Enseñaza Jurídica. Función Social.


1. Introdução


A Constituição da República de 1988 (CR/88) dispõe no seu artigo 5º, XIII que, é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.” (BRASIL, 1988).


Não obstante ao supracitado preceito constitucional, o Senador Gilvam Pinheiro Borges (PMDB-AP), apresentou em 09 de junho de 2006 à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), projeto de lei, sendo este, o PLS – Projeto de Lei do Senado nº. 186/2006.


A finalidade do referido projeto de lei consiste em extinguir a exigência de aprovação no exame que é aplicado aos bacharéis em Direito, promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).


A proposta de autoria do supracitado senador foi encaminhada à Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) e esta, por sua vez, levou a matéria à apreciação da Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) para análise do mérito.


Com a finalidade de coligir as divergentes opiniões no que tange ao conteúdo do projeto de lei realizou-se audiência pública nessa segunda comissão (CE), para que assim, o relator da matéria pudesse elaborar seu parecer.


Por conseguinte, importantes questões foram tratadas na mencionada audiência. O presente artigo confrontará algumas dessas questões com o referido projeto. 


Primeiramente, o PLS nº. 186/2006 tem por designo alterar os artigos 8º, 58 e 84 da Lei nº. 8.906/94, concernentes a exigência de aprovação no exame de Ordem promovido pela OAB[1].


Em vista disso, o autor da proposta de nova lei, Senador Gilvam Borges, apresentou como justificativa para abolição da prova que, “a advocacia é a única profissão para cujo exercício a respectiva entidade de classe – a saber, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – exige aprovação em exame de proficiência” (BRASIL, 2006).


Fica aqui, portanto, registrado a impropriedade em se apresentar justificativa de extinção do Exame de Ordem se pautando no fato de outras profissões não apresentarem tal requisito, tendo em vista que a advocacia faz parte da administração da justiça. Abolir um requisito necessário ao exercício de uma profissão que é tutelado por lei ocasiona a insegurança jurídica, uma vez que é o bem da coletividade que está em discussão.


Ademais, a não observância pelo (a) advogado (a) aos valores éticos, sobretudo ao conhecimento jurídico poderá causar danos irreparáveis ou de difícil reparação à parte que pleiteia por meio de causídico a tutela jurisdicional.


Nesse sentido, transcrevem-se as palavras de Paulo Lôbo:


“A advocacia, sobretudo quando ministrada em caráter privado, é exercida segundo uma função social intrínseca. A função social é a sua mais importante e dignificante característica. O interesse particular do cliente ou da remuneração e o prestígio do advogado não podem sacrificar os interesses sociais e coletivos e o bem comum. A função social é o valor finalístico de seu mister.” (LÔBO, 2007, p. 35)


Além disso, dispõe a própria Carta Magna de 1988, no seu artigo 133 que, o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da Lei(BRASIL, 1988).


Outra questão apresentada pelo autor do projeto, Senador Gilvam Borges é que:


“a despeito de o aspirante à carreira haver sido diplomado, necessariamente, em instituição de ensino superior oficialmente autorizada e credenciada pelo Ministério da Educação (Lei nº 8.906, de 1994, art. 8º, II), a qual o submete, com freqüência, durante pelo menos cinco longos anos de estudos acadêmicos, a avaliações periódicas, ele é compelido a submeter-se a essa espécie de certame, que, decerto, não tem o condão de avaliar, de modo adequado, a capacidade técnica de quem quer que seja. Se, por outro lado, tentar-se argüir que a intenção do assim chamado Exame de Ordem seria avaliar o desempenho das instituições de ensino, não nos parece razoável que o ônus recaia sobre o aspirante a advogado, ainda mais porque o Ministério da Educação já se responsabiliza pela aplicação do Exame Nacional de Cursos (Provão), com esse exato objetivo” (BRASIL, 2006).


A argumentação supramencionada não deve prosperar, pois na audiência pública realizada na CE pareceres que a contradiz foram apresentados, quais sejam, o Senador Marconi Perillo (PSDB-GO), expôs que o “MEC (Ministério da Educação) não possui números suficientes de fiscais para inspecionar todas as instituições de ensino do país” (PERILLO apud BORGES, 2009, acesso em 05 ago. 2010).


Além disso, o coordenador de Supervisão da Secretaria Superior de Educação Superior do MEC, Sr. Frederico Normanha Ribeiro de Almeida, alegou que, “esse ministério não possui condições de pronunciar sobre a necessidade ou não do exame de ordem” (ALMEIDA apud BORGES, 2009, acesso em 05 ago. 2010).


Cabe, ainda, ressaltar que o vice-presidente da Comissão Nacional de Exame de Ordem do Conselho Federal da OAB, Dílson José de Oliveira Lima, “contestou a justificativa do Senador Gilvam Borges de que as instituições de ensino já formam e qualificam os profissionais de Direito, pois, apesar de o Exame de Ordem ser o mesmo em diferentes cidades do país, os resultados são discrepantes” (LIMA apud BORGES, 2009, acesso em 05 ago. 2010).


 Importante salientar que o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil em seu artigo 2º, §1º afirma que o advogado mesmo em seu ministério privado exerce função social (BRASIL, 1994).


Assim, é evidente a prestação de serviço público por parte do advogado, sendo, portanto, de suma importância uma contundente fiscalização dos futuros profissionais da advocacia. Situação benéfica para a sociedade e para o país, que prestigia a necessidade da formação de advogados e advogadas qualificados.


Desse modo, registra-se que é indispensável à realização do exame promovido pela OAB, eis que por meio deste é testado a capacidade do operador do Direito em lidar de forma eficaz com as necessidades jurídicas da sociedade.


Portanto, a exigência do Exame de Ordem encontra respaldo exatamente na Constituição Federal. Logo, projetos de lei com escopo de extinguir tal requisito contradizem fundamento que por certo é incontestável. Assim, a função do advogado é essencialmente social, haja vista que este é um servidor fundamental da sociedade, além de ser parte efetiva na busca da justiça.


2. O retrato histórico dos cursos jurídicos e do exame da OAB


2.1. O surgimento dos cursos jurídicos no Brasil e seu papel social


O surgimento dos cursos jurídicos no Brasil se deu no período imperial, uma vez que foi naquele momento que o primeiro projeto de criação e implantação do curso de Direito foi apresentado perante a Assembléia Constituinte de 1823.


Contudo, somente em 1826 foi apresentada ao Parlamento Imperial a primeira proposta concreta de criação de um curso de Direito no Brasil.


Dessa forma, em 11 de agosto de 1827, após vários debates, a proposta se tornou vitoriosa, quando, portanto, criou-se no Brasil o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Academia de São Paulo e o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais de Olinda.


Segundo Bastos (1997), no período Republicano iniciaram-se várias discussões sobre o papel social dos cursos jurídicos, haja vista a preocupação existente por parte das escolas jurídicas em desenvolver uma formação intelectual mais conveniente aos bacharéis.


Desse modo, observou Bastos (1997) que naquele período, o curso jurídico destinou-se à formação de bacharéis advogados, porém não era somente esta a destinação do curso, já que também havia uma destinação de se formar uma elite institucional e política brasileira, bem como uma elite de pensamento humanístico.


De acordo com Bastos (1997), com o passar do tempo outras profissões também foram se destacando junto à convivência cotidiana com a profissão do advogado, citem-se os administradores, economistas, contadores, sociólogos, entre outras profissões. Ademais, a convivência entre esses profissionais de diferentes áreas refletiu diretamente na formação dos futuros operadores do Direito, haja vista que houve uma integração entre o currículo dos cursos de Direito aos demais cursos universitários, sobretudo nas áreas de ciências humanas e sociais. Portanto, verifica-se que para a formação da grade curricular jurídica, o curso de Direito recebeu necessariamente várias influências de outros cursos acadêmicos da área humanística, isso se deu em razão do curso jurídico possuir um papel essencialmente social.


2.2. Visão crítica sobre o surgimento e proliferação dos cursos jurídicos no Brasil


De fato, o surgimento dos cursos jurídicos teve início a partir do advento de uma lei datada de 11 de agosto de 1827. Entretanto, pondera Galdino (1997) que para entender os motivos que levaram a criação dos cursos jurídicos é necessário compreender o processo de independência do Brasil.


Ensina Galdino (1997) que na fase em que o Brasil era colônia de Portugal não existiam aqui escolas superiores, fato que cominou na formação de toda a elite brasileira na metrópole (Portugal), mais especificamente na Universidade de Coimbra, sendo explicada, assim, a grande influência da escola lusitana sobre a criação do Estado Nacional brasileiro. Após a independência do Brasil, as elites nacionais precisavam formar uma administração para o novo Estado. Com isso, a fase de criação dos cursos jurídicos se confunde com a própria formação do Estado nacional, uma vez que a finalidade dessas escolas era reproduzir a ideologia desse novo país.


A partir daí entende-se o porquê que os constituintes de 1823 se empenharam tanto na discussão acerca da criação das Faculdades de Direito. Nessa fase havia um discurso contraditório por parte dos estadistas que proclamavam o ideário liberal do Estado, contudo centralizavam o poder no aparato estatal.


Portanto, entende Galdino (1997) que é nesse contexto que nasce o ensino jurídico pregando os ideais liberais do Estado Constitucional. Entretanto, o objetivo era fortalecer o aparelho estatal centralizador.


A intenção da elite nacional era a sua manutenção no poder através de uma reprodução ideológica. O ensino jurídico era centralizado, uma vez que havia monopólio da instrução superior com a gratuidade do serviço prestado.


Caracterizava-se, então, o ensino jurídico no império pela sua centralização e pobreza de recursos. Havia somente duas escolas jurídicas, sendo a de São Paulo e de Olinda, e mais tarde se formou a escola do Recife.


Galdino (1997) consigna que nesse período ficou evidente que a Faculdade de Direito se tornou um centro de formação geral à moda da Universidade de Coimbra, desse modo era constante o desejo de reformas. Nesse sentido, chegou-se ao período Republicano com uma formação jurídica ineficiente e totalmente desvinculada da realidade social. Não foi diferente na República Velha, pois a formação jurídica permaneceu retórica, sem compromisso com a realidade social e as transformações do país.


A inércia da efetiva reforma no ensino do Direito permanece ainda na era Vargas, de modo que o Direito não acompanhava as profundas transformações econômicas e sociais que desafiam a sociedade brasileira.


Conforme as lições de Galdino (1997), nota-se a preocupação da comunidade jurídica na reforma da escola jurídica, principalmente com a figura do professor Francisco Clementino de San Tiago Dantas, que foi referência na inspiração de movimentos posteriores para a reforma do ensino.


Verifica-se, até aqui, que dentro de um contexto político e social urgem-se necessárias mudanças para o ensino do Direito. Entretanto, considerando que dentro desse contexto já havia uma crise no ensino jurídico ela se torna mais contundente no período do governo autoritário, ou seja, no pós-golpe militar de 1964. Isso porque, nessa fase há uma expansão indiscriminada do ensino superior, haja vista a finalidade de reverter à insatisfação política da classe média urbana e consequentemente conseguir o seu apoio para o projeto de governo.


Dessa forma, conforme apontado por Galdino (1997) surge uma expansão nada criteriosa da educação superior, proliferam instituições privadas sem o devido controle de sua qualidade. Ressalta-se que a proliferação se deu, principalmente, nos cursos de ciências sociais, em razão da baixa necessidade de investimentos.


No entendimento de Muniz e Vieira (2009), “a expansão dos cursos de ensino superior nasceu para atender a um objetivo social relativo à democratização da educação (…)” (MUNIZ; VIEIRA, 2009, p. 6144).


Para esses autores:


“Nesse processo de expansão, o curso de Direito tornou-se um dos mais procurados, o que se justifica, para alguns, através de sua inegável importância histórica no Brasil, uma vez que esta foi a primeira área de ensino superior implementada no País; já para outros, constitui-se uma maneira de alcançar altos salários, visto que muitos concursos para cargos extremamente bem remunerados são voltados à área jurídica; e determinada parcela busca, ainda, “status” social e bons rendimentos assegurados pelo poder público. Tal intensa procura culminou com a explosão de novos cursos por toda a nação brasileira” (MUNIZ; VIEIRA, 2009, p. 6143-6144).


Muniz e Vieira (2009) arrematam o raciocínio dizendo que


“A qualidade do ensino superior jurídico passa a ser questionada por toda a sociedade, a qual assiste à realização de inúmeros concursos públicos, os quais, em muitos casos, não logram êxito, em razão de as vagas não serem preenchidas, devido aos candidatos não alcançarem a pontuação mínima necessária à aprovação. Os últimos resultados dos exames da Ordem no País confirmam, de forma alarmante, a ineficácia e ineficiência de tais cursos, mediante a exorbitante quantidade de reprovados” (MUNIZ; VIEIRA, 2009, p. 6143-6144).


Lembram os referidos autores que


“os cursos de direito recebem, via de regra, alunos que concluem o curso de ensino médio com baixa capacidade reflexiva, devido à falta de leitura, assim grande será a dificuldade de se dominar a linguagem utilizada no estudo do direito” (MUNIZ; VIEIRA, 2009, p. 6150).


Diante desse contexto vislumbrado no Brasil em que inúmeras Faculdades de Direito são questionadas pela baixa qualidade do ensino e considerando que, infelizmente, muitos alunos ingressam no ensino superior com deficiências na formação escolar fundamental é no mínimo razoável admitir meios eficazes de se apurar se os bacharéis possuem condições de dar os primeiros passos na advocacia.


2.3 O surgimento da OAB e sua contribuição para a eficácia do ensino jurídico


A origem da OAB se deu no período Imperial, desde então a Ordem preocupava-se com os problemas relacionados com a cultura jurídica, lidando com os interesses de seus membros.


A OAB foi criada como órgão de seleção e disciplina dos advogados, por isso ela não possui responsabilidade direta pelo ensino do Direito.


Porém, seus objetivos são mais amplos, já que “assume posições para a qual não foi imaginada institucionalmente, mas para as quais é impelida pelo ímpeto de seus integrantes” (GALDINO, 1997, p.178).


A OAB também desempenhou papel de destaque na busca pela democracia, haja vista que “a história recente do Brasil testemunha o papel de resistência, às vezes com o sacrifício de vidas humanas, desempenhado pelos advogados durante os anos de regime militar” (GALDINO, 1997, p.178).


Frisa-se que a OAB pode adotar várias medidas para a melhoria da qualidade do ensino jurídico, eis que pode avaliar as instituições de ensino. Dessa forma, é possível informar a população sobre as escolas, além de realizar um controle externo sobre a qualidade dos manuais jurídicos.


Não terminam aqui as funções exercidas pela OAB, já que em seu novo estatuto há determinação obrigatória de submissão ao exame de ordem àqueles que desejam exercer a advocacia. Contudo, antes de adentrarmos nesta polêmica questão, analisaremos historicamente como surgiu à exigência do exame de ordem.


Desde 1963, no advento da Lei n° 4.215, de 27 de abril daquele ano, conforme art. 48, inciso III da aludida legislação, se exigia para a inscrição do bacharel em Direito nos quadros da OAB o “certificado de comprovação do exercício e resultado do estágio, ou de habilitação no Exame de Ordem…” (BRASIL, 1963).


Dessa forma, o exame de ordem era opcional, eis que se o bacharel em Direito tivesse realizado um estágio profissional não era necessário a realização do exame da OAB, bastava apenas ser submetido a um exame, denominado exame de estágio. Por outro lado, se o bacharel não cumprisse o estágio profissional deveria, então, se submeter à prova do exame de ordem.


Contudo, em 1972, a Lei n° 4.215/63 foi revogada pela Lei n° 5.842/72, que determinava em seu art. 1º que


“para fins de inscrição no quadro de advogados da Ordem dos Advogados do Brasil, ficam dispensados do exame de Ordem e de comprovação do exercício e resultado do estágio de que trata a Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963, os Bacharéis em Direito que realizaram junto às respectivas faculdades estágio de prática forense e organização judiciária”. (BRASIL, 1972)


Sendo assim, nessa época as faculdades ou universidades que tivessem montado um escritório modelo e tivessem mil títulos, além de possuir grade curricular e convênio de acordo com a OAB poderiam os concluintes bacharéis que aprovados por convênio supervisionado serem recebidos pela Ordem sem prestar o exame. (MESQUITA, acesso em 08 jul. 2010)


Portanto, havia uma diferenciação entre as faculdades, aquelas que não tinham escritório modelo sujeitavam-se ao regime de exame da Ordem e aquelas que tinham não se sujeitavam.


Verifica-se, assim, que a fiscalização e a avaliação que a OAB exerce sobre os profissionais do Direito vêm de data bastante remota, porém a sua atuação foi intensificada, principalmente após a abertura para a iniciativa privada da criação dos cursos jurídicos.


Em referência aos dados históricos, a crise no ensino jurídico foi intensificada pelo novo contexto político, haja vista que nesse cenário permitiu-se a iniciativa privada a criação de novos cursos de Direito.


Após o regime totalitário desencadeador da proliferação dos cursos jurídicos surgiu a Constituição da República de 1988.


Por certo, o constituinte de 1988 preocupado com os novos contornos políticos e sociais, bem assim com a eficácia do ideário de justiça, determinou no artigo 133 da Carta Magna que, “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da Lei(BRASIL, 1988).


Ademais, o mesmo constituinte de 1988, determinou no artigo 5º, XIII que, é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” (BRASIL, 1988).


A partir do mencionado art. 5, inciso XIII, da CR/88, edita-se, em 1994, o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil que determinou que todos os bacharéis em Direito se submetessem ao exame de Ordem, atendendo, assim, ao preceito constitucional, impôs, ainda, o fim do monopólio existente entre as faculdades que não submetiam seus alunos ao exame.


Conforme já mencionado, é bastante polêmica a questão de se exigir do bacharel em Direito a submissão e a aprovação no exame promovido pela OAB, exigência feita pelo legislador em 1994.


Já houve casos em que bacharéis em direito ingressaram em Juízo pleiteando a admissão nos quadros de advogados da OAB sem se submeterem ao exame de ordem. Felizmente, o Poder Judiciário tem afastado estes pleitos. Abaixo se encontra a fundamentação de uma sentença que considerou legítimo o exame de ordem.


“No caso, o art. 8º, IV, da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), que exige expressamente, como requisito para a inscrição do bacharel em direito como advogado, “aprovação em Exame de Ordem”, de modo que a pretensão do reclamante encontra óbice explícito nesta disposição legal. E nem venha o autor esgrimir o já surrado argumento da pretensa inconstitucionalidade da exigência contida no art. 8º, IV, da Lei 8.906/94 à luz do disposto no art. 5º, XIII, da Constituição Federal, pois não há qualquer antinomia entre o princípio constitucional do livre exercício profissional, atendidas as condições que a lei estabelecer, e a exigência legal da aprovação no Exame de Ordem como pressuposto para a inscrição do bacharel em direito como advogado perante a Ordem dos Advogados do Brasil. Tal exigência, aliás, não só é perfeitamente compatível com o princípio constitucional entes mencionado como é decorrência lógica e jurídica daquele princípio. A Constituição Federal, no art. 5º, XIII, assegura: “é o livre exercício de qualquer trabalho ofício ou profissão, desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Nesse passo, a Lei nº 8.906, de 04.07.94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, estabelece, em seu art. 8º, caput, os requisitos para a inscrição como advogado. Dentre esses requisitos, no que interessa in casu, está o Exame de Ordem, cuja regulamentação, por força § 1º daquele mesmo artigo, ficou a cargo do Conselho Federal da OAB” (JUSTIÇA…, 2010).


No mesmo sentido encontra-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:


ADMINISTRATIVO – ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – EXAME DE ORDEM – DISPENSA – BACHAREL QUE POR INCOMPATIBILIDADE NÃO SE INSCREVEU NO QUADRO DE ESTAGIÁRIOS – NECESSIDADE DO EXAME DE ORDEM.


I – Não é lícito confundir o status de bacharel em direito, com aquele de advogado. Bacharel é o diplomado em curso de Direito. Advogado é o bacharel credenciado pelo Estado ao exercício do jus postulandi.


II. A inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil não constitui mero título honorífico, necessariamente agregado ao diploma de bacharel. Nela se consuma ato-condição que transforma o bacharel em advogado.


III. A seleção de bacharéis para o exercício da advocacia deve ser tão rigorosa como o procedimento de escolha de magistrados e agentes do Ministério Público. Não é de bom aviso liberalizá-la.


IV. O estágio profissional constitui um noviciado, pelo qual o aprendiz toma contato com os costumes forenses, perde a timidez (Um dos grandes defeitos do causídico) e efetua auto avaliação de seus pendores para a carreira que pretende seguir.


V. A inscrição no quadro de advogados pressupõe, a submissão do bacharel em Direito ao Exame de Ordem. Esta, a regra. As exceções estão catalogadas, exaustivamente, em regulamento baixado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.


VI. “O aluno de curso jurídico que exerça atividade incompatível com a advocacia pode freqüentar o estágio ministrado pela respectiva instituição de ensino superior, para fins de aprendizagem, vedada a inscrição na OAB.”(Art. 9º, § 3º da Lei 8.906/94) VII. Bacharel em direito que, por exercer cargo ou função incompatível com a advocacia, jamais foi inscrito como estagiário na OAB está obrigado a prestar Exame de Ordem.”(Art. 7º,  Paragr.único, de Res. 7/94)”. (BRASÍLIA, Recurso especial nº 214671/RS, Relator Ministro  Humberto Gomes de Barros, primeira turma, julgado em 23/05/2000, DJ 01/08/2000)


Clara está a posição defendida nesse artigo da obrigatoriedade da realização desse exame, pois os bacharéis devem estar aptos para dar o primeiros passos na advocacia, eles precisam demonstrar conhecimento dos institutos basilares do direito, bem como capacidade prática-profissional para redigir peças processuais do dia a dia forense.


O exame de ordem também serve para tranquilizar a sociedade no sentido de que os novos advogados estão aptos a exercerem o seu ofício. Além disso, o referido exame também é um meio das Faculdades de Direito comprovarem a qualificação de seus egressos.


Nesse mesmo sentido, concluiu Galdino:


“Com efeito, o Exame de Ordem pode funcionar como indutor da melhoria da qualidade do ensino jurídico. Poderoso indutor. Sendo certo que grande parte dos estudantes de Direito pretende inscrever-se na Ordem, o direcionamento dado pelos exames (concursos) de Ordem pode influir decisivamente na formação universitária. A contribuição da Ordem poderia ser no sentido de exigir nos exames as disciplinas formativas a que nos referimos anteriormente. Na verdade, a avaliação da Ordem não pode cingir-se à informação, ao contrário, deve centrar-se na formação do Bacharel. Tenha-se presente a tendência de valorização da formação geral sobre a especializada. Neste sentido, os demais concursos públicos (MP, magistratura, etc.) poderiam também passar a avaliar a formação geral dos concursandos, com o objetivo de direcionar e privilegiar o ensino das respectivas disciplinas (formativas). A idéia não está isenta de críticas.” (GALDINO, 1997, p. 181)


Não se pode olvidar que a advocacia é uma profissão com grande enfoque social, podendo até mesmo ser considerada como um serviço público lato sensu. Portanto, os profissionais do Direito precisam demonstrar habilidades mínimas para terem a chancela do Estado e com isso obterem habilitação para advogar.


3. Considerações finais


Através da elaboração deste trabalho foi possível compreender que devido à proliferação nada criteriosa dos cursos jurídicos no Brasil o exame de Ordem exerce papel fundamental na fiscalização e avaliação dos futuros profissionais do Direito.


Faz-se necessária uma contundente fiscalização aos futuros profissionais da advocacia, tendo em vista que esta profissão é fundamental para a administração da justiça.


Somente por meio do exame pode-se testar a capacidade do operador do Direito em lidar de forma eficaz com as necessidades da sociedade. Além disso, os demais profissionais do Direito, quais sejam, delegados de polícia, membros da magistratura, do Ministério Público, defensores públicos, procuradores da União, do Estado e do Município, dentre outros, se submetem a rigorosos exames, o que é mais uma razão para que o bacharel em direito que almeja tornar-se advogado também se submeta a um exame de proficiência.


Urge ressaltar que o exame da OAB não é concurso público. Assim, a prova realizada para a obtenção da habilitação para advogar não possui o mesmo sentido de uma prova para ingresso na carreira pública. O importante no exame de ordem é selecionar aqueles que estão aptos a dar os primeiros passos na advocacia, demonstrando conhecimentos jurídicos suficientes para tal intento.


Através da análise dos preceitos constitucionais infere-se que o advogado exerce função essencialmente social, eis que é servidor fundamental da sociedade, além de ser parte efetiva na busca da justiça.


Por fim, a investigação dos dados históricos referentes aos cursos jurídicos no Brasil permite estabelecer que a crise no ensino jurídico ainda não acabou, uma vez que cresce a cada dia o número de novas Faculdades de Direito sem a devida qualificação. Assim, na atualidade, o filtro dessa proliferação desenfreada de novos cursos jurídicos é o próprio exame de Ordem, que inibe profissionais despreparados a exercerem a advocacia, profissão fundamentalmente pública e de grande responsabilidade.  


 


Referências

BASTOS, Aurélio Wander. Ensino jurídico no Brasil e as suas personalidades históricas: uma recuperação de seu passado para reconhecer seu futuro. Ensino Jurídico OAB 170 anos de cursos jurídicos no Brasil, Brasília: Conselho Federal da OAB, 1997. p. 35-55.

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Nota:

[1] Lei n. 8.906/94: “Art. 8 – Para inscrição como advogado é necessário: IV- aprovação em exame de ordem;” “art. 58 – Compete privativamente ao Conselho Seccional: VI- realizar o Exame de Ordem”;

“art. 84 – O estagiário, inscrito no respectivo quadro, fica dispensado do Exame de Ordem, desde que comprove, em até dois anos da promulgação desta Lei, o exercício e resultado do estágio profissional ou a conclusão, com aproveitamento, do estágio de “Prática Forense e Organização Judiciária”, realizado junto à respectiva faculdade, na forma da legislação em vigor”.

Informações Sobre os Autores

Frederico Oliveira Freitas

Mestre em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos Pós-Graduado em Direito Público pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais Pós-Graduado em Docência e Gestão do Ensino Superior pela PUC/MG Professor das Faculdades de Direito Arnaldo Janssen Professor do curso de Pós-Graduação da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Advogado

Daniele de Oliveira Furtado

Acadêmica de Direito da Faculdade de Direito Padre Arnaldo Janssen


Equipe Âmbito Jurídico

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