1 – Noções sobre conflito de leis no tempo na Lei Antitóxicos.
Tema recorrente em sede de doutrina e jurisprudência nacionais decorre do conflito de leis penais no tempo.
Presentemente, a questão voltou à baila com a Lei 11.343/06 – Antitóxicos –, que traz inovações em todos os quadrantes do tema, como se verá.
Leciona Damásio de Jesus, em seu Manual de Direito Penal, que a os conflitos entre leis decorrem da abolitio criminis, da novatio legis incriminadora, da novatio legis in pejus, e, da novatio legis in mellius.
a) A abolitio criminis se dá, segundo o art. 2º do CP, quando uma lei posterior deixa de considerar infração penal um fato anteriormente punido. Ex.: a Lei 11.343/06 não mais considera crime a violação de sigilo (Lei 6.368/76, art. 17).
b) A novatio legis incriminadora, por sua vez, segundo o mestre, advém quando um indiferente penal em face de lei antiga é considerado crime pela posterior. Ex.: a Lei 11.343/06 criminaliza o financiamento e custeio ao tráfico e a colaboração do informante (arts. 35 e 36), outrora impuníveis.
c) A novatio legis in pejus ocorre quando a lei nova modifica o regime anterior, agravando a situação do agente. Ex.: agora o crime de tráfico é punido mais severamente, com reclusão de 5 a 15 anos e pagamento de 500 a 1.500 dias-multa. Pela lei revogada (Lei 6368/76, art. 12), a pena era reclusão, de 3 a 15 anos, e pagamento de 50 a 360 dias-multa.
d) Por derradeiro, a novatio legis in mellius, consoante Damásio, advém quando a lei nova, sem excluir a incriminação, é mais favorável ao sujeito. Ex.: na Lei 11.343/06, o ponto mais benévolo – e que é de geral sabença – reside no crime de porte de entorpecentes que não mais cataloga pena privativa de liberdade (antigo art. 16 e atual art. 28).
2 – A causa de diminuição de pena (§ 4º do art. 33) dos crimes de tráfico. Aplicabilidade aos crimes de tráfico sob a égide da Lei 6368/76.
A nova Lei de Tóxicos, em seu art. 33, § 4º, prevê uma causa de diminuição de pena ao crime de tráfico, com a seguinte redação: “Nos delitos definidos no caput e no parágrafo primeiro deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”
Os crimes previstos no caput e § 1º poderão ter as penas reduzidas de um sexto a dois terços, no caso do agente primário, de bons antecedentes e que não se dedicar às atividades criminosas e nem integrar organização criminosa. Embora o parágrafo utilize a expressão poderão indicativa de faculdade judicial, sabido é que se trata de dever judicial, de direito público subjetivo do acusado e o juiz não pode negá-lo. De todo modo, para a concessão há de ser reconhecido na sentença todas as circunstâncias favoráveis ao agente referidas, sob pena de negação.
Em regra, a redução máxima prevalecerá, chegando-se a uma pena definitiva de um ano e oito meses de reclusão. Independente do quantum da redução, sempre se imporá o regime fechado, único adequado aos crimes de tráfico, consoante se extrai do contido na Lei de Crimes Hediondos, sendo vedada a pena substitutiva ou qualquer outro benefício (art. 44, caput).
Pergunta: Ao réu processado por tráfico de drogas, sob os ditames da revogada Lei 6.368/76, seria factível conceder-lhe a causa de diminuição da pena do art. 33, § 4º, combinando os diplomas?
No mínimo, duas correntes se formarão: uma no sentido positivo, porquanto a lei mais benéfica há de sempre retroagir para alcançar fatos pretéritos. É o princípio da retroatividade da lei mais benéfica (CF, art. 5º, XL). Destarte, na sentença, fixada a pena-base, quando na 3ª fase de cálculo da pena, o magistrado reduzirá a pena, se presentes, cumulativamente, os quatro requisitos referidos. Supondo a imposição de pena mínima, 3 anos, com a redução máxima de dois terços, chegar-se-á a uma pena privativa de liberdade de um ano. São favoráveis a este entendimento Roubier, Garraud e Petrocelli, no exterior; Basileu Garcia, José Frederico Marques, Magalhães Noronha, no Brasil. Mais recentemente, Damásio, Delmanto e Mirabete.
Outra corrente opinará contrariamente, porquanto a norma penal é um sistema indissolúvel, um todo indecomponível, não podendo ser cindida. Já defendiam este entendimento Costa e Silva, Nélson Hungria e Aníbal Bruno. Atualmente, assim se posicionam Fernando Capez, Heleno Cláudio Fragoso, Pierangelli, Paulo José da Costa Júnior e Guilherme Nucci. Ou seja, a causa de diminuição somente tem aplicabilidade se o crime de tráfico foi praticado na vigência da atual Lei 11.343/06, ou seja, de 08 de outubro de 2.006 em diante. Esta principiologia, com a qual concordamos, cristalizou-se no C. Supremo Tribunal Federal nos casos de revelia do réu citado por edital, diante da redação do art. 366 do CPP, dada pela Lei 9.271/96. Assim, se o réu não comparecer ao interrogatório e não constituir defensor, o feito ficará suspenso, bem como o prazo prescricional. Por se tratar de norma de conteúdo misto – penal e processual –, polemizou-se sobre a possibilidade de sempre se suspender ambos os prazos, o prescricional e o processual ou somente um, o processual, mais benéfico ao agente.
Após longo debate, tanto o STF quanto o STJ afinaram-se quanto à impossibilidade da cisão do diploma legal. Das decisões que formaram o arcabouço jurisprudencial, colhe-se o seguinte julgado: “O atual art. 366 dispõe sobre ‘direito material’ (prescrição), aplicando-se às infrações cometidas após a sua eficácia, só retroagindo para beneficiar o réu (CF, art. 5º, XL), e dispõe, também, sobre direito processual (suspensão do processo), que, em princípio, aplica-se aos processos em curso. Entretanto, as disposições do atual art. 366 formam um sistema, um todo indecomponível, insuscetível de cisão. Não há como acolher a tese que cria um terceiro sistema para os processos em curso e relativos às infrações cometidas antes da lei nova, para que tais processos sejam suspensos, ‘sem prejuízo’ do curso do prazo de prescrição. Precedentes das Turmas. Habeas Corpus conhecido, mas indeferido. (STF – HC nº 76.352-5 – SP – 2ª T – Rel. Min. Maurício Corrêa – J. 03.03.98 – DJU 22.05.98).”
3 – A causa de diminuição e a Lei 6.368/76.
Afastada a idéia de combinação de leis, respeitadas as opiniões divergentes, resta uma questão de grande relevância a ser equacionada pelos princípios que solvem os conflitos de lei no tempo, estudados no item 1.
A questão relevante no art. 12, da Lei 6.368/76. Cálculo da pena. Em se tratando de réu com o passado imaculado, ausentes circunstâncias judiciais (inclusive, sendo pequena a quantidade de entorpecente) e legais desfavoráveis, bem como excluída qualquer das causas de aumento do art. 18, da Lei 6.368/76, inexoravelmente fará jus à pena mínima (3 anos de reclusão e multa). Pois bem, nesta mesma situação, sopesadas as mesmas circunstâncias positivas do réu, o juiz se valendo do disposto no atual art. 33, § 4º, chegará a uma pena privativa de liberdade abaixo de 3 anos.
Indaga-se: seria o art. 33, § 4º hipótese de novatio legis in mellius? Seria uma lex mitior?
A resposta é positiva. Assim, no caso concreto, basta o juiz ao sentenciar antever se com a Lei atual (art. 33, § 4º) o réu terá uma pena mais favorável. Se a resposta for positiva, aplicará a novel redação. Do contrário, não.
A medida é de boa política criminal, porquanto boa parte dos processos em andamento tem como acusados jovens usuários e/ou dependentes que se nutrem da mercancia para levantamento de recurso e futura aquisição de mais entorpecente.
4 – Conclusões.
1) Temos posição contrária à combinação de leis. Mesclar leis autônomas para criar uma terceira mais favorável ao réu torna o juiz um legislador, algo que fere o princípio da tripartição de poderes e provoca verdadeiro tumulto. Conflita com o pensamento do legislador em dado momento da história, violando o fim para o qual a lei veio a lume.
2) Nos processos por tráfico de drogas (Lei 6.368/76, art. 12), poderá o juiz se valer do disposto no novo diploma (Lei 11.343, art. 33, § 4º) adotando o princípio da retroatividade da lei mais benéfica.
juiz criminal, mestre em Processo Penal pela PUC/SP. Professor de Leis Especiais, Penal Especial e Processo Penal. Autor de artigos jurídicos e dos livros Prisão Temporária e OAB – 2ª Fase – Área Penal, ambos pela Editora Saraiva. Coordenador da Coleção OAB – 2ª Fase, pela mesma Editora. Foi coordenador pedagógico do Curso Triumphus – preparatório para Carreiras Jurídicas e Exame de Ordem, por 14 anos. Professor de Leis Especiais na Rede LFG
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