A legitimidade e as capacidades exigidas e o conceito de parte no direito processual


A autora traz didaticamente os conceitos e destaca a importância destes para o direito processual civil brasileiro.


Na seara cível, a capacidade de direito é aquela de adquirir direitos (herdar, receber doação, e etc) e contrair obrigações. Todos independentemente de sua idade ou mesmo sanidade mental gozam indistintamente de capacidade de direito ou de gozo. Todavia, não possuem a capacidade de fato ou de exercício. Desta forma, todos possuem capacidade de ser parte em juízo.


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A capacidade de estar em juízo corresponde à capacidade de direito e, mesmo algumas entidades sem personalidade jurídica a possuem(tais como o nascituro, as pessoas formais, a massa falida, o espólio e até mesmo a família) podem atuar como partes desde que corretamente representados. À tais entidades despersonalizadas foi conferida a personalidade judiciária ex vi o art. 12 do CPC.


Já a capacidade processual segue as regras da capacidade de exercício ou de fato prevista no Código Civil(que aliás adotou recentemente 18 anos para a maioridade equiparando-se com a já existente maioridade da esfera criminal).


Exige-se que haja a capacidade de manifestar sua vontade, assim, exige-se, também pleno discernimento a fim dar legitimidade e validade ao ato jurídico produzido.


A bem do fiel cumprimento do princípio do contraditório e da ampla defesa, a lei processual civil, em virtude do interesse público inerentemente traz igualmente amparado o réu preso, bem como o ré revel citado fictamente e ainda as hipóteses do art. 10 do CPC que exige a outorga uxória nas ações reais imobiliárias e impõe o litisconsórcio necessário.


Cabendo a obtenção via suprimento judicial quando a recusa ocorrer de forma injustificada ou simplesmente não for possível obtê-la(art. 11 do CPC).


Não se pode confundir a legitimatio ad processum com a ad causam que é condição da ação: a primeira é pressuposto processual cuja ausência gera nulidade do processo face a ausência da existência e da validade da relação jurídica processual. Enquanto que na hipótese de carência de ação é gerada a extinção do processo sem julgamento do mérito, por faltar o juízo de admissibilidade.


Segundo Arruda Alvim, a capacidade de ser parte é requisito pré-processual. A capacidade processual é pressuposto de validade processual previsto no art. 267, IV do CPC sendo a manifestação da capacidade de exercício ou de fato no plano processual.


Por legitimidade das partes entende-se a “pertinência subjetiva da lide”, ou seja, que o autor seja aquele a quem a lei assegura o direito de invocar a tutela jurisdicional e o réu, aquele contra o qual pode o autor pretender algo.


Os absoluta e os relativamente incapazes podem ser partes mas não podem praticar os atos processuais pois não possuem capacidade processual. A exceção feita ao menor de 18 anos como autor nos Juizados Especiais cíveis(LJE art. 8 parágrafo segundo) e na justiça do trabalho(CLT 792). E, também para requerer o suprimento judicial de consentimento dos pais para contrair matrimônio ou ainda para emancipação.


Apenas as pessoas capazes possuem capacidade processual plena; as relativamente incapazes possuem capacidade processual limitada e as absolutamente incapazes são destituídas de tal capacidade.


Daí, porque a capacidade processual pode ser integrada (assistência) ou suprida(representação). Numa ação de alimentos, por exemplo, o menor apesar de possuir capacidade para ser parte, logo o autor, por não possui capacidade processual será representado por sua mãe ou quem legalmente o represente.


A capacidade postulatória é aptidão de procurar em juízo e exercida em regra pelo advogado regularmente inscrito na OAB e também ao Ministério Público(tanto no processo civil como no penal, CF, art. 129, III, CPC art. 81, LACP art. 5o., CDC art. 82, I ECA, art. 210, I).


Há casos em que dispensa-se a capacidade postulatória nos juizados especiais cíveis em causas até vinte salários-mínimos(art. 9o., caput, LJE), sendo exigível a presença de advogado apenas nas causas de valor entre 20 a 40 salários-mínimos.


Também na justiça do trabalho, o empregado pode reclamar pessoalmente sem a necessidade de advogado (art. 791, caput CLT), para a impetração de habeas corpus( art. 654,caput, CPP).


Em mandado de segurança as informações devem ser prestadas pessoalmente pela autoridade coatora, que é a ré legítima, não se admitindo que sejam subscritas somente por procurador.


O juiz alvo de exceção de suspeição ou de impedimento também possui capacidade postulatória para deduzir sua própria defesa bem como o advogado em causa própria.( art. 313 e 36 do CPC).


A capacidade processual significa assim a aptidão para praticar-se atos processuais pessoalmente.. Enquanto que a legitimatio ad causam possui aquele que é o titular do direito material deduzido em juízo.


A nomeação de curador especial que exerce função processual, não dispensa a regularidade da representação de direito material da parte no processo.(art. 9o., CPC).


Sobrevindo a incapacidade de uma das partes o processo não se extingue, devendo a partir daí ser representada ou assistida.


Aos tutelados e curatelados além de estarem representados ou assistidos , a lei impõe que seja dada autorização judicial para ajuizarem ou contestarem a ação por seus tutores ou curadores.


A falta de capacidade processual pode ser alegada pelo réu em preliminar de contestação ex vi o art. 301, VIII CPC, deve o juiz assinar prazo à parte ou a terceiro para a devida regularização de sua representação(art. 13 do CPC).


Não sendo regularizada tempestivamente, o juiz declarará a nulidade do processo se a incapacidade for do autor e a revelia se a incapacidade for do réu e, se for de terceiro, este será excluído da relação jurídica processual (art. 13, incisos I a III do CPC).


Apesar de tratar-se de nulidade sanável, é matéria de ordem pública e, assim tão logo seja concedido prazo para a regularização esta deve ser feita, e pode ser alegada a qualquer tempo e grau de instrução, podendo inclusive o julgador conhecê-la até de ofício (art. 267, IV, parágrafo terceiro, 301, VIII, parágrafo quarto do CPC).


Há de se atentar para o conceito de parte que em sentido processual é aquele que pede(autor), em face de quem se pede (réu) a tutela jurisdicional. O juiz e as partes são sujeitos do processo pois integram efetivamente a relação jurídica processual.


O MP quando atua como fiscal da lei é interveniente. O substituto processual(art. 6o. do CPC)é parte. Os terceiros que intervêm no feito já instaurado , deixam de ser terceiros e, passam também a ser parte(o oponente, denunciado da lide, o chamado ao processo, o nomeado à autoria quando aceita a nomeação).


O terceiro prejudicado não é parte (art. 499 CPC primeiro parágrafo, o assistente litisconsorcial), já o assistente simples é mero terceiro interveniente (art. 50 do CPC).


Parte, em sentido material, é aquele que afirma ser titular da relação jurídica de direito material discutida em juízo.


Não houve boa redação técnica quando no art. 588 do CPC o legislador ao nomear as partes da ação de execução, os chamou de credor e devedor, atribuindo erroneamente a nomenclatura de direito material enquanto que o mais adequado seria nomear-lhes de exeqüente e executado.


Já litigante de má fé é parte interveniente que no processo age com dolo ou culpa causando dano processual à parte contrária. É também chamado de improbus litgator pois age por meios escusos e inescrupulosos ou prolonga demais o andamento do processo, procrastinando o feito. Tais condutas definidas no art. 17 do CPC em caráter positivo configuram exemplos do descumprimento do dever de probidade previsto no art. 14 do CPC.


As hipóteses de litigância de má fé estão arroladas taxativamente, não comportando ampliação(é o que entende Arruda Alvim, Borges, Leão).


Já para outros a taxatividade é relativa às hipóteses caracterizadoras, mas não à incidência restritiva do instituto pois tal preceito pode ser aplicado também nos processos disciplinados por leis extravagantes, como por exemplo, na ação civil pública , LACP art. 18, na ação coletiva (CDC art. 81, 87 e 93 e seguintes) e, no mandado de segurança nas ações falenciais.


A pretensão contra o texto legal quer do autor ou do réu, a falha normalmente é do advogado, daí o Estatuto da OAB prever inclusive sua responsabilidade solidária. E mesmo assim, a parte será responsável pela indenização à parte contrária que poderá voltar em regresso contra seu advogado.


Outra definição curial é quanto ao fato incontroverso ou incontrovertido pois que é afirmado por uma parte e não contestado por outra, com um plus caracterizado pelo seu desconhecimento pela parte que deduz suas alegações no processo.


Já alterar a verdade dos fatos consiste em afirmar fato inexistente ou negar o existente; ou dar versão mentirosa ao fato verdadeiro.


Basta a culpa ou o erro inescusável, a Lei 6.771/80 retirou o elemento subjetivo intencionalmente, de sorte não mais exigir o dolo.


A resistência injustificada ao andamento processual pode ser por exemplo, atos de fraude de execução (art. 593 e 600 do CPC).


A lide temerária nas palavras de Chiovenda é o proceder de modo afoito, anormal, tendo consciência do injusto. Pode tanto advir de dolo como de culpa grave, mas nunca de culpa leve.


A mera imprudência ou imperícia não caracteriza a lide temerária mas não permitem que o magistrado possa considerar ter havido má-fé.


Apesar do direito de recorrer ser constitucionalmente garantido, o abuso desse direito não é tolerado pelo sistema.


Sobre a teoria das condições da ação já abordada por Chiovenda como sendo necessárias para se obter um pronunciamento favorável, foi Liebman que as conceituou como questões que precedem ao exame de mérito, pois para este doutrinador a ação é o direito de provocar o exercício da função jurisdicional; direito subjetivo que consiste no poder de criar a situação a que o exercício desta função está condicionado, ou seja, direito à jurisdição.


As condições da ação à luz do direito processual civil brasileiro são os requisitos indispensáveis para o exercício da ação (art. 267, VI) fiel ao magistério de Liebman, mais tarde o próprio doutrinador abandonou em sua terceira edição do seu Manual, tal entendimento suprimindo do elenco das condições da ação a possibilidade jurídica do pedido, resumindo-as em duas: o interesse de agir e a legitimação para agir.


Calmon de Passos in seus Comentários ao Código de Processo Civil criticava a inserção da possibilidade jurídica do pedido, pois esta sempre existiria, toda vez que a pretensão (substancial) não estivesse vedada pelo ordenamento jurídico e não quando faltasse nele a previsão, em abstrato, da pretensão postulada.


Realmente em face do art. 126 do CPC que reconhece a existência de lacuna na lei, não se pode compreender a possibilidade jurídica em sua feição clássica. Tal eventual imprevisão legal pode ser suprida pelas regras de integração das normas jurídicas, dado que não pode o juiz eximir-se de emitir despacho ou decisão, a pretexto de lacuna ou obscuridade da lei.


Resumindo, o conceito de parte é eminentemente processual, é ambíguo, sob do ponto de vista semântico, pois ao mesmo tempo, indica porção, o quinhão integrante de um todo maior, e também indica aquele que participa. Ora tanto a doutrina como a própria lei usa o conceito nesses dois sentidos.


Muitos processualistas como Carnelutti emprega o conceito de parte no sentido formal para indicar sujeitos do processo, distinguindo-os das partes em sentido material ou substancial que seriam sujeitos da lide.


É comum, na literatura processual, designarem partes principais, às verdadeiras partes, atribuindo-se aos terceiros intervenientes a denominação de partes secundárias


Assim sendo o conceito de parte refere-se sempre a uma situação processual.


Rosenberg define parte com conceito semelhante: “Parte no processo civil são aquelas pessoas que solicitam e contra as quais se solicita, em nome próprio, a tutela estatal, em particular a sentença e a execução forçada.”


J. Frederico Marques a respeito diz que “deve reconhecer a posição de parte a todo aquele que formula uma pretensão e pede a aplicação jurisdicional do direito, independentemente da indagação sobre a existência da legitimatio ad causam ou sobre a existência do direito material em que descansa a referida pretensão.”


Já advertia Chiovenda, “a relação processual e as partes existem com a simples afirmação da ação, independentemente de sua existência efetiva, cuja averiguação constitui exatamente, objeto da lide.”



Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


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Equipe Âmbito Jurídico

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