Resumo: O presente artigo aborda uma maneira diferente de encararmos as “crises”, não como um aspecto negativo, mas sob uma perspectiva positiva, de “transformação”, uma “oportunidade”, reavaliando os problemas e desafios na nossa vida. Porém, quando as divergências se tornam insuportáveis, as pessoas tendem a enfrentar-se mutuamente, quer pelas contendas diretas, quer pelos litígios. O Judiciário, na maioria das vezes, acaba reforçando essa dicotomia “autor X réu”. A Mediação, porém, vem como um recurso importante para relativizar as divergências, mostrando as dificuldades de diálogo, para que as pessoas modifiquem sua postura e amadureçam. São explicadas duas formas importantes de Mediação, para o bem-estar das famílias, sobretudo das crianças: a Familiar e a Escolar.
Palavras-chave: Crise; Mediação; Família; Escola; Crianças.
Abstract: This article covers a different way of looking at the "crisis", not as a negative aspect, but from a positive perspective, "transformation", an "opportunity", reevaluating the problems and challenges in our lives. However, when the differences become unbearables, people tend to face each other, either by direct disputes, whether by litigation. Judiciary, most of the time, ends up reinforcing this dichotomy "author X defendant". Mediation, however, comes as an important resource to relativize the divergences, showing the difficulties of dialogue, so that people modify their stance and mature. Are explained two important forms of mediation, to the well-being of families, especially children: Familiar and Schoolar.
Keywords: Crisis, Mediation, Family, School, Children.
Sumário: 1. A elaboração da crise e a transformação da culpa e do conflito. 2. As crises e conflitos na família. 3. A importância da Mediação Familiar, para superarmos a cultura do litígio. 4. A Mediação Escolar, no caso de problemas pedagógicos de crianças, decorrentes de conflitos familiares. 5. Considerações finais. 6. Referências bibliográficas.
1. A elaboração da crise e a transformação da culpa e do conflito:
Para as culturas orientais, crise é sinal de oportunidade e transformação. Nada melhor que um momento de crise para se experimentar a capacidade de mudanças, renovação, alternativas, criatividade e soluções – elementos essenciais para a evolução contínua do ser humano (SILVA, 2011).
Em nossa sociedade, o conflito é, por vezes, visto como doença. Porém, é preciso compreender que o conflito é um elemento inerente ao ser humano. Para a Psicanálise, o desenvolvimento do indivíduo ocorre mediante as contínuas mudanças e transformações, nas dialéticas relações interpessoais. As crises são condições de existência, porque se caracterizam pelas transformações, e os afetos também são influenciados por essas transformações (SILVA, 2011, cit.).
É no espaço da família que são vivenciadas as primeiras situações conflitivas, e a criança introjeta as diferentes formas de lidar com os conflitos (negando ou ampliando, por exemplo), ou ainda assumindo o papel de “criança-problema” ou “bode expiatório”, responsável por carregar todos os conflitos e dificuldades da família. As pessoas tendem a repetir ou opor-se aos modelos de manejo dos conflitos – situações essas que são catalisadas pela linguagem, verbal e não-verbal, que podem despertar sentimentos de ódio, rejeição, medo, raiva, ameaça, bem como pelos valores e práticas culturais, podendo gerar nas outras pessoas as mais variadas reações (MUSZKAT, 2005).
A autora (2005, cit.) descreve as maneiras com que as pessoas costumam reagir aos conflitos:
– Evitação: ocorre o comportamento de se esquivar de qualquer situação, sem enfrentar o problema diretamente; surgem sentimentos de frustração, medo, raiva ou vingança, mas há a ‘esperança’ de que os problemas se resolvam ou desapareçam sozinhos.
– Uso da força: a retaliação é feita por meio de ameaças para intimidar, humilhar ou desmoralizar a outra parte, podendo mesmo chegar à violência física.
– Recurso à autoridade superior: o ofendido busca uma instância superior de poder, em geral um árbitro, eleito ou aceito pelas partes, sob critérios de conhecimento ou bom senso, que vai decidir e comunicar às partes sua decisão.
– Buscar a mútua colaboração: as pessoas se reúnem para decidir, entre si ou na presença de um terceiro imparcial que os ajudará na busca de soluções satisfatórias para ambos – este é o princípio da Mediação.”
Os afetos são o equivalente da energia psíquica e dos impulsos que afetam o organismo e se ligam a representações, pessoas e objetos significativos, em maior ou menor sintonia com o pensamento e a realidade externa, ou dele dissociados. Ao longo do desenvolvimento do indivíduo, vai-se impondo o Princípio de Realidade (descrito por Freud), fazendo com que os afetos se transformem em sentimentos e dêem sentido às relações, e ainda influenciam a forma de se interpretar o mundo – com o desenvolvimento da linguagem e do pensamento (SILVA, 2011, cit.).
Para GROENINGA (2003), o conflito pode se tornar um sintoma ou uma patologia quando se cristaliza, a partir de desejos e de aspectos subjetivos que não são levados em conta. A autora [s.d.] afirma que é preciso, então, encontrar possibilidades transformadoras e modos de lidar com o conflito, prevenindo sua cronificação. Os principais aspectos que levam ao agravamento dos conflitos são:
a) enfermidade no nível psicológico das emoções e desejos;
b) problemas sociais no nível da distribuição de funções e papeis, chegando até a atos explicitamente anti-sociais de violência;
c) empobrecimento do nível econômico;
d) litígios intermináveis no nível sócio-jurídico da distribuição de direitos e deveres.
O grande problema é a dificuldade de ouvir o outro que caracteriza as relações mais íntimas, onde ocorrem percepções preconceituosas e dificuldades em aceitar e acolher o que o outro tem a dizer (MUSZKAT, 2005, cit.).
ARSÊNIO ([s.d.] a) afirma que o conflito significa desacordo, desavença ou disputa interpessoal comunicável a alguém em forma de incompatibilidade percebida ou de reclamações. Para MUSZKAT (2005, cit.), os conflitos interpessoais carregam conteúdos intrapsíquicos não elaborados, podendo provocar surpresa e espanto no profissional, dada a imprevisibilidade das reações, comportamentos e sentimentos.
E o grande problema está na lógica binária-adversarial do Judiciário: “inocente X culpado”, “autor X réu”, que se torna moroso e ineficiente para lidar com as questões subjetivas. A Mediação Familiar deve ser capaz de ajudar os envolvidos a superar as naturais dificuldades emocionais, e (re)aprender a usar a empatia, a sensibilidade, e a compreensão restabelecer o diálogo e apresentar soluções que sejam satistatórias para ambos. SCHABBEL (2005, p.17) acrescenta que a Mediação, ao reconhecer e atuar nos aspectos emocionais da crise de separação vivida pelo casal, reconhece que as emoções são tanto parte do problema quanto de sua solução e, uma vez endereçados, clareados e resolvidos, facilitam a negociação das opções mais adequadas para reorganizar as funções, papeis e obrigações da família.
2. AS CRISES E CONFLITOS NA FAMÍLIA:
GERGEN (1993), citado por CEZAR-FERREIRA (2007), afirma que a família é um lugar de enfrentamento, em que os problemas se estabelecem facilmente e as soluções são mais difíceis de serem encontradas. Essa situação sugere um acúmulo de crises quando ocorre a ruptura familiar, justamente porque às crises cotidianas soma-se a desestabilização do sistema e a fragilização das relações que tendem a se agravar.
Para a referida autora (2007, cit.), a crise da separação apresenta a agravante de estender seus efeitos aos filhos, tanto no momento da instauração do litígio judicial entre os pais, quanto no futuro, no processo de criação deles, no tocante à estruturação dos vínculos e afetos (p.78).
Nesse sentido, os conflitos conjugais aparecem quando as pessoas não conseguem lidar de maneira amadurecida e realista com as fantasias e sonhos que idealizaram para a relação, e mesmo com a frustração de desejos não expressos e aguardados. Para CARPINELLI (1999), quando a relação finda, o advogado é o profissional convidado a interferir e ajudar a solucionar alguns problemas (poucos procuram um processo psicoterapêutico – individual ou de casal – para ajudá-los a pensar e/ou avaliar os fatores que os levaram a esse tipo de vivência). Com isso, o advogado passa a ter um papel de aconselhador dos interesses de uma das partes, ou de ambas, funcionando como um referencial de apoio, quando, debilitado(s), procura(m) ajuda para o rompimento da sociedade/contrato. Mas, será ele o profissional qualificado para atender tal demanda? Segundo a autora, a formação de advogado lhe confere um título de “doutor” e poderes para articular a justiça, e com frequência, orientam e aconselham seus clientes com base em racionalismos, lógica social, juízos pessoais de valor, embora haja exceções de profissionais bem esclarecidos que conseguem separar seus conflitos com os do cliente, não se identificam com o drama do cliente, e que reconhecem a importância do encaminhamento ao psicólogo como forma de desenvolvimento pessoal daquele cliente. É primordial que o advogado se conscientize que, por mais que o cliente esteja convicto no que quer, às vezes, ele necessita de um ombro amigo e de alguém que apenas o escute, se querer definir o que é certo ou errado, ou então, seja o dono da verdade, dizendo como deve se sentir.
3. A IMPORTÂNCIA DA MEDIAÇÃO FAMILIAR, PARA SUPERARMOS A CULTURA DO LITÍGIO
“Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro.
Cada um me contou a narrativa de porque se haviam zangado.
Cada um me disse a verdade.
Cada um me contou as suas razões.
Ambos tinham razão.
Não era que um via uma coisa e o outro outra,
ou que um via um lado das coisas e outro um lado diferente.
Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado.
Cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente,
e cada um, portanto, tinha razão.
Fiquei confuso com esta dupla existência da verdade”. (Fernando Pessoa).
Assim, os conflitos e disputas são o material de trabalho da Mediação enquanto importante recurso para a elaboração e transformação de conflitos manifestos, que são deturpados pelos conflitos latentes (ARSÊNIO, [s.d.]). Se houver ênfase nos aspectos menos desenvolvidos de interpretação da realidade, os conflitos (manifestos e latentes) terão características mais subjetivas, que prejudicam o pensamento e a responsabilidade – o indivíduo tenderá a culpabilizar o Estado, terceiros ou as instituições, mantendo relações infantilizadas com estes (GROENINGA, 2003). Por isso, o mediador deve distanciar-se da disputa jurídica e da finalidade terapêutica das psicoterapias, para concentrar-se no campo subjetivo, único e pessoal de cada sujeito (ARSÊNIO, [s.d.] a, cit.).
Para SANGALLI (1999, p.370), um processo de separação não se restringe somente ao casal, envolve também os filhos. Repercute sobre eles de forma incisiva, mesmo quando os pais mantêm um relacionamento amistoso. A mediação propõe-se a ter uma visão globalizada, observar os aspectos individuais, sociais e familiares, respeitando o referencial jurídico.
A autora (1999, p.370, cit.) acrescenta que o objetivo da mediação é facultar às partes um momento de reflexão, possibilitando desta forma a continuidade do vínculo com a outra parte. Por isso, ela é altamente indicada para a separação de casais, dissolução de sociedades, independente da especificidade da área, enfim, indicada para os casos onde há vinculação, relacionamento com a parte que, no momento, é adversa.
Ë por isso que os indivíduos e a sociedade (através das instituições) necessitam de auxílio para desenvolver a consciência, o pensamento e a responsabilidade, respeitando a individualidade e a privacidade das pessoas e das famílias, para que, coletivamente, se tornem abrigo para a razão e para o afeto (GROENINGA, 2003, cit.).
A rede social e os profissionais que atendem as famílias devem promover recursos para enfrentar as situações de crise. Nesse sentido, CEZAR-FERREIRA (2007, cit.) destaca a importância de se auxiliar as famílias menos favorecidas (em termos sociais, econômicos e educacionais), que podem agravar os conflitos familiares por desconhecimento da existência de serviços disponíveis aos quais podem ter acesso, sobretudo no meio universitário. O Poder Público, por sua vez, deve oferecer tais serviços e outros recursos, através da informação e de vontade política para implantar programas que ajudem a minorar os efeitos indesejáveis dessa crise não-previsível que é a separação, especialmente para os filhos.
Para SCHABBEL (2005, cit.), em geral, as crianças envolvidas nas separações dos pais acabam passando por dois sentimentos: o medo, consciente ou inconsciente, de que o outro pai também vá embora, e a percepção de que os adultos não são confiáveis e nem honestos. Para a autora, tanto o casal que se separa quanto seus filhos passam por momentos delicados e difíceis na tentativa de resolver questões práticas, como guarda e visita, ou emocionais, como lidar com a interrupção de certas tradições familiares, a perda da convivência diária com um dos pais e a sensação de desamor, rejeição e abandono.
Além disso, deve-se considerar que, mesmo com a dissolução conjugal decretada por sentença, os casais não conseguem se separar emocionalmente, porque essa nova situação provoca mudanças subjetivas e objetivas nas pessoas. Para CEZAR-FERREIRA (1995), mesmo quando convencido da decisão tomada, o casal vive momentos de emoções contraditórias: o convívio com a dor da separação acaba prolongando-se, já que podem ocorrer reencontros involuntários ou voluntários e reconciliações temporárias. Mesmo quando o cenário para o divórcio se define, fantasias de re-união ainda sobrevivem à realidade, dificultando a redefinição da identidade e a reestruturação de papeis. A mediação, ao abordar a confusão de papeis, permite que a posição e os interesses de cada um sejam esclarecidos, possibilitando aos pais assumir uma postura saudável diante dos filhos, dos demais familiares e da sociedade. Nos conflitos de poder entre o casal, não é raro os filhos servirem de “corda” no jogo de cabo de guerra da relação (CEZAR-FERREIRA, 1995, cit.). Para SCHABBEL (2005, p.17, cit.), os conflitos são gerados a partir de ocasiões em que um dos cônjuges não consegue aceitar a existência de um novo relacionamento, ou mesmo admitir a possibilidade de uma Guarda Compartilhada, por exemplo. É profundamente difícil promover uma negociação flexível na regulamentação de visitas para aquele que não é o guardião dos filhos ou, ainda, concordar com o valor sugerido para a pensão alimentícia.
Para GRUNSPUN (2000), a Mediação Familiar torna-se um instrumento importantíssimo para a estruturação da Guarda Compartilhada, pois da parte dos pais facilita a comunicação entre eles acerca da educação e futuro dos filhos, dirimindo os ressentimentos, os conflitos, as dificuldades de diálogo e, especialmente os posicionamentos de “perdedor” e “vencedor”, porque nessas contendas judiciais essas posições são ilusórias, só há perdedores, e os maiores prejudicados são os filhos; da parte dos filhos, como não há envolvimento emocional em ‘tomar partido’ de um dos pais em detrimento do outro, não há culpas conscientes ou inconscientes que possam ser reprimidos pelo recalque para se transformarem em sintomas (inclusive somáticos).
Para DUBUGRAS (2007), em uma primeira vertente o conflito pode parecer negativo mas, dependendo de como for manejado pode ser surpreendentemente positivo, daí a importância do papel do Juiz/Conciliador diante do conflito e a visão que este tem sobre o mesmo, para conduzir as partes a uma conciliação. Se o conflito for tratado de forma ruim, pode levar a desconfiança, ansiedade e insatisfação própria e/ou com os outros. Por outro lado, se for manejado com experiência e criatividade, o conflito pode trazer benefícios para todos, podendo estimular o interesse, aprimorar a comunicação, aumentar a produtividade e trazer mudanças sociais. Para isso é necessária a mudança de algumas práticas e dogmas incrustados no espírito da litigação. A primeira é a criação de um ambiente de diálogo, onde não só o juiz e os advogados se manifestem, mas haja um convite às partes para expressarem suas razões relativas ao conflito sem medo ou receio de entregar o "jogo". Outra prática que deve ser mudada é o medo de entrar no mérito sob suspeita de pré-julgamento, a mediação conciliatória, quer dizer, mediação em juízo, deve ser feita à sombra da lei e da jurisprudência, as partes podem conversar sobre o mérito e as perspectivas de sucesso para decidirem sobre suas propostas sem a necessidade do juiz mediador emitir seu Juízo.
A questão é que a proposta do Conselho Nacional da Justiça orienta-se para a prática da Conciliação, mas quer utilizar as técnicas da Mediação para atingir seus objetivos. É preciso que haja uma distinção entre os procedimentos e finalidades de uma e de outra, para que os princípios da Mediação não sejam desvirtuados, e não sejam utilizados indevidamente em audiências de Conciliação.
Quando consultados a respeito disto, alguns conciliadores e árbitros alegam que, como não há uma Lei de Mediação vigente no país, um termo de acordo de mediação não seria aceito pelos juízes para serem homologados, mas que sentenças arbitrais e termos de conciliação já possuem respaldo judicial – o que é um argumento estranho, pois a própria Lei n.º 9.307/96, que trata da Arbitragem, em nenhum momento se refere à Mediação, e em outros, faz apenas alusão a Conciliação. Porém, experiências informais de Mediação no Judiciário são respeitadas pelos juízes, e seus acordos revelam a positividade dos resultados (ARSÊNIO, ([s.d] b).
Para ARSÊNIO ([s.d.] c), é importante que no processo de Mediação e o acordo a que as partes chegam, seja esse acordo verbal ou escrito, possam diferenciar a neutralidade do mediador, da percepção de imparcialidade que as partes têm acerca de sua atuação. Se for possível estabelecer essa diferenciação, deve-se considerar ainda que há pessoas com baixa resistência à sensibilidade e poderiam não reconhecer como autêntica uma tomada de decisão ou o estabelecimento de uma aliança. Claro que a habilidade do mediador está justamente em detectar e escutar atentamente seus clientes, para não passar despercebida uma característica desta magnitude, como aceitar ou não a decisão de um acordo oral, expondo-o profissionalmente. Afinal, ainda estamos desprovidos legalmente de regulamentações dessa natureza.
Assim, para o referida autora, no momento em que houver a regulamentação legal da Mediação, ocorrerá o mesmo que ocorreu com a Lei da Arbitragem (Lei n.º 9.307/96): a arbitragem ganhou impulso após a publicação de uma lei especifica que foi reforçada pelo julgamento da constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.
4. A MEDIAÇÃO ESCOLAR, NOS CASOS DE PROBLEMAS PEDAGÓGICOS DAS CRIANÇAS, DECORRENTES DOS CONFLITOS FAMILIARES:
A Mediação Escolar pode se tornar um importante recurso de transformação de conflitos em ambiente educacional. A escola torna-se então um espaço propício para a introdução do aprendizado da responsabilidade nas atitudes, conflitos e soluções, pois há a oportunidade de se descobrir uma nova maneira de lidar com as situações na escola, com redução do desgaste emocional e financeiro, de maneira a resguardar-se a privacidade e o sigilo. Com isso, ocorre a facilitação da comunicação entre as pessoas e a promoção de ambientes cooperativos; além disso, os alunos poderão levar as lições desse recurso mais responsável de elaboração de conflitos para outras situações externas ao ambiente escolar.
Segundo ARSÊNIO ([s.d.] d), os maiores conflitos no ambiente escolar são: a falta de comunicação, as questões pessoais, as relações de poder. Nesses casos, a Mediação Escolar consiste em procedimentos simples: identificar e concentrar-se no problema, objetivando atacá-lo e não às pessoas; preocupar-se com os sentimentos alheios, desenvolver o senso de responsabilidade pelas atitudes e palavras. Ficam proibidas condutas como: interromper, atacar, agredir, burlar (enganar), culpar, não escutar, vingar-se, inventar pretextos etc.
No entanto, a Mediação Escolar não é recomendada quando se tratar de violência, uso de armas, drogas, abuso sexual – situações em que a violência se expressa por ausência ou insuficiência de canais adequados para gerenciar os conflitos, ou ainda por problemas de relacionamentos e hierarquias que não respeitam os indivíduos. Nesses casos, é aconselhável tomar-se as providências repressoras e punitivas necessárias, porém questionar e buscar as origens do direcionamento inadequado dos conflitos, esse sim através da utilização da Mediação.
Ocorre que, muitas vezes, as partes estão tão absorvidas pelo conflito, que não conseguem efetuar uma relação objetiva, necessitando, portanto, da intervenção de um terceiro especialmente treinado para ajudá-las a tomar consciência do conflito e das providências que podem ser executadas.
Na prática, o mediador (que pode ser um professor, diretor ou funcionário da escola, ou terceiro convocado e aceito pelas partes) intervém na questão levada à discussão, com uma escuta não-julgadora e não interventiva, para conhecer e analisar os aspectos mais importantes do conflito, e isso conduzirá o seu trabalho. Convoca as partes para discussões, com o objetivo de conscientização e elaboração dos conflitos, podendo-se chegar a um acordo como consequência dessa facilitação do diálogo.
É preciso mencionar que a Mediação tem como ferramentas a escuta e o diálogo, que ajudam a buscar a consciência da existência (ou não) dos conflitos e a responsabilidades sobre as atitudes, relacionamentos, alternativas e possibilidades. Com isso, há importantes lições de cidadania, pois se aprende a valorizar a responsabilidades e livre-arbítrios de cada um, a apropriação das escolhas pessoais, o respeito a si e ao outro, a tolerância e a cooperação.
Diga-se, também, que os conflitos escolares podem ser reflexo de situações familiares conturbadas, como separações/divórcios[1], perdas, doenças, dificuldades financeiras etc. Então, além das questões do relacionamento escolar, é importante que a instituição de ensino disponha também de profissionais qualificados para auxiliar no processo de Mediação, não no sentido de aplicá-la à situação familiar (que estaria no âmbito da Mediação Familiar, anteriormente descrita), mas especificamente na situação escolar, ou seja, o que poderia ser significativo para melhorar o relacionamento em ambiente educacional.
Pode-se exemplificar o exposto, afirmando que muitos filhos, para os quais a separação dos pais foi mantida em segredo, sentem-se traídos, culpados ou envergonhados – muitas vezes chegando a afirmar que prefeririam vê-los mortos a separados -, e essa situação pode se refletir no ambiente escolar (relacionamento interpessoal e/ou rendimento escolar). Inclusive, algumas crianças/adolescentes podem projetar figuras parentais no(a) professor(a) e torna-lo(a) seu(sua) confidente – o que não é a melhor solução, mas é uma oportunidade para se reconhecer a dificuldade dos desejos e conflitos externos; em contrapartida, alguns professores também podem se identificar com essas crianças/jovens ou com seus pais separandos, o que também não é a melhor solução, mas pode ser útil para a criança/adolescente, desde que essa pessoa possa lhe dar uma resposta verdadeira e não “estereotipada” e nem mudar de assunto (DOLTO, 1989). Para a autora, o grande risco está em que o adolescente projete no(a) professor(a) um pai/mãe idealizado(a), e que o(a) professor(a), em contrapartida, responda de maneira erotizada a essa demanda de atenção e amor (pp.119-120). Para evitar essa situação de transferências de afetos primários, um mediador escolar pode ser um profissional extremamente importante entre o(a) aluno(a), os pais e professor/diretor da escola, para se discutir a melhor solução para o caso.
A instituição educacional deveria, também, ajudar a criança a partir dos 06 (seis) anos a compreender a diversidade das situações familiares e as dificuldades que os filhos enfrentam com seus pais legítimos (juntos ou separados) ou adotivos, os novos relacionamentos conjugais de seus pais separados, o parentesco dos membros da família estendida (tios, primos, avós, meio-irmãos etc.). Para DOLTO (1989, cit.), as crianças seriam estimuladas a fazer suas próprias reflexões, e em seguida seriam discutidas em classe pelos próprios alunos e pela professora (pp.118-119).
Cabe, ainda mais uma situação em que a Mediação Escolar torna-se bastante útil em função de uma situação familiar de separação dos pais em que haja divergência de posturas diante da questão do desempenho escolar do(s) filho(s): muitos pais separados, que não detêm a guarda do(s) filho(s), queixam-se de que a escola não lhes fornece informações acerca do rendimento e desempenho escolar da(s) criança(s), alegando que tais informações são privativas do pai/mãe guardião(ã) – como se, ao não deter a guarda, eles deixassem de ser pai/mãe daquela(s) criança(s)! Para que tais situações absurdas não se perpetuem, existe a Lei nº 12.013/2009, que determina a obrigatoriedade de fornecimento das informações escolares, por parte das instituições de ensino, também ao(à) genitor(a) não-guardião(ã) (SILVA, 2011, cit.).
Nesses casos extremos, em que o litígio conjugal se sobrepõe à concessão de direitos dos pais de obter informações acerca do desempenho escolar do(s) filho(s), é cabível a presença de um mediador escolar (que pode ser o diretor, professor, psicólogo ou algum outro profissional qualificado), que possa intermediar o diálogo entre os pais, conhecer e trazer à consciência as motivações para impedir ao outro genitor o acesso às informações escolares, e esclarecer a ambos a importância da participação de ambos, mesmo separados, no desenvolvimento cognitivo, social e afetivo do(s) filho(s).
É importante esclarecer que a instituição de ensino que alega que as informações escolares são privativas do genitor guardião, sob pretexto deste ser o cuidador direto da criança, ou de ser o responsável pelo pagamento das mensalidades escolares (embora esteja incluída nas despesas de pensão alimentícia a cargo do genitor não-guardião!), ou qualquer outro motivo esdrúxulo, estará sendo conivente com o genitor guardião em suas manobras para a destruição dos vínculos com o genitor não-guardião, e assim contribuindo para a instauração da Síndrome de Alienação Parental (SAP), que será descrita adiante – e portanto, será co-responsabilizada (em âmbito moral, civil e penal) pelos prejuízos psíquicos causados à criança que tal situação certamente acarretará.
Por estes motivos expostos, torna-se premente a presença do Mediador Escolar, que possa trabalhar no sentido de auxiliar e conscientizar as famílias, os alunos e os educadores em suas tarefas a atribuições que contribuam para o melhor desenvolvimento de todos.
O Mediador Escolar (que pode ser um professor, diretor, psicólogo escolar, orientador pedagógico, pedagogo ou psicopedagogo) pode atuar no sentido de intermediar a comunicação entre a escola, o aluno e os pais separados. A comunicação costuma ficar falha nesse período de separação, porque os pais que estão se separando focam com receio de expor sua privacidade a terceiros; a escola acredita que não deve se envolver nos assuntos particulares das famílias; e o aluno tem receio de ser ridicularizado ou rotulado pela própria escola ou pelos colegas como “filho(a) de pais divorciados. Através do diálogo, o Mediador Escolar pode orientar os pais a manter o aluno protegido do ambiente hostil e instável do divórcio, ao mesmo tempo em que propõe atividades aos professores que estimulem o aluno a sentir-se distanciado dos conflitos familiares decorrentes do divórcio dos pais, ao mesmo tempo em que sua autoestima permanece elevada (CARDOSO, 2009).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
As transformações, os questionamentos, as direções por que passam a sociedade obrigam os profissionais, instituições e grupos sociais a pesquisar, discutir, orientar-se e atualizar-se quanto aos aspectos sociais, jurídicos, psicológicos e institucionais dessas mudanças. Os ordenamentos jurídicos devem refletir a realidade social, e com isso corresponder o melhor possível às necessidades e demandas que essa sociedade impõe.
É nesse sentido que nos deparamos com a necessidade de discutir aspectos relevantes das relações familiares. A estrutura patriarcal não encontra mais respaldo diante das necessidades sociais, nas quais a mulher busca seu espaço no mercado de trabalho e na carreira educacional, e o homem requisita maior participação na vida doméstica e acompanhamento do desenvolvimento dos filhos. Por isso, não basta apenas discutir, é preciso implementar projetos, iniciativas, programas públicos e privados que efetivamente atendam às demandas de transformação dos modelos familiares, e que nem sempre encontram guarida nas instituições governamentais ou não que deveriam cumprir este papel.
É importante também que sejam implementados programas para orientação, esclarecimento e acompanhamento de famílias em que os conflitos emocionais estejam seriamente comprometidos. Se nada for feito, haverá uma geração de crianças que se tornarão adultas acreditando que “ninguém precisa de ninguém”, o “outro” é totalmente dispensável. Reproduzem uma psicopatologia gravíssima, a Síndrome de Alienação Parental – SAP (já descrita anteriormente), que prejudica as emoções, as expressões afetivas, o estabelecimento de vínculos – porque aprenderam com seus pais e mães que o “outro” é dispensável! -. Em uma palavra: novas gerações de indivíduos doentes. O distanciamento entre os indivíduos acaba sendo um imenso entrave ao desenvolvimento afetivo. Ainda mais que, nos casos dessa psicopatologia grave, formam-se redes de mentiras, dissimulações, manipulações emocionais, embotamento afetivo, pretextos para não lidar com os problemas e situações… Para DOLTO (1989), não se trata de que a criança seja “feliz”, mas que possa dar continuidade a sua dinâmica estrutural, o que se constroi, com muita frequência, com os conflitos assumidos (p. 136). Mesmo porque, uma felicidade alicerçada em mentiras, dificuldades emocionais e isolamento é completamente falsa.
É claro que nem a Mediação nem a Guarda Compartilhada podem ser vistas como uma solução “mágica”, que irá resolver definitivamente todos os conflitos e litígios familiares, especialmente aqueles que versam acerca da guarda de filhos, de uma única vez. Existem limitações para ambas as práticas, e não são aplicáveis a todos os casos. Nesse sentido, há alguns pontos importantes que devem ser considerados:
1. No caso da Mediação, é preciso pensar que ainda não há uma regulamentação legal para sua prática, ficando restrita a algumas iniciativas das instituições judiciárias, entidades de assistência judiciária ou de particulares. Quando houver uma previsão legal e normas regulamentadoras da aplicabilidade da Mediação de da qualificação técnica e ética dos mediadores, aos poucos ocorrerão os ajustes necessários ao aprimoramento da qualidade do serviço a ser prestado à comunidade, de modo a corresponder com mais exatidão a suas reais demandas sociais.
2. A Guarda Compartilhada é aplicável tanto quando há um nível de amadurecimento e estabilidade emocional dos pais para administrar as questões relevantes aos filhos, sem transformá-las em objeto de “guerrilhas”, desaforos, contendas sem sentido como quando há divergências entre os pais, como uma forma de conseguir que sejam mais próximos e participativos na vida dos filhos do que talvez fossem antes da separação do casal (RAMOS, 2005). Por isso, é necessário que a aplicabilidade da Lei n.º 11.698/08 que institui e regulamenta a Guarda Compartilhada seja analisada caso a caso, considerando-se as peculiaridades de cada contexto familiar e ao mesmo tempo as necessidades de convívio e vinculação da criança com ambas as figuras parentais – imprescindíveis ao seu pleno desenvolvimento psíquico; e de outro lado, a implantação de projetos de políticas públicas que possam acolher essas famílias, orientar os pais, auxiliá-los em suas dificuldades afetivas e sociais, para que busquem o desenvolvimento pessoal necessário a encarar as situações com maior equilíbrio. Os profissionais de Saúde Mental que acreditam na ideia de que a Guarda Compartilhada é a modalidade que melhor atende às necessidades da criança e aos interesses dos pais (especialmente os homens) que se interessam pelo acompanhamento dos filhos, estão convidados a discutir a operacionalização desses serviços de apoio às famílias. Assim, poderemos pensar concretamente na implantação da Guarda Compartilhada como prática costumeira nos tribunais e no próprio âmbito familiar, e não como uma medida excepcional, como infelizmente ainda ocorre nos dias atuais.
Então, mesmo naquelas situações em que nem a Mediação nem a Guarda Compartilhada são aplicáveis aos casos concretos, será necessária a indicação de psicoterapia familiar aos membros; mas isso não pode ser argumento, especialmente para os profissionais “psi”, para excluir essas famílias dos benefícios dessas práticas no futuro, ‘condenando-os’ às estigmatizações marginalizadas da destruição de relacionamentos e vínculos, como se fosse uma ‘sentença de morte’. O objetivo das ciências voltadas para a Saúde Mental é o desenvolvimento do ser humano, para sua inclusão social, e não como um instrumento de rotulação, exclusão, isolamento. Os profissionais sérios e éticos que se dedicam a isso devem aplicar recursos e técnicas (ou encaminhá-los a quem possua competência técnica para tal) para compreender a dinâmica familiar, auxiliar na elaboração dos conflitos, ajudar os indivíduos a se conscientizarem das dificuldades e modos de lidar com elas, orientá-los no que for preciso, enfim buscar o pleno desenvolvimento psíquico do ser humano – inclusive em nome do exercício da cidadania, obrigação de todos nós!
As mudanças estão aí, conclamando todos nós pais, filhos, profissionais, juristas, legisladores, instituições publicas e privadas a modificamos nossa postura, nossa mentalidade e nossas atitudes. Da mesma forma como a sociedade passou da arcaica estrutura patriarcal a um contexto mais participativo e igualitário, as políticas públicas, os projetos privados e as iniciativas (remuneradas ou não) terão que corresponder a essas novas demandas sociais. São importantes desafios, mas o resultado será a formação de novas gerações de crianças/adolescentes saudáveis, amadurecidos, compreensivos, tolerantes, íntegros, com vínculos afetivos e sociais fortalecidos! Pode-se desejar um lucro maior do que este?
CARL GUSTAV JUNG, em uma Conferência sobre “COMO MELHORAR O MUNDO”, afirmou:
“Os mais sérios problemas do mundo nunca serão solucionados por meio de legislação ou por artifícios. Só podem ser resolvidos por uma mudança de atitudes. E esta mudança de atitudes não se inicia com propagandas ou reuniões de massa, e menos ainda com violência. Ela só pode com a transformação interior dos indivíduos. Ela produzirá efeitos mediante a mudança das inclinações e antipatias pessoais da concepção de vida e dos valores, e somente a soma dessas metamorfoses individuais poderá trazer uma solução coletiva.”
Psicóloga clínica e jurídica – SP, Psicopedagoga, Espec. Educação Especial e LIBRAS, Mestranda em Distúrbios da Comunicação Humana (UNIFESP), Autora de livros e artigos de Psicologia Jurídica de Família
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