Hodiernamente temos presenciado, seja
por parte da população, seja pela imprensa, seja pelo Congresso Nacional, um
crescente interesse pelos temas pertinentes ao Direito Desportivo, mais
especificamente as normas que regem as relações de clubes, jogadores e entidade
regionais e nacionais de administração do fuebol.
Até pouquíssimo tempo atrás o Direito
Desportivo era um ser anômalo ao universo jurídico brasileiro, sendo
desconhecido pela enorme maioria da população e até pelos operadores do
direito. Todavia, nos últimos anos, o Brasil adentrou numa etapa de
modernização das relações jurídico-desportivas, tutelando as práticas
desportivas formais e não-formais (art. 1º da Lei 9.615/98), desde o desporto
educacional, passando pelo de participação e chegando no
desporto de rendimento.
O futebol, como é notório, é o esporte
preferido nacionalmente e a marca identificadora do Brasil em diversos cantos
do planeta (muito embora os últimos resultados de nossa seleção pudessem
indicar o contrário), o que, sem dúvida, atrai a atenção de investidores das
mais variadas áreas da economia, seja pela incessante revelação de novos
talentos ou mesmo pela capacidade consumidora advinda das torcidas. Jungidos estes aspectos, aliados a outros que não compete expor nestas linhas, chega-se a uma
atividade que movimenta milhões, sejam estes pertinentes às pessoas ou as
cifras envolvidas. Assim, não poderia ficar o direito afastado das relações
desportivas, neste caso futebolísticas, o que de fato aconteceu mais
vigorosamente com a edição da Lei nº 6.354/76, não
obstante existirem anteriormente diplomas legais que já tratavam da matéria.
Posteriormente, complementando e trazendo inovações às relações desportivas,
veio à tona a Lei nº 8.672/93, posteriormente
revogada pela Lei nº 9.615/98, a qual sofreu
modificações pela Lei 9.981/00 bem como pela Medida Provisória nº 2.141/01. Ufa!
Como vê-se, em
pouco tempo inflacionou-se legislativamente o Direito Desportivo, sendo a
última norma pertinente ao mesmo a MP 2.141 de 23 de março de 2001, que vem
sendo mensalmente reeditada e sobre a qual passaremos a discorrer.
Com o sepultamento do instituto do
passe, estilizado sob a égide da extinção do vínculo desportivo, agora
acessório ao vínculo empregatício, ocorrido em 26/03/2001, houve, como já
previsto, uma grande insatisfação por parte do clubes
de futebol, que tinham na compra e venda de jogadores o seu motor financeiro.
Segundo suas alegações, os prejuízos seriam inimagináveis
pois muitas vezes os clubes investem nos jogadores desde as categorias
de base e quando estes estariam aptos a realizar a sua contraprestação ao clube
(atuando no mesmo ou gerando riqueza com a sua negociação), dentro de pouco
tempo estariam livres para transferir-se para qualquer clube do mundo, desde
que findo o contrato, sem o clube formador receber qualquer compensação
financeira.
Tendo em vista as razões elencadas, às quais poderiam ser somadas outras, em 23 de
março do corrente ano (não é nenhuma coincidência a proximidade com o dia 26 de
março, data de extinção do passe) editou-se a MP 2.141, que veio modificar e
adicionar algumas regras na já recortada Lei 9.615/98.
Dentre as modificações de relevo, e que
vieram a introduzir novidades nas relações contratuais entre jogadores e
clubes, está, primeiramente, a possibilidade da entidade de prática desportiva
(clube de futebol), formadora do jogador, assinar o primeiro contrato
profissional do mesmo, cujo lapso temporal não poderá ser superior a 5 anos.
Cabe salientar que na antiga redação do caput do art. 29 o direito dos
clubes de firmar o primeiro contrato de profissional dos atletas estava
circunscrito ao prazo de 02 anos. Com o advento da MP, uniformizou-se o prazo
máximo de vigência dos contratos, em conformidade com o disposto no art. 30 da
Lei 9.615/98, alterado pela lei 9.981/00, sendo prazo mínimo nunca inferior a 3
meses e o máximo nunca superior a 5 anos.
A antiga redação do art. 29, § 3º, da
Lei nº 9.615/98, previa possibilidade da entidade de
prática desportiva, detentora do primeiro contrato de trabalho com o atleta por
ela profissionalizado, exercer o chamado direito de preferência para a primeira
renovação deste contrato. Atualmente, com a nova redação, o direito de
preferência foi transformado no direito de poder exigir indenização pela
transferência do atleta, desde que comprove-se que o
primeiro contrato de trabalho do mesmo fora firmado com entidade de prática
desportiva que almeja ser indenizada. Esta indenização, que já estava prevista
no regulamento de transferência da FIFA, será de formação ou de promoção.
Destarte, nos termos do art. 29, § 3º,
inciso I, terá lugar a indenização de formação “quando
da cessão do atleta durante a vigência do primeiro contrato, que não poderá
exceder a duzentas vezes o montante da indenização anual, vedada a cobrança
cumulativa de cláusula penal”. Destarte, percebe-se que os clubes
formadores de atletas foram agraciados com esta alteração, porque
anteriormente, em qualquer contrato firmado entre clubes e jogadores, seja este
contrato o primeiro do jogador ou não, o valor da indenização já estava
previamente estabelecido no contrato sob a nomenclatura de cláusula penal, a
qual, para as transações nacionais, estava limitado a
100 vezes o montante da remuneração anual pactuada. Agora, pode-se fixar a
indenização em até 200 vezes a remuneração anual, podendo ser cobrada apenas
quando da vigência do primeiro contrato.
O inciso II do mesmo artigo, por sua
vez, trata da chamada indenização de promoção, que dá direito ao clube formador
exigir do novo empregador indenização de “promoção, quando da nova
contratação do atleta, no prazo de seis meses após o término do primeiro
contrato, que não poderá exceder a cento e cinqüenta vezes o montante da
remuneração anual, desde que a entidade formadora permaneça pagando salários ao
atleta enquanto não firmar o novo vínculo contratual”.
Em conformidade com a citada norma a
indenização de promoção ocorrerá apenas quando estiver
findado o primeiro contrato profissional do atleta com o clube que o
formou, e só poderá ser obtida pelo clube no prazo de seis meses após o término
do primeiro contrato. Todavia, exsurge do texto legal
um requisito para a possibilidade da cobrança da indenização: permanecer a
entidade formadora pagando salários ao atleta enquanto não firmado o novo
vínculo contratual.
Inobstante as modificações inseridas pela MP no
corpo da Lei nº 9.615/98 serem fruto da forte pressão
exercida pelos clubes de futebol, não há como olvidar que os jogadores também
saem ganhando. Isto porque, mesmo depois de encerrado o contrato com o clube
formador, ao menos temporariamente (6 meses), resta-lhes garantido a obtenção
salário normal, como se estivessem empregados. Releva
consignar que a hipótese do jogador permanecer “encostado” no clube, sem
contrato, não será de difícil acontecimento, pois sabemos que todos os anos,
com a troca de direções nos clubes, bem como de seus treinadores, inúmeros
jogadores, principalmente aqueles “recém formados”, deixam de ser integrados ao
grupo principal e acabam treinando em separado com a esperança que algum clube
se interesse na prestação de seus serviços. Assim ocorrendo, terá o clube duas opções: findo o primeiro contrato do
atleta, não havendo interesse em sua renovação, poderá o clube continuar a
pagar salários daquele, durante o prazo de seis meses, lapso temporal em que
será legítima a negociação com outro clube e, conseqüentemente, o recebimento
de uma indenização de promoção; por outro lado, não tendo interesse em renovar
o contrato e tampouco em continuar a pagar salários ao atleta durante os seis
meses, não terá o clube qualquer direito à indenização de promoção.
Por fim, cumpre salientar que as
hipóteses previstas no § 3º do art. 29 aplicam-se tão somente aos clubes que
firmarem o primeiro contrato profissional do jogador, de modo que superados os
lapsos temporais referidos anteriormente, e findo o contrato, estará o jogador
livre para transferir-se a qualquer clube sem a necessidade de indenizar o seu
antigo empregador.
Advogado. Consultor Jurídico da M. Stortti Business Consulting Group. Assessor Jurídico do Sport Club Internacional. MBA em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas. Pós-graduando em MBA em Finanças Empresariais pela Fundação Getúlio Vargas. Vice-Presidente e membro do Conselho Consultivo do Instituto Gaúcho de Direito Desportivo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, International Association of Sports Law, Instituto Brasileiro de Direito Societário e Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.
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