Resumo: O presente trabalho tratará de uma análise, sob aspectos jurídico e psicológico, da Lei nº 12.318/2010 (Lei da Alienação Parental). Para tanto, estabelecerá a correlação da Alienação parental no contexto das separações e disputas de guarda, bem como o perfil do alienador, as consequências psicológicas da síndrome nas crianças envolvidas nas contendas entre seus pais, as consequências ao pai/mãe-alvo da alienação, e as sanções legais ao alienador.
Sumário: I – Contextualização legal. II – O que é a Síndrome de Alienação Parental (SAP). III – Quem é o alienador? IV – Prejuízos psicológicos às crianças. V – Falsas acusações de abuso sexual. VI – Postura do psicólogo na avaliação da Alienação Parental. 1. “Separando o joio do trigo”: alguns indícios de que uma acusação de abuso sexual possa ser falsa. 2. Bom senso, prudência, sabedoria e informação. VII – Sanções penais. VIII – Vetos presidenciais. IX – Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
I – Contextualização legal:
Após longos anos de espera, finalmente foi aprovada em 26/08/2010 (véspera do Dia do Psicólogo), a Lei nº 12.318/2010, que trata da Alienação Parental. A proposta inicial havia partido do dr. Elízio Luiz Perez, Juiz do 2º TRT de São Paulo, e após consultas a profissionais e pessoas que também vivenciam a alienação, e tornou-se o Projeto de Lei nº 4.053/2008, de autoria do Deputado Régis de Oliveira (PSC-SP); ao ser aprovado por unanimidade na Câmara, seguiu para o Senado, onde tornou-se o PLC nº 20/2010, tendo como relator o Senador Paulo Paim (PT-RS), e também foi aprovado naquela Casa na íntegra. Porém, o texto final aprovado pelo Presidente Lula teve dois artigos vetados, que serão vistos adiante.
Conforme o art. 2º da Lei nº 12.318/2010, “Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”, e seus incisos apresentam alguns exemplos de condutas que podem caracterizar o ato, como realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade, impedir o pai/mãe não-guardião(ã) de obter informações médicas ou escolares dos filhos, criar obstáculos à convivência da criança com o pai/mãe não-guardião(ã) e familiares deste(a), apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar sua convivência com a criança ou adolescente, ou mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
O artigo 3º da Lei equipara a alienação parental a abuso moral contra a criança/adolescente, ao prejudicar a convivência social e afetiva desta com o grupo familiar pelo descumprimento dos deveres da guarda parental. Devido à manipulação emocional do alienador sobre a criança, fragilizando seu psiquismo, SILVA (2009, (a)) inclui a SAP dentre as vitimizações psicológicas.
Importante: A Lei da Alienação Parental será aplicada a todos os processos em andamento, e não apenas a processos protocolados a partir da assinatura presidencial. Processos com sentença negando a alienação ou punição quando a alienação for existente poderão ser reabertos ou peticionar novos processos.
II – O que é a Síndrome de Alienação Parental (SAP):
Conforme o conceito de seu pesquisador, o psiquiatra estadunidense Richard A. Gardner (1985 e ss),
“A síndrome de alienação parental (SAP) é uma disfunção que surge primeiro no contexto das disputas de guarda. Sua primeira manifestação é a campanha que se faz para denegrir um dos pais, uma campanha sem nenhuma justificativa. É resultante da combinação de doutrinações programadas de um dos pais (lavagem cerebral) e as próprias contribuições da criança para a vilificação do pai alvo.”
Mesmo depois de mais de um ano de aprovação da Lei nº 11.698/08 (Guarda Compartilhada), ainda existem pais/mães contrários à aplicação da Guarda Compartilhada aos seus casos concretos, e lançam mão dos recursos da Alienação Parental de manipular emocionalmente seus filhos menores para que passem a odiar o outro pai/mãe, com argumentos inverídicos mas suficientemente graves e convincentes para mobilizar as autoridades para impedir as visitas (e até, suspender o poder familiar, anterior “pátrio poder”), com acusações de agressão física ou molestação sexual, procedentes ou não. Além de ser um entrave à aplicabilidade da Guarda Compartilhada, será uma manobra sórdida para afastar o outro pai/mãe do convívio, objetivando a destruição definitiva dos vínculos parentais – causando graves prejuízos psíquicos aos filhos e a desmoralização do pai/mãe acusado e excluído.
A Alienação Parental (AP) é uma patologia psíquica gravíssima que acomete o genitor que deseja destruir o vínculo da criança com o outro, e a manipula afetivamente para atender motivos escusos. Quando a própria criança incorpora o discurso do(a) alienador(a) e passa, ela mesma, a contribuir com as campanhas de vilificação do pai/mãe-alvo, instaura-se a Síndrome de Alienação Parental (SAP)[1]. A Alienação Parental deriva de um sentimento neurótico de dificuldade de individuação, de ver o filho como um indivíduo diferente de si, e ocorrem mecanismos para manter uma simbiose sufocante entre mãe e filho, como a superproteção, dominação, dependência e opressão sobre a criança. A mãe acometida pela AP não consegue viver sem a criança, nem admite a possibilidade de que a criança deseje manter contatos com outras pessoas que não com ela. Para isso, utiliza-se de manipulações emocionais, sintomas físicos, isolamento da criança com outras pessoas, com o intuito de incutir-lhe insegurança, ansiedade, angústia e culpa. Por fim, mas não em importância ou gravidade, pode chegar a influenciar e induzir da criança a reproduzir relatos de eventos de supostas agressões físicas/sexuais atribuídas ao outro genitor, com o objetivo único (da mãe, é claro!) de afastá-lo do contato com a criança. Na maioria das vezes, tais relatos não têm veracidade, dadas certas inconsistências ou contradições nas explanações, ou ambivalência de sentimentos, ou mesmo comprovação (por exemplo, resultado negativo em exame médico); mas se tornam argumentos fortes o suficiente para requerer das autoridades judiciais a interrupção das visitas e/ou a destituição do poder familiar do “suposto” agressor (o outro genitor).
Geralmente a SAP eclode após a separação, quando há disputa de guarda, regulamentação de visitas, em que o pai/mãe-alvo reivindica aumento de convívio com os filhos. Mas, pode surgir também durante a convivência marital, através de atitudes e palavras de um dos pais para desqualificar e desautorizar o outro na frente dos filhos.
III – Quem é o alienador?
Na maioria das vezes, dado o elevado índice de guardas de menores concedidas às mães (cerca de 95 a 98% no Brasil, segundo dados do IBGE), o alienador é a mãe, por ser a detentora da guarda monoparental, tem mais tempo para ficar com a criança, está movida pela raiva e ressentimentos pelo fim do relacionamento conjugal, e mistura sentimentos. Mas, o alienador pode ser também: avós, familiares, padrasto/madrasta, o pai, amigos, que manipulam o pai/mãe contra o outro para envolver o(s) filho(s) menor(es) na rejeição ao outro pai/mãe.
O(a) alienador(a) age desta forma sórdida devido ao seu perfil psicológico:
– Papel de “vítima” perante os outros (profissionais, amigos, Judiciário);
– Esquizo-paranoide: faz uma divisão rígida das pessoas em “boas” (a favor dela) e “más” (contra ela), e sente-se perseguida, injustiçada, indefesa;
– Psicopata: não sente culpa ou remorso; não tem a mínima consideração pelo sofrimento alheio – nem dos filhos -, e não respeita leis, sentenças, regras
Os casais utilizam-se dos recursos judiciais para atacarem um ao outro, pois não se sentem capazes de lidar com os conflitos diários da convivência íntima nem de interrompê-los, preferindo mantê-los à distância através do Judiciário, processos judiciais e advogados (o denominado “luto patológico”, uma elaboração inadequada do luto, que o torna prolongado e doentio, um tipo de distúrbio que não pode ser resolvido apenas por meras mudanças no procedimento legal, e sim mediante intervenções terapêuticas). Essa é uma utilização inadequada das leis e do sistema judiciário, porque a função original destas últimas é estabelecer regras de convivência e de procedimentos, e proteger os cidadãos, mas se tornam um instrumento de manutenção de vínculos neuróticos – assim, o casal estaria servindo-se do sistema jurídico para não modificar as leis internas (patológicas), apesar da separação.
Pode-se considerar que esses conflitos neuróticos que permeiam o inconsciente comum do casal (e que podem influenciar também na maneira como ocorre a separação), sirvam de modelo também aos filhos, através da manutenção dos pactos de lealdades destes com seus pais (e/ou com um deles), e desencadeiem dificuldades de relacionamento com o(a) pai(mãe) até que este(a) seja excluído(a) da relação. A criança, envolvida pela simbiose do(a) genitor(a) alienador(a), assimila também suas dificuldades afetivas contra o(a) genitor(a) alienado(a), formando uma triangulação familiar; mais tarde, forma-se nova triangulação, em que a criança, unida simbioticamente (da simbiose, o tipo de vínculo de dependência extrema, que impede o outro de ser o que é mesmo) ao(à) genitor(a) alienador(a), demanda ações judiciais contra o(a) genitor(a) alienado(a), de execução de pensão alimentícia ou acusações (geralmente, falsas) de abuso sexual para destituir-lhe o poder familiar e assim excluí-lo(a) do vínculo, e o Judiciário passa a ocupar o terceiro vértice do triângulo, e passa a ser um mero instrumento de manipulação do(a) alienador(a) para outorgar a Alienação Parental por sentença (de destituição do poder familiar, ou de restrição de horários de visitas, ou ainda de regimes de visitas em locais inadequados como o Visitário Público do Tatuapé monitoradas por equipes técnicas despreparadas). Pergunta-se: quantos casos tiveram esse desfecho, sem a menor necessidade?
Tabela – Representação gráfica das triangulações que ocorrem na Alienação Parental. O quadro da esquerda mostra a aliança simbiótica com que o(a) alienador(a) envolve a criança, para opor-se ao(à) outro(a) genitor(a) para que se afaste do convívio. O quadro da direita mostra a triangulação com a qual a criança, movida pelos interesses do(a) genitor(a) alienador(a), ingressa com ações judiciais (especialmente naquelas em que a criança é autora, pólo ativo da demanda), com acusações contra o(a) genitor(a) alienado(a) para excluí-lo(a) definitivamente do convívio, desta vez utilizando-se da sentença judicial para consolidar a destruição dos vínculos.
IV – Prejuízos psicológicos às crianças:
A vinculação simbiótica entre a criança e o(a) alienador transforma-a em um estado semelhante ao de uma criança psicótica: o(a) alienador(a) fala, faz e decide tudo por ela; não tem autonomia, independência; assume o discurso do alienador (fenômeno do “pensador independente”); e sua consciência de tudo o que aconteceu, se surgir, será ausente ou tardia.
Em entrevista ao TJ-MS, o Juiz titular da 1ª Vara de Família de Campo Grande, David de Oliveira Gomes Filho, em geral, de cada 10 processos de separação envolvendo guarda dos filhos em três é possível perceber a prática deste comportamento que agora tem previsão legal para punição. Afirma ele também:
“Estas crianças herdam os sentimentos negativos que a mãe separada ou o pai separado sofrem. É como se elas, as crianças, também tivessem sido traídas, abandonadas, pelo pai (ou mãe). Com isto, um ser inicialmente mais puro (criança) passa a refletir os sentimentos negativos herdados. Tendem, em um primeiro momento, a se reprimir, a se esconder, perdem o foco na escola, depois se revoltam, criam problemas na escola ou no círculo de amizades. Com o tempo, passam a acreditar que o pai (ou mãe) afastado é realmente o vilão que o guardião pintou. Sentem-se diferentes dos amigos, um ser excluído do mundo, rejeitado pelo próprio pai (ou mãe). Alguns repetem as frustrações amorosas dos pais na sua vida pessoal. Outros não suportam os sentimentos ruins e partem para o álcool ou coisa pior. A formação daquela criança passa a contemplar um vazio, uma frustração que não a ajudará no futuro. Outros, finalmente, ao crescerem e reencontrarem o pai (ou mãe) afastado, percebem que foram vítimas da alienação e se voltam contra o alienador, que passa a ocupar a figura de vilão da história e o feitiço se vira contra o feiticeiro.”
E assim, com a alienação, a criança aprende a:
– mentir compulsivamente;
– manipular as pessoas e as situações;
– manipular as informações conforme as conveniências do(a) alienador(a), que a criança incorpora como suas (“falso self”);
– exprimir emoções falsas;
– acusar levianamente os outros;
– não lidar adequadamente com as diferenças e as frustrações = INTOLERÂNCIA;
– mudar seus sentimentos em relação ao pai/mãe-alvo: de ambivalência amor-ódio à aversão total;
– ter dificuldades de identificação social e sexual com pessoas do mesmo sexo do pai/mãe-alvo;
– exprimir reações psicossomáticas semelhantes às de uma criança verdadeiramente abusada.
Porém, quando a criança, a qualquer momento, percebe que tudo o que ela vivenciou até o momento era uma farsa que interessava ao alienador, pode sentir culpa e remorso por ter agido de forma tão hostil ou esquiva ao pai/mãe afastado(a), e ódio ao(à) alienador(a), por ter se considerado uma “marionete” deste(a), chegando mesmo a pedir para ir morar com aquele(a) pai/mãe de quem ficou afastada tanto tempo[2]. Ou seja: a criança passa 10-15 anos de sua vida odiando um dos pais, e depois alguns outros anos odiando o outro!!!…
V – Falsas acusações de abuso sexual:
Uma das formas mais sórdidas de alienação parental – e que caracteriza o nível grave da Síndrome de Alienação Parental – vai além das habituais estratégias para bloquear o contato da criança com o genitor, como não dar recados deixados por telefone ou “esquecer” de avisar sobre a festa no colégio. As falsas acusações de abuso sexual têm sido identificadas cada vez mais nas delegacias de polícia. Consiste em sabotar a aplicabilidade da Guarda Compartilhada através das acusações falsas de abuso sexual, induzindo-os a formularem relatos incoerentes, mas que pela repetitividade, são fixados como falsas memórias[3]. E, para isso, o(a) alienador perde a noção do bem-senso, faz “peregrinação” com a criança por profissionais até encontrar quem emita laudos que “atestam” a ocorrência do abuso.
Tal é o entendimento da Psiquiatria Clínica da USP:
“A veracidade ou a falsidade do abuso sexual deverá ser investigada. Interpretações ou memórias equivocadas por parte da criança e submissão ao adulto que levem o menor a mentir deliberadamente sobre o suposto abuso sexual e a formular falsas denúncias não são raras (Lipian et al., 2004), cabendo aos profissionais envolvidos manter o distanciamento necessário à apuração dos fatos – daí a necessidade de um trabalho multidisciplinar” (Pillai, 2005; Calçada et al., 2002).
Uma acusação de abuso sexual, agressão física ou atentado ao pudor é um fato gravíssimo, e reflete as relações despóticas de força e poder, as dificuldades afetivas e a descaracterização do outro como ser humano (e sim como um mero objeto de sua satisfação pessoal). O problema é que deve ser grave demais para ser leviana, mas a leviandade costuma prevalecer nessas situações, justamente porque refletem a cultura da gratuidade e da impunidade. Pressupõe-se que o relato de uma criança acerca de um evento dessa natureza seja sempre verdadeiro, o que reflete o total despreparo dos profissionais para avaliar a credibilidade do testemunho da criança e os interesses pardos dos responsáveis por ela – além do mais, este é um dos maiores equívocos que o profissional de Psicologia chamado a juízo para manifestar-se pode cometer.
Conforme mencionado até o momento, o genitor alienador utiliza-se de diversos recursos, estratégias legais (nem sempre legítimas…) de excluir o alienado da vida dos filhos. Possivelmente a mais grave, a mais devastadora e a mais ilícita de todas seja a indução dos filhos a formular falsas acusações de abuso sexual contra o pai alienado. Isso porque, além de ser um ato lesivo à moral, e que depreciará para sempre a reputação daquele que recebe a acusação, em determinados momentos da vida dos filhos essa manobra encontra guarida em alguma fase do desenvolvimento psicosexual infantil, bem como na importante questão da fantasia e do desejo.
Conforme descrito anteriormente, a AP (Alienação Parental) se torna um sério entrave às vinculações parentais, justamente porque condicionam a criança/adolescente a formar ações, sentimentos e comportamentos contra o(a) outro(a) genitor(a) diferentes do que havia há um tempo atrás – tudo por influência de quem tenha interesse direto na destruição do vínculo parental. Para isso, não há escrúpulos ou critérios éticos e morais para induzir a criança a relatar episódios de agressão física/sexual que não ocorreram, confundindo-a na noção de realidade/fantasia, forçando-a a encenar sentimentos e simular reações. Se soubessem o mal que causam a seu(s) filho(s) fazendo isto, nunca pensariam em utilizar recursos sórdidos para destruir o vínculo parental. O verdadeiro agressor, nestes casos, não é aquele a quem é atribuída a “autoria” do suposto ato, mas sim aquele que influencia a criança a desvirtuar a noção de realidade e o senso de ridículo.
Pais/mães seriamente comprometidos com a AP não possuem condições de lidar com as situações da separação de forma amadurecida, permanecem infantilizados, discutindo elementos de menor importância e utilizando o(s) filho(s) como “moeda de troca” ou como meros transmissores de mensagens. Se não há diálogo, reduzem-se as possibilidades de se pensar na Guarda Compartilhada, porque nenhum dos pais aceita conversar, discutir (sem brigar!) os aspectos realmente importantes, acompanhar o desenvolvimento dos filhos…
Nestes casos, é preciso que haja um intenso trabalho psicológico para sustar os efeitos nocivos da SAP nas famílias, e especialmente nas crianças – inclusive a interrupção temporária dos contatos da criança com o(a) genitor(a) alienante, pois de um lado o(a) genitor(a) alienante precisa se conscientizar das carências e dificuldades emocionais que o(a) levam a tomar tal postura, e de outro lado a criança precisa observar que as mensagens que lhe foram incutidas pelo(a) genitor(a) alienante não correspondem à realidade dos fatos, os relatos de abuso/agressão não constituem elementos verídicos, e que as distorções da imagem do(a) genitor(a) alienado(a) são produto de manipulação emocional alheia, não autêntico para a criança.
VI – Postura do psicólogo na avaliação da Alienação Parental:
1. “Separando o joio do trigo”: alguns indícios de que uma acusação de abuso sexual possa ser falsa:
“A diferença entre as falsas memórias e as verdadeiras é a mesma das joias: são sempre as falsas que parecem ser as mais reais, as mais brilhantes.” (Salvador Dali, comentando sua obra ‘A persistência da memória’, de 1931, em seu livro Secret Life (citado por Cockburn, 1998)).
Um subsídio que vem sendo utilizado com uma perigosa frequência é o(a) genitor(a) alienador(a), ou quem tenha interesse na destruição dos vínculos parentais da criança com o(a) outro(a) genitor(a), induzir a criança, de pouca idade, pela dependência afetiva, ou aterrorizados com as ameaças de violência e/ou abandono do(a) genitor(a) alienador(a), a formular uma acusação de molestação sexual contra o(a) outro(a) genitor(a). Para isso, não medem esforços para oprimir psicologicamente a criança, fazendo-a acreditar no relato, e levando-a a diversos exames médico-legais e entrevistas com profissionais despreparados que “tentam achar um culpado a qualquer custo”, nem que seja com gravíssimas violações à Ética profissional (coloco com “E” maiúsculo), utilizam a criança como “testemunha de acusação” e não como uma vítima, preocupam-se com o conteúdo do relato e não com medidas protetivas e acolhedoras que suportem os sentimentos da criança com o constrangimento do “interrogatório”.
Não há “fórmulas mágicas” ou critérios definidos, mas podem-se observar alguns fatores que indicam se a acusação de abuso é verdadeira ou não:
– uma situação de litígio judicial entre os pais, especialmente iniciada antes da acusação de abuso, com complicações e graves divergências referentes à regulamentação de visitas, pensão alimentícia, sendo que o(a) genitor(a) acusador(a) e/ou seus familiares utilizaram vários recursos para afastar o(a) outro(a) genitor(a) da vida da criança, e então “repentinamente” a acusação de abuso vem como “último recurso” de quem tenha interesse em dar a “cartada final” para afastar definitivamente o acusado do convívio com a criança;
– elementos passíveis de discriminação e preconceito: homossexualidade do(a) genitor(a) acusado(a), raça, religião etc.; fatores sócio-econômicos e/ou educacionais como: desemprego, baixa escolaridade, fracassos profissionais do(a) genitor(a) acusado(a);
– na acusação real, a vítima quer esquecer o ocorrido e as falhas de memória se referem ao choque emocional e trauma; na acusação falsa, a “vítima” acredita que, quanto mais denunciar, estará contribuindo para a “punição” do suposto “agressor”, pois tem interesses e vantagens em afastá-lo do convívio e destruir os vínculos, e as falhas de memória se referem às mentiras, fantasias, contradições e ênfases exageradas e desnecessárias em aspectos do relato, para obter o endosso de profissionais para “legitimar” o afastamento;
– a criança verdadeiramente abusada sabe o que ocorreu, não precisa de nenhum estímulo para “lembrar” o que “ocorreu”, e se houver outras crianças envolvidas (ex.: irmãos), os relatos apresentam credibilidade, coletiva ou individualmente; ao contrário, a criança falsamente abusada apresenta relatos inconsistentes e, no caso de serem várias crianças envolvidas, frequentemente os relatos são contraditórios entre si (MOTTA, 2007);
– quando há abuso real, os pais das crianças vítimas não desejam acreditar que seus filhos foram feridos, preferem estar enganados em suas suspeitas e percepções, mesmo quando possuem dados concretos, e ficam aliviados quando há comprovação de que seus filhos não foram atingidos; no abuso falso, em que há acometimento da SAP, tanto os pais quanto as próprias crianças ficam obcecados pela busca de oportunidade de falar do abuso com terceiros (ex.: profissionais, polícia etc.), têm “certeza” do “ocorrido”, e os pais ficam decepcionados quando constatam que as crianças não foram atingidas, indo inclusive buscar tantos outros profissionais quanto necessários para que “atestem” suas alegações.
No tocante à credibilidade do relato de abuso sexual, cabe uma diferenciação entre o relato autêntico e aquele em que o relato de abuso sexual serve como pretexto para a exclusão do genitor acusado (e consequente implantação da Síndrome de Alienação Parental – SAP):
a) ambivalência de sentimentos: no abuso sexual real, a ambivalência ocorre porque a criança (vítima) ama o pai agressor mas passa a odiá-lo pelo seu ato (a manipulação emocional e física decorrente do incesto), sente-se fragilizada e o contexto de acusação contra um pai a quem ama (e de quem supunha ser amada) traz-lhe sentimentos contraditórios: a criança ama o pai, mas o odeia pela relação do incesto, e o pai acusado é amado e respeitado pela família (especialmente pela mãe) e por toda a sociedade, mas não suporta a idéia de ter sido explorada sexualmente por ele; nas falsas acusações de abuso sexual, a criança ama o pai acusado, mas passa a odiá-lo por influências externas (da mãe e/ou de quem tenha interesse na destruição do vínculo), chegando a negar ou “esquecer” dos bons momentos de convívio com o pai acusado, e se nada for feito, isto é, se contar com a omissão das autoridades competentes, o despreparo dos profissionais chamados a intervir, e das manipulações e chantagens emocionais do(a) genitor(a) alienador(a) e a teatralização da criança, com o tempo a ambivalência desaparece, restando apenas o ódio ao pai acusado;
b) contradições, lacunas, esquecimentos no relato: no abuso sexual real, as contradições no relato existem porque a vítima se sente cansada de ser obrigada a repetir os mesmos fatos a pessoas diferentes, quer esquecer o ocorrido; no caso das falsas acusações de abuso, as contradições existem porque o relato é induzido por um adulto que tenha interesse na destruição do vínculo do pai acusado com a criança, a ambivalência é imposta (a criança ama o pai, mas passa a odiá-lo por influência da mãe), as bases do relato são fictícias (inclusive, a criança induz seu interlocutor a uma “convicção inquestionável” dos fatos, as emoções são simuladas, o relato é teatralizado);
c) memória: no abuso sexual real, a vítima gostaria de esquecer o ocorrido, mas é obrigada a lembrar todas as vezes que se encontra em contexto de acusação (para a psicóloga, a assistente social, o promotor, a família, o juiz, o delegado de polícia etc.); nas falsas acusações de abuso sexual, as “memórias” são induzidas por um terceiro, e a criança se convence também de que deve repetir fielmente todos os pormenores do relato a quem queira escutar, e por isso não há falhas, lacunas, a criança está plenamente “convicta” de suas afirmações, não há questionamentos, acreditando (conforme nos ensina PADILLA, 1999) que com isso estará punindo seu “agressor” e protegendo sua família das “vinganças” e “maldades” dele, enviando-o diretamente para a prisão – ou lança repetidamente olhares para o(a) denunciante, buscando “estímulo” externo para “lembrá-lo” do que “ocorreu”;
d) interesses: no abuso sexual real, o interesse é da criança vítima, de quebrar definitivamente o círculo vicioso e patológico do contexto familiar; nas falsas acusações de abuso sexual, o interesse é de terceiros (da mãe e/ou de familiares), que passa a ser incorporado pela própria criança (fenômeno descrito por PODEVYN, a partir de GARDNER, como o “pensador independente”, em que a criança afirma que suas idéias são próprias e não induzidas por ninguém), cujo objetivo é a destruição dos vínculos com a exclusão do convívio com o pai acusado, havendo inclusive a negação ou supressão dos aspectos afetivos positivos daquele convívio antes da acusação.
e) credibilidade de mais de uma vítima: nas acusações verdadeiras, em havendo mais de uma criança envolvida, os relatos são consistentes entre si; nas acusações falsas, os “cenários” são frequentemente carentes de credibilidade e, se separadas, as crianças acabam contradizendo-se umas às outras (MOTTA, 2007, p.53).
2. Bom senso, prudência, sabedoria e informação.
Eminentes profissionais, de boa-fé, ou que buscam encontrar evidências de abuso e um “culpado” para o suposto abuso, podem tender a sugerir pela exclusão do genitor (a quem se atribui a “culpa”), destruindo os vínculos da criança, comprometendo seu desenvolvimento e prejudicando os seus reais interesses (não apenas do ponto de vista jurídico como principalmente psíquico), Colocam em risco suas carreiras e sua reputação, a serviço de quem tenha interesse em utilizar recursos ilícitos e imorais para destruir vínculos parentais.
Existem ainda alienadores que, movidos pela inveja pelo progresso material e afetivo alcançado pelos ex-cônjuges após a separação, induzem a falsas acusações de abuso sexual contra os filhos, com o intuito de desmoralizá-lo socialmente. Porém muitos profissionais de Psicologia não cogitam em questionar o contexto em que surgem tais alegações, isto é, por que uma pessoa no auge de sua carreira e de reconstrução afetiva poderia “sodomizar” seus filhos, se não são um mero argumento utilizado para excluí-lo da vida dos filhos.
As entrevistas com a criança, em caso de suspeita da ocorrência de abuso sexual, devem ser conduzidas em particular, sendo que as perguntas devem ser formuladas com muito cuidado, para que não sejam indutoras de respostas, que poderiam contaminar as informações que a criança quer dar, deturpando o sentido de suas verbalizações. A criança deve contar “o quê” e “como” aconteceu, mas não “falar aquilo que o outro quer ouvir” e sim a verdade.
Ocorre que profissionais podem acabar limitando-se exclusivamente nas informações prestadas pela mãe, e então “forçam” a adequação de todos os sintomas e manifestações do menor ao relato de abuso sexual fornecido pelo(a) alienador(a) genitora; como consequência, ocorre a formulação de critérios pessoais, subjetivos, pretendendo enquadrar todas as situações como sendo “ocorrências de abuso sexual”, como se fosse um autêntico leito de Procusto[4], como se somente fosse possível uma única interpretação!!!
Porém, em situações em que ocorrem acusações de abuso sexual, ainda que sem comprovação, os sintomas de uma criança supostamente abusada se assemelham aos de uma criança verdadeiramente abusada, o que torna difícil a identificação pelos profissionais, principalmente aqueles desconhecedores da existência das falsas acusações de abuso sexual.
É preciso observar que há delimitações do campo de atuação do psicólogo judiciário, cuja violação prejudica a amplitude da Psicologia e das competências dos operadores do Direito (advogados, promotores, magistrados). ROVINSKI (2004) afirma que, nas ações de guarda de menor, o psicólogo judiciário pode incorrer no perigo de realizar julgamentos, competência do juiz; ou agindo de forma tendenciosa, beneficiando uma das partes em detrimento da outra, o “perito adversarial” descrito por SHINE (2005). Isso porque o arranjo da guarda é uma construção hipotética e legal, que escapa ao alcance da avaliação psicológica e, consequentemente, da competência do profissional de saúde mental.
A referida autora (2004, cit.) afirma que o laudo pericial é mais um elemento de prova dentro dos autos, e não se constitui no julgamento final do caso. Esse relatório, como todas as outras provas, está sujeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Portanto, pode e deve ser questionado, sempre que necessário, para garantir em última instância a justiça (p.67).
Conforme acrescenta LAPLANCHE (In: LAPLANCHE, 1988, p.65):
“O psicanalista só trabalha na realidade psíquica. Postula, portanto, a igualdade da fantasia e da realidade, no que se encontra, evidentemente, desqualificado para legislar fora, dar conselhos fora do seu consultório. (…) Tanto assim que, no momento em que se passa à realidade efetiva, o psicanalista só pode emitir opiniões parciais, opiniões completamente conjecturais sobre as articulações do seu domínio e o da justiça.”
Portanto, em nenhum momento se admite a possibilidade de que o psicólogo perito, que esteja realizando uma avaliação de uma família em contexto de litígio judicial, emita opiniões, apresente “conclusões” que mais se assemelham a “sentenças” ou “julgamentos”, porque além de pretenderem usurpar a função judicante, são posicionamentos carregados de juízos de valor, que se afastam completamente da Psicologia, enquanto Ciência e Profissão.
Diversos autores que pesquisam Psicodiagnóstico (TRINCA,1984; OCAMPO, ARZENO e PICCOLO e cols., 1999) criticam o posicionamento equivocado do psicólogo de endossar, acriticamente, os argumentos de uma das pessoas envolvidas acerca de quem seja o “indivíduo-problema”, considerando o risco de adotar uma atitude ingênua. Então, quando uma das partes em litígio tece comentários pejorativos e ofensivos à outra parte (ex.: o pai criticando a mãe, ou vice-versa), o endosso ingênuo do profissional a tal argumentação torna-se extremamente perigoso e prejudicial à plena e correta compreensão do caso, além de reduzir, naquela família, as possibilidades de reflexão crítica do contexto familiar que os membros estão vivenciando no meio das turbulências do litígio judicial.
A equipe do CNRVV – Centro de Referência às Vítimas de Violência, entidade vinculada ao Sedes Sapientiae / PUC-SP (2008) afirma que não compete ao profissional tentar “descobrir coisas”, com interpretações subjetivas que “forçam” à condução da conclusão conforme os interesses mais convenientes, a saber:
“Uma atitude acolhedora por parte do profissional é fundamental para que possa ocorrer a aproximação da criança ou do adolescente. Esse comportamento facilitador possibilitará que ele fale de seus problemas. Não cabe ao profissional, no entanto, tentar “descobrir coisas”. Os limites da criança ou do adolescente devem ser sempre respeitados. O importante é que fique claro que as mudanças em seu comportamento não passaram despercebidas e que o educador estará disponível para o que ele queira confidenciar.” (grifos meus).
E, se tais afirmações desta equipe profissional do CNRVV foram emitidas considerando-se a existência de acusações reais de abuso, muito mais ênfase e cuidado deverá ter o psicólogo (clínico e/ou jurídico) ao tratar de acusações supostas, hipotéticas ou quiçá fictícias de abuso sexual!!!…
Vale lembrar, para o devido embasamento do exposto, em bibliografia cabível, preceitos amplamente reconhecidos e adotados por profissionais da psicologia: para SHINE (In: GROENINGA e PEREIRA, p.239-240, 2003), o psicanalista, mesmo no lugar de perito, não tem como afirmar a ocorrência da transgressão pelo simples fato de que o periciando tenha as condições para tal, pois isto seria incorrer no raciocínio que pretende afirmar um fato baseado em evidências circunstanciais. Além disso, a própria perícia tornaria problemática uma afirmação quanto a uma questão legal final. “Ora, o perito (seja de qual área for) é chamado a contribuir no deslinde da causa com o conhecimento técnico que subsidiará o magistrado em sua função. Portanto, é vedado a ele, por princípio, definir uma matéria: Fulano é ‘culpado’ de ter cometido abuso sexual, o que caberia ao juiz ou ao júri”. Segundo o autor, mesmo que a acusação de abuso sexual em contexto de Vara de Família seja demonstrado, a incerteza quanto à autoria do suposto abusador pode deixar o caso sem definição. Por isso, certos autores defendem uma abordagem terapêutica desse tipo de caso, ao invés da abordagem tradicional de se confirmar ou não o abuso.
Assim entende o seguinte Acórdão do TJ-SP:
“TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APELAÇÃO CÍVEL N° 280.982-4/9 – SÃO PAULO – VOTO N° 5063[5]DEMONSTRADO QUE AS RÉS AGIRAM COM CULPA QUANDO ACUSARAM O AUTOR DE ABUSOS SEXUAIS CONTRA O PRÓPRIO FILHO, FATO ESSE AFASTADO POR PSICÓLOGO E ASSISTENIE SOCIAL JUDICIAIS. E DEVIDA A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. FIXA-SE O VALOR DOS DANOS MORAIS EM DEZ MIL REAIS. (…) Fundar tão grave acusação no abalo emocional da criança (que outras causas poderia ter) e nas escoteiras declarações da mãe é agir com imprudência; é ser imperito do ponto de vista da especialidade; é agir de modo leviano. (…)”
Quando os profissionais de Psicologia, trabalhando individualmente ou em entidades de assistência infantil, tiverem mais informações acerca da Alienação Parental (conceito, causas, efeitos danosos) e dos recursos utilizados pelo alienador para destruir vínculos essenciais da criança – incluindo a (falsa) acusação de abuso sexual, terão uma postura mais crítica e direcionada a conter os avanços dessa problemática da alienação, trazendo aos alienadores e às crianças a consciência dos prejuízos psíquicos de tal conduta na vida de todos, especialmente dos filhos, seres em formação.
Os psicólogos (clínico/jurídico) devem estar atentos aos relatos (verbalizações e não-verbalizações), expressões faciais, demonstrações de sentimentos e outros sinais relevantes. Do mesmo modo, devem ter extrema cautela com os desenhos, testes e brincadeiras/jogos das crianças analisadas, porque quando há uma co-construção de falsas memórias de abuso sexual, os sintomas e reações são muito semelhantes àqueles manifestados por crianças efetivamente abusadas. É imprescindível que o profissional analise o contexto familiar (disputas conjugais, por exemplo), se a criança apresentou relato verbalizado ou desenhos a outras pessoas antes do atendimento e quais as reações/atitudes dessa(s) pessoa(s) ante o relato. Ocorre que reações da criança como masturbação excessiva, depressão, baixa auto-estima, enurese, podem advir muito mais do próprio contexto de litígio familiar do que de um abuso propriamente dito. Como os juízes confiam na opinião dos profissionais (peritos), uma interpretação equivocada pode prejudicar irremediavelmente a reputação de um indivíduo envolvido em uma acusação falsa (PADILLA, 1999).
É claro que aqui não se faz apologia à total e irrestrita ‘santificação’ daqueles genitores acusados de agressão de qualquer natureza, justamente porque uma acusação de agressão ou negligência pode ser verdadeira; o que se pretende aqui é “separar o joio do trigo”, isto é, analisar, antes de tudo, a autenticidade e veracidade das informações prestadas, considerando-se a hipótese de que podem ser infundadas e utilizadas como mero instrumento de exclusão do vínculo parental – ignorando-se ou desprezando-se as possíveis conseqüências prejudiciais de tal comportamento no futuro. Essa distinção é o que efetivamente pode ajudar essa criança, porque fará com que ela se conscientize do seu comportamento, e restabeleça os limites de alcance da verdade e da mentira; bem como aceite melhor as condições ambientais que se lhe apresentem e possa tolerar de maneira amadurecida e evoluída as frustrações e adversidades. Do mesmo modo, ajudará também os familiares que se utilizam das falsas informações da criança em benefício próprio, porque poderão tomar contato com as suas dificuldades psicológicas que tanto atravancam o seu desenvolvimento e o da criança.
O artigo 5º da Lei nº 12.318/2010 prevê que o juiz, ao detectar indícios de ocorrência de alienação parental, deverá determinar perícia psicológica ou psicossocial, por profissional ou equipe multiprofissional com experiência comprovada em diagnosticar atos de alienação parental.
O laudo pericial, que deverá ser juntado no prazo de 90 dias (com uma prorrogação justificada), “terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor” (§ 1º do artigo 5º da Lei).
Portanto, isso implica a necessidade do psicólogo atualizar-se nesses assuntos, conhecer profundamente o que é Alienação Parental, detectar sua ocorrência, os efeitos disso nas crianças, e formas de tratamento e prevenção.
VII – Sanções penais:
Com a Lei nº 12.318/2010, quem colocar os filhos contra os pais depois do divórcio pode ter penas que variam de advertência, multa, ampliação de convivência da criança com o pai/mãe afastado(a), até a perda da guarda da criança ou adolescente, ou mesmo da autoridade parental. A lei se aplica também a avós ou outros responsáveis pela criação dos jovens. Do mesmo modo, se for verificada a ocorrência de alienação parental, o juiz poderá “ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado, estipular multa ao alienador, determinar acompanhamento psicológico ou determinar a alteração da guarda do menor” (artigo 6º da Lei).
É preciso que se entenda que não se trata de “punições” ao(à) guardião(ã) ou alienador(a), porque as sanções têm um caráter muito mais pedagógico que propriamente sancionatório. Sem descaracterizar a ferida na onipotência narcísica de certas mães alienadoras, que pensam que podem fazer o que quiserem, sem limites, que nunca perderão a guarda de seus filhos, as sanções do artigo 6º desta Lei se tornam a única maneira de se efetivar o exercício da convivência dos pais com seus filhos.
Aqueles que apoiam a aplicação desta Lei principalmente as entidades que lutam pela parentalidade responsável e equitativa da criança com ambos os pais, acreditam que não haverá obstáculos, de qualquer ordem, para que a Lei seja aplicável aos casos concretos, o que será uma grande vitória para aqueles que estão, por vezes há anos, impedidos de conviver com seus filhos, por imposições arbitrárias e desmedidas de quem tenha interesse na destruição de vínculos afetivos essenciais para o desenvolvimento saudável e equilibrado de seus próprios filhos! Afinal, o direito de convivência é da criança, e é inalienável e imprescritível.
VIII – Vetos presidenciais:
No Brasil, o veto presidencial ao artigo da Lei nº 12.318/2010 (Lei da Alienação Parental) que possibilitasse a realização da Mediação extrajudicial foi um dos maiores equívocos cometidos, inaceitáveis para um Presidente da República que se diga “democrático” e para uma equipe que se diga “competente”. Pelo contrário, esperava-se que houvesse a obrigatoriedade da co-mediação em casos de família, com a presença de psiquiatra, psicólogo ou assistente social nos conflitos judiciais. O presidente Lula da Silva alegou que a apreciação do direito indisponível da criança/adolescente à convivência familiar, nos termos do artigo 227 da Constituição Federal por recursos extrajudiciais seria “inconstitucional” (sic), restando apenas a mediação judicial para dirimir tais casos. Ora, não há nada de “inconstitucional” (sic) em se possibilitar que os próprios pais daquele(s) filho(s) menor(es) discutam autonomamente, facilitados por um mediador, as questões relevantes a esse(s) filho(s). Inconstitucional é a interferência excessiva do Estado, através do Judiciário, que já extrapola os limites do tolerável se pensarmos somente nos litígios judiciais, que se dirá em relação à exclusividade da mediação judicial como única forma de dirimir os conflitos.
Ocorre que o Judiciário brasileiro já é visto com intenção de conflitos, as pessoas não costumam recorrer a ele para debater a solução de uma situação, chegam com elevadas doses de animosidade, e querem que o Judiciário “resolva”, sendo que a Mediação propicia a resolução interna, na medida em que lida com os conflitos inconscientes e promove o diálogo entre as partes.
Por sua vez, o Judiciário já se encontra atulhado de processos, muita papelada, burocracia, e não comportaria mais demandas. Então, os profissionais e institutos de Mediação extrajudicial seriam importantes para descentralizar as ações no Judiciário, e promover a verdadeira eficácia da mediação, sem as influências beligerantes do próprio Judiciário. O trabalho interdisciplinar, envolvendo psicólogos, advogados, assistentes sociais, e outros profissionais, é importantíssimo para tratar de conflitos familiares.
Assim, conforme enfatiza ROSA (2010):
“O certo é que o Poder Executivo perdeu uma boa oportunidade para a disseminação dessa prática na sociedade brasileira e o consequente estabelecimento de uma nova cultura que inclua opções cooperativas e pacíficas para o tratamento dos conflitos existentes no seio familiar.”
Outro veto equivocado relaciona-se à pena de prisão ao alienador que produz uma falsa denúncia contra o(a) ex-companheiro(a), induzindo a criança a odiá-lo(a) e a acreditar que foi realmente abusada (causando transtornos psíquicos sérios, por alterações em sua sexualidade). A pena de prisão, proposta originalmente no Projeto de Lei, foi vetada pelo Presidente Lula, quando de sua conversão em Lei.
IX – Considerações Finais:
As transformações, os questionamentos, as direções por que passam a sociedade obrigam os profissionais, instituições e grupos sociais a pesquisar, discutir, orientar-se e atualizar-se quanto aos aspectos sociais, jurídicos, psicológicos e institucionais dessas mudanças. Os ordenamentos jurídicos devem refletir a realidade social, e com isso corresponder o melhor possível às necessidades e demandas que essa sociedade impõe.
A Guarda Compartilhada se torna o sistema parental por excelência, que melhor atende às necessidades da criança após a separação dos pais, pelo aspecto fundamental da estruturação dos vínculos parentais e do convívio saudável e equilibrado com ambos, não há perdas de referências, não há dificuldades de relacionamentos, todas as questões importantes são resolvidas com a maturidade emocional necessária – e essa maturidade dos pais são exemplos para os filhos!
As mudanças estão aí, conclamando todos nós pais, filhos, profissionais, juristas, legisladores, instituições publicas e privadas a modificamos nossa postura, nossa mentalidade e nossas atitudes. Da mesma forma como a sociedade passou da arcaica estrutura patriarcal a um contexto mais participativo e igualitário, as políticas públicas, os projetos privados e as iniciativas (remuneradas ou não) terão que corresponder a essas novas demandas sociais. São importantes desafios, mas o resultado será a formação de novas gerações de crianças/adolescentes saudáveis, amadurecidos, compreensivos, tolerantes, íntegros, com vínculos afetivos e sociais fortalecidos! Pode-se desejar um lucro maior do que este?
Psicóloga clínica e jurídica – SP, Psicopedagoga, Espec. Educação Especial e LIBRAS, Mestranda em Distúrbios da Comunicação Humana (UNIFESP), Autora de livros e artigos de Psicologia Jurídica de Família
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