Resumo: Aborda-se neste ensaio a questão da Síndrome de Alienação Parental, ou implantação de falsas memórias. O comportamento desencadeado pelo genitor guardião tem por objetivo limitar ou impedir o convívio do outro genitor com o filho comum após o rompimento do vínculo conjugal. Busca-se referir eventuais motivos que possam desencadear a síndrome, bem como propor algumas soluções através da via judicial que podem ser adotadas pelo genitor alienado em benefício dele e da criança envolvida. Neste contexto, busca-se demonstrar que a mediação familiar pode servir como instrumento de solução da síndrome da alienação parental.
Palavras-Chave: Mediação; Instrumento eficaz; Alienação Parental; Implantação de falsas memórias.
Abstract: This paper deals with the Parental Alienation Syndrome, or implantation of false memories. The behavior triggered by the parent guardian aims to limit or prevent the interaction of the other parent with the child after a common marital separation. Try to mention any reasons that can trigger the syndrome, and propose some solutions through the judicial process that can be adopted by his father and sold for the benefit of the child involved.
Keywords: Parental Alienation; Implantation of false memories; Custody of children; Power family.
Sumário: 1. Introdução. 2. Alienação Parental. 3. Mediação Familiar: A Arte da Comunicação. 4. Características do Mediador. 5. Considerações Finais. 6. Referências Bibliográficas.
1 Introdução
As famílias modernas vivem uma época de relacionamentos conturbados, são comuns os rompimento conjugais e os refazimentos das famílias. Neste contexto, revelam-se situações difíceis para seus integrantes, especialmente para as crianças, que passam a ter duas casas e muitas vezes convivem com constantes agressões entre seus pais, sendo que na maioria das vezes as próprias crianças são o objeto das brigas.
É incontestável o direito das pessoas reconstruírem suas vidas e buscarem a felicidade de outra maneira, com outros companheiros, mas os filhos das uniões desfeitas, por vezes pagam um preço alto demais. A raiva e angústia de um ex-cônjuge/companheiro que se sinta abandonado pelo outro muitas vezes é direcionada de forma irracional para os filhos que passam a ser usados em uma verdadeira campanha de desmoralização direcionada contra o outro genitor.
Algumas vezes outros membros da família do ex-companheiro são também hostilizados e a criança passa a assumir que também foi abandonada e a sofrer com isso solidarizando-se com o genitor que realiza uma espécie de programação das emoções do filho contra o outro familiar. Tal comportamento é denominado Síndrome de Alienação Parental e representa sérios prejuízos na vida e desenvolvimento da criança, além de sérias implicações para o próprio familiar alienado que se vê privado da companhia do filho podendo inclusive ser acusado de abuso sexual como forma de promover este distanciamento emocional entre os envolvidos.
Neste contexto, resta absolutamente nítida que a solução passará por via judicial, o familiar alienado terá que utilizar-se de ação própria para reverter o quadro, sendo muitas vezes necessária a alteração da guarda e o tratamento médico sistemático da criança e dos pais para que se possa reverter a situação.
Buscar-se-á neste ensaio tecer uma breve análise sobre a Síndrome de Alienação Parental e as suas implicações sócio-emocionais, bem como jurídicas, com o objetivo de salientar a importância da convivência saudável entre pais e filhos, mesmo após a ruptura do vínculo conjugal, de forma a mostrar que a mediação é um instrumento eficaz na busca pela solução da alienação parental.
2 A Alienação Parental
A dissolução do vínculo conjugal e a desestruturação da família geram uma perda que em alguns casos é excessivamente dolorosa para o cônjuge que se encontre mais fragilizado. Normalmente as mulheres detêm a guarda dos filhos e precisam lidar não somente com seu próprio inconformismo bem como com a tristeza e revolta dos filhos. Por estes motivos, se não tiver um equilíbrio emocional bastante considerável, passará a agir de forma a aliviar o luto culpando o outro cônjuge e expondo toda a raiva de forma pouco racional e termina por arrastar a prole neste dilema.
Assim, poderá ocorrer que o genitor que tenha a guarda manifeste ressentimentos ou mágoas decorrentes da relação desfeita e passe a fazer uma verdadeira campanha com a finalidade de desmoralizar o outro e até mesmo de impedir a convivência daquele com os filhos comuns. Tal comportamento é denominado Síndrome de Alienação Parental. Fabiano A. Hueb de Menezes[1] afirma que na eventualidade de que um dos cônjuges sinta-se “enciumado e inconformado” com a separação, o pior que poderá ocorrer é a incitação dos filhos ao ódio pelo outro genitor utilizando-se de um processo com o objetivo de destruição de sua imagem.
Neste sentido, comenta Maria Berenice Dias[2]:
“Certamente que todos os que se dedicam ao estudo dos conflitos familiares e da violência no âmbito das relações interpessoais já se depararam com o fenômeno que não é novo, mas que vem sendo identificado por mais de um nome. Uns chamam de “Síndrome da Alienação Parental”; outros de “Implantação de Falsas Memórias”.” [Grifo da autora]
Moacir Cesar Pena Júnior[3], também se manifesta sobre o assunto:
“Fruto do conflito estabelecido entre os genitores, a alienação parental consiste na atitude egoísta e desleal de um deles – na maioria das vezes o genitor-guardião, no sentido de afastar os filhos do convívio com o outro. Deste processo emerge a chamada Síndrome de Alienação Parental, que nada mais é que a nova conduta agressiva e de rejeição que passa a ser ter a prole em relação ao genitor que deseja afastar-se do convívio.”
Como se evidencia, embora um fenômeno que vem sendo posto para a discussão na atualidade, não é difícil de imaginar que já há tempos existe. A primeira pessoa a mencioná-lo foi o psiquiatra norte-americano Richard Gardner[4] em 1985 que publicou um artigo no qual descreve detalhadamente suas experiências com a questão da alienação parental.
Segundo Maria Luiza Campos da Silva Valente[5], “milhares de crianças são afastadas de seus pais, irmãos, figuras queridas e representativas ao seu desenvolvimento e processo de socialização”. É evidente que este fenômeno não é atual, mas este final de século trouxe esta realidade para a consciência de uma sociedade em transformação: os pais quando se separam muitas vezes não sabem, ou não conseguem diferenciar a relação entre eles próprios como seres adultos e sua relação com os filhos.
É importante que o genitor alienado ao perceber que os direitos da criança ou adolescente de convivência não estão sendo respeitados pelo genitor alienador que opõe obstáculos para as visitas, tome medidas para fazer prevalecer este direito. Estando regulamentadas as visitas poderá valer-se de busca e apreensão ou ainda, segundo Luis Guilherme Marinoni,[6] utilizar-se da tutela inibitória do artigo 461 do Código de Processo Civil, também conhecida como tutela específica para o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, como ilustrado no julgado abaixo[7]:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE FAZER. IMPOSIÇÃO À MÃE/GUARDIÃ DE CONDUZIR O FILHO À VISITAÇÃO PATERNA, COMO ACORDADO, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. INDÍCIOS DE SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL POR PARTE DA GUARDIÃ QUE RESPALDA A PENA IMPOSTA. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA)” (Agravo de Instrumento Nº 70023276330, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 18/06/2008)
Também, na atualidade passamos a ver com mais freqüência disputas pela guarda dos filhos entre os genitores, não prospera mais a máxima que somente a mãe deve obter a guarda de forma automática e sem oposição. Em seu artigo, Richard Gardner refere que as modificações que ocorreram no sistema legal americano, no que diz respeito à guarda dos infantes devem-se ao fato de que os pais, que historicamente vinham sendo preteridos no que diz respeito á custódia dos filhos, rebelaram-se contra a presunção de que a mãe seja automaticamente considerada a pessoa mais adequada. O judiciário, afirma o autor, concordou que o critério que outorga à genitora a guarda sem qualquer outra análise é meramente sexista. Outro fator, mencionado pelo psiquiatra, trata da guarda compartilhada que, segundo ele, entre aqueles que mantêm um sistema de diálogo e cooperação é altamente recomendável. No entanto, estas situações tornaram a posição da mãe como guardiã exclusiva altamente precária. Não há meios de impedir que o outro cônjuge obtenha parte da guarda.
Em meio à estas situações há desdobramentos psicológicos e o autor cita em especial o fenômeno que ele chama de parental alienation syndrome. Em suas palavras[8] :
“I have introduced this term to refer a disturbance in wich children are obsessed with depreciation and criticism of a parerent – denigration that is unjustified and/or exaggerated. The notion that such children are merely “brainwashed” is narrow. The term brainwashing implies that one parent is systematically and consciously programming the child to denigrate the other parent. The concept of the parental alienation syndrome includes the brainwashing component but is much more inclusive. It includes not only conscious but subconscious and unconscious factors within the parent that contribute to the child’s alienation. Furthermore (and this is extremely important), it includes factors that arise within the child — independent of the parental contributions — that contribute to the development of the syndrome”.
O guardião faz uma verdadeira “campanha” contra o outro genitor, nos moldes de uma “lavagem cerebral”, podendo ocorrer das mais variadas formas, inclusive de maneira dissimulada. Ao afirmar para o filho, por exemplo, “seu pai nos abandonou”, ao invés de seu pai “me abandonou”, a mãe alienadora inclui o filho em sua dor e ele passa a acreditar que também foi preterido. A situação pode muitas vezes ser desencadeada por um novo relacionamento, desta forma a nova companheira do pai passa ser uma mulher “maldita”, uma “ladra de marido alheio”, uma “destruidora de famílias”, entre outros termos. A alienação pode alcançar outros membros da família do ex-cônjuge, como os avós, tios e primos.
Pode ocorrer gradualmente e das mais variadas formas: telefonemas são restringidos, presentes enviados são recusados, cartões de felicitações são interceptados, entre outras atitudes que são tomadas com a clara intenção de excluir qualquer acesso do genitor alienado ao filho. A criança é levada a crer que é amada somente pelo genitor patológico, passa a demonstrar ódio e ressentimento pelo outro genitor para garantir o afeto do detentor da guarda. Muitas vezes não sabe justificar exatamente porque odeia o outro genitor, pode inclusive manifestar emoções contraditórias quando está sozinha com o familiar alienado: demonstrar entusiasmo, alegria e em seguida retrair-se ao lembrar que tem sentimentos ruins por ele.
O autor acrescenta que o sentimento de vingança do alienador pode ser tão extremo ao ponto de incutir memórias de um falso abuso sexual cometido pelo alienado. Talvez chegue a fazer denúncia criminosa com o fim de evitar o convívio do filho com o outro genitor. Para ele algumas situações são fáceis de identificar o alegado abuso como inexistente: a criança usa termos impróprios para a idade para descrever o abuso, fala com tranqüilidade sobre o assunto enquanto que as que realmente sofreram o abuso normalmente não falam ou quando o fazem sentem-se extremamente inseguras porque geralmente sofreram ameaças para não revelar o ocorrido. Ainda comenta que é comum que ao iniciar-se a investigação dos alegados abusos que se verifique se existe litigância pela guarda da criança em questão, o que pode ser indício de falsa imputação.
Maria Berenice Dias[9] manifesta-se com propriedade sobre o assunto:
“Muitas vezes quando da ruptura da vida conjugal, um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação e o sentimento de rejeição, de traição, o que faz surgir um desejo de vingança: desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. […] Neste jogo de manipulação, todas as armas são utilizadas, inclusive a assertiva de ter havido abuso sexual. O filho é convencido da existência de determinados fatos e levado a repetir o que lhe é afirmado como tendo realmente acontecido.”
Inclusive a autora, enquanto atuava como Desembargadora junto a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, proferiu votos sobre a matéria, a exemplo do abaixo colacionado[10]:
“DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. ABUSO SEXUAL. SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL. Estando as visitas do genitor à filha sendo realizadas junto a serviço especializado, não há justificativa para que se proceda a destituição do poder familiar. A denúncia de abuso sexual levada a efeito pela genitora, não está evidenciada, havendo a possibilidade de se estar frente à hipótese da chamada síndrome da alienação parental. Negado provimento.” (Agravo de Instrumento Nº 70015224140, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 12/07/2006)
Importante observar que, ao acreditar que o abuso realmente ocorreu a criança passa a sofrer como se tivesse sido dele vítima efetivamente. Muitas vezes não tem a capacidade de análise para diferenciar a realidade induzida da verdade e com isso o abalo da saúde emocional de todos os envolvidos já está sedimentado.
Não resta a menor dúvida, que o familiar alienado deverá tomar medidas para proteger o direito da própria criança ou adolescente a um desenvolvimento saudável e à convivência regular com todos os membros da família sem que qualquer exclusão injusta seja feita. Neste sentido, a solução que se coloca é uma ação para a alteração da guarda, na qual certamente a criança será examinada por perito, por determinação do juiz, ou mesmo a pedido do autor da demanda, que determinará se houve o alegado abuso antes de qualquer decisão sobre a questão.
Visando a preservação da integridade psíquica do infante, faz se mister a utilização de novas técnicas de escutas, tais como o projeto Depoimento sem dano, implementado a partir do magistrado da Infância e Juventude José Antônio Daltoé Cezar[11]:
“Nada pode ser mais intrusivo e inibidor do que um depoimento sendo realizado nos moldes tradicionais, pelo que, deve a administração pública, em atendimento ao disposto no artigo 227 da Constituição Federal, elegendo a criança como prioridade, afastar todas as complicações logísticas para que novas salas de depoimento sejam implantadas. A tecnologia hoje existente, com custos de aquisição e manutenção passíveis de serem enfrentados pelo poder público, além de fácil manejo pelos servidores, já revela boa qualidade, não tendo ocorrido, em mais de quatrocentas inquirições realizadas desde o início do projeto, nenhuma perda por danos por falha dos equipamentos.”
Segundo o autor, o depoimento quando dado à assistente social ou a psicólogos, afastando-se da presença do pretenso agressor, ou mesmo neste caso, especificamente do familiar alienador dá-se de forma natural, o depoente sente-se protegido e não tem medo de revelar a verdade. Tais depoimentos são realizados em sala especial através de um sistema semelhante ao das vídeo conferências, são gravados e revelam-se excelente instrumento para um tratamento humanizado compatível com o princípio da dignidade da pessoa humana. Verifica-se portanto, como um instrumento de excelência para a obtenção de um resultado que conduza à conclusão segura para o magistrado.
Maria Berenice Dias[12] comenta sobre o depoimento sem dano:
“O Projeto que inicialmente foi denominado Depoimento sem dano foi idealizado também com o escopo de valorizar o relato da criança, respeitando-se a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, bem como qualificar a prova que é produzida em juízo.”
A autora refere ainda que as instalações do Foro de Porto Alegre foram adaptadas para a entrevista de crianças que seriam supostas vítimas de abuso, a sala foi projetada como um espaço especial com “pincéis, papéis para desenho, fantoches, bonecos, casinhas de brinquedos, e ali é realizado o ato processual”.
Obviamente, não se nega que o abuso efetivamente ocorre em alguns casos, daí a importância de uma investigação que dê condições de verificar se efetivamente é fato ou está sendo implantado como modo de afastar o familiar da vida da criança.
A programação de falsas memórias, ou de uma percepção falsa da realidade pode ser induzida pelo genitor alienador como maneira de criar um falso abuso. Tal processo relaciona-se diretamente com a chamada Síndrome de Munchausen by proxi[13]. A Síndrome de Munchausen[14] propriamente é um distúrbio de caráter psiquiátrico no qual o paciente deliberadamente manifesta sintomas de enfermidades que podem ser simulados ou até mesmo provocados, com a única intenção de obter cuidados médicos e chamar a atenção. Richard Asher foi o primeiro a utilizar o termo em 1951 e assim a chamou em homenagem ao Barão de Munchausen, um militar alemão que era conhecido por contra estórias fantásticas sobre sua vida. A Síndrome de Munchausen by proxi (por procuração), é aquela em que o familiar, normalmente a mãe, por ser mais comumente a guardiã, cria, simula ou provoca sintomas de doenças no filho, foi mencionada pela primeira vez por Roy Meadow em 1977. ao trazer dois casos em que as mães A implantação de falsas memórias adequa-se nesta categoria, uma vez que situações inexistentes criadas com o fim de afastar a criança do familiar alienado, ou ainda para garantir um afeto exclusive por parte do filho, para obter alguma vantagem financeira com relação a um eventual aumento no valor de alimentos, ou ainda para simplesmente realizar uma vingança contra o ex-cônjuge.
Importante observar que o alienador não consegue ou não deseja perceber que os danos causados por seu comportamento não somente atingem o outro genitor, mas afetam imensamente a criança que depende de modelos de ambos os pais para sua formação e que necessita sentir-se amada e amparada a despeito da separação dos pais. João Mouta[15], ao comentar sobre os danos causados às crianças vítimas da alienação afirma:
“Os efeitos da síndrome são similares aos de perdas importantes – morte de pais, familiares próximos, amigos, etc. A criança que padece da síndrome da alienação parental passa a revelar sintomas diversos: ora apresenta-se como portadora de doenças psicossomáticas, ora se mostra ansiosa, deprimida, nervosa e, principalmente, agressiva. Os relatos acerca das conseqüências da síndrome da alienação parental abrangem ainda depressão crônica, transtornos de identidade, comportamento hostil, desorganização mental e, às vezes, suicídio. Por essas razões, instilar a alienação parental na criança é considerado como comportamento abusivo com gravidade igual á dos abusos de natureza sexual ou física”.
O autor menciona que tal comportamento é por vezes relacionado com o Complexo de Medéia que é personagem de uma tragédia grega que inflinge a morte aos filhos para punir Jasão que a abandona para se casar com Glauce. Também relaciona com a Síndrome de Estocolmo que consiste em um apego do seqüestrado ao seu captor. Neste caso o familiar alienador assume simbolicamente a posição do seqüestrador e a criança consequentemente é vista como a vítima do seqüestro. Obviamente não é literal o seqüestro, mas a privação do afeto, da liberdade de relacionar-se com o outro genitor de forma saudável pode configurar uma forma de cativeiro figurado, a criança neste caso passa a estabelecer uma relação exclusiva com o genitor alienador que a vitimiza. Ilustra-se a gravidade de tal situação através do julgado colacionado abaixo[16]:
“HABEAS CORPUS. MENORES. ABRIGAMENTO. ADEQUAÇÃO. Genitores em intenso conflito; elementos a demonstrar que os menores estão sendo vítimas de violência física perpetrada pela mãe e pelo padrasto, e que a mãe pode estar impondo aos filhos a síndrome da alienação parental. Caso em que adequada a medida de abrigamento dos menores, porquanto relevantes e substanciais os elementos a demonstrar não ser recomendável, ao menos por ora, permaneçam eles sob os cuidados da mãe. DENEGARAM A ORDEM.” (Habeas Corpus Nº 70029684685, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 28/05/2009)
Como se percebe, além da violência psicológica causada pela exposição a Síndrome da Alienação Parental, poderá ainda ocorrer a violência física. Estes comportamentos absolutamente inadequados merecem desaprovação e demonstram uma total falta de consciência do importante que é a presença constante dos pais e do apoio e carinho que crianças e adolescentes necessitam para seu crescimento.
Segundo Giselle Câmara Groeninga[17], ambos os pais são indispensáveis para a criança, suas funções são distintas, para ela “o ser humano necessita de pai e mãe para formar seu psiquismo”. Para ela a vivência com a diferença de papéis de pai e mãe, na qual a mãe nutre organicamente e afetivamente e o pai representa a passagem desta fase “biológica para a cultura”. Esta cultura vem a ser o estímulo ao convívio social e ao entendimento das leis de convivência. Desta maneira, fica claro observar que ao privar a criança do convívio do outro genitor, o alienador frustra seu desenvolvimento completo e exerce um abuso injustificado sobre a criança.
Maria Berenice Dias[18], comenta:
“A criança é induzida a afastar-se de quem ama e de quem também a ama. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre ambos. Restando orfão do genitor alienado, acaba se identificando com o genitor patológico, passando a aceitar como verdadeiro tudo o que lhe é informado.”
Resta absolutamente claro que a dor infringida ao menor é real e o sofrimento imposto ao familiar alienado também é cruel. Apresenta-se como solução, conforme já citado, a utilização de ação com o objetivo de alterar a guarda. Richard Gardner[19] menciona que pode ser necessário um afastamento do familiar alienador para que aos poucos a criança vá tendo percepções reais sobre os fatos, porém o afastamento não deve ser absoluto, devem ser permitidos telefonemas breves, contatos monitorados e o alienador deve ser submetido à tratamento psicológico. Percebe-se que a materialização de tal situação não é tão incomum através da decisão que citamos á seguir[20]:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALTERAÇÃO DE GUARDA DE MENOR. DECISÃO QUE RESTABELECEU AS VISITAS PATERNAS COM BASE EM LAUDO PSICOLÓGICO FAVORÁVEL AO PAI. PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DO MENOR. Ação de alteração de guarda de menor em que as visitas restaram reestabelecidas, considerando os termos do laudo psicológico, por perita nomeada pelo Juízo, que realizou estudo nas partes envolvidas. Diagnóstico psicológico constatando indícios de alienação parental no menor, em face da conduta materna. Contatos paterno filiais que devem ser estimulados no intuito de preservar a higidez física e mental da criança. Princípio da prevalência do melhor interesse do menor, que deve sobrepujar o dos pais. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.” (Agravo de Instrumento Nº 70028169118, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 11/03/2009)
Importante referir, que em alguns casos, o guardião, que não seria genitor, também pode desenvolver a Síndrome com a finalidade de afastar um dos genitores da criança. Tal fato se verifica no Acórdão do Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos[21], do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“APELAÇÃO CÍVEL. MÃE FALECIDA. GUARDA DISPUTADA PELO PAI E AVÓS MATERNOS. SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL DESENCADEADA PELOS AVÓS. DEFERIMENTO DA GUARDA AO PAI. 1. Não merece reparos a sentença que, após o falecimento da mãe, deferiu a guarda da criança ao pai, que demonstra reunir todas as condições necessárias para proporcionar a filha um ambiente familiar com amor e limites, necessários ao seu saudável crescimento. 2. A tentativa de invalidar a figura paterna, geradora da síndrome de alienação parental, só milita em desfavor da criança e pode ensejar, caso persista, suspensão das visitas ao avós, a ser postulada em processo próprio. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.” (Apelação Cível Nº 70017390972, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 13/06/2007)
Percebe-se que o fenômeno é intrincado e requer atenção do judiciário e de todos os operadores do direito no sentido de identificar e minimizar o sofrimento dos envolvidos. De fato, vê-se que as conseqüências de um rompimento conjugal conduzidos de forma traumática podem ter repercussões que vão muito além do que se possa conceber.
É sob esta névoa de emoções contraditórias que o juiz é obrigado a retirar dos fatos a subjetividade e encontrar o equilíbrio para resolver o conflito sem prejudicar os envolvidos. De fato, é tarefa hercúlea, uma vez que, segundo Maria Berenice Dias[22]: “nem sempre a realidade transparece, pois vem plena de emotividade”
Os infelizes, na maioria, das vezes precisam encontrar um culpado pelo seu sofrimento e acabam por impregnar todo o processo com os resquícios de suas mágoas. É certo que as questões que não se pode administrar de forma civilizada resultem em litígio, porém, como afirma Breno Moreira Mussi[23]: “quando bem resolvido, o desamor não gera litígios.”
Sob esta ótica, necessário se faz que os operadores do direito tenham a consciência de que devem trabalhar com uma visão interdisciplinar, tratando de minimizar os atritos entre os separandos e priorizando as relações interpessoais, em benefício principalmente dos filhos do casal.
As conseqüências da Síndrome vão além dos danos psicológicos dos envolvidos, pode haver sérias implicações jurídicas, entre elas como já mencionada a alteração da guarda da prole vítima da alienação, bem como o familiar alienado também poderá propor ação de de responsabilidade civil, pleiteando indenização por danos morais, tendo em vista que restou severamente ofendido e esta ofensa teve conseqüências sérias, a saber seu relacionamento com filho seu foi dilacerado.
Pelos motivos já expostos, a mudança que houve com o passar dos tempos com a família como instituição precisa ser vista com cuidado e os profissionais têm a necessidade de separar as questões comezinhas e as patrimoniais, das questões afetivas e ter a clareza para indicar o caminho para aplicação da lei, respeitando o direito de igualdade material de todos os envolvidos. É o que assevera Conrado Paulino da Rosa[24]:
“A desinstitucionalização da família a expõe ao tempo de modo que novos “tempos” precisam ser criados. O núcleo familiar restrito e fechado em si mesmo que anteriormente não sofria nenhuma ou quase nenhuma influência do Estado agora vem substituído por um novo modelo que absorve as transformações cotidianas. Assim, a família atual se apresenta “seqüestrada e exposta” ao tempo, conseqüentemente precisa de novos “tempos” conjugais e parentais para que possa oferecer respostas a questões prementes”.
Existem laços que durarão para sempre, á despeito do desafeto entre os genitores, os filhos precisam da presença de ambos os pais em suas vidas e esta convivência necessita ser o mais pacífica e agradável possível.
O advogado familista deve ter a consciência que transformar o escritório em um ambiente apropriado para mútuas concessões é um hábito que todos deveriam adotar, no entanto, o mais comum é que as petições e contestações alimentem as intrigas, ao invés de preveni-las.
A mediação familiar como forma de preparar o caminho para uma dissolução amigável na qual as relações possam ser preservadas é uma alternativa a que todos deveriam recorrer, também pode ser utilizada incidentalmente, evitando que o litígio se prolongue e os desgastes se perpetuem. Procurar-se-á demonstrar á seguir a dinâmica da mediação e os benefícios de sua utilização no direito de família como forma de amenização e resolução de conflitos, entre eles, a Síndrome de Alienação Parental, objeto deste estudo.
3 Mediação Familiar: A Arte da Comunicação
Entende-se por mediação, o processo pelo qual, um terceiro neutro tratará de interferir em um conflito para harmonizar as partes com a finalidade de possibilitar a construção de um acordo. De acordo com Ana Florinda Dantas[25], a mediação é uma forma de heterocomposiçao que funciona através de uma ou mais pessoas isentas de qualquer interesse no conflito, que irão utilizar-se das técnicas apropriadas para agir como facilitadores ao verificar os pontos controvertidos e guiar os envolvidos na busca de uma solução que respeite da melhor maneira possível os interesses de cada parte.
Observa Fernanda Tartuce[26]:
“Pode ocorrer que as partes não consigam, sozinhas, comunicar-se de forma eficiente e entabular uma resposta conjunta para a composição de uma controvérsia. Afinal, a deterioração da relação entre os indivíduos pode acarretar vários problemas de contato e comunicação. Nesta situação, pode ser recomendável que um terceiro auxilie as partes a alcançar uma posição mais favorável na situação controvertida por meio da mediação ou da conciliação.”
O processo da comunicação importa em que o emissor consiga transmitir a mensagem ao receptor através de um canal, utilizando-se de um código que seja familiar para ambos. A mensagem somente alcança seu propósito se o receptor conseguir repetí-la no mesmo contexto em que foi transmitida, sem ruídos, de forma clara e precisa. Quando existe uma indisposição entre o receptor e o emissor, a mensagem acaba por não chegar de forma adequada, pode ser entendida de forma diversa da que intencionava o emissor. Segundo Umberto Eco[27]:
“A multiplicidade dos códigos e das circunstâncias faz com que a mesma mensagem possa ser decodificada de diversos pontos de vista e com referência a diversos sistemas de convenções. A denotação de base pode ser entendida como o emitente queria que fosse entendida, mas as conotações mudam simplesmente porque o destinatário segue percursos de leitura diversos dos previstos pelo emitente.”
Neste sentido, o mediador, faz o papel de um facilitador, minimiza os ruídos, com a finalidade de estabelecer uma comunicação que flua de forma dinâmica e conduza a um acordo que será desenhado pelas partes. Não é função do mediador criar os acordos, este simplesmente cria meios para que as partes consigam enxergar alternativas para uma composição.
Desta forma, ao levar o caso para o judiciário, as partes não precisarão aceitar uma solução imposta pelo magistrado, assim, minimizam o sentimento de perda e protegem o relacionamento. Neste sentido, Ademir Buitoni[28]:
“Às vezes, pode ser muito mais difícil mediar um conflito do que obter uma decisão judicial. Mas os resultados serão, certamente, mais duradouros e mais profundos quando as partes resolverem seus conflitos, livremente, através da Mediação. As transformações subjetivas permanecem, enquanto as decisões objetivas, não raro, são ineficazes para corrigir os problemas que tentam resolver. É preciso tentar desenvolver a experiência da Mediação como uma possibilidade de superar a Dogmática Jurídica que não responde, adequadamente, às necessidades do mundo atual.”
Importante a observação de Conrado Paulino da Rosa[29]:
“Especificamente no âmbito familista a mediação é o processo que, através do uso de técnicas de facilitação, aplicadas por um terceiro interventor numa disputa, estabeleça o contexto do conflito existente, mediante técnicas da ciência da psicologia, identifique necessidades e interesses, através de recursos advindos da assistência social e produza decisões consensuais, com a ajuda do Direito.”
Os advogados das partes não podem atuar como mediadores, uma vez que possuem interesses conflitantes, assim não teriam a neutralidade necessária para a atuação. Obviamente podem e devem sempre que possível estimular acordos, mas quando esta situação não se materializa por incompatibilidade das partes, é importante destacar a relevância da mediação. Ainda, convém acrescentar que a postura do advogado que incentiva o cliente a submeter-se ao procedimento de mediação, está agindo em consonância com o artigo 2º, parágrafo único, inciso VI do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil que atribui ao profissional a obrigação de “estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios.
Ao tratar-se de advogado familista, este dever é de indispensável observação, conforme assevera Ionete de Magalhães Souza[30]:
“O Direito de Família é essencialmente permeado pela afetividade humana, pelas relações de parentesco e socioafetividade familiar. Dessa forma, possui características natas de que a escuta e o diálogo apropriados deverão ser sempre valorizados pelos advogados, juízes, promotores e demais envolvidos no caso em análise, com temperança e real interesse nos problemas alheios.”
Com a dissolução conjugal, os filhos do casal precisam contar com um ambiente saudável, no qual seja possível conviver com ambos os pais. A insuportabilidade da vida em comum é suficiente para que seja desfeita a união, segundo Rodrigo da Cunha Pereira[31], “muitas vezes a dissolução do casamento advém de seu fim natural, por terem deixado de gostar um do outro, ou de se desejarem, ainda que preferissem o contrário.” A insuportabilidade, no entanto precisa ser contornada para que haja uma convivência harmônica entre os membros da família desfeita.
Na ruptura do vínculo do casal, as incompatibilidades entre os pais podem comprometer questões delicadas como a guarda dos filhos e os alimentos que serão prestados. Muito tem sido discutido sobre a questão da guarda, especificamente sobre a guarda compartilhada, na qual ambos os genitores participam ativamente da vida do filho, tomam decisões em conjunto e trabalham a relação com o objetivo de preservar a criança ou o adolescente da ausência do genitor que por não ser o guardião legal somente teria contato com o menor em datas estabelecidas.
Esta modalidade de guarda é considerada como a ideal, por muitos doutrinadores, uma vez que a criança e o adolescente conseguem ter ambos os pais presentes em suas vidas de forma ininterrupta. Na lição de Neiva Deirdre[32]:
“A guarda compartilhada almeja assegurar o interesse do menor, com o fim de protegê-lo, e permitir o seu desenvolvimento e a sua estabilidade emocional, tornando-o apto à formação equilibrada de sua personalidade. Busca-se diversificar as influências que atuam amiúde na criança, ampliando o seu espectro de desenvolvimento físico e moral, a qualidade de suas relações afetivas e a sua inserção no grupo social. Busca-se, com efeito, a completa e a eficiente formação sócio-psicológica, ambiental, afetiva, espiritual e educacional do menor cuja guarda se compartilha.”
Não se vislumbra a possibilidade da guarda compartilhada quando existe uma relação conflituosa entre os pais. Em um ambiente de mútuas agressões, as crianças ou adolescentes acabam por de alguma forma desenvolver um sentimento de culpa. A instabilidade pode gerar problemas sérios de desenvolvimento psicofísico e podem afetar o rendimento escolar. É o que afirma Verônica A. da Motta Cezar-Ferreira[33]:
“Pelas dificuldades em separar-se do conflito conjugal, as crianças e os adolescentes podem começar a mostrar dificuldades no desempenho escolar, quando, anteriormente, isso não ocorria; a apresentar problemas de saúde física; disfunções comportamentais e tantos outros, com o objetivo não consciente de desviar a atenção dos pais daquele conflito”.
Neste cenário, nota-se que é necessário haver um canal de comunicação que seja constante, pelo bem de todos os envolvidos. A mediação, neste aspecto, pode ser um importante meio para se chegar ao que é determinante para o pleno desenvolvimento dos filhos do casal.
Para Gisele da Câmara Groeninga[34], a vivência com a diferença de papéis de pai e mãe, na qual a mãe nutre organicamente e afetivamente e o pai representa a passagem desta fase “biológica para a cultura”. Esta cultura vem a ser o estímulo ao convívio social e ao entendimento das leis de convivência. Desta maneira, fica claro observar que ao privar a criança do convívio do outro genitor, ou submeter a criança à discussões freqüentes, frustra seu desenvolvimento completo e exerce um abuso injustificado.
A Síndrome da Alienação Parental tem chamado bastante a atenção de todos. Fácil entender que uma dissolução tumultuada, com assuntos pendentes, mágoas, ressentimentos, acabam por favorecer o desenvolvimento da Síndrome aqui referida.
Observa Verônica A. da Motta Cezar-Ferreira[35]:
“A relação “guarda = poder” e “visita = lazer”, comumente, é estabelecida em prejuízo dos filhos. Agravando o caso vê-se com freqüência, o genitor detentor da guarda tentar dificultar a execução do regime de visitas e o genitor visitador, que em geral é o alimentante, abster-se do cumprimento da obrigação da pensão alimentícia e/ou ir afastando-se dos filhos.”
Se a ruptura do vínculo conjugal for bem conduzida, se os envolvidos conseguirem enxergar além do luto pelo fim da relação, da raiva e todos os desdobramentos emocionais dela decorrentes, se houver uma relação no mínimo cordial entre os pais, ainda que seja exclusivamente em benefício dos filhos, não haverá terreno fértil para o desenvolvimento da Síndrome, logo, a mediação poderá diminuir sua incidência. Este seria um benefício singular a se buscar com a mediação durante o processo de dissolução da união do casal ou ainda após o término do processo judicial, se persistirem as situações de conflito.
Esclarecem os autores Dora Fried Schnitman, Stephen Littlejohn.[36]
“É chegada à hora de desenvolver a Mediação, uma forma mais eficiente de resolver os conflitos, com maior amplitude e maior potencial de produção de felicidade para todos. A Mediação é um novo paradigma para se resolver conflitos considerando que “o conflito é também uma oportunidade de crescimento e desenvolvimento. Superando lógicas binárias, essas práticas se interessam pelas possibilidades criativas que brindam as diferenças, a diversidade e a complexidade.”
A mediação tem por objeto a comunicação adequada entre os membros da família, mesmo após a separação e por isso não pode ser vista como um fim em si mesmo e o mediador ao obter a confiança das partes poderá ainda interferir durante e após a separação judicial do casal, como explica Conrado Paulino da Rosa[37]:
“Nos procedimentos de mediação familiar brasileiros algumas definições se apresentaram após o desenvolvimento dos trabalhos: a) em casos de separação e divórcio o procedimento é feito com o casal, mas pode estender-se a todo o grupo familiar; b) o caminho para chegar ao acordo depende da habilidade do mediador e da disposição real de cada parte em mudar conceitos e atitudes próprias evitando a conduta litigiosa; c) o mediador deve contar com o auxílio de um supervisor ou um co-mediador de preferência com qualificação profissional diferente da sua própria; d) o mediador trabalha com a relação familiar, com a relação do casal; e) os dois negociadores são pais e/ou duas pessoas que construíram uma vida em comum, uma sociedade conjugal ou familiar; f) o consenso ajuda a reorganizar a vida comum do casal, em prol dos filhos, bem como a vida familiar no caso de contendas entre pais e filhos.”
Por todas as razões expostas, o mediador não pode ser qualquer pessoa, precisa ter conhecimento adequado e precisa ser aceito pelas partes, contar com o respeito dos envolvidos.
4 Características do Mediador
O mediador poderá esclarecer e fazer com que as partes consigam vislumbrar as conseqüências de um litígio, no qual serão expostos os filhos, as intimidades do casal de forma desnecessária e utilizar-se destes argumentos para conquistar a boa vontade dos envolvidos.
Segundo Verônica A. da Motta Cezar Ferreira[38]:
“A preocupação com a estabilidade do ex-casal deve-se ao fato de que sua evolução rumo ao crescimento e realização pessoais dependerá de atitudes amadurecidas no papel de pais. Tais atitudes, em princípio, poderão minimizar efeitos emocionais desfavoráveis nos filhos, especialmente os menores, mais frágeis e, por conseguinte, mais vulneráveis da família.”
O mediador deverá ser uma pessoa preparada, consciente da importância de seu papel e precisa contar com o respeito dos envolvidos. Nas palavras de Caetano Lagrasta Neto[39]:
“Trata-se de terceiro que intervém no litígio por indicação judicial ou por opção das partes, após ter sido por estas aceito. É definido como negociador neutro, com especialização no assunto e perito na matéria, imbuído de respeitabilidade, com desempenho resguardado por absoluto sigilo. Cabe ao mediador absorver e neutralizar emoções, formulando hipóteses de solução, sobre quaisquer fatos postos em debate. Ao deparar-se com sentimentos exacerbados ou seqüelas morais, deve estar preparado para ouvir e ensinar a ouvir, entender as razões de um e fazê-lo com que entenda as colocações do outro, como forma de se atingir por meio, às vezes, de verdadeira catarse, a solução definitiva do litígio, sem interferir diretamente nas disputas”.
Nesta mesma linha, Águida Arruda Barbosa[40]:
“O mediador não decide pelos mediandos, já que a essência dessa dinâmica é permitir que as partes envolvidas em conflito ou impasse fortaleçam-se, resgatando a responsabilidade por suas escolhas. A forma natural de regular os conflitos de interesse é pelo reconhecimento da responsabilidade de cada um, que assume as conseqüências de seus atos ou omissões.”
Assim, significa dizer que, ainda que tenham as partes que levar a causa ao judiciário para resolver questões legais, como ter a dissolução decretada através do divórcio, ter a partilha de bens homologada, disposições sobre guarda devidamente estabelecidas, este caminhar já foi construído durante o processo de mediação. Nestes casos, o magistrado tão somente validará a vontade das partes, ainda, evitará a demora na conclusão do feito e os envolvidos terão o desconforto reduzido ao mínimo necessário.
Sobre as características do mediador, manifesta-se Célio Garcia[41]:
“Saberá ele manter uma posição de intimidade com o direito, porém não será nem juiz, nem necessariamente advogado. Se nos fosse permitido, a partir do termo intimidade externa proporíamos extimidade. Eis o termo que convém ao mediador, ele é êxtimo, um passageiro clandestino da seara do direito. Clandestino, mas fiel e solidário para com o destino da disciplina. Para isso ele estuda o direito com grandes mestres, ele os freqüenta, traz perguntas, indagações, um verdadeiro mediador entre o mundo real e o mundo da lei.” (grifos do autor)
Na mesma esteira as autoras Águida Arruda Barbosa e Giselle Groeninga[42]:
“Pergunta freqüente é se há um profissional mais indicado para ser mediador. Na realidade, a Mediação é prática interdisciplinar, sendo que a formação do mediador engloba conhecimentos, dentre outros, da Psicologia, da Psicanálise, da Sociologia e do Direito, de forma que o mediador tenha um amplo conhecimento das raízes e desdobramentos dos conflitos, tendo condições, com este cabedal, de auxiliar na compreensão dos vários níveis de um conflito, desde seus aspectos mais subjetivos aos mais objetivos.”
Percebe-se que o mediador deve ser uma pessoa sensível aos conflitos humanos, entendedor da natureza humana, que tenha conhecimento das leis, porém não necessariamente precisa ser da área da psicologia ou do direito, deve, no entanto, transitar sobre estas áreas de conhecimento para ter êxito em seu papel de facilitador. Na mesma linha sugere Fernanda Tartuce[43]:
“O mediador deve ser alguém treinado a propiciar o restabelecimento da comunicação entre as partes. Para tanto deve ser alguém paciente, sensível, sem preconceitos e com habilidades de formular as perguntas certas às partes com intuito de conduzi-las à reflexão sobre seus papéis nos conflitos e sua responsabilidade quanto à sua reorganização.”
Obviamente, nem todos os casos são passíveis de solução através da mediação, ás vezes a família precisará de terapia, pois desgastada excessivamente se encontra a relação. Caberá ao mediador perceber os limites de sua habilidade e em não obtendo êxito, recomendar ajuda profissional a fim de preparar o caminho para um processo posterior de mediação.
Além dos benefícios acima citados, Conrado Paulino da Rosa[44] acrescenta:
“O uso da mediação poderá contribuir também para que os fenômenos da reincidência processual, morosidade e do custo elevado das ações judiciais sejam reduzidos, uma vez que tal procedimento produz resultados qualitativamente duradouros em relação àqueles estabelecidos por intermédio da imposição da sentença.”
Existem, como se percebe, muitas vantagens na utilização da mediação nas dissoluções das uniões e divórcio, pois os filhos nunca serão divorciados de seus pais, e estes, precisam entender as implicações que a própria ruptura já vai causar por si só e buscar meios de suavizar os traumas em prol da segurança e desenvolvimento dos filhos. Como benefício adicional pode-se dizer que a mediação, quando bem sucedida, agiliza a parte judicial, pois os acordos serão somente homologados e com isso se minimizam os custos e ainda se efetiva a garantia do tempo razoável para o processo como previsto na Constituição Federal de 1988.
Importante mencionar que a mediação no Direito de Família tem também a benesse de proteger os envolvidos da exposição de sua vida privada. Ainda que tais processos judiciais corram em segredo de justiça, havendo o litígio, haverá exposição: testemunhas serão inquiridas, poderão ser requeridas e deferidas perícias e assim cada vez um número maior de pessoas são inseridas no processo, o que torna o segredo de justiça uma questão um tanto relativa. Por estes motivos, ao evitar uma exposição desnecessária dos envolvidos, protege-se sua dignidade.
A Constituição Federal de 1988 tem como um de seus fundamentos o princípio da dignidade da pessoa humana, através de tal princípio se assentam a concessão de direitos e garantias fundamentais que são próprios da personalidade humana. Nas palavras de Alexandre de Moraes[45]:
“A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das outras pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.”
Segundo Maria Celina Bodin de Moraes[46], existe uma necessidade de explorar sistematicamente a importância dada pelo ordenamento jurídico ao princípio da dignidade da pessoa humana, mencionando a autora, que “a tentativa de conceituá-lo passa pela Filosofia”. Para a autora, o que diferencia os seres humanos dos demais é a dignidade e a raiz etimológica da palavra vem do latim e quer dizer “aquele que merece estima, honra aquele que é importante”.
Fácil perceber que a dignidade da pessoa humana é hoje considerada sob vários pontos de vista: é pressuposto essencial que qualquer regime jurídico em sociedade estabelecida como Estado de Direito. Manifestou-se com propriedade em relação ao princípio sob o qual se assenta a ordem constitucional brasileira o doutrinador Ingo Wolfgang Sarlet[47]: “a dignidade é o valor de uma tal disposição de espírito, e está infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade”. Assim se verifica que embora exista uma generalidade inserida no conceito dignidade, esta é essencialmente um atributo do ser humano e independe de reconhecimento, pois dele não se desvincula: é irrenunciável e inalienável, assim como também são os direitos da personalidade.
Salienta-se que os direitos da personalidade também estão garantidos pela Constituição Federal[48], artigo 5°, caput, onde se lê que “são invioláveis a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança, a propriedade” e, ainda no inciso X, também faz referência á inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, sendo que, os danos morais ou materiais decorrentes de tal violação serão objetos de indenização. Observa-se ainda que os direitos de personalidade têm estreita ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana, como comenta Rodrigo César Rebello Pinho[49]:
“A pessoa humana deve ser protegida em seus múltiplos aspectos: vida, integridade física, honra e liberdade individual. Não basta garantir um simples direito à vida, mas assegurá-lo com o máximo de dignidade e qualidade na existência do ser humano. A integridade física deve ser entendida como absoluto respeito à integridade corporal e psíquica de todo e qualquer ser humano”.
Por estes conceitos, observa-se que é de suma importância proteção da individualidade e a privacidade dos separandos, portanto, respeitando sua dignidade, neste sentido, a mediação pode assegurar que haja discrição e respeito pela situação do casal e ainda apresenta o caractere de que as partes agem com autodeterminação, o que proporciona que tenham a capacidade de decidir por si mesmas e agir com a informalidade que as deixa mais confortáveis.
Desta forma, com todos os arranjos obtidos através do acordo que antecede ao processo judicial propriamente dito, haverá maior disposição para o cumprimento das cláusulas definidas com a participação plena dos envolvidos e, ao se restabelecer a comunicação de forma saudável não se vislumbra a instauração da Síndrome de Alienação Parental dado que cada qual assume sua responsabilidade pelo término da relação e não há um culpado a ser punido ou um inocente a buscar vingança.
Assim, ainda que não seja possível afastar por completo a ocorrência da Síndrome, certamente é coerente afirmar que se pode diminuir sua incidência ao melhorar a comunicação entre os pais envolvidos. Também se pode afirmar que, durante, ou mesmo após a dissolução judicial do casal, a mediação poderá contribuir para a harmonização de conflitos e para proporcionar a convivência salutar entre os membros da família.
A ruptura da vida conjugal dos pais não precisa ser sinônimo de prejuízo para os filhos: é comum ouvir-se a máxima que “é melhor ter um lar desfeito que viver em um lar desfeito”.Muitas vezes a separação é o melhor que pode acontecer, ver os pais em casas separadas mas conversando amigavelmente é preferível a vê-los sob o mesmo teto brigando constantemente.
5 Considerações Finais
Verifica-se, no decorrer deste ensaio que a Alienação Parental é um assunto atual, sério e importante no Direito de Família. A visão da família, como instituição protegida na Constituição Federal deve ser interpretada de forma sistemática a permitir a proteção de cada um de seus integrantes, ainda que algumas vezes pareça complicado proteger uma criança de uma ação nociva de um pai ou uma mãe que a use para sua vingança pessoal.
Obviamente, não parece nada lógico, mas por outro lado absolutamente irracional que um genitor use seu filho como uma absurda medida catártica, como um meio de promover retaliações contra seu ex-cônjuge ou companheiro e talvez com isso amenizar a própria angústia.
Ainda que todas essas considerações pareçam inconcebíveis, negar que situações como estas ocorram diariamente seria propagar a impunidade e promover uma situação de prejuízo irreparável aos envolvidos.
Aquele que causa a alienação precisa de ajuda para resolver seus conflitos, e porque, não, doença, e afeta o todo familiar, sendo que a mediação familiar serve justamente para buscar a solução ou pelo menos a amenização de tais conflitos.
Cabe à todo o grupo jurídico envolvido nas causas em que tange as questões familiares, desenvolverem uma consciência sobre o papel da família na atualidade, entender a dinâmica das relações entre seus membros e mormente ao judiciário, em um sistema integrado de cooperação com profissionais habilitados e bem treinados transformar uma realidade que muitas vezes não se quer enxergar. A interdisciplinariedade com as outras áreas do direito é instrumento capaz de facilitar a mediação entre os envolvidos.
É importante entender que a família é a base estrutural para toda e qualquer formação do cidadão social, e isso é fundamental e reflete diretamente no grupo social e nos litígios que integram e afogam o Poder Judiciário, sendo a mediação familiar, uma opção válida e eficaz na resolução dos conflitos familiares.
Busca-se, com esse estudo, dar uma visão mais ampla da questão da mediação, tendo em vista a abordagem da comunicação como mecanismo de solução dos conflitos familiares, em especial como instrumento de resolução ou amenização da questão da alienação parental.
Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul, RS, UNISC. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pelo Instituto Ritter dos Reis, Canoas, RS. Professora da Graduação e Pós-Graduação em Direito Processual Civil na Universidade Luterana do Brasil, ULBRA – Campus Santa Maria. Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil e do Núcleo de Prática da Ulbra – Santa Maria/RS. Advogada
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