Resumo: Trata-se aqui do instituto da adoção em geral, no que concerne à sua evolução no ordenamento jurídico brasileiro, o que tem como nítida conseqüência o anseio de que a possibilidade das tais adoções se estenda a todos aqueles que sejam dotados de plenas condições de conduzir a educação de uma criança, bem como à sua evolução no que concerne aos anseios sociais, oferecendo-se maior destaque a casos práticos pautados em decisões de julgadores no sentido de conferir aos homossexuais a guarda de menores e até mesmo a própria adoção. Nesse sentido, destacam-se as já mencionadas decisões proferidas, bem como as omissões do Código Civil de 2002 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, no sentido da regulamentação da adoção por casais homossexuais, ao tempo em que é silente, e conseqüentemente permissivo com relação à concessão da responsabilidade da guarda de um menor aos mesmos homossexuais, bem como contempla a constituição de famílias monoparentais, nas quais só há a referência do sexo de um dos pais.
Palavras-chave: Família. Adoção. Homossexuais. Guarda.
Abstract: One is here about the institute of the adoption in general, with respect to its evolution in the Brazilian legal system, what it has as clear consequence the yearning of that the possibility of the such adoptions if extends to all those that are endowed with full conditions to lead the education of a child, as well as its evolution with respect to the social yearnings, offering to bigger prominence the pautados practical cases in decisions of judges in the direction of conferring the homosexuals keep of minors. In this direction, we will detach already mentioned decisions pronounced, as well as the omissions of the Civil Code of 2002 in the direction of the regulation of the adoption for couples homosexuals, to the time where he is silente, and consequently permissive with regard to the concession of the responsibility of the guard of a minor to the same homosexuals, as well as it contemplates the constitution of monoparental families, in which it only has the reference of the sex of one of the parents.
Key words: Family. Adoption. Homossexuais. Guard.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho possui como objetivo maior propiciar uma contribuição efetiva no sentido de melhor amparar a todos os menores que se encontrem em situação de rejeição por seus pais biológicos, seja em orfanatos, seja em instituições filantrópicas, seja até mesmo nas ruas, em situação de risco absoluto.
Não nos deteremos a questões puramente sociais ou religiosas. Ao contrário, buscaremos, através de fatos e informações reais, estabelecer de forma racional a constituição de uma opinião a respeito de um tema controvertido como é a adoção feita por casais homossexuais no Brasil, nos afastando também, deste modo, da pretensão de fazer cessar as infindáveis discussões que acometem o tema em questão.
É bem verdade que muito se tem falado a respeito das evoluções sociais, especialmente nas últimas décadas. Cabe aqui, contudo, associar as referidas evoluções ao contexto das adoções, avaliando-se até que ponto seria benéfico ou maléfico para uma criança se desenvolver sem a nitidez do que seria uma família composta por pai, mãe e filhos, ou, sob outro prisma, avaliar se essa presunção de obscuridade traria mais prejuízos que o nítido abandono sofrido por essas crianças em instituições, à longa espera de “idôneos” candidatos a adotantes.
Pudemos observar, na última década, decisões um tanto quanto inusitadas de alguns julgadores no sentido de delegar a um par homossexual, a guarda de um menor em caso de falecimento de seu pai biológico, em detrimento de outros membros da família e pretensos guardiões e até mesmo a adoção, em situações mais infreqüentes, o que, indubitavelmente demonstra um anseio de que bem mais que qualquer outro fator, tenha peso, no momento da concessão de responsabilidades sobre o menor, o seu bem estar, no sentido mais amplo e efetivo.
Eis que surge, então, questões: tendo, hodiernamente, nossos tribunais, reconhecido em homossexuais plenas condições de conduzir com satisfatoriedade a educação de um menor, na situação do deferimento de guarda, visando a um perfeito desenvolvimento do mesmo menor, por que não delegar a outros homossexuais o direito de fazê-lo espontaneamente, tomando o infante como seu adotando? E, em sendo perfeitamente concebível a constituição de famílias monoparentais, nas quais há a referência de um único sexo para o filho, qual seja, o do pai que o acolhe, como podemos falar em prejuízo para o menor em ser adotado por pares homoafetivos, alegando-se que a este menor faltaria suporte para a compreensão do que seria uma família dita “normal”?
Nesse sentido, Maria Berenice Dias (2008a) coloca:
“A faculdade de adotar é outorgada tanto ao homem como à mulher, bem como a ambos conjunta ou isoladamente. Nada tem a ver com a opção de vida de quem quer adotar, bastando que sejam preenchidos os requisitos postos nos artigos. 39 e seguintes.”
Sob o ponto de vista legal, alguns optam por argumentar que um fator de peso para que não se conceda a adoção a homossexuais no Brasil, seria o escárnio sofrido pelo menor em seu meio social, uma vez que seria bastante constrangedor ter seus pais apontados como fora dos padrões sociais, atribuindo-se, assim, a eles, os mais pejorativos termos. Entretanto, sob essa ótica, não teria amparo social, por exemplo, a legalização do divórcio no Brasil, evento que resultou em um choque sem precedentes para toda uma geração e que não evitou colocar os filhos da mesma geração em situações também ditas constrangedoras, como qualquer evento novo de grande repercussão social.
Por fim, cumpre salientar que nada é mais preocupante sob o ponto de vista da manutenção da ordem e da soberania de um Estado que as fraudes à sua legislação, o que tem ocorrido com bastante freqüência quando da tentativa frustrada que alguns pares homossexuais têm de adotar uma criança. Assim, tem se tornado comum adoções realizadas em desconformidade com a lei, sempre que, exemplificativamente, vendo-se impedido de praticar tal ato, um homossexual entra em acordo com outrem de sexo oposto ao seu, para que este possa, diante do judiciário, fazer-se passar por pretenso adotante juntamente com aquele. Desse modo, quase sempre há o deferimento da adoção erroneamente, acreditando, o julgador, estar conferindo a um casal heterossexual, mas sendo, na verdade, a um par homossexual.
O mencionado trabalho, pois, apresenta-se dividido em três capítulos, quais sejam, “NOÇÕES INICIAIS DO INSTITUTO DA ADOÇÃO”, “CONCESSÃO DE GUARDA X ADOÇÃO” e “LEGISLAÇÃO BRASLEIRA E HOMOSSEXUALIDADE”, conforme se segue:
No primeiro capítulo se cuida em proceder com uma localização temporal do instituto da adoção, bem como com a abordagem de sua evolução ao longo da história, chegando-se ao Código Civil vigente no Brasil e abordando-se sua natureza jurídica, ou seja, os fins aos quais o instituto se destina, sob a óbice do direito.
O capítulo “CONCESSÃO DE GUARDA X ADOÇÃO”, tem como objeto maior a equiparação da adoção a outro instituto intimamente relacionado à idéia de aptidão e responsabilidade, qual seja, a guarda, bem como se explana toda a legislação concernente a ambos o institutos, se trazendo, inclusive, julgados relacionados aos dois casos, além do paralelo entre famílias monoparentais e homoparentais, visando-se a desmistificar a idéia de que uma orientação advinda de um sexo exclusivo pode vir a desvirtuar a postura sexual do adotando.
Por fim, há o terceiro capítulo, qual seja, “LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E HOMOSSEXUALIDADE”, assim denominado por trazer à baila a forma como o legislador abordou questões jurídicas relevantes relativas à homossexualidade e, por conseguinte, bastante pertinentes ao tema adoção por pares homoafetivos, tais como a configuração da união homossexual e também os mecanismos indevidamente encontrados pelos pretensos adotantes homossexuais para, burlando a legislação, conseguirem enfim tornar palpável o desejo de estabelecer com outrem, o vínculo da filiação.
1 NOÇÕES INICIAIS DO INSTITUTO DA ADOÇÃO
1.1 Breve Histórico
A evolução histórica da adoção apresenta-se de uma forma bastante peculiar, inclusive, tendo referências nos tempos bíblicos e, principalmente em Roma, onde se dizia: “adotar é pedir à religião e à lei aquilo que da natureza não pôde obter-se” (Coulanges, 1957, v. 1, p.75).
Na civilização grega, a adoção era tida como uma forma de se fazer perpetuar o culto familiar, uma vez que, inexistindo herdeiros do sexo masculino, os adotados deveriam assumir essa posição, levando adiante o nome, os bens e a relevância de seu ascendente.
No concernente ao Direito Romano, existiam duas modalidades de adoção: adoptio e adrogatio. Em ambas era evidente o interesse estatal, uma vez que a extinção do culto doméstico poderia inevitavelmente ocasionar a extinção da família.
Ainda no mencionado Direito Romano, de onde se origina relevante parcela do Direito Brasileiro atual, para que se concretizasse uma adoção, alguns requisitos deveriam ser preenchidos, tais como: o adotante só poderia ser do sexo masculino e maior de 60 anos, sem filhos naturais, o que demonstra claramente o intuito do legislador em promover as adoções apenas como forma de se perpetuar a família; e, o adotando deveria ser no mínimo 18 anos mais jovem que o adotante, para que se preservasse a essência de um instituto que gerava famílias com traços de pais e filhos.
Note que, em um primeiro instante, apenas o homem poderia servir-se da adoção como mecanismo de culto familiar, porém, em um segundo instante, o instituto da adoção passou a também servir às mulheres, desde que estas estivessem munidas de autorização do imperador.
Por fim, cumpre ressaltar que por questões religiosas advindas do Direito Canônico, em um dado instante a adoção caiu em desuso, tendo sua revigoração apenas na Idade Moderna, com a legislação da Revolução Francesa, tendo sido, a posteriori, muito bem recepcionada pelo Código Napoleônico de 1804.
Antes do advento do Código Civil de 2002, existiam três espécies de adoção: a simulada, ou à brasileira, a civil e a estatutária.
Quanto à primeira, a expressão “adoção simulada” fora conferida pelo Supremo Tribunal Federal aos casos em que os casais, dotados de boa-fé, registram os filhos de outrem, com o seu consentimento, como próprios, havendo o intuito verdadeiro de lhes oferecerem um lar digno. Há que ser observado que em uma análise minuciosa, é fácil constatar que tal procedimento configura um crime, qual seja, o de falsidade ideológica, porém, quem o pratica nessas circunstâncias encontra sua absolvição pela inexistência de dolo específico, assim como, na seara civil também não haverá nenhuma penalidade, não havendo, pois, o cancelamento do registro de nascimento do adotado.
A adoção civil, já ressaltada anteriormente, era aquela prevista no Código Civil de 1916, que não fazia cessar totalmente o vínculo do adotando com sua família original, a não ser para efeitos de poder familiar, que se transferia ao adotante. Essa modalidade de adoção teve sua modificação com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, passando a existir, até a entrada em vigor do novo Código Civil, apenas para os casos de adoção de pessoas maiores de 18 anos.
A adoção plena, por sua vez, é a espécie que mais se assemelha à adoção conhecida atualmente, sendo, de acordo com o antigo Código Civil, deferida nos casos do adotando ter idade inferior a 18 anos, fazendo cessar todos os vínculos com seus parentes biológicos e integrando totalmente o menor à sua nova família.
O Código Civil de 2002 apenas coloca a denominação adoção para todos os casos em que há a colocação do adotando na família substituta, seja ele maior, ou menor de idade, obedecendo-se, em cada caso a requisitos específicos, a serem abordados posteriormente.
Hodiernamente a adoção é um instituto abrangido por quase todos os sistemas jurídicos do mundo, tendo encontrado no Brasil, objeto de nosso estudo, um fundamento consistente em questões sociais, altruístas e morais, conforme veremos.
1.2 Natureza jurídica
A natureza jurídica da adoção ainda é um ponto bastante obscuro e passível de discussões em todos os ordenamentos jurídicos.
Há que se ressaltar o entendimento de alguns no sentido de que a adoção seja um mero assentimento de vontades, constituindo, pois, um contrato, dada sua bilateralidade. Observe, contudo que, temos em tela uma noção puramente negocial de um instituto que tem, essencialmente, em seu núcleo questões humanitárias, contempladas especialmente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, este que veio a reforçar a idéia de trazer, a adoção, a concretização de uma filiação por vias afetivas e não biológicas, o que lhe confere todas as características da filiação natural.
Segundo Silvo de Salvo Venosa, (2005, p. 300):
“Por outro lado, na adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente não podemos considerar somente a existência de simples bilateralidade na manifestação de vontade, porque o Estado participa necessária e ativamente do ato, exigindo-se uma sentença judicial, tal como faz também o Código Civil de 2002. Sem esta, não haverá adoção. A adoção moderna, da qual nossa legislação não foge à regra, é direcionada primordialmente para os menores de 18 anos, não estando mais circunscrita a mero ajuste de vontades, mas subordinada à inafastável intervenção do Estado. Desse modo, na adoção estatutária há ato jurídico com marcante interesse público que afasta a noção contratual. Ademais, a ação de adoção é ação de estado, de caráter constitutivo, conferindo a posição de filho ao adotado.”
1.3 A adoção no Código Civil de 2002, inovações e requisitos
Disciplinada do artigo 1.618 ao 1.629 no Código Civil de 2002, o instituto da adoção é merecedor de destaque não só por trazer relevantes reformas com relação ao diploma legal anterior, como também por possuir amparo e reforço no Estatuto da Criança e do Adolescente (o que por alguns é objeto de crítica, já que eles optam por denominar de redundância).
Preservando, em alguns aspectos, o já disposto no Código Civil de 1916, a legislação vigente trouxe inovações, especialmente no que se refere aos seguintes aspectos:
1. Hodiernamente a adoção é feita por intermédio do Estado, baseado em uma decisão fundamentada do magistrado, depois de analisadas as reais vantagens do procedimento para a figura do adotando, e não mais assume a simples forma de um contrato realizado mediante escritura pública;
2. No tocante aos aspectos sucessórios, grande passo fora dado no sentido de valorizar a adoção como verdadeira fonte de constituição da família por vias afetivas, uma vez que extinguiu as distinções, quanto à herança, entre os filhos biológicos e os filhos adotados, corroborando com o entendimento exposto no texto constitucional de 1988;
3. Foi extinta, pelo novo diploma legal, a possibilidade da adoção do nascituro, uma vez que, devendo toda adoção ter o amparo, o acompanhamento e a autorização do poder público, não há como se conceber a realização de tal instituto quando uma das partes sequer veio ao mundo, não podendo, assim, inclusive, fazer experimento da convivência necessária que é requisito da adoção;
Segundo GUIMARÃES, (2000, p. 34):
“Se uma criança ou adolescente só pode ser adotada com a intervenção do judiciário, que analisará cada caso, possibilitando um controle rígido sobre o tráfico de crianças, que foi uma das razões, talvez a principal, que levou o legislador a limitar os casos em que se permite a adoção internacional, não haveria qualquer fundamento para que se admitisse a adoção de nascituro, ou seja, de uma criança, antes de nascer, pelas regras da adoção do Código Civil, ferindo completamente o espírito da lei. Em suma, com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, só existem duas modalidades de adoção, a de menores de 18 anos de idade, regida pela referida lei, e a de maiores de 18 anos de idade, regida pelo Código Civil, sem interferência da autoridade judiciária na adoção propriamente dita. Não há mais a possibilidade da adoção de nascituros, antes possível nos termos do art. 372 do Código Civil.”
4. No que se refere à idade do adotante, o Código Civil de 2002 trouxe uma profunda modificação, o que indubitavelmente teve como objeto o maior avanço do referido código no que tange à adoção: o instituto como meio de se criar famílias em realidade, analisando-se a figura do menor como a pessoa que deve auferir maiores vantagens quando da concessão da adoção, e não como meio de garantir puramente ao adotante a concretização de seus anseios.
Assim, há que se ressaltar que o Código Civil de 1916 colocava como idade mínima para o adotante, 50 anos, uma vez que, assim ficava improvável que ele viesse a conceber filhos naturais (já que, em havendo-os, a adoção era impossível). A lei nº 3.133/57, por sua vez, trouxe a possibilidade da adoção ser realizada por pessoas com idade a partir de 30 anos, com ou sem filhos, não tendo, porém, a adoção, reflexos patrimoniais.
Sabe-se que no Código Civil de 2002, a idade mínima para o adotante é de 18 anos, quando ele possui sua plena fertilidade, devendo haver uma diferença de 16 anos entre sua idade e a do adotando.
É redundante, porém necessário, se destacar que, haja ou não filhos legítimos, o adotando possuirá os mesmo direitos como se também legítimo o fosse, em todos os aspectos, inclusive no patrimonial;
5. O adotando se desvencilha completamente de seus pais biológicos a partir do momento em que se constituir a adoção, salvo no que tange os impedimentos para o casamento, adotando, assim, exclusivamente o nome de seus pais adotivos, diferentemente do que ocorria no Código Civil anterior, quando havia a possibilidade da conservação dos apelidos de seus pais de sangue;
6. Foi instituído o estágio de convivência ao qual foram feitas referências anteriormente, mais uma vez se primando pelo bem estar do menor;
7. Os casados passaram a prescindir do lapso de 5 anos da realização de seu matrimônio, que antes era um requisito essencial da adoção, para que pudessem adotar uma criança;
8. Foi mantida a determinação do código anterior no sentido de que uma adoção só poderá ser dada aos casados, sendo, com o Novo Código Civil, a estes comparadas aquelas pessoas que vivem em união estável;
9. A adoção no diploma vigente tem como foco, menores de idade, sem o seu consentimento (quando menores de 12 anos) salvo os casos peculiares em que também há a assistência do Poder Público (se já estiver sob a guarda ou tutela do adotante), por não se tratar de um contrato, o que também constitui uma inovação com relação à legislação anterior, que tinha por objeto apenas maiores de idade em concordância com o procedimento;
10. Há que se frisar, também, o caráter perpétuo da adoção trazido pelo Código Civil de 2002. Assim, a adoção é irrevogável, salvo em caráter de punição ao adotante, assim como ocorre com a perda do pátrio poder no caso dos filhos biológicos. Note que no Código Civil de 1916, a adoção era plenamente revogável sempre que as partes verificassem que as vantagens para ambos fossem cessadas, o que dava, indubitavelmente, margem a fraudes e tornava ainda mais negocial o caráter do instituto;
11. Por fim, a legislação vigente contempla a hipótese de a adoção ser realizada por pessoas divorciadas ou judicialmente separadas, atendendo-se a alguns requisitos, obviamente, bem como a adoção unilateral, realizada pelo cônjuge do pai biológico, passando, aquele, da condição de padrasto à condição de pai adotivo.
2 CONCESSÃO DE GUARDA X ADOÇÃO
2.1Aspecto Legal de Ambos os Institutos
Conforme já ressaltado, a natureza jurídica do instituto da adoção é um tema bastante controvertido, sendo merecedora de destaque a corrente dos que colocam tal instituto como um mero assentimento de vontades, ou seja, como um contrato bilateral.
No que se refere à guarda, o Código Civil a trata como um instituto inerente ao próprio poder familiar (antigo pátrio poder), enquanto a guarda no Estatuto da Criança e do Adolescente está vinculada à transferência do citado poder familiar a outrem, o que se verifica constantemente em casos de abandono ou mesmo de orfandade, exigindo-se, para tal concessão, o denominado estágio de convivência.
Legalmente falando, o Código Civil de 2002 dedica todo um capítulo, composto de 12 artigos para tratar sobre o tema da adoção e outros diversos artigos para versar sobre a guarda. Ocorre que, tamanha a preocupação do legislador em oferecer ao menor os cuidados necessários ao seu pleno desenvolvimento em outra família que não a sua biológica, apenas o citado diploma legal não foi suficiente para conferir toda essa proteção à criança.
Assim, com o intuito de impor uma fiscalização ainda maior à sociedade e, especialmente ao adotante, ao tutor, ao curador e ao guardião, sem o receio de ser redundante, eis que surge o Estatuto da Criança e do Adolescente, ora para corroborar com o já exposto pelo Código Civil, ora para impor um ainda maior dever de zelo para com o menor com um maior detalhamento sobre as atribuições, requisitos e sanções que tocam a quem tem o dever de protegê-lo, uma vez que é para ele que toda a lei 8.069 de 1990 foi formulada.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, no que se refere à guarda, coloca:
“Art. 33: A guarda obriga à prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou ao adolescente, conferindo ao seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.”
É fácil perceber, ante o exposto, que a guarda impõe enorme responsabilidade ao seu detentor, responsabilidade esta que pode ser equiparada à responsabilidade dos próprios pais e, em alguns casos, podendo ser exercida até mesmo em detrimento deles, resumida no dever da condução da vida do menor sob todos os aspectos, o que demonstra o quão significativo é o papel do guardião, evidenciado pelo Código Civil e pelo ECA.
O §1º do mesmo artigo reza:
“A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida liminar ou incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros.”
Note que a guarda não é o instrumento hábil a estabelecer relação de parentesco, mas tão somente a formalizar a posse que já ocorre de fato, seja liminarmente, em casos mais urgentes, seja incidentalmente, surgindo dentro de todo um processo em trâmite.
Há que se ressaltar, também, que, via de regra, a guarda é concedida nos citados casos de tutela ou adoção, sendo que na adoção por estrangeiros, sobre a qual a fiscalização é ainda mais efetiva e o procedimento mais dificultoso, ela não será deferida, evitando-se que se ignore a extrema necessidade do estágio de convivência verificado no próprio Brasil.
O § 2º do mesmo artigo coloca:
“Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados.”
A guarda também poderá ser deferida fora das hipóteses de tutela e adoção, conforme visto, mas apenas excepcionalmente, por circunstâncias ainda mais delicadas para o menor e que dão ensejo a tal medida, tomada de forma ainda mais minuciosa, seja por ocasião da ausência dos pais ou responsáveis, seja por, conforme dito, situações peculiares à figura do menor, normalmente conflituosas.
O §3º, por sua vez, expõe que “A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.” Observe que a intenção do legislador foi dar ao menor as prerrogativas próprias dos filhos no sentido de questões de representação e também previdenciárias, visando, assim, dar um maior amparo à criança ou adolescente protegido, não fazendo essa proteção cessar nem mesmo em caso de morte do guardião. Indubitavelmente isso evidencia com maior ênfase a responsabilidade extrema que se deve ter para com o menor, inclusive na condução de sua educação e formação como ser humano.
O artigo 34 preceitua que:
“O poder público estimulará, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, o acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado.”
Eis que acima está perfeitamente demonstrado o intuito que se tem de incentivar às pessoas para que elas possam assumir as responsabilidades dos menores desamparados, por questões essencialmente humanitárias.
O artigo 35 do Estatuto da Criança e do Adolescente expõe: “A guarda poderá ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público”.
Assim, fica clara a maior distinção existente entre os institutos da guarda e da adoção, uma vez que esta tem o caráter perpétuo e irrevogável e aquela tem em regra o caráter transitório, podendo perfeitamente ser revogada, desde que ouvido o Ministério Público.
No tocante à adoção, o mesmo ECA, que destina 14 artigos ao tema (do 39 ao 52), senão vejamos:
O artigo 39 prescreve:
“A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei.
Parágrafo único. É vedada a adoção por procuração.”
Este artigo, em seu caput e parágrafo único traduz a extrema legalidade em que se deve pautar um processo minucioso como é o da adoção, não sendo admitido o seu deferimento por nenhum outro instrumento que não seja o processo judicial, com a atuação do Ministério Público como custus legis.
Art. 40: “O adotando deve contar com, no máximo, dezoito anos à data do pedido, salvo se já estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes.”
O citado artigo 40 limita-se a corroborar com o já exposto pelo Código Civil, reafirmando ser, a idade máxima para o adotando, 18 anos, salvo se o pretenso adotante já possuir sua guarda ou tutela ao tempo do pedido de adoção. É importante ressaltar que, em casos práticos, as adoções raramente têm por objeto crianças com idade superior a um ano, o que faz com que as demais contribuam em maior parcela para manter ocupadas a instalações de orfanatos, creches e instituições filantrópicas, tornando-se sérios problemas sociais ao atingirem suas maioridades e serem “liberadas” para a vida em sociedade
O Art. 41, por sua vez, em seu caput, reza:
“A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.”
Veja que a adoção é um instituto, cujo intuito maior é atribuir ao adotando o caráter de filho legítimo e ao adotante, as imposições inerentes à sua condição de pai, inexistindo, pois, quaisquer distinções dos filhos biológicos sob qualquer aspecto, inclusive para efeitos patrimoniais. Assim, no momento da adoção, rompem-se todos os laços do adotando com sua família biológica, prevalecendo apenas aqueles que dão margem às causas impeditivas do matrimônio, fator este fundado não só em questões culturais, mas também em questões relevantes sob o ponto de vista genético.
O §1º do artigo em tela coloca:
“Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os respectivos parentes.”
Deste modo, fica demonstrado que o ECA foi claro, neste parágrafo ao colocar que, na hipótese de adoção de filho (biológico ou não) do cônjuge ou do concubino, os laços de parentesco para com estes continua existindo, uma vez que nesta situação apenas se concede ao adotando o novo ascendente, não havendo, assim, o rompimento com a antiga família.
O art. 41 em seu §2º diz:
“É recíproco o direito sucessório entre o adotado, seus descendentes, o adotante, seus ascendentes, descendentes e colaterais até o 4º grau, observada a ordem de vocação hereditária.”
O citado parágrafo apenas vem a reafirmar a igualdade, sob o ponto de vista sucessório, entre o filho biológico e o adotado, dado intuito de haver a sucessão recíproca deste para com os ascendentes e colaterais até 4º grau.
Art. 42: “Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente do estado civil.”
O caput do artigo em foco evidencia que, obedecidos alguns requisitos, qualquer pessoa pode adotar, inexistindo restrições quanto à sua religião, raça, opção sexual ou estado civil. Note, pois, que inexiste qualquer vedação legal quanto à adoção por pessoa homossexual, mesmo porque, pelo próprio receio de ter seu pedido negado, é regra a omissão do adotante quanto à sua homossexualidade. O que há, contudo, é que o texto legal é expresso ao, tratando da adoção por casais, falar na diversidade de sexo entre os adotantes, de onde se extrai a conclusão de que de um modo genérico, o homossexual tem a faculdade de adotar, desde que não o faça conjuntamente com o seu companheiro.
Nesse sentido:
É merecedor de destaque o fato de haver, por parte dos julgadores, a idéia preconcebida de que a homossexualidade impõe à pessoa uma vida desregrada, desajustada, podendo levar, na concepção de tais magistrados, o pretenso adotante até mesmo a molestar sexualmente o menor, o que inobstante dá margem a muitos indeferimentos de pedidos de adoção por pessoas idôneas quando o julgador toma conhecimento de suas opções sexuais, ainda que solteiras e com um lar harmonioso.
Por fim, há que se ressaltar o fato do ECA anteceder a vigência do Código Civil, que estatui 18 anos como a idade maioridade civil, de modo que fica sendo, desde 2002, 18 anos a idade mínima para o adotante.
O §1º do artigo 42 explicita:
“Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.”Isso ocorre uma vez que, na primeira situação, sequer haveria razão de existir tal instituto, e no segundo caso se visa a preservar o parentesco em questão pela sua proximidade extrema.”
O §2º do mesmo artigo, reza:
“A adoção por ambos os cônjuges ou concubinos poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado vinte e um anos de idade, comprovada a estabilidade da família.”
Neste, como nos demais artigos que se referem a 21 anos como a maioridade civil, prevalece a lei mais recente, qual seja, o Código Civil de 2002, que coloca, como já ressaltado, 18 anos como a idade determinante para a capacidade absoluta de uma pessoa, sendo, esta idade, a mínima para que se proceda com a adoção de outrem. Assim, como explicita o artigo, basta que, em caso de cônjuges ou companheiros, que apenas um tenha atingido tal idade e que se comprove a consistência da família para que se defira a adoção, após, obviamente, todo o trâmite legal.
O §3º, por sua vez, coloca: “O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.”
O intuito do legislador, aqui, é estabelecer uma diferença de idade significativa entre o adotando e o adotante para que para ambos fiquem bastante claras suas condições de pai e de filho, o que fica mais fácil de ser reconhecido quando tal distinção de idade é similar à dos pais biológicos para com seus filhos.
No §4º, ainda do artigo 42 do Estatuto, o legislador articula que:
“Os divorciados e os judicialmente separados poderão adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal.”
Nada obsta, conforme visto, que pessoas, cuja sociedade conjugal haja sido desfeita, venham a adotar, desde que o denominado estágio de convivência tenha se dado ainda na constância do casamento ou da união estável. É fácil observar que, nitidamente, mais uma vez o legislador vem a traçar um paralelo entre filhos biológicos e adotivos, uma vez que aqueles não deixam de ser filhos com o rompimento do vínculo conjugal (enquanto os adotivos podem ter o prosseguimento do estágio de convivência, que naturalmente desemboca na adoção, que lhes confere as características de filhos para todos os efeitos) e que, em tal situação têm determinadas as questões como a guarda e o regime de visitas (o que na adoção se dá com um prévio assentimento dos pretensos pais, para que o adotando jamais fique em meio a um litígio).
Por fim, no § 5º há:
“A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.”
Isso visa a resguardar não só o direito do adotando de ser amparado por aquele que inequivocamente seria seu pai, quanto o do adotante em ter seu anseio, não satisfeito em virtude de um fato imprevisível e inevitável, finalmente realizado.
Reza, o Art. 43: “A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.”
Assim como o Código Civil, mas uma vez o Estatuto da Criança e do Adolescente visa a prestigiar os interesses do menor, cuja adoção só será deferida desde que se trate de um procedimento verdadeiramente vantajoso para ele, sendo calcada, obviamente, em motivos legítimos. A título de exemplo do citado, não será deferida a adoção a indivíduo cujo intuito é encontrar, no menor, ajuda certa para as tarefas domésticas que ora desempenha sozinho.
Art. 44: “Enquanto não der conta de sua administração e saldar o seu alcance, não pode o tutor ou o curador adotar o pupilo ou o curatelado.”
O artigo acima coloca o exposto com o inquestionável intuito de trazer uma proteção ainda maior ao adotante, de modo a ter especialmente o seu patrimônio preservado por este artigo. Se assim não fosse, nada obstaria que, um tutor que houvesse dilapidado o patrimônio do seu tutelado, o adotasse e se eximisse de qualquer responsabilidade delo mau ato.
O artigo 45 preceitua que:
“A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando.
§ 1º. O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do pátrio poder.
§ 2º. Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também necessário o seu consentimento.”
O caput deste artigo coloca que a adoção não pode ser deferida a outrem sem o consentimento de seus pais biológicos ou legítimos representantes, exceto nos casos do §1º, em que eles inexistem ou são desconhecidos (muito comum em orfanatos) e que por isto não podem ser consultados, ou na hipótese de destituição do pátrio poder, o que se dá como uma sanção em virtude de ato grave praticado pelos pais. Há que se falar, também, que no caso de crianças a partir de 12 anos de idade, há que se estabelecer a sua oitiva quando da adoção, para que se evitem decisões impróprias para o menor (situação do §2º), procedimento semelhante ao que há com a criança em caso de fixação da guarda quando da separação de seus pais biológicos.
O artigo 46 ainda do Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu caput reza:
“A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso.”
O denominado estágio de convivência visa a avaliar a plausibilidade da medida que confere ao menor a condição de adotando, verificando-se com este mecanismo a capacidade de adaptação tanto dos pretensos pais, quanto dos filhos, por um tempo flexibilizado de acordo com a necessidade imposta pelas peculiaridades do caso concreto e pela idade do menor.
Por todo o comentado no momento do caput do artigo em questão, é nítido que, na hipótese de criança com idade inferior a um ano, colocada no §1º (cujo texto é: “o estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando não tiver mais de um ano de idade ou se, qualquer que seja a sua idade, já estiver na companhia do adotante durante tempo suficiente para se poder avaliar a conveniência da constituição do vínculo”), não há que se falar em adaptação, uma vez que, pela pouca idade, seria o mesmo que se falar na necessidade de adaptação aos próprios pais biológicos. Note que nessa idade, ainda não há a constituição do caráter, dos gostos, da cultura de um menor, inexistindo, também, as divergências entre a sua personalidade e a de seus pais.
Outra situação em que não há que se falar do estágio de convivência legal é na situação do menor já manter, previamente, um contato próximo, um convívio com o adotante, hipótese em que já se pôde avaliar a possibilidade de um convívio harmonioso.
O parágrafo §2º diz:
“Em caso de adoção por estrangeiro residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de no mínimo quinze dias para crianças de até dois anos de idade, e de no mínimo trinta dias quando se tratar de adotando acima de dois anos de idade.”
Pelo exposto acima, constata-se que a adoção por estrangeiro residente ou domiciliado em outro país é uma medida excepcional, conforme expõe o Código Civil, e será deferida apenas na impossibilidade de fazê-lo a nacional. Assim, o legislador é bastante coerente ao colocar, quando de tal concessão, uma gama ainda maior de requisitos a serem preenchidos, dada a peculiaridade do caso em virtude de diversos fatores, dentre os quais são merecedores de destaque: a dessemelhança cultural existente entre países distintos e o repúdio existente ao tão combatido tráfico internacional de crianças. Deste modo, o estágio de convivência na adoção em comento só pode ser realizado em território nacional e sendo, conforme exposto, de no mínimo 15 dias para crianças com idade inferior a dois anos e de 30 dias para os demais casos.
O artigo 47 determina:
“O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.
§ 1º A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes.
§ 2º O mandado judicial, que será arquivado, cancelará o registro original do adotado.
§ 3º Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro.
§ 4º A critério da autoridade judiciária, poderá ser fornecida certidão para a salvaguarda de direitos.
§ 5º A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido deste, poderá determinar a modificação do prenome.
§ 6º A adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença, exceto na hipótese prevista no art. 42, § 5º, caso em que terá força retroativa à data do óbito.”
Em seu caput e parágrafos, o artigo em comento coloca que a sentença judicial é a única forma de se ter declarada a adoção de outrem, o que pressupõe a existência de um processo, devendo, ela, ser inscrita no registro civil. Tal inscrição tem o condão de, de pronto, consignar os nomes dos adotantes e de seus ascendentes, como pais e avós, respectivamente, sendo que, uma vez arquivado o mandado judicial que determina a inscrição em estudo, haverá o cancelamento do registro original do menor, passo imprescindível para a confecção do novo registro.
Deve também ser frisado que a sentença, que começa a viger a partir da data em que foi proferida, – exceto na já citada situação do adotante, após manifestação inequívoca de sua opção pela adoção e, já tramitando o processo competente, venha a falecer, hipótese em que a sentença retroage à data do falecimento, passando a produzir efeitos desde então – tem a força de contemplar, o adotando, com o sobrenome de seus pais adotivos, podendo, ainda, haver a mudança do prenome do menor a critério dos novos pais, procedimento bastante usual que visa a provocar todo e qualquer rompimento do menor para com seu passado.
Já o artigo 48 preceitua que: “A adoção é irrevogável.” O artigo em tela busca a dar à adoção o mesmo caráter perpétuo e irrevogável que possui a filiação natural, da qual não se admite arrependimento, ou em ele existindo, não gerando efeitos jurídicos, diferentemente do outro instituto em estudo, qual seja, o da guarda.
Reza, o artigo 49: “A morte dos adotantes não restabelece o pátrio poder dos pais naturais.”
O exposto se deve ao fato de que, no momento em que é concedida a adoção ao pai adotivo, extinguem-se todos os laços de parentesco para com a família biológica, conforme já demonstrado no presente estudo. Outro fator a ser levado em consideração é que, o falecimento dos pais biológicos não confere a outrem a condição de pais de um menor, não havendo, pois, porque haver distinção no que tange ao falecimento dos pais adotivos.
O art. 50, caput, em seu texto legal traz:
“A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção.”
Este artigo traz a previsão de tais registros para que se consiga manter uma regulamentação e uma comunicação entre as pessoas que pretendem adotar e aquelas que estão aptas à adoção, facilitando-se todo o trabalho em prol da efetivação das adoções, realizadas obedecendo-se a todos os critérios legais e com a incessante participação do Ministério Público.
No §1º, contudo, a previsão é: ”O deferimento da inscrição dar-se-á após prévia consulta aos órgãos técnicos do juizado, ouvido o Ministério Público.” Tal cautela possui a finalidade de se evitar deferir a guarda do menor a pessoas inidôneas ou inaptas ao exercício das atribuições de pai. A manifestação do Ministério Público e a consulta aos órgãos técnicos do Juizado sem dúvidas são os instrumentos mais praticáveis para que se averigúe a possibilidade da inscrição dos interessados na adoção.
O parágrafo 2º diz:
“Não será deferida a inscrição se o interessado não satisfizer os requisitos legais, ou verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 29.”
O parágrafo em tela apenas vem a corroborar com o entendimento de que na situação do ambiente não ser salutar o bastante para o pleno e satisfatório desenvolvimento do menor, bem como, quando ficar constatado que o adotante não possui os requisitos e aptidões necessários ao deferimento da adoção, nem mesmo a inscrição deverá ser concedida e, nessa verificação, eis que surge o papel dos órgãos citados quando do comento do parágrafo anterior.
O artigo 51 diz: Cuidando-se de pedido de adoção formulado por estrangeiro residente ou domiciliado fora do País, observar-se-á o disposto no art. 31.
Conforme anteriormente exposto, a colocação do menor em família substituta residente ou domiciliada fora do Brasil, constitui medida excepcional, apenas sendo tomada quando inexistirem interessados no próprio país, para que se preserve o bem-estar da criança.
O mesmo artigo, em seu §1º reza:
“O candidato deverá comprovar, mediante documento expedido pela autoridade competente do respectivo domicílio, estar devidamente habilitado à adoção, consoante as leis do seu país, bem como apresentar estudo psicossocial elaborado por agência especializada e credenciada no país de origem.”
Tais comprovações são medidas assecuratórias de que, sob o ponto de vista legal, não haverá qualquer contratempo na chegada do menor ao país de origem dos adotantes e de que, tais adotantes, são pessoas capazes e administrar as responsabilidades para com o filho, tomando-se como base a sua conduta social e as suas condições psíquicas.
O § 2º enuncia:
“A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá determinar a apresentação do texto pertinente à legislação estrangeira, acompanhado de prova da respectiva vigência.”
O enunciado se dá para que mais uma vez se comprove o perfeito equilíbrio entre a legislação do país que irá receber a criança e o instituto da adoção, imprescindível para a concessão da mesma, que ocorre de forma bastante burocrática, podendo, inclusive ser requerida a comprovação de seu perfeito encaixe legal no país de origem do adotante, através da extração do trecho da legislação aplicável ao caso concreto no estrangeiro, comprovando-se, também sua vigência e, ainda no caso do citado §3º cujo enunciado diz que:
“Os documentos em língua estrangeira serão juntados aos autos, devidamente autenticados pela autoridade consular, observados os tratados e convenções internacionais, e acompanhados da respectiva tradução, por tradutor público juramentado.”
Na situação da documentação estar em língua que não a portuguesa, será imprescindível o aval do consulado, bem como a tradução do escrito, esta realizada por um tradutor público juramentado.
O §4º do mesmo artigo, por fim, tem a seguinte redação: “Antes de consumada a adoção não será permitida a saída do adotando do território nacional.”
O parágrafo supracitado coloca mais uma vez o impedimento que há no tocante à saída dos adotandos do país antes de findo o processo de adoção. Note que é neste parágrafo que o dispositivo coloca que o estágio de convivência deve ser realizado no próprio Brasil, protegendo o menor contra atos de má fé praticados pelo adotante e também contra a estranheza que lhe poderia causar o choque com um ambiente extremamente distinto de suas origens.
Finalmente, o artigo 52 do ECA ressalta:
“A adoção internacional poderá ser condicionada a estudo prévio e análise de uma comissão estadual judiciária de adoção, que fornecerá o respectivo laudo de habilitação para instruir o processo competente.”
Mais uma vez, conforme o exposto, eis que surgem órgãos técnicos com o intuito de emitir laudos e pareceres a respeito da viabilidade ou não da concessão da adoção internacional, sendo que, no caso do caput do artigo em comento, esse laudo tem a peculiaridade de conferir ao adotante, a habilitação, a ser utilizada na instrução do processo de adoção internacional.
O parágrafo único deste último artigo reza: “Competirá à comissão manter registro centralizado de interessados estrangeiros em adoção.” De onde se conclui que sua função é que se evite fraudes ou mesmo que se estabeleça de modo organizado e coordenado um quadro dos estrangeiros interessados e aptos à adoção internacional, facilitando-se todo o processo e fazendo com que ele esteja sob a égide da legalidade.
Conforme visto, o Código Civil e o Estatuto da Criança e do adolescente por muitas vezes chegam a apresentar-se redundantes, uma vez que há a perfeita correspondência, inclusive literal, não raras vezes, de muitos artigos de ambos, senão vejamos:
O artigo 1.618 diz que:
“Só a pessoa maior de dezoito anos pode adotar.
Parágrafo único. A adoção por ambos os cônjuges ou companheiros poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado dezoito anos de idade, comprovada a estabilidade da família.”
A perfeita correspondência do artigo supracitado encontra-se no artigo 42, caput e §2º do ECA.
O mesmo ocorre com os artigos 1.619 e 1.620, cujas redações são: ”O adotante há de ser pelo menos dezesseis anos mais velho que o adotado.” e “Enquanto não der contas de sua administração e não saldar o débito, não poderá o tutor ou o curador adotar o pupilo ou o curatelado”, e que encontram correspondência com o § 3º do artigo 42 e o artigo 44 do Estatuto, respectivamente.
O artigo 1.621 caput e § 1º, prescreve:
“A adoção depende de consentimento dos pais ou dos representantes legais, de quem se deseja adotar, e da concordância deste, se contar mais de doze anos.
§ 1o O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar.”
Tem, aqui, o dispositivo, a equivalência ao artigo 45, caput e §1 e 2º do Estatuto da Criança e do adolescente.
O §2º do mesmo artigo 1.621, contudo, traz o acréscimo da informação de que, no caso do consentimento para a adoção, ele poderá ser revisto pelo pai ou responsável até a data da sentença, sem qualquer prejuízo. Após isso, a adoção é irrevogável, não cabendo retratação de quem a autorizou, conforme o texto: “O consentimento previsto no caput é revogável até a publicação da sentença constitutiva da adoção.”
Outra questão trazida pelo Código Civil é a do caput do artigo 1.622, que reza: “Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se viverem em união estável.”
Do exposto conclui-se que é possível a adoção realizada por uma única pessoa, independentemente, como fora explicitado anteriormente de religião, raça, opção sexual, etc. Ocorre, contudo, que na adoção realizada por um casal, é imprescindível que este possua o animus de constituir família.
É fato que a consolidação de uma família se dá, via de regra, pelo instituto do casamento, já que segundo o artigo 1.511 do Código Civil, “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.” O artigo 1.517 do mesmo diploma legal coloca que são aptos ao casamento homem e mulher (e aqui ele é bastante incisivo quanto à diversidade do sexo para tal concessão) a partir de 16 anos, desde que munidos de autorização dos pais até que atinjam a maioridade. Há também a constituição da família pelas vias da união estável, conforme reza o artigo 1.723:
“É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
Advirta-se que fica comprovada a imperiosa necessidade da diversidade de sexo para a concessão da adoção a um casal, elemento impeditivo, pois, do deferimento de tal instituto a pares homossexuais, muito embora, conforme visto, exista a possibilidade da adoção por pessoa homossexual.
O parágrafo único do artigo em comento, possui a seguinte redação:
“Os divorciados e os judicialmente separados poderão adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal.”
Há, pois, correlação ao também já explanado § 4º do artigo 42 do ECA.
O artigo 1.623 coloca, em seu caput e parágrafo único, respectivamente que:
“A adoção obedecerá a processo judicial, observados os requisitos estabelecidos neste Código.
Parágrafo único. A adoção de maiores de dezoito anos dependerá, igualmente, da assistência efetiva do Poder Público e de sentença constitutiva.”
Contata-se que em todo caso de adoção, ela somente será instituída através de um processo judicial apto, e o deferimento apenas se dará através de sentença constitutiva de adoção, inobstante a concessão de guarda de maneira liminar, quando for o caso. Assim, sendo, a adoção de maior ou menor de idade (nesta última situação, nos casos previstos em lei, haja vista, se tratar de situação excepcional), também há que ser tutelada pelo Estado, com o auxílio de seus órgãos, em especial do Ministério Público, visando a resguardar o efetivo bem do adotando.
O artigo 1.624 tem o seguinte texto:
“Não há necessidade do consentimento do representante legal do menor, se provado que se trata de infante exposto, ou de menor cujos pais sejam desconhecidos, estejam desaparecidos, ou tenham sido destituídos do poder familiar, sem nomeação de tutor; ou de órfão não reclamado por qualquer parente, por mais de um ano.”
Há clara semelhança do supracitado com o artigo 45 do ECA, caput e §1º, sendo que aquele traz o acréscimo da dispensabilidade do consentimento do pai ou do representante legal na situação do menor encontrar-se em situação desfavorável, podendo haver inclusive a perda do poder familiar, nos casos mais graves, nesta ou nas hipóteses já previstas no estatuto, quando não houver a nomeação de um tutor, ou ainda, nos casos dos órfãos não reclamados pela família pelo prazo de um ano. O exposto se dá pelo fato de, nestas circunstâncias, sequer haver a possibilidade de se ouvir os pais ou responsáveis ou quando, em havendo, eles não sejam pessoas adequadas para fazê-lo.
O artigo 1.625 tem sua redação bastante próxima à do já apostilado artigo 43 do Estatuto da criança e do Adolescente, uma vez que coloca: “Somente será admitida a adoção que constituir efetivo benefício para o adotando.”
Já o texto do artigo 1.626 do Código Civil, caput, que é:
“A adoção atribui a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos, salvo quanto aos impedimentos para o casamento.”
Encontra sua perfeita equivalência com o artigo 41, caput, do ECA.
O parágrafo único do mesmo artigo 1.626 prevê:
“Se um dos cônjuges ou companheiros adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou companheiro do adotante e os respectivos parentes.”
É nítida a correspondência do acima exposto com o §1º do artigo 41 do Estatuto.
O artigo 1.627 do Código Civil possui a seguinte redação:
“A decisão confere ao adotado o sobrenome do adotante, podendo determinar a modificação de seu prenome, se menor, a pedido do adotante ou do adotado.”
Há, aqui, analogia com o já exposto §5º do artigo 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente, trazendo o acréscimo da informação de que o prenome do adotando também poderá ser modificado a seu próprio pedido, e não tão-somente a pedido do adotante, como coloca o Estatuto.
Já o artigo 1.628 do mesmo diploma legal reza que:
“Os efeitos da adoção começam a partir do trânsito em julgado da sentença, exceto se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso em que terá força retroativa à data do óbito. As relações de parentesco se estabelecem não só entre o adotante e o adotado, como também entre aquele e os descendentes deste e entre o adotado e todos os parentes do adotante.”
É, pois, fácil compará-lo ao §6º do artigo 47 do ECA, havendo, ao primeiro dispositivo, o acréscimo da ciência de que o parentesco estabelecido na adoção não se restringe às figuras do adotando e do adotante, mas também a todos os familiares deste, como se aquele consangüíneo fosse, colocando, deste modo, um empecilho a eventuais atos discriminatórios dos parentes do adotante para com o infante.
Por fim, o artigo 1.629 do Código Civil, que coloca: “A adoção por estrangeiro obedecerá aos casos e condições que forem estabelecidos em lei”, avalizando, deste modo, a imposição legal evidenciada no Estatuto da Criança e do Adolescente de que o procedimento para a adoção internacional se dá de forma mais complexa e mais assistida que o da adoção comum.
Enfim, por todo o exposto é fácil perceber que de todo o texto legal pertinente, se extrai essencialmente a relevância das atribuições de guardião e de adotante na condução do menor que esteja sob sua proteção. Se extrai, também que, em virtude de tamanha responsabilidade, existe uma fiscalização bastante efetiva para a concessão de ambos institutos, sendo que na adoção a complexidade é ainda maior, uma vez que trata-se de uma atribuição irrevogável, irrenunciável e que só pode ser atribuída por sentença judicial, após superadas todas as etapas de um processo.
2.2 Requisitos Básicos da Adoção
Há que se notar que a adoção constitui um procedimento mais complexo que a concessão de guarda, dada sua irrevogabilidade, irreversibilidade, perpetuidade e o seu caráter de elemento construtor de um vínculo de parentesco, qual seja, a filiação.
Torna-se, pois, previsível a existência de requisitos bem mais minuciosos, rígidos e numerosos para a concessão da adoção a alguém, que para a concessão da simples guarda, conforme exposto sinteticamente a seguir:
No tocante à adoção, Carlos Roberto Gonçalves (2005. P. 103) coloca:
“A partir da Constituição de 1988, passou a constituir-se por ato complexo, a exigir sentença judicial, destacando-se o ato de vontade e o nítido caráter institucional (CF, art. 227, §5º)”
Deste modo, o Código Civil de 2002 arrazoa como principais requisitos para o deferimento da adoção:
1. Possuir, o adotante, a idade mínia de dezoito anos (art. 1.618), uma vez que é, esta idade o marco da aquisição da plena capacidade civil de uma pessoa, pautando-se na presunção de sua maturidade, a ser avaliada em cada caso concreto;
2. Ter, o adotante, uma idade no mínimo dezesseis anos superior à do adotando (art. 1.618), providência, esta, válida para que se mantenha a filiação pela adoção o mais próximo possível da filiação natural. Pelo exposto se conclui ser de dezesseis anos a idade mínima para adotar, desde que este menor o faça conjuntamente com seu cônjuge ou companheiro, que deverá já ter atingido a maioridade civil;
3. Quando conhecidos, os pais ou representantes legais do adotando, desde que não destituídos do poder familiar, na primeira situação, deverão manifestar seu assentimento para com a medida, a fim de que a adoção possa ser efetivamente praticada, o que traz segurança jurídica ao caso, bem como, eleva a um patamar de relevância os direitos de tais pessoas;
4. Deve haver a anuência do menor, na hipótese dele possuir idade superior a 12 anos, uma vez que nessa circunstância, o menor já possui características de personalidade determinantes para a viabilidade da adoção, bem como grau razoável de discernimento a ser levado em conta;
5. O artigo 1.623 também coloca como requisito imprescindível a existência de um processo judicial, iniciado através de um pedido formal à autoridade competente, uma vez que, é através dele que se pode chegar à conclusão mais justa para todas as partes e à mais benéfica para o adotando, avaliando-se criteriosamente as condições psicológicas, financeiras e até questões sociais do adotante;
6. Deve haver, em resumo, um efetivo benefício para a figura do adotando, segundo o artigo 1.625 do Código Civil, já que a prioridade da adoção é o menor e em nenhuma circunstância o adotante, uma vez que o instituto da adoção visa a assegurar ao infante um ambiente saudável e benéfico para que o adotando adquira condições de se desenvolver da melhor maneira;
7. O adotante não pode ser ascendente em qualquer grau ou colateral em segundo grau do adotando, a fim de que não entrem em choque as relações de parentesco entre eles;
8. É imprescindível o denominado estágio de convivência do adotando, exceto se, em adoção comum, ele tiver idade inferior a um ano, a fim de que haja uma adaptação antes da medida definitiva;
9. Por fim, em se tratando de tutor e curador, a adoção só será possível após o fim da administração dos bens do menor, com a devida prestação de contas, para que este tenha seu patrimônio protegido da eventual má-fé de quem na verdade teria a obrigação de proteger-lhes os direitos.
2.3 Paralelo entre Guarda e Adoção
O Estatuto da Criança e do Adolescente assenta, em seu artigo 28:
“A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.”
Isso indubitavelmente traduz um paralelo feito entre os três institutos, pautado essencialmente no dever de proteção e zelo para com o menor.
É nítida, pois, a intenção do legislador de colocar, como já fora dito, sob o mesmo prisma a guarda e a adoção, tratando esta, superficialmente falando, como uma guarda perpétua e com o animus de estabelecer filiação, enquanto aquela se perfaz como um instituto destinado a regularizar a posse que já ocorre de fato por um guardião.
Note que o intuito do legislador tanto na guarda quanto na adoção é oferecer ao adotando as reais vantagens às quais o Código Civil de 2002 e o ECA tanto se reportam, havendo, assim, burocráticos e rígidos requisitos a serem satisfeitos quando da concessão de uma ou de outra medida.
No Brasil, já se pode observar com uma determinada freqüência casos em que o julgador opta por conferir a pessoa homossexual a guarda de um menor, lembrando que essa homossexualidade deve ser encarada como um mero detalhe, e não como um requisito para tal concessão, tampouco como algo determinante, mesmo porque, se assim fosse, essas medidas seriam praticamente inexistentes no Brasil, dado o preconceito existente, bem como o fato do Código Civil que entrou em vigor em 2003 não tutelar as relações homossexuais, muito embora a sociedade anseie por essa evolução.
Neste sentido, José Luís Mônaco da Silva, em sua publicação no jornal “Tribuna do Direito”, edição fevereiro de 2002, p. 36:
“Nem o Código Civil, nem o Estatuto da Criança e do Adolescente, nem outro diploma legal regulam a possibilidade de um homossexual pleitear a guarda de uma criança ou de um adolescente. Em contrapartida, não há nenhum preceito legal vedando, expressa ou implicitamente, o deferimento da medida a homossexuais. Nem mesmo o futuro Código Civil, recentemente sancionado pelo Presidente da República, proíbe a guarda formulada por homossexuais.”
Ainda no concernente à concessão de guarda a homossexuais no Brasil, tal fenômeno se tornou mais conhecido dos populares a partir do caso do menino Chicão, filho da cantora Cássia Eller, homossexual falecida em 2001 vítima de uma parada cardíaca, em que o juiz optou por deferir a guarda do menor à sua companheira em detrimento até mesmo dos demais familiares.
No caso em questão, a referida cantora vivia com seu filho e com outra mulher em uma relação homossexual estável e duradoura, de modo que a criança reconhecia em ambas as atribuições de mãe. Cumpre salientar que tratava-se de um lar harmonioso e que a companheira de Cássia Eller possuía uma vida regrada e equilibrada, fator este determinante para que o magistrado a considerasse em plenas condições de guiar e proteger o menino até que ele atingisse a maioridade civil.
Pelo exposto, pode-se extrair que, havendo um ambiente familiar adequado e uma vida ajustada, nada obsta que um julgador decida por encaminhar um menor aos cuidados de um guardião homossexual, o que, por si só já configura uma presunção de aptidão para educar uma criança por parte do mesmo homossexual.
Outra situação nada infreqüente nos tribunais brasileiros é a da concessão da guarda a pessoa homossexual, que coabita com outra de mesmo sexo, de seus filhos, em caso de separação judicial ou divórcio de seu cônjuge ou companheiro anterior, sempre que estas pessoas demonstrarem maior aptidão para lidar com os menores que o outro pai, normalmente heterossexual.
Note que na situação exposta o julgador é convencido de que deferir a guarda ao pai, mesmo que homossexual e que viva com seu companheiro, é uma alternativa mais benéfica para o infante que mantê-lo com outrem, o que invalida toda e qualquer tese de que a sexualidade, garantia constitucional, prediz o caráter da pessoa ou seu estilo de vida.
O cerne da questão, pois, é demarcar o nebuloso terreno, para não dizer paradoxal, de quais tarefas uma pessoa homossexual é capaz de desempenhar com o aval judicial e quais direitos lhe são tolhidos por razão sua preferência sexual, sendo inevitáveis questionamentos a respeito das justificativas de um homossexual ser idôneo o bastante para ser o guardião de alguém e não idôneo o suficiente para ser adotante, na concepção do julgador. É hesitante a situação de lhes sobrarem, nessa hipótese, sujeições e lhes faltarem prerrogativas.
Neste sentido, Maria Berenice Dias (2008b):
“Na Califórnia, desde meados de 1970, vêm sendo estudadas a prole de famílias não convencionais, filhos de hippies e de quem vive em comunidade ou em casamentos abertos, bem como crianças criadas por mães lésbicas ou pais gays. Concluíram os pesquisadores que filhos com pais do mesmo sexo demonstram o mesmo nível de ajustamento encontrado entre crianças que convivem com pais dos dois sexos. Nada há de incomum quanto ao desenvolvimento do papel sexual dessas crianças. As meninas são tão femininas quanto as outras e os meninos tão masculinos quanto os demais. Também não foi detectada qualquer tendência importante no sentido de que filhos de pais homossexuais venham a se tornar homossexuais. Estudos que datam de 1976 constataram que as mães lésbicas são tão aptas nos papéis maternos quanto as heterossexuais. Com a devida estimulação, por meio de brinquedos típicos de cada sexo, procuram fazer com que os filhos convivam com figuras masculinas com as quais possam se identificar. Não há mostras de que as mães prefiram que os filhos se tornem homossexuais, não havendo sido encontradas evidências de investidas incestuosas para com os filhos. Igualmente não foram detectadas diferenças na identidade de gênero, no comportamento do papel sexual ou na orientação sexual da prole. Todas as crianças pesquisadas relataram que estavam satisfeitas por serem do sexo que eram, e nenhuma preferia ser do sexo oposto. O estudo conclui: A criação em lares formados por lésbicas não leva, por si só, a um desenvolvimento psicossocial atípico ou constitui um fator de risco psiquiátrico.”
2.4 Casos Práticos de Concessões a Homossexuais
Hodiernamente muitos tribunais, especialmente no estado do Rio Grande do Sul, onde houve pioneirismo, fazem concessões a homossexuais, seja de guarda, tutela, curatela, ou até mesmo de adoção, uma vez que, para tal instituto não há vedação legal.
Há, verdadeiramente, uma legislação lacunosa a ser aplicada ao caso concreto pelos magistrados, e aí reside o problema de, via de regra, eles serem extremamente tradicionalistas ao preferirem manter crianças em situações desastrosas para elas que deferir suas guardas a casais interessados, mas que sejam homossexuais.
Anna Paula Uziel (2007, p.138) coloca:
“No entanto, apesar de todas essas dificuldades, na comarca do Rio de Janeiro, processos de adoção com a orientação homossexual revelada são deferidos. Essa constatação, obtida através da análise dos processos, sugere uma complexidade no âmbito do cruzamento entre parentalidade e orientação sexual.”
Pereira apud Chiarini Júnior (2008, p.08):
“Salientam as autoridades que ‘o receio dos tribunais que as crianças possam ser sexualmente molestadas, confundidas na identidade sexual ou na escolha do objeto, ou sofram estigmatizações, surgiu de suposições sem uma base de dados concreta. […] Pelas medidas obtidas, nenhuma evidência é encontrada de dificuldade no desenvolvimento, perturbações do gênero sexual, ou desenvolvimento de homossexualidade na infância dessas crianças” (trechos do livro “A sexualidade vista pelos Tribunais” extraídos da sentença de 1º instância do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – MM Juiz de Direito Substituto Luiz Felipe Brasil Santos, processo nº 012890981497, cujo teor era a concessão da guarda de um menor a mãe homossexual).”
No que se refere à concessão de guarda, temos:
Ainda no tocante às decisões dos Tribunais, temos:
“APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME.”
Há que se expor, também, um julgado considerado um dos precursores no referente à adoção por homossexuais no Brasil:
“ADOÇÃO DE ADOLESCENTE COM DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER – O pedido inicial deve ser acolhido porque o Suplicante demonstrou reunir condições para o pleno exercício do encargo pleiteado, atestado esse fato, pela emissão de Declaração de Idoneidade para a Adoção com parecer favorável do Ministério Público contra o qual não se insurgiu no prazo legal devido, fundando-se em motivos legítimos, de acordo com o Estudo Social e parecer psicológico, e apresenta reais vantagens para o Adotando, que vivia há 12 anos em estado de abandono familiar em instituição coletiva e hoje tem a possibilidade de conviver em ambiente familiar, estuda em conceituado colégio de ensino religioso e freqüenta um psicanalista para que possa se adequar à nova realidade e poder exercitar o direito do convívio familiar que a CF assegura no art. 227. JULGADO PROCEDENTE O PEDIDO NA INICAL. 1ª VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DO RIO DE JANEIRO – PROCESSO Nº 97/1/03710-8/ JUIZ SIRO DARLAN DE OLIVEIRA. Julgado em 20 de agosto de 1998.”
Observe-se que o exposto apenas vem a corroborar com a idéia de não serem raros os casos em que a um homossexual é delegada a incumbência de gerir a vida de um menor, seja pelo instituto da guarda, mais usual em nossos tribunais, seja até mesmo pelo instituto da adoção.
Quanto ao último instituto, fato que também teve grande repercussão e publicidade foi o deferimento do pedido elaborado pelos cabeleireiros homossexuais Vasco Pedro da Gama e Júnior de Carvalho de que seus nomes fossem inclusos no registro de nascimento da menina Theodora como pais legítimos.
O incidente ocorreu na cidade de Catanduva, Estado de São Paulo, em janeiro de 2007, porém, desde dezembro de 2005, Vasco da Gama era o adotante legal da criança, tendo, em abril do ano seguinte, apenas ingressado com uma ação judicial em conjunto com seu parceiro, solicitando o reconhecimento da paternidade deste. O pedido foi deferido pela Justiça de Catanduva, e não tendo, o Ministério Público, recorrido da decisão, esteve nitidamente configurado um caso de adoção por par homoafetivo no Brasil.
2.5 Paralelo entre famílias monoparentais e pares homossexuais
A vida moderna, regida pelos anseios por conquistas profissionais tornou as pessoas mais independentes e reduziu sensivelmente a constituição das famílias, que, de numerosas passaram a ter um pequeno número de membros.
Há, ainda, situações em que uma pessoa opta por constituir sua família sem a presença de cônjuge ou companheiro, o que na verdade tem se revelado uma tendência da sociedade moderna.
As evoluções sociais, baseadas nos costumes que dirigem os anseios sociais são responsáveis por todo o sistema jurídico e legislativo de um povo, uma vez que as normas jurídicas nada mais são que a formalização sob o ponto de vista legal de questões já bastante almejadas pela sociedade.
Nesse sentido, é consistente a afirmação de que o reconhecimento e a tutela das famílias monoparentais, ou seja, aquelas famílias onde só há a presença de um dos progenitores, é um fenômeno inicialmente apenas social, com posterior conseqüência jurídica, qual seja, o reconhecimento, pela Constituição Federal e posteriormente pelo Código Civil, de sua validade.
Reza, o artigo 226 da Constituição Federal de 1988, em seu caput e parágrafo 4º que:
“A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
§ 4º do mesmo artigo, por sua vez, enuncia: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”
Tais famílias podem se consolidar através de diversos mecanismos, tais como:
1. Filiação natural decorrente de conjunção carnal, quando um dos genitores opta por conduzir de forma independente e exclusiva (e muitas vezes até sem o conhecimento do outro) a função de pai ou mesmo por falecimento do outro progenitor;
2. Filiação natural decorrente de inseminação artificial, uma vez que a doação do material genético ocorre de forma sigilosa;
3. Filiação constituída por meio de adoção, precedida de um processo judicial e devidamente concedida por sentença, estando presente o Ministério Público, em todo o procedimento, atuando como custus legis.
Ora, há que se advertir que inexiste, como se pode perceber, qualquer impedimento para que uma mulher homossexual opte por fazer um procedimento de inseminação artificial a fim de gerar um filho, mesmo que coabite com outra pessoa em relação homoafetiva, de forma que é bastante antagônico o fato de tais pessoas, não podendo arcar com o custo da intervenção, ou não optando por ela como forma de constituir sua prole, venham a adotar um menor, ainda que demonstrem toda a aptidão para fazê-lo, devendo, pois haver uma reavaliação jurídica de tais determinações.
No concernente às famílias monoparentais, note que o menor tem como referência em seu lar apenas um dos sexos, qual seja, o de quem exerce sobre ele o poder familiar, e não de ambos, como ocorre nas famílias tradicionais.
Contudo, não há que se falar em uma predisposição de uma criança que conviva apenas com um dos sexos à homossexualidade, mesmo porque o fenômeno das famílias monoparentais é extremamente freqüente na sociedade contemporânea, não havendo nenhuma constatação de maior incidência de homossexualidade em tais famílias.
Por essa ótica já se detecta que a opção sexual de cada um, que é uma garantia constitucional, se deve a fatores extremamente subjetivos, não sendo, pois, fundamentada no fato da pessoa quando criança apenas possuir contato com um dos sexos. Se assim não fosse, não se conceberia a existência de filhos homossexuais em famílias de constituição heterossexual.
Inexiste, sob o ponto de vista legal, qualquer distinção entre o filho biológico e o filho adotado. No seu artigo 1.596 do Código Civil diz que:
“Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
Assim devem, ambos, ser dedicada toda a proteção do Estado, lhes sendo conferido um lar salubre, harmonioso e um ambiente adequado ao seu bom desenvolvimento, de onde, observando-se o acima exposto, se extrai a conclusão de que, existindo a presunção deste ambiente benéfico nos casos de inseminação artificial por pessoa homossexual, bem como nos casos de concessão de guarda e de famílias monoparentais, não há o porquê da mudança das regras ao se tratar do instituto da adoção.
3 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E HOMOSSEXUALIDADE
3.1 União estável e adoção por pares homossexuais
A evolução social, fator determinante da evolução legislativa, já reconhece situações ainda não abordadas pelo direito positivo, tais como a união estável homossexual e conseqüentemente o direito à adoção por parte dos casais homossexuais, fundado em muito no fato de que todos, indistintamente, possuem a prerrogativa de constituir suas proles da maneira que mais lhe for conveniente (seja por adoção ou por filiação natural), observada, obviamente, a razoabilidade.
Sabe-se que a sociedade evolui dando margem ao avanço legislativa, de modo que, o reconhecimento por parte das pessoas, da existência do instituto da união estável em se tratando de casais gays abre precedente para que a lei alcance aos homossexuais, reconhecendo o já falado instituto da união estável, seja para fins previdenciários, seja até mesmo para os fins de adoção aqui tratados.
Nesse sentido, deve ser observado que há doze anos tramita, no Congresso Nacional, um projeto de lei que regulamenta a união homossexual, embora nunca sequer tenha sido votado, qual seja, o Projeto de Lei Federal nº 1.151, de autoria da então deputada, Marta Suplicy, mas que traduz de forma precisa a imperiosa necessidade da regulamentação de tal questão, já demonstrada com bastante ênfase pela sociedade.
Ocorre, porém que, enquanto há demora na regulamentação de tais questões, muitas relações deixam de ser tuteladas pelo Estado, correndo-se o risco do cometimento de grandes injustiças, especialmente no tocante às questões patrimoniais e na ora abordada questão da adoção.
Estima-se que no Brasil, onde se sedia a segunda maior Parada do Orgulho Gay do mundo, exista cerca de seis milhões de homossexuais, porém apenas nos últimos anos se começou a fazer uma abordagem efetiva do tema “famílias homoparentais”, dando-se a elas a visibilidade muitas vezes engolida pelo preconceito, muito embora elas não sejam nenhuma novidade cultural e sempre tenham existido.
Sobre união estável, temos:
“Art. 1.723, Código Civil: É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
Note que o supracitado artigo é bastante incisivo ao colocar a diversidade de sexos para a configuração da união estável.
Nesse sentido, Guilherme Calmon Nogueira (2001, p. 544):
“União sexual que jamais ensejará a configuração do companheirismo é a relação mantida entre pessoas do mesmo sexo, ainda que duradoura, contínua, única e informal.’
Note que o posicionamento de tal douto reflete uma postura um tanto quanto radical, uma vez que não considera a própria existência de julgados em volume significante no sentido de beneficiar as uniões homoafetivas, especialmente no que concerne a questões previdenciárias.
Mais razoável, portanto, é o posicionamento de MARIA BERENICE DIAS (200, p. 87):
“Simplesmente encobrir a realidade não irá solucionar as questões que emergem quando do rompimento das relações que, mais do que a sociedades de fato, constituem sociedades de afeto, o mesmo liame que enlaça os parceiros heterossexuais. Necessário é encarar a realidade, pois descabe estigmatizar quem exerce orientação sexual diferente.”
É bem verdade que não se pode avaliar as relações homoafetivas de maneira categórica, uma vez que mais que em qualquer outra situação, há nelas enorme mutabilidade sob o aspecto evolutivo e mais que nunca as próprias decisões dos tribunais vêm a constatar isso.
Já no que se refere à adoção, reza, o artigo 1.622 do Código Civil vigente: “Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se viverem em união estável.”
Deste modo, observa-se pelo exposto que o único dispositivo que assume um caráter mais próximo da vedação legal no sentido da adoção homossexual é o artigo em tela, já que ele impõe a necessidade de que o par adotante seja oficialmente casado (salvo a situação dos separados judicialmente quando o convívio com a criança se der ainda na constância do casamento) ou viva em união estável e, como às relações homoafetivas não tocam esses institutos, em tese, estariam, estes casais excluídos da possibilidade de adoção.
É fato que inexiste qualquer relação entre um ambiente homossexual e uma vida reprovável, especialmente quanto às crianças. O próprio Código Civil de 2002 coloca que para que se proceda com a adoção basta que o par, casado ou em união estável preencha aos requisitos legais, podendo, ainda, ser deferida, a adoção a pessoa solteira.
Note que nem mesmo em lares constituídos por pessoas gays se detectou qualquer anomalia dos filhos com relação aos filhos das famílias ditas “normais”. Ao contrário, não há qualquer distinção entre as proles nas duas situações abordadas.
Nesse sentido, trecho de ementa oficial do TJRJ – AC 14.332/98 – Rel. Des. Jorge de Miranda Magalhães.
“A afirmação de homossexualidade do adotante, preferência individual constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro e capaz de deformar o caráter do adotado…”
Do acima exposto se conclui que, na hipótese do enquadramento de uniões homoafetivas em uniões estáveis tradicionais, tem-se suprido, todos os requisitos quando da concessão da guarda de um menor a um par homossexual, uma vez que, estando configurada tal união e inexistindo expressa vedação legal à adoção por pessoas do mesmo sexo, não resta qualquer outro empecilho a tal medida.
Sobre o acima exposto, Maria Berenice Dias (2008b) elenca:
“O art. 28 do indigitado Estatuto permite a colocação no que chama de ‘família substituta’, não definindo qual a conformação dessa família. Limitou-se a lei, em seu art. 25, a conceituar o que seja família natural: ‘Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais, ou qualquer deles, e seus descendentes’. Diante da especificidade dessa definição, não se pode ter por coextensivos esses conceitos: que a família substituta deva ter a mesma estrutura da família natural. Sob esse enfoque, não há vedação para um casal homossexual ser reconhecido como uma família substituta apta a abrigar uma criança. A única objeção que ainda poderia ser suscitada emerge da dicção do art. 29 do diploma menorista: ‘Não se dará a colocação em família substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado’. Porém, a priori, não se pode declarar ser o ambiente familiar inadequado com a natureza da medida ou que a relação afetiva de duas pessoas do mesmo sexo seja incompatível. Dita postura revela-se nitidamente preconceituosa, e, conforme lembra Delma Ibias, as relações homoafetivas assemelham-se ao casamento e à união estável, devendo os julgadores atribuir-lhes os mesmos direitos conferidos às relações heterossexuais, dentre eles o direito à guarda e à adoção de menores.”
3.2 Fraudes à legislação
Sabe-se que diversas são as vedações que tocam o instituto da adoção, o que se dá como medida de absoluta cautela quando da delegação das responsabilidades de um menor como filho a outrem.
Ocorre que, como se sabe que em uma sociedade onde há muitos anseios e poucas concessões, não é incomum surgirem conflitos quando da obediência às normas, o que, ao se tratar do tema adoção, não ocorre de maneira diversa.
Cumpre, pois, ressaltar as hipóteses de fraudes à legislação que ocorrem com maior freqüência e que por isso adquirem maior notoriedade, ou seja, trataremos das adoções que são deferidas indevidamente, exemplificando-as, senão vejamos:
A situação mais comum de adoção configurada em circunstâncias divergentes com a legislação se dá no que o Código Civil de 1916 denominava de adoção simulada, que se perfaz quando um casal ou mesmo uma pessoa sozinha cuida de filho de outrem (normalmente recém-nascido) com a devida autorização dos pais biológicos, tomando-lhe como seu filho, através da adoção.
Ocorre que a situação em tela não faz configurar o crime de falsidade ideológica, de acordo com o STF, dada sua enorme difusão, bem como a inexistência do dolo específico, uma vez que, não é intenção do “agente” tomar o filho de outrem, mas tão somente dar-lhe um lar digno, o que pode ser visto até como uma postura altruísta.
Hodiernamente o Código Penal coloca que na situação de adoção simulada, o juiz deixará de aplicar a pena. No tocante à seara civil, a não punição pelo ato é expressa na decisão do STF (RTJ, 61:745) de que não se anule o registro de nascimento do menor adotado em tais circunstâncias.
Outra situação um tanto quanto conhecida do grupo social é a da adoção, pautada na omissão, pelo adotante, de sua homossexualidade e, muitas vezes, até de sua coabitação com pessoa de mesmo sexo.
Deste modo, o magistrado quase sempre defere a adoção, por ignorar este fato “relevante” em decorrência da providência do adotante para que isso não seja juridicamente conhecido.
Ocorre que nos casos em que se dá tal ocorrência, acaba por se configurar, em termos práticos, adoções por pares homossexuais, com a peculiaridade de não haver, nelas, um acompanhamento efetivo em todos os seus termos, por profissionais habilitados para este caso concreto, de onde se origina o polêmico questionamento de ser ou não mais acertado a própria permissão legal, como meio de se impor a assistência adequada a cada caso.
Para alguns, tem-se, pois, no supracitado, um caso de falsidade ideológica, definido no artigo 299 do Código Penal, cujo conteúdo é:
“Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa, se o documento é particular.”
Ocorre que, conforme visto, não é requisito imprescindível para a adoção, a heterossexualidade, o que reveste a interpretação do tipo penal em tela, de subjetivismo, pautado na dispensabilidade ou não de tal declaração, bem como de atribuir-lhe ou não relevância.
Por fim, outra situação que ocorre com uma certa freqüência dentro das estatísticas nacionais, é a do adotante concorrer à adoção em conjunto com outrem de sexo oposto, forjando consistirem um casal apenas para que o deferimento da adoção se dê com maior facilidade.
Ocorre, na hipótese elucidada, que o magistrado em regra concede a adoção à pessoa que simula a existência de uma relação conjugal com outra de sexo diverso, por desconhecer, em realidade, de sua opção sexual e de seu estilo de vida, o que faz configurar um delito por parte do adotante, qual seja, falsidade ideológica, de acordo com o artigo 299 do Código Penal.
Contudo, nas duas últimas situações abordadas, a retirada da criança do seio familiar após longo convívio, o que ocorre em raras situações, haja vista, a enorme dificuldade de se detectar as simulações efetuadas, se dá de forma bastante traumática, especialmente para o menor, que inevitavelmente cria vínculos afetivos com o adotante, independentemente de sua orientação sexual.
Eis, pois, que pelo exposto, surge um argumento a mais em prol da defesa da concessão da adoção a pares homoafetivos, visando-se, assim, a resguardar não só o perfeito cumprimento da legislação pátria, como também o próprio bem-estar do menor adotando.
Deve ser ressaltado que a Câmara dos Deputados, no ano de 2007, deu uma grande indicação do encaminhamento do reconhecimento de casais homossexuais como uma família no momento em que a Comissão Especial da Lei de Adoção aprovou a criação de dois grandes cadastros nacionais: um de pretensos adotantes e um de menores em condições de adoção, inexistindo, no primeiro cadastro, distinções quanto à sexualidade dos casais, o que indubitavelmente dá margem à abertura da inscrição de pares homossexuais como interessados na adoção.
Entretanto, a questão deve ser avaliada com cautela excessiva, ante os conflitos sociais que sempre decorrem de mudanças bruscas, bem como o que verdadeiramente constitui um benefício para o menor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A homossexualidade foi retirada do “Manual Estatístico e Diagnóstico de Doenças Mentais” no ano de 1973, quando passou a não mais ser considerada uma patologia.
Até então, tal orientação sexual era considerada um grave distúrbio, devendo ser chamada de “homossexualismo”, uma vez que o sufixo “ismo” é o responsável por exprimir a idéia de doença, de onde se conclui que a sexualidade diversa dos padrões sociais sempre foi alvo de um preconceito desproporcional e declarado, o que em muitos grupos chega ao extremo de figurar como aversão.
Ocorre, contudo, que em um grupo social nenhuma questão é tratada com unanimidade absoluta, e que, portanto, no que tange à homossexualidade, há as mais diversas controvérsias.
Há, pois, por outro lado, um claro anseio social no sentido de se conferir aos homossexuais maiores prerrogativas, comportamento externado através de manifestações largas em movimentos organizados, da exibição em telenovelas de pares homoafetivos (bem como de questões envolvendo paternidade desses pais e configuração de união estável) e também do grande aval popular encontrado quando da tomada de decisões favoráveis a tais pares pelos tribunais.
Conforme exposto anteriormente, é bem verdade que inexiste expressa vedação legal à adoção por casais homossexuais, porém, deve ser destacado que tal vedação é oriunda não raras vezes do próprio conservadorismo de alguns segmentos da sociedade, e aqui incluem-se indubitavelmente alguns magistrados.
Por outro lado, há que se notar que constitui verdadeira insensatez vedar tal hipótese de adoção quando muitas vezes sequer existem outras perspectivas para o menor abandonado.
Sabe-se que sempre que a lei for omissa, como ocorre na questão abordada, busca-se a integração através da Analogia, dos Princípios Gerais do Direito e dos Costumes, conforme reza o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, senão vejamos: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”. O artigo 5º do mesmo dispositivo legal coloca: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”
Assim, partindo-se para uma análise pautada nos artigos supracitados, conclui-se ser, a adoção por homossexuais análoga à adoção por heterossexuais, devendo, pois, ser tratada de maneira similar a esta, haja vista, não ser a orientação sexual, requisito constante no ordenamento jurídico para o deferimento de adoções e não havendo qualquer outra distinção entre ambas as situações.
Mais nítida ainda é a análise do instituto da adoção, na peculiar situação ora abordada, à luz dos costumes, uma vez que, tais costumes nada mais são que a exteriorização da consciência social no sentido de atribuir um conceito a determinado fato, devendo ser frisado que tem-se constatado um conceito popular favorável à adoção na situação em foco.
Por fim, pelos princípios gerais do direito, há amparo à adoção por homossexuais, já que deve ser pujante, aqui, o fundamento na isonomia, na legalidade e na não-discriminação em virtude de orientação sexual, de acordo com a Carta Magna, o que, em outros termos, veda distinções entre as adoções mencionadas.
É fato que nenhuma concessão de tamanha relevância pode ser atribuída a alguém de maneira leviana, porém, sempre que o adotante preencher todos os requisitos dispostos em lei, bem como manifestar inequívoca vontade de adotar e plenas condições de fazê-lo, o julgador deve avaliar cautelosamente o pedido, analisando também, despido de qualquer preconceito quais outras expectativas aquele infante teria na hipótese de não se conceder a adoção pleiteada.
Conforme enfatizado, há uma notória agitação social em favor de uma maior liberdade no tocante à orientação sexual (e aqui se englobam seus fatores decorrentes, tais como reconhecimento de união estável e a adoção, esta, objeto do presente estudo), tramitando, inclusive, no Congresso Nacional, um projeto de lei que trata a homofobia como crime em parâmetros semelhantes aos do crime de racismo.
O acima abalizado traz a inequívoca certeza de que a evolução social, fruto do lapso temporal, trará, de forma inquestionável e em um futuro próximo, um verdadeiro clamor popular no sentido de que não mais se deixe de colocar menores que vivam situação propensa à adoção, em lares, ainda que com pais homossexuais, já que não fazê-lo por puro tradicionalismo constitui prejuízo incomensurável à figura do menor.
Há ainda que se falar que hodiernamente há uma vasta difusão das explanadas fraudes à legislação no tocante à adoção por pares homossexuais, fator preocupante ante as conseqüências jurídicas trazidas pelo não cumprimento em massa de uma imposição legal, o que, noutro momento, pode gerar o desuso absoluto da lei, a exemplo do que houve com o adultério, só recentemente descriminalizado.
Nesse diapasão, urge uma revista na legislação pátria, a fim de que ela possa atender à risca a todas as necessidades sociais, especialmente no tangente a crianças e adolescentes, objetos centrais da tutela estatal.
De fato inexiste verdade absoluta quando se tem sob o foco uma questão polêmica como a ora abordada, porém, deve ser destacado que exatamente por não existir um consenso irrestrito, não se pode atribuir a situações peculiares conceitos preestabelecidos, sob pena da tomada de decisões censuráveis e prejudiciais.
Em verdade, o pensamento imperante deve ser o de que o Direito deve ser atingido em todos os seus fins, buscando-se, pois, à solução mais justa e benéfica para o caso concreto e, principalmente, avaliando-se as dimensões atingidas por cada medida, o que, nas situações oportunamente abordadas tem o significado de ponderação no sentido de se detectar, primordialmente, se diante do quadro social contemporâneo é revestido de mais valia destinar um lar harmonioso a uma das inúmeras crianças que encontrem-se em situação degradante, ainda que constituído por homossexuais, ou “preservar-lhes” do convívio com tais pessoas, pelo receio de que estas lhes tragam prejuízos, ainda que tenham uma reputação ilibada e condições de oferecer-lhes reais e efetivas perspectivas de vida digna.
Mestre em Políticas Públicas –UFPI. Especialista em Gestão Pública. Especialista em Direito Civil. Professor de Direito. Bacharel em Direito e Licenciado em Letras.
Doutora em Serviço Social –UFRJ e Doutora em Sociologia –UFPE – Coordenadora do Mestrado em Políticas Públicas da UFPI
Advogada e Professora de Direito
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