A meia-entrada em casas de espetáculos musicais


1. INTRODUÇÃO


O direito a meia-entrada em casas de espetáculos para os estudantes, no cotidiano, parece ser uma grande fantasia. Para o estudante que, em todos os finais de semana, sai com os amigos e parentes para as casas de espetáculos de música baiana, forró e pagode, etc, o que menos importa é o preço do ingresso. Isto não é verdade. Mas também não percebe que ele tem o direito de pagar a metade do valor do ingresso oferecido para toda a coletividade. Não é fantasia, isto é lei! É um direito que lhe é sistematicamente negado pelas empresas que promovem e coordenam os espetáculos musicais no Ceará; ou, se não,  chegam a dizer, cinicamente, que é um direito que ninguém cumpri, e por isto, não estão obrigadas ao mesmo.


Este trabalho é apenas um manifesto pelo direito do estudante comprar o ingresso com o desconto de 50% (cinqüenta por cento), como a lei exige. O autor não é representante de qualquer associação ou entidade estudantil, mas apenas um estudante. Por isso, é parte legítima para reivindicar este direito.


Mais do que isto, este trabalho procura fazer uma rápida análise do problema, limitando-o aos casos ocorridos nesta cidade (Fortaleza-Ce). Neste sentido, é necessário que o estudante seja também considerado consumidor e as empresas promotoras de eventos, fornecedoras de serviço, para legitimar a tutela do Estado. O art. 5º, XXXII, CF/88 dispõe que o Estado promoverá a defesa do consumidor. A lei que a regulamenta é a, bastante conhecida, L. 8.078/90. Também, deve-se reconhecer que o estudante é ainda mais vulnerável do que o consumidor padrão, devido a relativa capacidade que aquele detêm. Logo, no trabalho, estuda-se o direito a meia-entrada, demostrando várias peças legislativas, inclusive as leis municipal (Fortaleza-Ce) e estadual (Ceará). Também, de forma clara e breve, atenta-se para as práticas comerciais abusivas das empresas, na finalidade de impedir a efetivação do direito a meia-entrada. Por fim, verifica-se a reação das entidades estudantis e dos órgãos oficiais contra as práticas abusivas das empresas.


2. PROTEÇÃO AO ESTUDANTE CONSUMIDOR E O DIREITO A MEIA-ENTRADA


Os estudantes de 1º, 2º e 3º graus do ensino público e privado também são consumidores de serviços, ou seja, são pessoas físicas que adquirem ou utiliza serviço como destinatário final (art. 2º, L. 8078, de 11 de setembro de 1990 – CDC).


Os estudantes compõem uma coletividade plenamente identificável que participa das relações de consumo. Existe, sem dúvidas, um mercado sempre promissor que atende diretamente ao estudante. Somam-se assim, as cadeias de editoras e livrarias de livros didáticos e os demais exigidos pelos estabelecimentos de ensino; as confecções de fardamento escolar; etc. Uma das indústrias que mais atende este tipo de consumidor é a dos Espetáculos Musicais. Por sua vez, estes são considerados como serviço, pois é atividade  fornecida  no mercado  de consumo, mediante remuneração (§2º, art. 3º, CDC).  Decerto que não só os estudantes consumem as entradas ou ingressos para apreciar suas bandas favoritas, mas representam o grande público das casas de espetáculos.


Por outro lado, de forma inequívoca, as empresas que promovem e coordenam os espetáculos musicais são configuradas como fornecedores, ou seja, são pessoas físicas ou jurídicas,  públicas  ou privadas,    nacionais    ou   estrangeiras,   bem   como os entes despersonalizados, que desenvolvem prestação de serviço (art. 3º, CDC). Estas são, geralmente, empresas de capital elevado, uma vez que os custos de produção são também altos.


A defesa ao consumidor é princípio da ordem econômica que não se incompatibiliza com a livre iniciativa e o crescimento econômico (art. 170, IV e V, CF/88. Em verdade, “percebe-se claramente que nossa ordem econômica inspirada na livre iniciativa, ainda que sustentada no liberalismo, visa o equilíbrio socioeconômico, buscando a existência digna daqueles que se encontram sob a égide da Carta Magna, a qual se concretizará através da incidência dos princípios determinados como norteadores e condicionantes1 . Ambos os princípios (da livre concorrência e da proteção ao consumidor) estão inseridos na Constituição, e não se excluem, pelo contrário, se complementam. É nítida a política da ordem econômica desejada pelo legislador constituinte: o desenvolvimento econômico sem prejuízo do social e ambiental. Desta forma, às produtoras de espetáculos é reconhecida a livre iniciativa (art. 1º, IV, 2ª parte, CF/88), fixando a remuneração, as condições de pagamento, de prestação de serviço, etc., mas sempre atendendo aos ditames estabelecidos nas leis de proteção ao consumidor, de normas técnicas, e nas demais que lhe imponham obrigações.


No atendimento das necessidades dos consumidores, o Estado reconhece a sua posição de hiposuficiência e vulnerabilidade no mercado de consumo (art. 4º, I, CDC), combatendo quaisquer práticas abusivas daquelas pessoas jurídicas ou entes despersonalizados que pretendem aceleram seu desenvolvimento econômico em prejuízo do consumidor. Verifica-se que o consumidor é vulnerável tecnicamente (quando não possui conhecimentos especializados sobre o produto ou serviço); juridicamente (quando não possui conhecimentos nas área jurídicas, econômicas ou contábeis) e faticamente ou socioeconômicamente (quando o fornecedor é monopolista ou detêm grande poder econômico comparado ao consumidor)2.


O estudante não é só um consumidor hiposuficiente ou vulnerável, uma vez que a própria condição fática e jurídica do mesmo já determinam a sua relativa capacidade. O estudante é geralmente um ente dependente economica, social e psicologicamente aos seus pais ou responsáveis. Se não, são trabalhadores, que com muita dificuldade e sofrimento, conseguem conciliar a vida profissional ou sub-profissional com a estudantil. Decerto, é um ente que, em regra, é bastante desfalcado de patrimônio, em vistas que uma grande parcela de sua vida é “inativa”, em termos de geração de renda. Mas, é um tempo necessário para a capacitação profissional e renovação qualitativa do mercado de trabalho. Estes argumentos, não só dignificam a posição do estudante, mas são fundamentos inquestionáveis e irrefutáveis para que o legislador ordinário trate o estudante de forma diferente dos outros grupos sociais, atendendo-se ao princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, CF/88). Este princípio “não pode ser entendido em sentido individualista, que não leve em conta as diferencias entre grupos. Quando se diz que o legislador não pode distinguir, isso não significa que a lei deva tratar todos abstratamente iguais”3.


Almejando o acesso mais fácil ao estudantes às casa de espetáculos, como forma destes se aprimorarem culturalmente, sem prejuízo do caracter financeiro, o legislador ordinário, em vários Estados da Federação, decidiu que ao estudante deveria ser cobrado a metade do preço do ingresso efetivamente oferecido pelas produtoras e coordenadoras de espetáculos musicais.


Podemos destacar a Lei n0 8.041, de 11 de setembro de 1990, modificada pela Lei n0 9.008, de 20 de abril de 1993, do Estado de Santa Catarina:


 “art. 1º Ficam assegurados aos estudantes regulamente matriculados em estabelecimento de ensino público ou particular, oficialmente reconhecidos, de 1º, 2º e 3º graus, 50% (cinqüenta por cento) de abatimento sobre o preço efetivamente cobrado nas entradas, pelas casa exibidoras cinematográficas, de teatro, de espetáculos musicais, circenses e de eventos esportivos, em todo o Estado de Santa Catarina.”


No mesmo sentido, podemos destacar as leis estaduais n0s 7.844, de 13 de maio de 1992 (São Paulo); 11.052, de 24 de março de 1993 (Minas Gerais); 2.519, de 17 de janeiro de 1996 (Rio de Janeiro), entre outras, com redação bastante similar a da lei de Santa Catarina.


Entre nós, ou seja, no Ceará, existem, pelo menos, duas leis que garantem a meia-entrada em casas de espetáculos: A lei municipal (Fortaleza) n0 6.498, de 29 de setembro de 1989; e a lei estadual n0 12.302, de 17 de maio de 1994; seus principais preceitos, in verbis:


“art. 1º.- Ficam assegurados, aos estudantes regulamente matriculados em estabelecimentos de ensino oficiais ou reconhecidos oficialmente pelo Poder Público, 50% (cinqüenta por cento) de abatimento nas casas exibidoras de espetáculo teatrais, musicais, cinematográfico e circense”. (lei municipal)


“art. 1º – Ficam assegurado o abatimento de cinqüenta por cento (50%) do valor efetivamente cobrado para o ingresso em casas de diversões, de espetáculos teatrais, musicais, circenses em casas de exibição cinematográfica, similares das áreas de cultura e lazer no Estado do Ceará, aos estudantes regulamente matriculados em estabelecimentos de ensino de primeiro, segundo e terceiro graus, existentes no Estado do Ceará” (lei estadual).


Posteriormente, a lei municipal n0 6701, de 01 de agosto de 1990, determinou a incidência da referida Lei (municipal) em qualquer que seja o valor do ingresso cobrado, incluindo aí, as promoções. Acrescenta-se ao retro mencionado “Art. 1º”  da Lei n.º 6498/89, o Parágrafo Único, abaixo transcrito:


“Parágrafo Único – O abatimento a que se refere o “CAPUT” deste artigo incidirá sobre qualquer que seja o preço do ingresso, inclusive promoções4.


Os legisladores municipal e estadual, reconhecendo a situação fática e jurídica de hiposuficiência do estudante, garantiram, através destas leis, um melhor acesso aos eventos que de qualquer maneira contribuem para desenvolvimento cultural do estudante. As casa de espetáculos não têm legitimidade para impugnar o valor deste direito estudantil. A elas somente resta cumprir a lei, oferecendo a meia-entrada ao estudante, sob pena das medidas repressivas cabíveis na lei.


3. A REALIDADE FÁTICA: AS ABUSIVAS PRÁTICAS COMERCIAIS


As casa de espetáculos musicais, pelo menos na Grande Fortaleza, não estão oferecendo efetivamente a meia-entrada para os estudantes regulamente matriculados. Entre os estudantes que freqüentam as casas de espetáculo, isto não é nenhuma novidade, mas também não possuem o hábito de reivindicarem seus direitos junto aos órgãos oficiais, ou até mesmo, de participarem de manifestações estudantis.


As produtoras e coordenadoras de eventos musicais, ao determinarem o preço dos ingressos, consideram seus custos de serviço, ou seja, seus estoques iniciais e finais, e os serviços em execução (gastos na produção, dirigentes de produção, pessoal aplicado na produção, encargos sociais, encargos depreciativos, comissões e corretagens e outros custos de produção).


Nas tabelas de custos, consignam os valores do ingressos, baseados na taxa de lucratividade almejada. Não obstante, estas pessoas jurídicas, quase sempre, oferecem o ingresso promocional, e de forma concorrente, os ingressos correspondentes a meia-entrada. Melhor explicando: nas tabelas e documentos contábeis das empresas produtoras de espetáculo musicais é estabelecido um ingresso no valor de R$ 24,00 (vinte e quatro reais), com meia-entrada para estudantes de R$ 12,00 (doze reais), exigidos pela lei, por exemplo. Mas, nos primeiros ou em todos os dias que antecede a realização do espetáculo, a empresa oferece o ingresso (promocional) com o desconto de 50% (cinqüenta por cento) para os não-estudantes (R$ 12,00) e mantêm a meia-entrada no mesmo valor do ingresso promocional (R$ 12,00).


Para as empresas, esta é uma prática lícita que ao mesmo tempo beneficiam as pessoas não-estudantes e mantêm o privilegio (sic) dos estudantes, garantido por lei. Contudo, trata-se de uma flagrante inconstitucionalidade, pois desatende por completo o princípio da isonomia erigido pela Constituição Federal. É um ato discriminatório, pois não se pode conceber que as empresas estendam o benefício da promoção a toda a população, menos para os estudantes. A empresa não possui a discricionariedade de excluir este benefício a classe estudantil. No fim das contas, esta é uma estratégia para burlar o direito a meia-entrada dos estudantes, uma vez que o ingresso que estudante compra possui o mesmo valor do ingresso que qualquer outra pessoas não-estudante também compra.


A lei do Estado do Ceará, antes referida, em seu art. 1º, 1ª parte, é bastante clara: “Ficam assegurado o abatimento de cinqüenta por cento (50%) do valor efetivamente cobrado para o ingresso (…)”. O ingresso que consta nas tabelas e documentos contábeis das empresas é apenas fictício. Absolutamente ninguém ou uma parcela bastante diminuta das pessoas compram os ingressos ao preço que estão consignados nos documentos, uma vez que o ingresso promocional é vendido em quase todo os período que antecede o espetáculo.


Aqui em Fortaleza-Ce,  quando o indivíduo disca o número anunciado pelos meios de comunicação para obter informações sobre o preço do ingresso para o espetáculo oferecido, sempre se espanta e se decepciona com o cinismo e o desacato de alguns informantes. Dizem que o ingresso é promocional e por tempo limitado, e quando pergutados se oferecem a meia-entrada, respondem que não a oferecem porque o ingresso é preço único; ou porque, como ele é promocional, não se pode oferecer a meia-entrada; ou mais comum, porque o ingresso designado de meia-entrada já é do mesmo preço do promocional.


De fato, os ingressos promocionais e os ingresso meia-entrada somente são diferentes porque estão carimbado com designações diferentes. Ou seja, este ingressos são absolutamente iguais nos preços, desvirtuado completamente a finalidade da meia-entrada. 50% de abatimento de quê? De um ingresso consignado nos documentos contábeis das empresas produtoras que não é de fato ofertado a coletividade. De forma indiscutível, estas empresas agem contra as determinações legais antes referidas, pois “o fato das (empresas) estenderem o caráter promocional para a venda dos ingressos a toda população não pode ser utilizado como meio de negar aos estudantes o direito de pagar meia-entrada, conforme previsão legal”5.


Por fim, o direito ao abatimento de 50% deve incidir inclusive sob os ingressos promocionais, para que, de fato, os estudantes comprem o ingresso pela metade do preço do ingresso vendido ao restante da coletividade.  


4. A REAÇÃO DAS ENTIDADES ESTUDANTIS E DOS ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS


A) ENTIDADES ESTUDANTIS


Em Fortaleza, existem as seguintes entidades estudantis oficialmente reconhecidas: A União dos Estudantes das Escolas Particulares do Estado (UEPE); A União Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES); O Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Fortaleza (DCE-Unifor); e O Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Ceará (DCE-UFC).


Estas entidades representam as centenas de milhares de estudantes do Estado do Ceará. Contudo, esta representação é precária, quase inexistente. De fato, existe atualmente, uma grave crise do movimento estudantil. Não são as classes estudantis que são apáticas, são os estudantes que são bastante apolitizados, e preferem não se engajarem em questões políticas do meio estudantil. Trata-se de um fato bastante melancólico: o estudante, de modo geral, no âmbito da convivência acadêmica, não exerce cidadania. Constata-se este fato, quando verifica-se que em muitas escolas e cursos universitários, sequer, existem entidade de representação estudantil, como um grêmio ou um centro acadêmico. É patente a passividade e a impotência do estudante pela falta de consciência e organização coletivas.


Esta crise do movimento estudantil, em Fortaleza, dão margem a continuidade de práticas comerciais abusivas contra o estudante, a exemplo da pseudo-meia-entrada oferecida pelas casas de espetáculos. Bastavam um passeata exigindo a meia sob os ingressos promocionais, ou até mesmo, um boicote a compra dos ingressos, para que rapidamente as empresas produtoras repensassem e oferecessem a meia-entrada ao estudante a preço diverso do ingresso ofertado ao resto da população, diante do prejuízo que teriam de suportar. 


B) PODER LEGISLATIVO


As leis municipal e estadual que garantem a meia-entrada dos estudantes advieram do esforço dos deputados e vereadores que proporão e aprovaram a suas respectivas propostas de leis. Foi uma iniciativa que, enfim, positiva o reconhecimento da hiposuficiência dos estudantes e da política de incentivo a cultura.


Mas os preceitos das leis estão sendo abusiva e explicitamente descumpridos. Uma das únicas reações concretas a esta abusividade foi, pela Câmara dos Vereadores de Fortaleza, a criação da lei n0 6701, de 01 de Agosto de 1990, esclarecendo que a meia-entrada deve subsistir ainda que o ingresso seja promocional (acrescenta o parágrafo único ao art. 1º, da L. 6.498/89).


A princípio, este novo dispositivo não seria necessário, pois está implícito no art. 1º, da mesma lei, mas os legisladores municipais – diante ao patente descumprimento da lei, utilizando-se a estratégia do ingresso promocional – preferiram aprovar uma disposição que explica melhor o alcance daquela. O descumprimento persistiu, agora com o inconvencível argumento de que as empresa promotoras de eventos podem oferecer o ingresso promocional e, ao mesmo tempo, o ingresso correspondente a meia-entrada, todos estes, na verdade, com os mesmos valores!


Os deputados e vereadores podem contestar em seus pronunciamentos e em audiências públicas estas práticas abusivas; mas se já os foram feitos, mostram-se ineficazes, inócuos, pois não existe um envolvimento nem da sociedade, nem das classes estudantis.


C) O DECON


Dentre as pontuais competências do Ministério Público (em matéria civil, criminal, de defesa da cidadania, de improbidade administrativa, defesa comunitária, da infância e da juventude, de fundações, eleitoral), compete-lhe a defesa do consumidor.


A repartição pública que serve de estrutura física para os promotores de justiça especializados em defesa do consumidor e  que centraliza as informações e reclamações sobre direito do consumidor é o Decon-Procon (Defesa Comunitária). Este é um órgão do Ministério Público do Ceará, e integrante do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), coordenado pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), da Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça (MJ). O Decon-Procon de Fortaleza funciona na Avenida Heráclito Graça, n0 100, no Centro da Cidade. Assim, o acesso das pessoas a este órgão é bastante fácil. O órgão também atende pelo número 1512.


Na homepage do Decon-Procon do Ceará (http://www.decom.ce.gov.br), existem dois modelos de Ação Civil Pública relativas a meia ajuizadas com suas respectivas liminares. Ambas foram impetradas, genericamente, contra os estabelecimentos exibidores dos espetáculos teatrais, musicais, cinematográficos e circenses, representados pela ABRASEL (Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento). De praxis, se alegaram as questões de fato e de direito: os estudantes têm direito a meia-entrada, ainda que o ingresso seja promocional, mas as produtoras vêm abusivamente desrespeitando os preceitos legais, mesmo que tenha o requerente assumido o compromisso, em audiência pública, de alertar aos estabelecimentos requeridos para o cumprimento da lei. Pediu-se que seja concedida medida liminar inaudita autera pars, tal como a cominação de multa de R$ 1000,00 (mil reais) por cada estudante que compra o ingresso sem o 50% de abatimento, em processo administrativo.


As ações datam de 06 de maio de 1997 e 05 de junho de 1997, ou seja, já se passa mais de um ano, e a repercussão destas medidas do Decon foi pequena. As casas de espetáculos continuam a não oferecer a meia-entrada nos termos da lei.


No dia 27 de outubro de 1998, dirigi-me para o Decon, no endereço supra citado, e fui informado pela Dra Conceição, assistente do Departamento Jurídico do Decon, que recentemente houve um reunião com os representantes das cinco maiores produtoras de espetáculos. Estas se comprometeram em oferecer a meia-entrada. A promessa, novamente, não foi cumprida, e continuaram a fornecer os ingresso promocionais, nos mesmos valores da meia-entrada.


Por ligação telefônica, no dia 29 de outubro de 1998, foi me informado, pela Dra Conceição, que um representante de certa empresa que promovia um espetáculo, no dia 30 de outubro de 1998, apresentou-se ao Decon e prometeu que não seriam ofertados mais os ingressos promocionais a partir do dia seguinte. E também que a Posição do Ministério Público, estranhamente, é que se pode oferecer ingressos promocionais no mesmo preço da meia-entrada, desde que aqueles sejam por numeração limitada. Ora, esta posição do órgão ministerial deturpa completamente os preceitos da Constituição e das leis infra-constitucionais. É incabível a posição do MP em face desta prática abusiva, que tenta obter maiores lucros em detrimento do direito dos estudantes.


Em ligação telefônica feita no dia seguinte, constatou-se que o preço do ingresso havia se elevado, mas permanecia o ingresso promocional com o mesmo preço do ingresso ofertado para os estudantes a título de meia-entrada. A única diferença entre os ingresso era o carimbo, que denominava um ingresso de promocional e o outro de meia-entrada, mas o preço era o mesmo.


As ações do Decon, diante desta realidade fática de patente descumprimento da lei pelas produtoras de eventos musicais, são inócuas. O poder de fiscalização e de cobrança do cumprimento da lei, pelo Decon, mostra-se frágil e ineficiente. A lei outorga ao Ministério Público medidas imediatas capazes de coibir estas práticas, como, por exemplo, a interdição do estabelecimento onde acontecerá o evento. Mas falta coragem dos representantes do Ministério Público. Não existem dificuldades de prova o alegado. As provas materiais podem ser conseguidas por ingresso e depoimentos orais. Falta efetividade nas ação do Decon.  


5. CONCLUSÃO


A meia-entrada para os estudantes regulamente matriculados em instituições de ensino oficialmente reconhecidas pelo Poder Público é um direito, previsto em lei (municipal e estadual), subsistindo ainda que o ingresso ofertado pelas empresas produtoras e coordenadoras dos eventos musicais seja promocional. Ou seja, o desconto de 50% deve incidir sob o valor do ingresso promocional, ainda que nas tabelas e documentos contábeis da empresa consignem que o “real” valor do ingresso é o dobro do ingresso em promoção. Este argumento não justifica que o ingresso promocional e o ingresso ofertado aos estudantes sejam do mesmo preço, pois isto é estratégia que deturpa complementa os preceito da lei Ou melhor, o estudante tem o direito de pagar a metade do valor do ingresso que o resto da coletividade paga.


Diante destas práticas abusivas, o que mais espanta é o estado de passividade que se encontram os estudantes. Eles não possuem entidades verdadeiramente fortes para reivindicar junto aos órgão governamentais oficiais, em vistas que o movimento estudantil está desestruturado. Isto ocorre porque falta aos estudantes interesse em se relacionar com as questões estudantis. Não possuem o hábito de se reunirem e se organizarem para diretamente combaterem este tipo de prática abusiva. Mais do que isto, falta informação e conscientização sobre o problema. A questão se resolveria mais facilmente por passeatas pela efetivação da meia-entrada e por boicotes a compra dos ingressos.


Por sua vez, os Poderes da República mostram-se ineficientes na solução deste conflito. Os vereadores e os deputados estaduais, que instituíram a meia-entrada, são inipotentes, pois não têm a competência de fazer com que as empresas cumpram a lei. No máximo, podem legislar novamente, para explicar melhor a lei e promover discursos na tribunal e nas audiências públicas repugnando as práticas abusivas. Mas tudo isto é inócuo. Por sua vez o Decon, órgão oficial da defesa do consumidor, que têm a competência de fazer valer a lei, não se mostra eficiente. Por várias vezes reuniu-se com as empresas promotoras de eventos e até mesmo impetrou duas ações civis públicas com liminar contra a associação que as representa. Tudo isto valeu muito pouco. Falta coragem ao Ministério Público de efetivamente coibir estas práticas abusivas, exercendo atribuições que provoquem um prejuízo generalizado para estas empresas, interditando os estabelecimentos que não oferecerem efetivamente a meia-entrada para os estudantes, por exemplo.


A principal conclusão que se toma é que se os estudantes, parte diretamente prejudicada, não reivindicarem de modo mais expressivo este direito às produtoras e aos órgãos oficiais, as práticas abusivas continuaram. Se o movimento estudantil não se organizar e não reclamar por este direito, a empresas de eventos musicais estarão, mais uma vez, autorizadas a descumprirem a lei, e enriquecer ilicitamente por mais uma década. 


Notas:
1.  DONATO, M. Antonieta Zanardo. Proteção Consumidor: conceito e extensão, 1ª ed., pág. 99.
2.  Idem, págs., 105 e 106.
3.  SILVA, J. Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed., pág. 197.
4.  Ação Civil Pública impetrada pelo MP do Ceará – http://www.decon.ce.gov.br
5.  Ação Civil Pública impetrada pelo 3º promotor especializado na defesa do consumidor, Fernando Rodrigues Martins contra algumas empresas em Minas Gerais.
 


Bibliografia:
1. BENNETT, Peter D. O Comportamento do consumidor (Fundamentos de Marketing, vol. 7). 1a edição. Atlas. São Paulo, 1975. 
2. BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor: código de defesa do consumidor. 4ª edição. Forense-Universitária. Rio de Janeiro, 1991. 
3. Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. 
4. DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao consumidor: conceito e extensão (Biblioteca de Direito do Consumidor, vol. 7). 1ª edição. Revista dos Tribunais. São Paulo, 1993. 
5. MOURA, Demócrito. Isto e um assalto: defesa do consumidor. 1ª edição. Alfa-Omega. São Paulo, 1977.



Informações Sobre o Autor

Ythalo Frota Loureiro

Estudante de Direito na Universidade de Fortaleza/CE


Equipe Âmbito Jurídico

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