A não incidência do imposto de renda sobre os juros moratórios

Resumo: O presente trabalho tem como escopo elucidar as vertentes doutrinárias acerca do tema da (in)tributabilidade dos juros moratórios via Imposto sobre a Renda e com base em cada uma delas explanar os argumentos prós e contra. Os defensores da inserção dos juros moratórios na base de cálculo do Imposto sobre a Renda sustentam que os juros moratórios são bens acessórios e como tal devem seguir a sorte do principal. Defendem-se os autores contrários a tributação dos juros moratórios trazendo os seguintes argumentos: que os juros moratórios possuem natureza jurídica indenizatória; outra razão que se pauta a doutrina contrária é o fato dos juros moratórios não tipificarem “renda” tributáveis via Imposto de Renda, sendo que tais valores tem por finalidade a recomposição do patrimônio. E também, a flagrante afronta aos princípios da capacidade contributiva, não confisco e da isonomia tributária.

Palavra chave: Imposto, renda, juros, moratórios.

Abstract: The present essay has the objective to elucidate the strands of doctrines on the (un) tributability of the default interest via Income Tax and based on each one explain the pros and cons arguments. The ones who are for the inclusion of the default interests on the basis of the Income Tax calculation state that the default interests are accessory goods and as such must follow the rules of the principal. The ones who are against this kind of taxation argue the following: default interests have indemnifiable juridical nature; another reason on which is based the contrary doctrine is the fact that default interests are not taxable income via Income Tax, once these values are to reconstitute heritage.  And also, the clear outrage to the principles of the contributive capacity, not seizure and of the tax equality.

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Keyword: Tax, income, default interest.

Sumário: Introdução; 1. Sistema constitucional tributário; 1.1. Princípio da capacidade contributiva e da vedação ao confisco; 1.2. Princípio da isonomia tributária; 2. Definição jurídico-constitucional de “renda”, para fins de tributação pela via do imposto sobre a renda – ir; 3. A natureza jurídica dos juros moratórios – caráter indenizatório; 4. A não incidência do imposto de renda sobre os juros moratórios. Conclusão. Referências. Leis.

INTRODUÇÃO

Há tempos direcionam-se os holofotes do Direito sobre a inserção ou não dos juros na base de cálculo do Imposto sobre a Renda – IR.

O cerne da questão gira em torno dos valores recebidos pelos contribuintes, oriundos das mais diversas ações judiciais, cujo escopo é recompor o patrimônio em virtude de um inadimplemento obrigacional.

O entrave paira, portanto, sobre a natureza jurídica dos juros e se estes constituem “renda” para fins de tributação via imposto de renda. Ou seja, se os juros devem compor a base de cálculo do imposto de renda, sob o prisma do sistema constitucional tributário.

Obrigatoriamente, para o deslinde do assunto e correto enquadramento jurídico, deve-se ter em mente que os juros têm duas características, quais sejam: compensatório, cuja finalidade é recompensar determinada pessoa (física ou jurídica) pela utilização temporária e consentida do seu capital; e moratório, que corresponde à indenização do dano causado por aquele que não paga divida no vencimento ou até mesmo não restituí no instante oportuno o dinheiro de que tenha posse.

Assim, definir com exatidão a “materialidade” do imposto de renda e a natureza jurídica dos juros, neste caso os moratórios, é de extrema relevância, pois a inserção indevida destes valores na base de cálculo do imposto de renda absorve parcela excedente da “renda” dos contribuintes, logo, traz repercussões de grande impacto no mundo jurídico.

De tal modo que, buscar-se-á no presente trabalho sopesar, sob a óptica do Sistema Constitucional Tributário e a posteriori dos princípios constitucionais tributários, se há fundamento de validade para a inserção dos juros moratórios na base de cálculo do imposto sobre a renda. Ou seja, se a inclusão desse valor na base de cálculo do imposto de renda não extrapola a regra-matriz de incidência tributária – RMIT.

No capítulo seguinte, elucidar-se-á os preceitos constitucionais que norteiam a definição de “renda”, a fim de identificar o fato gerador tributário do imposto sobre a renda.

No capitulo subseqüente, definir-se-á a natureza jurídica dos juros moratórios à luz da doutrina e das normas infra-legais.

Por fim, indicar-se-á as divergências doutrinárias e jurisprudenciais que gravitam em torno da incidência do imposto de renda sobre os juros moratórios, apontando como a matéria vem sendo atualmente interpretada e decidida pela jurisprudência pátria.

1.SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88 é a norma fundamental do sistema jurídico, devendo as demais normas buscar respaldo constitucional para serem válidas.

Isso significa que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 ocupa, na estrutura hierárquica do sistema jurídico nacional, patamar mais elevado, sendo aquela que proporciona o fundamento de validade às outras normas jurídicas, ou seja, é a Lei das leis.

Hans Kelsen[1] explica que:

“[…] uma norma somente é válida porque e na medida em que foi produzida por uma determinada maneira, isto é, pela maneira determinada por uma outra norma, esta outra norma representa o fundamento imediato de validade daquela. A relação entre a norma que regula a produção de uma outra e a norma assim regulamente produzida pode ser figurada pela imagem espacial da supra-infra-ordenação. A norma que regula a produção é a norma superior, a norma produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior.”

Nesse sentido, Roque Antônio Carrazza adverte que para terem validade, as normas devem ser harmônicas, ou seja, para que produzam efeitos, devem estar em consonância com a Carta Magna. Assim, afirma o Autor[2] que:

“As norma subordinadas devem harmonizar-se com as superiores, sob pena de deixarem de ter validade, no ordenamento jurídico. Exemplificando: o decreto deve buscar fundamento jurídico de validade na lei, e esta, na Constituição. Se, eventualmente, o decreto contrariar a lei, estará fora da pirâmide, a ninguém podendo obrigar. O mesmo podemos dizer da lei, se em descompasso com a Constituição.”

Convém esclarecer que na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 existem diferente tipos de normas. Umas mais importantes e outras menos importantes, ou seja, algumas dessas normas veiculam simples regras, ao passo que outras, verdadeiros princípios.

Para Geraldo Ataliba, o conjunto de normas constitucionais de cada país se designa Constituição. Ainda, explica o Autor[3]:

“Ensina a ciência do direito que as constituições nacionais formam sistemas, ou seja, conjunto ordenado e sistemático de normas, construído em torno de princípios coerentes e harmônicos, em função de objetivos socialmente consagrados.”

Assim, ao analisar-se uma norma tributária sob o prisma de sua constitucionalidade-validade, deve se levar em consideração os princípios que regem a matéria tributária e a hierarquia das normas no ordenamento jurídico.

Logo, os princípios são considerados o início, o começo, o ponto de partida. Assim, é da junção de princípios e normas que surgem as constituições. Explica Roque Antônio Carrazza[4], que os princípios são:

“As diretrizes, isto é, os nortes, do ordenamento jurídico. Não é sem razão que Prosper Weil afirma que “algumas normas constitucionais são mais diretrizes; outras, menos”. A Constituição é, pois um conjunto de normas e princípios jurídicos, atuais e vinculantes. Os princípios possuem acentuado grau de abstração, traçando, destarte, as diretrizes do ordenamento jurídico. Enunciam uma razão para decidir em determinado sentido.”

Dessa forma, pode-se conceituar de forma leiga, que o termo princípio é o ponto de partida e o fundamento de um processo qualquer. O mesmo autor afirma que etimologicamente, o termo “princípio” (do latim principium, principii) encerra a idéia de começo, origem, base.[5]

Ainda, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello discorre que os “princípios são como os alicerces de um sistema jurídico, por sobre os quais, e somente com base neles, ergue-se toda e qualquer construção normativa possível e imaginável”.[6]

Seguindo o mesmo raciocínio, Celso Antônio Bandeira de Mello[7] explica:

“Princípio […] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critérios para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.”

Assim, o estudo de qualquer instituto, no Direito Tributário, deve necessariamente se iniciar pela Constituição Federal, sendo essa, o conjunto de normas que estabelece as diretrizes para o ordenamento jurídico brasileiro.

Frise-se imperioso, portanto, para a análise da incidência do Imposto de Renda sobre os juros moratórios, verificar os fundamentos constitucionais, sendo estes que indicaram a “materialidade” da hipótese de incidência tributária – HIT do imposto sobre a renda.

1.1. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E DA VEDAÇÃO AO CONFISCO

Como anteriormente exposto, no Sistema Constitucional Tributário brasileiro, cabe à lei em sentido estrito estabelecer as hipóteses de incidência dos tributos, sem descuidas da regra-matriz pré-determinada na Carta Magna.

Todavia, a tributação deve observar a efetiva manifestação de riqueza dos particulares, ou seja, atender a idéia de que a carga tributária não pode ser excessiva a ponto de se tornar confiscatória.

Depara-se, portanto, com o princípio da capacidade contributiva, insculpido no artigo 145, §1°, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[8], in verbis,

Artigo 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: […]

§1°. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade contributiva econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

Ao analisar o dispositivo supracitado, inicialmente adverte-se ao termo “sempre que possível” utilizado pelo Legislador Constituinte. Tal expressão pode induzir o intérprete a extrair um significado diverso daquele almejado pelo Legislador.

Assim, explica Roque Antônio Carrazza[9] que:

“a expressão ‘sempre que possível’, utilizada no início do mencionado dispositivo, pode levar o intérprete ao entendimento segundo o qual o princípio da capacidade contributiva somente será observado quando possível. Não nos parece, porém, seja essa a melhor interpretação, porque sempre é possível a observância do referido princípio. Ao nosso ver, o sempre que possível, do parágrafo. 1 do artigo 145, diz respeito apenas ao caráter pessoal dos tributos, pois na verdade nem sempre é tecnicamente um tributo com caráter pessoal.”

Percebe-se que o uso da expressão “sempre que possível” não está relacionado com a possibilidade da aplicação do princípio da capacidade contributiva, mas com o fato do tributo, sempre que possível ter caráter pessoal.

Logo, almeja-se com a exteriorização do princípio da capacidade contributiva, evitar que a tributação seja excessiva, a ponto de impossibilitar ao contribuinte uma sobrevivência digna.

Assim sendo, leciona Paulo Barros de Carvalho[10] que “a capacidade contributiva do sujeito passivo sempre foi o padrão de referência básica para auferir o impacto da carga tributária e o critério comum dos juízos de valores sobre o cabimento e a proporção do expediente impositivo”.

Ainda, segundo Roque Antônio Carrazza[11], “a lei deve tratar de modo igual os fatos econômicos que exprimem igual capacidade contributiva e por oposição, de modo diferenciado os que exteriorizam capacidade contributiva diversa”.

O postulado da capacidade contributiva, portanto, aproxima-se do princípio da igualdade, porém, não se esgota nele próprio, como lecionado Luciano Amaro[12]:

“O postulado em exame avizinha-se do principio da igualdade, na medida em que, ao adequar-se o tributo à capacidade contributiva dos contribuintes, deve-se buscar um modelo de incidência que ignore as diferenças (de riqueza) evidenciadas nas diversas situações eleitas como suporte de imposição. E isso corresponde a um dos aspectos da igualdade, que é o tratamento desigual para os desiguais.” 

Desse modo, o critério de igualdade, que será analisando no item subseqüente, tem seu enfoque na riqueza, busca localizar os que têm riqueza, para que sejam tratados de forma igualitária, ou seja, tributá-los de maneira idêntica na medida em que possuírem a mesma riqueza. 

Contudo, o grande obstáculo a ser vencido está na dificuldade de se estabelecer o quantum o contribuinte deverá pagar aos cofres públicos. Nessa toada, Paulo de Barros Carvalho explica que “o grande desafio, é mensurar a possibilidade econômica de contribuir para o erário com o pagamento de tributo”.[13]

Para Sacha Calmon Navarro Coelho[14], a capacidade contributiva apresenta duas almas éticas que estão no cerne do Estado de Direito:

“a) em primeiro lugar, afirma a supremacia do ser humano e de suas organizações em face do poder de tributar do Estado;

b) em segundo lugar, obriga os Poderes do Estado, mormente o Legislativo e o Judiciário, sob a égide da Constituição, a realizarem o valor justiça através da realização do valor igualdade, que no campo tributário só pode efetivar-se pela prática do princípio da capacidade contributiva e de suas técnicas.”

Em virtude disso, para que se possa mensurar o peso do ônus tributário, faz-se necessário atentar ao fato de que outros princípios estão intimamente ligados, como os princípios da seletividade, proporcionalidade, igualdade, dentre outros.

Seguindo essa linha de raciocínio, para se determinar a eficácia e o alcance do princípio da capacidade contributiva é preciso analisar três constrições. A primeira está relacionada com a capacidade contributiva global.

Assim, explica Alfredo Augusto Becker[15] que capacidade contributiva global “é o montante da riqueza (renda e capital) de um determinado indivíduo em relação à totalidade do sistema jurídico tributário; isto é, a proporção entre a riqueza deste indivíduo e todos os tributos que ele deverá pagar […]”.

Isso porque o princípio da capacidade contributiva está relacionando com a riqueza auferida pelo indivíduo e a carga tributária por ele suportada, sendo esta relação feita sempre e exclusivamente para cada tributo tomado isoladamente dos demais.

A segunda refere-se à determinação da riqueza do contribuinte, tendo em vista que não se trata da totalidade da riqueza, mas unicamente um fato-signo presuntivo de sua renda ou de capital. Assim, expõe Alfredo Augusto Becker que “não se situa a totalidade da riqueza do contribuinte, mas exclusivamente um fato-signo presuntivo de sua renda ou capital”.[16]

A terceira e última, diz respeito à presunção da renda ou capital, ou seja, deve ser acima do mínimo indispensável. Verifica-se que o princípio da capacidade contributiva deve incidir observando o mínimo indispensável à sobrevivência, sob pena de ferir a dignidade da pessoa humana.

Nessa esteira, Mary Elbe Queiroz[17] explica:

[…] o sentido que mais se ajusta ao preceito constitucional, entretanto, assume varias vertentes, tanto como o mínimo necessário é indispensável à sobrevivência, para que seja mantida a dignidade do individuo e da sua família, como exige que se associem ao Estado e sociedade para garantirem o direito de todos a esse mínimo existencial. Tal imposição é um dever social a ser cumprido pelo Estado, inclusive, com vista a que esse mínimo necessário seja protegido e não seja atingido ou reduzido, até mesmo, pelo ônus da assunção da carga tributária. […]

No tocante ao mínimo existencial […] em prestigio ao princípio da capacidade contributiva, constata-se que a respectiva tributação não poderá incidir sobre um quantum mínimo obrigatório e necessário a suprir as necessidades essenciais do indivíduo e da sua família, tendo em vista que até esse mínimo valor não se manifesta a condição ou capacidade de contribuir.”

Portanto, o legislador ordinário, ao instituir o tributo, deve cuidar para não ofender ao princípio da dignidade da pessoa humana, escolhendo fatos que sejam presuntivos de uma espécie de renda ou de capital acima do mínimo indispensável.[18]

Deve-se, ainda, ter em mente que o fato do sujeito ser capaz economicamente, ao possuir renda ou patrimônio, não significa que ele tenha capacidade contributiva. Destarte, há uma linha tênue que separa a capacidade contributiva, da capacidade econômica.

No que concerne à distinção entre a capacidade contributiva da capacidade econômica, ensina Francesco Moschetti[19] que “não existe capacidade contributiva na ausência de capacidade econômica, também é verdade que pode existir capacidade econômica que não demonstre aptidão para contribuir”.

Nessa linha de raciocínio, conclui-se que o simples fato de possuir renda ou patrimônio, não permite a tributação, tendo em vista que o princípio da capacidade contributiva deve preservar um mínimo vital para a sobrevivência do contribuinte.

Dessa forma, também o princípio da capacidade contributiva atua de maneira decisiva no campo do Direito Tributário, tornando indevido todo o recolhimento a título de tributo que não atenda adequadamente a capacidade contributiva, efetivamente externada pelo contribuinte.

1.2.PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA

Resultado do desdobramento do princípio da capacidade contributiva, e não menos importante, o princípio da isonomia tributária insculpido no artigo 150, II da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, preconiza que “é defeso instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação de eqüipolência […]”. Nas palavras do ilustre professor Eduardo Sabbag[20], isso significa dizer que:

“o legislador infraconstitucional, ao pretender realizar o principio da isonomia tributária […] deverá levar em consideração as condições concretas de todos aqueles envolvidos (cidadão e grupos econômicos), evitando que incida a mesma carga tributária sobre aqueles economicamente diferenciados, sob pena de sacrificar as camadas pobres e médias, que passam a contribuir para além do que podem enquanto os ocupantes das classes abastadas são chamadas a suportar carga tributária aquém do que devem.”

Constata-se, nitidamente, que o legislador constituinte buscou vetar tratamentos diferenciados entre contribuintes em situações idênticas, bem como o tratamento isonômico às pessoas que se encontram sob pressupostos fáticos diferentes.

Adiante, o insigne Professor leciona que “… tal diretriz impacta intensamente no âmbito tributário, porquanto o legislador e o aplicador da lei hão de atentar às diferenças entre os sujeitos, procedendo às necessárias discriminações na modulação das exigências fiscais”.[21]

Igualmente, Regina Helena Costa[22] discorre que o princípio da isonomia “autoriza o estabelecimento de discriminação, por meio das quais se viabiliza seu entendimento, em busca da realização da justiça”.

Ainda, em relação ao princípio da isonomia, afirma o autor Ricardo Lobo Torres[23] que:

“o principio da igualdade é vazio, pois recebe o conteúdo de outros valores, como a justiça, a utilidade e a liberdade. Assim sendo, só será proibida a desigualdade na apreciação da capacidade contributiva do cidadão ou da necessidade do desenvolvimento econômico se não tiver fundamento na justiça ou na utilidade social, hipótese em que estará ferida a liberdade alheia. Em outras palavras, as desigualdades só serão inconstitucionais se não conduzirem ao crescimento do País e à redistribuição da renda nacional ou se discriminarem em razão de raça, cor, religião, ocupação profissional, função etc., entre pessoas com igual capacidade contributiva, tudo o que implicará em ofensa à igual liberdade de outrem.”

Além disso, discorre Autor que o princípio da isonomia, ou proibição de desigualdade, pode ser exteriorizado de duas formas: a) proibição de privilégios[24] odiosos; b) proibição de discriminação fiscal.

As proibições de privilégios odiosos proíbem qualquer diminuição ou exclusão do ônus tributário, e que signifique desigualdade entre contribuintes, independentemente da forma ou denominação jurídica.[25] Já as proibições de discriminações fiscais, o Autor[26] conceitua como sendo:

“desigualdades infundadas que prejudicam a liberdade do contribuinte. Qualquer discrime desarrazoado, que signifique excluir alguém da regra tributária geral ou de um privilégio não odioso, constituirá ofensa aos direitos humanos do contribuinte, posto que desrespeitará a igualdade […]”

Portanto, deve-se atentar ao fato de que somente a discriminação infundada ou desarrazoada é odiosa, isto porque, em direito tributário, deve-se introduzir distinções entre contribuintes, com base na capacidade econômica de cada qual.[27]

Dessa forma, concluí-se que o princípio da igualdade em sua essência não impede que o Estado discrimine para fins de tributação, razão pela qual necessário analisar a definição de “renda”, para então determinar se há exceções ou privilégios que excluam a favor de um aquilo que é exigido a outros em idênticas circunstâncias.

2. DEFINIÇÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DE “RENDA”, PARA FINS DE TRIBUTAÇÃO PELA VIA DO IMPOSTO SOBRE A RENDA – IR

Diante da peculiar estrutura do Sistema Tributário Nacional vigente, não há como iniciar a análise da definição legal de “renda” sem que o ponto de partida da investigação recaia nas normas que se extraem do Texto Constitucional.

Isto porque a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 demarca a “competência tributária”[28] de forma rígida e exaustiva. Ou seja, o Legislador Constituinte outorgou a competência tributária a cada um dos entes tributantes (União, Estado, Distrito Federal e Municípios), mediante expressa referência à “materialidade” (quais possíveis fatos poderão ser gravados por meio de impostos instituídos por cada ente tributante) dos tributos a tais entes cometidos.[29]

A repartição da competência para instituição de impostos é definida por meio da seleção, contida na própria Constituição, das situações (fatos) que podem ser objeto desse tipo de tributo. Ou melhor, por meio da indicação das possíveis hipóteses de incidência (fatos geradores) dos impostos que poderão ser instituídos por União, por Estados e Distrito Federal e por Municípios (ficando a União, ainda, com a competência residual).

Deste modo, podemos notar que na partilha das matérias dotadas de conteúdo econômico, passíveis de serem alcançadas por meios dos impostos, coube à União a competência para buscar recursos financeiros na parcela de riqueza extraída da realidade, identificada como “renda” e “proventos de qualquer natureza”.

Assim, uma vez prescrito no art. 153, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[30] ser a União competente para a instituição de “imposto sobre a renda”, duas afirmações já podem ser feitas: (a) somente a União poderá instituir imposto cuja hipótese de incidência e base de cálculo se refiram a fatos que se insiram no conceito (idéia) de obtenção de “renda” e (b) a União, ao instituir o imposto sobre a renda, não poderá estabelecer que esse imposto incida sobre fato que não se caracterize como obtenção de “renda”.

Há, portanto, no Texto Constitucional “conteúdos semânticos mínimos” – noções genéricas – quer de “renda”, quer de “proventos de qualquer natureza”, a serem obrigatoriamente levados em conta na criação in abstracto do imposto em tela.[31]

A doutrina define o conceito de “renda” [32] e “proventos de qualquer natureza” fazendo alusão à idéia de “acréscimo patrimonial”. Assim, “renda” e “proventos de qualquer natureza” segundo Roque Antonio Carrazza[33] “são os ganhos econômicos do contribuinte gerados por seu capital, por seu trabalho ou pela combinação de ambos e apurados após o confronto das entradas e saídas verificadas em seu patrimônio, num certo lapso de tempo”.

A caracterização de “renda” e “proventos de qualquer natureza” se dá, portanto, com o efetivo “acréscimo patrimonial” que, por sua vez, se confirma a partir da análise de dois momentos distintos e a identificação de saldo positivo entre as entradas e saídas no período. Configura-se, nesse caso, a “disponibilidade de riqueza nova”. Essa noção, aliás, é confirmada pelo Código Tributário Nacional (Art. 43 CTN)[34], cumprindo a função de norma geral de direito tributário.

A Constituição, portanto, não define a hipótese tributária (hipótese de incidência ou fato gerador abstrato) do imposto sobre a renda, mas impõe que só será validamente exigível o imposto sobre a “renda” se a hipótese de incidência (fato-signo presuntivo de riqueza) definida pela legislação complementar corresponder ao conceito constitucional de renda.

Assim, essa concepção de renda, como “acréscimo patrimonial” de riqueza, já estava sedimentada no ordenamento e veio confirmada pelo artigo 43 do Código Tributário Nacional no plano da legislação complementar, a quem a Magna Carta, em seu artigo 146[35], atribui o papel de estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: definição dos tributos e suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.

Segundo Humberto Ávila[36]:

“o Código Tributário Nacional, em seu artigo 43, concretizou esses limites apresentados pela Constituição, prescrevendo a renda como “produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos” e os proventos de qualquer natureza como “os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior'. 

Indo avante, o Ilustre doutrinador afirma que o conceito de “renda” pressupõe uma fonte produtiva. Ou seja, somente uma atividade organizada para o ganho é que pode perceber “renda”. Enquanto que o conceito de “provento de qualquer natureza” compreende todos os acréscimos patrimoniais não incluídos na noção de renda. Tudo aquilo que for acrescido ao conjunto de direitos e obrigações de um sujeito considera-se acréscimo patrimonial.[37]

Nessa linha de raciocínio, enfatiza-se o ensinamento do insigne professor Roque Antônio Carrazza[38]:

“[…] o IR só pode alcançar a aquisição de disponibilidade de riqueza nova, vale dizer, o acréscimo patrimonial experimentado durante certo período de tempo. Tudo o que não se tipificar ganhos durante um período de tempo, mas simples transformação de riqueza, não se enquadra na área de incidência traçada pelo art. 153, III da CF e explicitada pelo art. 43 do CTN.”

Em suma, sem “acréscimo patrimonial” não há que se falar em tributação por meio do imposto de renda. De modo ser imprescindível identificar se os valores recebidos a título de recomposição patrimonial – juros moratórios – amoldam-se ao fato gerador tributário do imposto de renda.

3. A NATUREZA JURÍDICA DOS JUROS MORATÓRIOS – CARÁTER INDENIZATÓRIO

Como visto anteriormente, o imposto de renda poderá ser exigido no momento em que se configure o efetivo “acréscimo patrimonial” do contribuinte e na ausência deste, não há que se falar em tributação via imposto de renda. Faz-se, portanto, imperioso definir a natureza jurídica dos juros moratórios, para então, determinar se tal fato subsume a norma in abstrato tipificado na regra-matriz de incidência do imposto de renda.

Contudo, para se definir a natureza jurídica dos juros moratórios recorre-se aos conceitos do Código Civil Brasileiro de 2002 – CCB/02 (norma geral), cujo parágrafo único, do artigo 404, estabelece que “provado que os juros de mora não cobrem o prejuízo, e não havendo multa convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar”. Ante tal previsão, se concluí indubitavelmente que os juros moratórios têm por escopo compensar os prejuízos, possuindo natureza indenizatória.

Corroborando com a linha de pensamento acima esposada, Silvio Rodrigues[39] afirma que “quando compensatórios, os juros são frutos do capital do emprego e nesse sentido é que melhor assenta o conceito acima formulado. Quando moratórios constituem indenização pelo prejuízo restante do retardamento culposo”.

Cumpre destacar, ainda, que o Egrégio Supremo Tribunal Federal – STF há muito compartilha deste entendimento, conforme se depreende no trecho abaixo destacado da decisão da presidência nos autos de ACO 369 execução/SP, in verbis:

“No tocante à retenção do Imposto de Renda, é de se rechaçar a inclusão, na conta elaborada, desse tributo relativamente aos juros de mora e honorário advocatícios, porquanto ambos se mostram de naturezas indenizatórias. É que os juros da mora correspondem à reparação pelo retardamento na observância de certo direito […].”[40]

Observa-se pequeno trecho do voto do Ministro Marco Aurélio que a parcela referente aos juros moratórios incidente sobre o valor principal, em razão do pagamento a destempo, visa única e exclusivamente reparar o dano sofrido pelo Contribuinte, restabelecendo o status quo ante do lesado, por meio da restituição in natura do prejuízo por Ele experimentado.

Nesse sentido, observem-se os ensinamentos de Roque Antônio Carrazza[41], in verbis:

“A indenização não traz à sirga aumento da riqueza econômica do contemplado. É substituição da perda sofrida por seu correspondente valor econômico. Nela há compensação; jamais elevação patrimonial.

Portanto, as indenizações não são fontes de enriquecimento, já que não proporcionam, a quem as recebe, vantagens pecuniárias. Nelas não há geração de acréscimo patrimonial, de riquezas novas disponíveis.”

Especificamente sobre os juros de mora, leciona o Ilustre Professor[42] que:

“… estamos, por igual modo, convencidos de que não incide o IR sobre os juros de mora que a empresa foi condenada a pagar aos reclamantes. É que neste caso também se configura, com nitidez, o caráter indenizatório de tais verbas, que visam reparar prejuízos sofridos.”

Ou seja, se tais verbas tivessem sido recebidas no modo e no tempo devido, o Contribuinte aproveitaria integralmente os rendimentos auferidos. Porém, com o atraso, considera-se que a parte dos valores pagos já não tipificam “renda”, mas indenização, pelos gravames causados pela demora.

Denota-se que o raciocínio lógico de tal afirmação é simples, eis que resta evidente que na indenização inexiste “riqueza nova” (acréscimo patrimonial) e, sem riqueza nova não poderá haver incidência de imposto de renda, até por ausência de indício de “capacidade contributiva”.

Assim, tendo em vista que os juros moratórios têm natureza jurídica indenizatória, pois sua finalidade é ressarcirem perdas sofridas, não revelam “capacidade contributiva” da parte de quem às percebe. E sem capacidade contributiva – princípio informador dos impostos – não há falar em tributação por meio de imposto, aí compreendido o incidente sobre a “renda”.[43]

Os indicativos doutrinários e jurisprudenciais não deixam dúvidas a respeito da natureza jurídica dos juros moratórios, resta apenas definir se estes devem compor a base de cálculo do imposto de renda.

3. A NÃO INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE OS JUROS MORATÓRIOS

Transparece das considerações acima que os juros moratórios em razão de sua essência indenizatória, não se enquadram na definição legal de “renda” desenhada pelo art. 153, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e explicitada pelo art. 43, do Código Tributário Nacional. Nesse passo, a inserção daqueles na base de cálculo do imposto de renda afrontam diretamente o principio da “capacidade contributiva” e da “isonomia tributária”, eis que absorve parcela excedente da “renda” e confere tratamento desigual entre os contribuintes em situações idênticas.

Contudo, debate-se ainda sobre o tema, eis que há entendimento isolado por parte do Fisco e corroborado em ínfimas decisões dos nossos Tribunais Superiores em sentido contrário ao ora exposto.

O Fisco defende a tese de que os juros de mora se consubstanciam em aquisição de renda independentemente da natureza do valor principal, posto que ao invés de repor ou ressarcirem o patrimônio do contribuinte como se fosse espécie de indenização, os juros de mora corresponderiam a uma nova exação ao devedor omisso em favor do credor.

Nesse sentido, insistem que para determinado valor ser entendido como fora da incidência da tributação do imposto de renda, não basta que contenha o nome de “indenização” ou possua uma relação acessória com verbas consideradas indenizatórias. De modo a elucidar, veja-se posicionamento do Eminente Relator Ministro Francisco Falcão[44] do Superior Tribunal de Justiça – STJ:

IMPOSTO DE RENDA. JUROS DE MORA SOBRE VERBAS TRABALHISTAS RECEBIDAS A TITULO DE DIFERENÇAS SALARIAIS. CARÁTER REMUNERATÓRIO. NATUREZA ACESSÓRIA. ART. 43 DO CTN. INCIDENCIA. I – Os juros de mora possuem caráter acessório e seguem a mesma sorte da importância principal, de forma que, se o valor principal é situado na hipótese da não incidência do tributo, caracterizada estará a natureza igualmente indenizatória dos juros. II – As verbas recebidas pelo empregado em ação trabalhista a título de reposição de diferenças salariais possuem evidente natureza remuneratória, e não indenizatória, configurando-se como aquisição de disponibilidade econômica e jurídica, o que se faz incidir o imposto de renda, a teor do arti. 43 do CTN […]. III – Na hipótese dos autos, o montante sobre o qual incidiram os juros moratórios não é isento do imposto de renda, razão pela qual o acessório deve seguir a sorte do principal. Logo, os referidos juros também estão sujeitos à incidência tributária.”

Apesar de a jurisprudência ter sido complacente posicionando-se favorável a incidência do imposto de renda sobre os juros moratórios sob o supérfluo e superado entendimento de que estes não possuem natureza jurídica própria e, portanto, devem seguir a sorte do principal, tal argumento não é adotado pela melhor doutrina e pela jurisprudencial atual.

Isto porque, consoante se elucidou anteriormente, a base de cálculo do Imposto sobre a Renda não pode ser manipulada de modo a anular os preceitos constitucionais, permitindo-se que o imposto incida sobre fatos que não exibam conteúdo econômico e nem gravem de “riqueza nova” o contribuinte, restando, assim, economicamente vazios.

Evidentemente o imposto de renda só pode incidir sobre o efetivo “acréscimo patrimonial”, e, à medida que os juros moratórios se prestam a recompor o patrimônio do lesado, não podem integrar a base de cálculo deste tributo.

Vale dizer que graças ao princípio da “capacidade contributiva”, só devem ser considerados na composição da base de cálculo do imposto de renda às disponibilidades de riqueza nova, reveladas, num certo período de tempo, por uma pessoa, física ou jurídica.[45]

Isto traz conseqüências importantíssimas, já que nos moldes da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 “renda” caracteriza-se pelo “acréscimo patrimonial”, sendo assim a inclusão dos juros moratórios na base de cálculo do imposto de renda, cuja natureza jurídica é indenizatória, soterra o princípio da capacidade contributiva e fulmina por usurpar o patrimônio do contribuinte (princípio do não-confisco).  Noutros termos, não pode o contribuinte ser compelido a colaborar além da monta com os gastos públicos.

A propósito, como bem observa o ilustre doutrinador Roque Antônio Carrazza[46], somente quem “aufere” rendimentos poderá ser compelido a figurar no pólo passivo da obrigação tributária correspondente.

Afirma ainda que:

“Se for levados em conta elementos que extrapolam a renda líquida (v. g. a renda bruta ou parte dela), ou que não constituam renda líquida (v. g. adiantamento para reembolso comprováveis), ocorrerá, por sem dúvida, desnaturação do perfil constitucional do tributo.

Em função da norma que impede que tributos sejam utilizados com efeitos de confisco, nenhuma pessoa física ou jurídica, pode ser tributada por fatos que estão fora da regra-matriz constitucional do tributo que está sendo exigido, porque isto faz perigar o direito de propriedade”.

É esse também o posicionamento atual do Superior Tribunal de Justiça, o qual foi externado pela Ministra Eliana Calmon e confirmado pelos demais membros da 2ª Turma ao julgarem o Resp. n 1.037.452, que foi assim conduzido:

Entretanto, neste processo o enfrentamento passa pela nova visão dos juros moratórios a partir do atual Código Civil que, no parágrafo único do art. 404, deu aos juros moratórios a conotação de indenização, como pode ser visto na transcrição seguinte:

Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

Parágrafo único. Provado que os juros de mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credos indenização suplementar.

Segundo decidiu o Tribunal de Apelação:

1) a indenização representada pelo juros moratórios corresponde aos danos emergentes, ou seja aquilo que o credor perdeu em virtude da mora do devedor

Houve a concreta diminuição do patrimônio do autor, por ter sido privado de perceber o salário de forma integral, no tempo em que deveria ter sido adimplido. Os juros moratórios, nesse sentido, correspondem a uma estimativa prefixada do dano emergente, nos termos do arts. 395 do Código Civil vigente e 1.061 do Código Civil de 1916.

2) Não há falar, aqui, em interpretação ampliativa da hipótese de isenção prevista na legislação de regência, porque não se trata, no caso, de isenção, mas, sim, de não incidência.

Detive-me na tese de fundo e a conclusão a que chego, diante dos claros termos do parágrafo único do novo Código Civil, e a de que os juros de mora tem natureza indenizatória e, como tal, não sofrem a incidência da tributação […]

A questão e simples e esta ligada a natureza jurídica dos juros moratórios, que a partir do novo Código Civil não mais deixou espaço para especulações, na medida em que esta expressa à natureza jurídica indenizatória dos juros de mora.

Estou consciente de que o entendimento alterara profundamente a disciplina dos juros moratórios, como estabelecidos há anos e que proclamava a sua natureza acessória, de tal forma que se amolda a caracterização da obrigação a que se refere, como um apêndice.

Se assim e, certa esta a tese constante do julgamento do Tribunal de São Paulo, a partir do entendimento sedimentado no direito pretoriano desta Corte, uniformizado na Primeira Seção e que pode ser assim resumido: a) as parcelas salariais são consideradas como remuneração, ou seja, rendimento, incidindo pois o imposto de renda; b) em se tratando de indenização, não há rendimento algum e, como tal, não incide o imposto de renda.”

Reafirmando o que fora anteriormente exposto, doutrina e jurisprudência não deixam dúvidas que os juros incidentes sobre os valore recebidos pelos contribuintes tem por escopo indenizar a mora e não se confundem com juros de natureza compensatória ou remuneratória de aplicações financeiras. Aquele corresponde a uma indenização pelos danos emergentes, ou seja, o que o contribuinte perdeu ou deixou de ganhar em razão do inadimplemento da obrigação.

Noutro tocante, cabe ressaltar que a não tributação dos juros moratórios, em razão de seu caráter indenizatório, também está expressamente prevista no art. 718, §1o, inciso I, do Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 – Regulamento do Imposto de Renda de 1999.[47] O professor Roque Antônio Carrazza[48], ao analisar o art. 718, § 1º, inciso I, do Regulamento do Imposto de Renda 1999, enfatiza a não tributação do imposto de renda sobre os juros de mora recebidos em ação judicial, veja-se:

“Registre-se, ademais, que o art. 718, §1º, I do Regulamento do Imposto de Renda (RIR), veiculado pelo Decreto 3.000, de 26.3.1999 (republicado em 17.6.1999) tornou a “isentar” de IR os “juros e indenizações por lucro cessantes”. Com isso, reafirmou a não-incidência de IR sobre tais valores e, ao mesmo tempo, declarou, às abertas e publicadas, que a Administração Fazendária não pode submeter à tributação em tela.”

Assim, em que pese existir por parte da doutrina especializada e jurisprudência atual, argumentos sólidos no que se refere a não inserção na base de cálculo do imposto de renda os juros moratórios em razão da natureza jurídica indenizatória, o posicionamento desfavorável trazido, aceito e adotado por alguns juristas, não pode ser desprezado totalmente.

Apontados, portanto, todos os argumentos favoráveis e contrários a tributabilidade dos juros de mora via imposto de renda, previsto no atual regime jurídico, resta claro, diante da doutrina e jurisprudência apresentada, que o tema ainda aflora acaloradas discussões e merece um maior aprofundamento, para que o Direito e seu conjunto de normas que regem a sociedade, acompanhe a dinâmica da sua evolução.

CONCLUSÃO

Buscou-se no presente trabalho, apresentar as divergências doutrinárias e jurisprudenciais ainda existentes sobre a inclusão ou não dos juros denominados moratórios na base de cálculo do imposto sobre a renda.

O cerne da discussão encontra-se pautado na real e concreta possibilidade dos contribuintes terem parte de seus patrimônios absorvidos indevidamente pelo Fisco.

Para tanto, traçou-se uma perspectiva constitucional, visando analisar a validade e eficácia das normas que regulamentam e que servem de base para definir-se a materialidade do imposto do Imposto sobre a Renda.

Verificou-se, ainda, que o ordenamento jurídico brasileiro é sistemático e, composto por um conjunto de normas ¾ regras e princípio ¾ que dão origem à Constituição da República Federativa do Brasil. Nesse sentido, viu-se que a Constituição da República Federativa do Brasil é formada por normas e princípio e eles são os responsáveis por ditar as diretrizes do ordenamento jurídico. Ainda, a inobservância aos princípios constitucionais fulminam por extrair das normas o fundamento de validade.

Assim, constatou-se que o princípio da capacidade contributiva tem como objetivo auferir o impacto da carga tributária, não podendo impossibilitar o contribuinte de manter suas necessidades essências e de sua família (mínimo vital; existencial), sob pena de ferir o princípio da dignidade humana. De modo que a inclusão dos juros moratórios torna a carga excessiva a ponto de caracterizar o confisco, haja vista que o contribuinte não manifesta “riqueza nova” e nem “acréscimo patrimonial”.

Do mesmo modo, observou-se que o principio da isonomia tributaria busca tratar igualitariamente os contribuintes, de forma a identificar aqueles que possuem a mesma riqueza e se encontram em idêntica situação fática.

Frisou-se que compete a União instituir imposto sobre a renda devendo observar, contudo, a “materialidade” estabelecida pela Constituição Federal. Visto que “renda” caracteriza-se pelo “acréscimo patrimonial”, gerado pelo capital, trabalho ou combinação de ambos. Ou seja, há necessidade de se configurar “disponibilidade de riqueza nova”, sendo insuficiente para preencher o vocábulo “renda” a mera transformação de riqueza.

Ainda, notou-se que com o advento do Novo Código Civil de 2002, a polêmica a respeito da natureza jurídica dos juros moratórios ganhou força, predominando o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência no que se refere ao seu caráter indenizatório.

Assim, mostrou-se que a inserção dos juros moratórios na base de cálculo do imposto de renda não mais encontra guarida sob o manto Constitucional. Esse posicionamento vem conquistando adeptos e sendo defendido com veemência pelos nossos tribunais.

Contudo, viu-se que mesmo após o advento do Novo Código Civil há posicionamentos favoráveis a incidência do imposto de renda sobre os juros moratórios sob o entendimento de que estes não possuem natureza jurídica própria e, portanto, devem seguir a sorte do principal.

Entendo, no entanto, que se apresenta mais consentânea, o posicionamento que defende a ilegalidade da inclusão dos juros moratórios na base de cálculo do imposto sobre a renda, devido sua afronta aos princípios constitucionais e à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Dessa forma, concluo que a inserção dos juros moratórios na base de cálculo do imposto sobre a renda, viola e torna ineficazes os princípios constitucionais, devendo ser excluídas do cômputo, evitando assim extrair do patrimônio dos contribuintes parcela indevidas a titulo de imposto.

 

Referências
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Leis
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_____. Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 de janeiro 2002.
Notas:
[1] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 247.
[2] CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 22. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 33.
[3] ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968. p. 03.
[4] Ibid. p. 36.
[5] CARRAZA, Roque Antônio … op. cit., p. 36.
[6] MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira. Apud VIEIRA, José Roberto. A regra de incidência do IPI. Curitiba: Juruá, 1993. p. 36.
[7] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Elementos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 299/300.
[8] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Publicada no Diário Oficial da União em 5 de outubro de 1988.
[9] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.63.
[10] CARVALHO, Paulo de Barros … op. cit., p 173.
[11] CARRAZZA, Roque Antônio … op. cit., p 89
[12] AMARO, Luciano … op. cit.,p 139.
[13] CARVALHO, Paulo de Barros … op. cit., p 173.
[14] COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p 87.
[15] BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998. p 496.
[16] Ibid. p 497.
[17] QUEIROZ, Mary Elbe et al. Curso de especialização em direito tributário: Estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 448.
[18] BECKER, Alfredo Augusto … op. cit.,p 499.
[19] MOSCHETTI, Francesco. Apud COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 2. Ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p 34.
[20] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. Saraiva: São Paulo, 2009, p 95 e 96.
[21] SABBAG, Eduardo. … op. cit..
[22] COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. Saraiva: São Paulo, 2009, p 56.
[23] TORRES, Ricardo Lobo. Princípio da Isonomia Tributária. Fonte: Curso de Direito Financeiro e Tributário. 15 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 77-80; 82-83 e 91-98. Material da 4 auda da disciplina Sistema Constitucional Tributário: Princípios e Imunidades, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu em Direito Tributário – UNIDERP/REDE LFG.
[24] Privilégio é a permissão para fazer ou deixar de fazer alguma coisa contrária ao direito comum. Pode ser negativo, como o privilégio fiscal consistente nas isenções e reduções de tributos, que implicam sempre uma concessão contrária a lei geral. Poder ser positiva, como o privilégio financeiro representado pelos incentivos, subvenções, subsídios e restituições de tributos, que consubstanciam a concessão de tratamento preferencial a alguém (TORRES, Ricardo Lobo. … op. cit.)
[25] TORRES, Ricardo Lobo. … op. cit..
[26] TORRES, Ricardo Lobo. … op. cit..
[27] TORRES, Ricardo Lobo. … op. cit..
[28] Competência tributária é a aptidão jurídica, que só as pessoa políticas possuem, para, em caráter privativo, criar, in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas (CARRAZZA, Roque Antonio. … op cit, p. 31)
[29] BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a Renda e Preços de Transferência. Dialética: São Paulo, 2001, p. 65.
[30] Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:[…]
III – renda e proventos de qualquer natureza;
[31] CARRAZZA, Roque Antonio. … op. cit., p. 38.
[32] Paulo Ayres Barreto discorre que “o imposto sobre a renda classifica-se como tributo em relação ao qual o patrimônio é onerado, a partir de uma perspectiva dinâmica, exigindo se, para tanto, mutação que se constitua num acréscimo de patrimônio. Revelará capacidade econômica aquele contribuinte que lograr êxito na obtenção de um acréscimo ao conjunto de bens e direito de sua propriedade, num determinado intervalo de tempo” (in Imposto sobre a Renda e Preços de Transferência. … op. cit., p.67)
[33] CARRAZZA, Roque Antonio. … op. cit., p. 39.
[34] Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
 I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
[35] Art. 146. Cabe à lei complementar:[…]
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
[36] ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. Saraiva: São Paulo, 2004, p. 367.
[37] ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. op. cit., p 367.
[38] CARRAZZA, Roque Antonio. … op. cit., p 190.
[39] RODRIGUES, Silvio. Curso de Direito Civil. 28o Ed.: Saraiva: 2000, p 284.
[40] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Execução na ACO n 369/SP. Presidente Min. Marco Aurélio. DJ 13.11.2002. p. 42.
[41] CARRAZZA, Roque Antonio. IMPOSTO SOBRE A RENDA (perfil constitucional e temas específicos), 3a Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p 192.
[42] CARRAZZA, Roque Antonio … op. cit., p 240.
[43] CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos), 3a Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p 240
[44] BRASIL. Superior Tribunal de Justica. Recurso Especial 985.196. Primeira Turma. Relator: Ministro Relator Francisco Falcão. Brasilia, DF, 19 de dezembro de 2007, p. 1185.
[45] CARRAZZA, Roque Antonio … op. cit., p 120
[46] CARRAZZA, Roque Antonio … op. cit, p 117.
[47] Artigo 718. O imposto incidentes sobre os rendimentos tributáveis pagos em cumprimentos de decisão judicial será retido na fonte, quando for o caso, pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento, no momento em que, por qualquer forma o rendimento se torne disponível para o beneficiário (Lei nr. 8.541/92, art. 46).
§1a Fica dispensada a soma dos rendimentos pagos no mês, para aplicação da alíquota correspondente, no casos de (Lei nr. 8.541/92, art. 46, par. 1o).
I – juros e indenizações por lucro cessantes;
[48] CARRAZZA, Roque Antonio … op. cit., p 241.

Informações Sobre o Autor

Robson Krupeizaki

Graduado pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA e especialista em Direito Tributário Lato Sensu


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Equipe Âmbito Jurídico

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