Sumário: 1. Histórico. 2. Veto presidencial. 3. Principais características do EIRELI. 3.1. Sociedade unipessoal. 3.2. Integralização mínima do capital social. 3.3. Nome empresarial. 3.4. Vedação de participação societária em outra EIRELI. 3.5. Transformação de outras espécies societárias em EIRELI. 3.6. Possibilidade da EIRELI e os direitos autorais do único sócio. 3.7. Aplicação subsidiária das regras da Sociedade Limitada. 3.8. Vigência da EIRELI. 4. Conclusão.
1. Histórico
Durante décadas os juristas especializados em Direito Empresarial e Tributário fazem coro com o setor empresarial para inclusão no ordenamento jurídico pátrio de um instituto facilitador da formalização de pequenos negócios. Ontem, dia 12 de julho de 2011, finalmente, após um trâmite legislativo de dois anos, foi publicada a Lei ordinária federal n. 12.441, instituindo a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), isto é, uma sociedade (pessoa jurídica) unipessoal (com apenas um sócio).
No meu sentir, é uma vitória da lógica, da democracia e da sociedade. Ademais inúmeros países já possuem regramento específico para sociedades unipessoais, desde a década de 80.
Explico a razão do meu entusiasmo. Durante algumas décadas se discute no meio jurídico as vantagens de se criar a sociedade unipessoal. Tal possibilidade ganhou força e a perdeu em vários momentos. Na década de 80, por exemplo, era dado como certo que a sociedade unipessoal seria incluída no estatuto da microempresa, naquela época em debate. Depois de idas e vindas, optou-se em postergar a inclusão da sociedade unipessoal no ordenamento jurídico. Já na década de 90, foi revigorada a proposta de criação do instituto inovador, pois o Conselho da Comunidade Europeia, em 1989, uniformizou as regras sobre sociedades unipessoais em toda a Europa.
Ainda na década de 90, foi aventada a possibilidade de se incluir no Código Civil um regramento específico para regular as sociedades unipessoais, mas, mais uma vez, foi postergado.
É importante lembrar que durante todas essas décadas, as atividades econômicas de menor porte foram, em regra, exercidas por sociedades limitadas (a partir do Código Civil de 2002, denominadas de sociedades simples ou de responsabilidade limitada), classificadas como micro ou pequenas empresas, conforme a variação da sua receita bruta anual, mas que possuíam em seus quadros societários, necessariamente, dois ou mais sócios, nos termos do artigo 981 do Código Civil que é taxativo: “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam…”
Diante do comando presente no Código Civil de 2002, é fácil perceber que a única alternativa que possuía uma pessoa empreendedora, que não desejasse por em risco todo o seu patrimônio pessoal, era a constituição de uma pessoa jurídica, por meio de um contrato firmado com um ou mais sócios. Não é necessário ser do meio acadêmico ou jurídico, para perceber que muitas pessoas jurídicas foram constituídas com um sócio ou mais, sem qualquer interesse legítimo em ser associar. Na verdade, o empreendedor, incluía sócios apenas para constituir uma sociedade e limitar sua responsabilidade diante das obrigações empresariais assumidas pela pessoa jurídica.
Os reflexos da constituição de pessoas jurídicas com sócios que não possuíam interesse legítimo em associar-se são de fácil visualização nos tribunais do país e nas secretarias de fazenda municipais, estaduais e federal.
Diante desse cenário caótico, voltou ao debate, no início da década de 2000, a regulamentação da sociedade unipessoal. O legislador perdeu a oportunidade de incluir o instituto no novo estatuto da microempresa – Lei Complementar 123/2006.
Em 2009, contudo, surgiu o projeto de lei n. 4.605 de autoria do Deputado Federal Marcos Montes, com o intuito de instituir a empresa individual de responsabilidade limitada no ordenamento jurídico brasileiro. Depois de idas e vindas, pareceres favoráveis e aprovação na Câmara de Deputados, o projeto recebeu no Senado Federal o número 18/2011 e passou pelo crivo da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, tendo como relator o Senador Francisco Dornelles.
Após a aprovação pelo Congresso Nacional, o projeto de lei seguiu para a Presidenta Dilma, que o sancionou e publicou no dia 12 de julho de 20011.
Vale destacar que a Presidenta Dilma vetou apenas um dispositivo do projeto que lhe foi encaminhado pelo Congresso Nacional. Foi vetado o § 4º do artigo 980-A, inserido no artigo 2º do projeto de lei, pelos fundamentos estampados na Mensagem n. 259 de 11 de julho de 2011. Esse dispositivo estabelecia o seguinte: “§ 4º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente.”
2. Veto presidencial
A Presidenta Dilma apresentou a seguinte justificativa para vetar o dispositivo:”Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão ’em qualquer situação’, que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil. Assim, e por força do § 6º do projeto de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio.”
Entendo que o veto não deveria ter ocorrido, pois era muito importante deixar claro que a regra geral é que o patrimônio do sócio não se confunde com o da sociedade. Devo ressaltar que o artigo 50 do Código Civil é o dispositivo que permite a desconsideração da personalidade jurídica na hipótese de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial. Vale lembrar ainda que os artigos 1.024 (“os bens particulares dos sócios de sociedade simples não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”) e 1.052 (“na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas”) também são taxativos ao determinarem que o patrimônio dos sócios não se confunde com o da sociedade que participam.
Por essa razão, entendo que o dispositivo não deveria ser vetado. O § 4º vetado pela Presidenta Dilma, deveria ser mantido, pois em nada afetaria a aplicação do artigo 50, nas hipóteses nele previstas. Ademais, tornaria cristalino que o patrimônio do sócio, em regra, não deveria confundir-se com o da sociedade.
3. Principais características do EIRELI
3.1. Sociedade unipessoal
Com a publicação da Lei n. 12.441/2011, foi acrescentado o inciso VI ao artigo 44 do Código Civil. As EIRELIs, portanto, são pessoas jurídicas de direito privado.
Também foi acrescentado o artigo 980-A ao Código Civil, com a seguinte redação: “A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.”
A conjugação dos dois dispositivos acrescentados institui no ordenamento jurídico brasileiro a pessoa jurídica constituída apenas por um único sócio, isto é, uma sociedade unipessoal de prazo indeterminado.
Atendo a tal constatação o legislador também alterou o parágrafo único do artigo 1.033 do Código Civil, que já permitia a existência de sociedade unipessoal de prazo determinado (180 dias) ou sua conversão em empresário individual com responsabilidade ilimitada. O novo texto do parágrafo único continua permitindo que uma sociedade unipessoal se converta no prazo de 180 dias em um empresário individual, mas agora prevê também a possibilidade de conversão em uma EIRELI. Vejamos o novo texto: “Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código.”
Agora, portanto, na falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de 180 dias, a sociedade será dissolvida, desde que não se converta em um empresário individual ou em uma EIRELI.
3.2. Integralização mínima do capital social
O caput do artigo 980-A estabelece que a totalidade do capital social integralizado não poderá ser inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. Esse dispositivo, em minha opinião, merece uma reflexão.
Inicialmente, precisamos entender que a fixação de um valor mínimo é necessário, já que haverá uma separação entre o patrimônio aplicado na atividade econômica exercida pela sociedade unipessoal e o patrimônio pessoal (ou particular) do único sócio. Ademais, todos os países que adotam essa espécie de sociedade estabelecem que o empreendedorterá um limite mínimo de capital social.
Ocorre, contudo, que utilizar o salário-mínimo para fixar esse valor não é o mais adequado.
O artigo 7º, IV do Constituição Federal é claro ao determinar que évedada a vinculação do salário mínimo para qualquer fim. Ademais, o legislador ao determinar que o capital social não poderá ser inferior a 100 vezes o “maior salário-mínimo vigente no País”, não considerou que muitos autores e até mesmo a jurisprudência atribuem ao piso salarial fixado no inciso V do artigo 7º da Constituição Federal e na Lei Complementar n. 103/00 natureza de salário mínimo fixado pelos Estados, nos termos das suas legislações internas. Ora, no Rio de Janeiro, por exemplo, o piso salarial (ou salario mínimo regional) é maior do que o salário-mínimo nacional.
Esse pequeno detalhe pode ocasionar a seguinte situação: A Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro pode indeferir o registro de EIRELI, pois o salário-mínimo utilizado como base de cálculo pelo contador foi o Nacional e não o Estadual que é maior.
Ainda quanto ao capital social, observei que a fixação do valor de 100 salários mínimos (seja nacional ou regional) não foi uma decisão lastreada em estudos sobre a capacidade econômico-financeira dos prováveis interessados nesta espécie societária. Para comprovar esse sentimento, verifico que o legislador poderia estabelecer um patamar mais razoável se observasse o que dispõe, por exemplo, a Lei 10.259/01, em seu artigo 3º, ao determinar que o Juizado Especial Federal Cível possui competência para processar, conciliar e julgar causas que envolvam o valor de até 60 salários mínimos. Ora, se o legislador não utilizou um fundamento científico para estabelecer 100, por que não utilizar de forma paradigmática o estabelecido na legislação vigente? É interessante notar que o microempreendedor individual, regrado pela Lei Complementar n. 123/06, em seu artigo 18-A, será aquela pessoa física que possuir como receita bruta anual o valor de R$ 36.000,00. É evidente que os institutos não se confundem (capital social x receita bruta), mas vale a observação de como são próximos os valores estabelecidos na legislação.
Para comprovar que o legislador fixou um valor desproporcional, basta observar como o instituto foi idealizado em outros países. Em Portugal, por exemplo, o Decreto-lei n. 248 de 25 de agosto de 1986, ao regular o “estabelecimento individual de responsabilidade limitada (E.I.R.L.)” estabeleceu um capital social mínimo de 5.000 euros, correspondente a R$ 11.205,00. Já no Chile, a Lei 19.857/2003 – que autoriza o “Estabelecimento de empresas individuales de responsabilidade limitada – (E.I.R.L.)”, não foi fixado um capital mínimo.
Diante dessa constatação, penso que é fundamental a observação da aplicação da nova legislação para, no futuro, analisar os resultadas e, caso seja necessário, reduzir o valor do capital social de 100 para, ao menos, 60 salários mínimos.
3.3. Nome empresarial
O parágrafo primeiro do artigo 980-A estabelece que o nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão “EIRELI” após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada. O nome empresarial das sociedades está regulado no Código Civil em seus artigos 1.155 a 1.168. Na firma individual a EIRELI operará utilizando o nome de seu único sócio, completo ou abreviado, aditando-lhe, se quiser, designação mais precisa da sua pessoa ou do gênero de atividade, como, por exemplo, “Leonardo Pessoa EIRELI”. Na denominação, a EIRELI operará utilizando uma expressão linguística que deve designar o objeto da empresa, como por exemplo, “Consultax EIRELI”.
3.4. Vedação de participação societária em outra EIRELI
O parágrafo segundo do artigo 980-A estabelece que a pessoa natural (física) que constituir a EIRELI somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade.
Essa vedação é importante para evitar a evasão fiscal que poderia ser manejada por pessoas físicas que, visando a redução da carga tributária, constituiriam diversas EIRELIs ou, até mesmo, extinguiriam suas sociedades atuais para transformarem em EIRELIs, com o único propósito de redução da carga tributária.
3.5. Transformação de outras espécies societárias em EIRELI
O parágrafo terceiro do artigo 980-A determina que a EIRELI também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.
Esse dispositivo está em sintonia com o disposto no artigo 1033 e com os artigos 1.113 a 1.115 do Código Civil. É a possibilidade de constituir uma sociedade unipessoal de forma derivada.
3.6. Possibilidade da EIRELI e os direitos autorais do único sócio
O parágrafo quinto do artigo 980-A estabelece que poderá ser atribuída à EIRELI constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.
Esse dispositivo certamente será muito utilizado por todos aqueles profissionais que desejarem reduzir a carga tributária incidente sobre a remuneração decorrente da cessão de direitos autorais. Hoje esses profissionais são obrigados a receberam suas remunerações como pessoas físicas, com uma tributação bem elevada ou a constituírem pessoas jurídicas, necessariamente com outros sócios. A partir da EIRELI eles poderão constituir isoladamente pessoas jurídicas para receberem suas remunerações.
Aqui vale destacar que a EIRELI não poderá ser utilizada para dissimular a contratação de empregados. Esse ardil foi observado recentemente quando, em 2008, a legislação passou a regular o Microempreendedor Individual (MEI). O Ministério Público Trabalhista e a Justiça do Trabalho já se manifestaram sobre a ilegalidade da contratação de empregados de forma fraudulenta com a constituição de sociedade interposta. A constituição de uma EIRELI para afastar a caracterização do vínculo empregatício, obviamente, não impedirá a incidência do artigo 3º da CLT (“considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”)
3.7. Aplicação subsidiária das regras da Sociedade Limitada
O parágrafo sexto do artigo 980-A determina que aplicam-se à EIRELI, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas.
Esse dispositivo confirma que o veto presidencial não era necessário, pois limitar a responsabilidade patrimonial dos sócios é uma previsão constante nos dispositivos aplicáveis às sociedades limitas.
3.8. Vigência da EIRELI
O artigo 3º da Lei n. 12.441/2011 estabelece que as regras da EIRELI entrarão em vigor em 180 dias a partir de 12 de julho de 2011, isto é, em 08 de janeiro de 2012.
O prazo de seis meses é suficiente para que as Juntas Comerciais, as Secretarias de Fazenda Municipais, Estaduais e a Federal produzam as normas infralegais necessárias para efetivamente possibilitarem o registro e o cumprimento das obrigações tributárias acessórias das EIRELIs.
4. Conclusão
Não há dúvida de que a instituição da EIRELI no Brasil é um avanço considerável nas relações empresariais. Diversos países, há décadas, já possuem legislação regulando o instituto. Realmente, a EIRELI é espécie societária fundamental para o fomento de atividades empreendedoras.
As considerações que faço no presente arrazoado são apenas observações de quem lida com a constituição de sociedades empresariais a mais de 10 anos e sabe que interpretações divergentes podem criar obstáculos para a efetiva implementação do instituto inovador.
Em síntese, é positiva a instituição da EIRELI, mas, penso que, desde já, devemos refletir sobre a questão do limitador do capital mínimo, bem como sua vinculação ao salário-minimo (nacional ou regional). Ora, se a EIRELI é um instituto criado por diversos países para incentivar os micro e pequenos negócios, é fundamental uma reflexão sobre a possibilidade de eliminação do valor mínimo de capital social ou, ao menos, sua redução para patamares mais proporcionais à realidade das micro e pequenas empresas brasileiras.
Outro ponto crucial para que o instituto não seja manejado para dissimular vínculos empregatícios ou efetivar evasões fiscais, será a elaboração de normas infralegais pelos órgãos competentes que regulamentem a lei de modo a impedir o mau uso da EIRELI. É importante que asnormas infralegais não transbordem sua competência regulamentadora.
Por fim, acredito que a sociedade deve aproveitar a vacatio legis de 180 dias para analisar, debater e propor ajustes na legislação ou nas normas infralegais que serão elaboradas.
Advogado; Professor de Direito Empresarial e Tributário; Mestre em Direito Empresarial e Tributário
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