Sumário: 1. Introdução; 2. A competência do Juízo das Execuções; 3. Sobre o art. 28 da Lei n. 11.343/2006; 3.1. Art. 28, caput; 3.2. Art. 28, § 1º; 4. Sobre o art. 33 da Lei n. 11.343/2006; 4.1. Art. 33, § 1º, III; 4.2. Art. 33, § 2º; 4.3. Art. 33, § 3º; 4.4. Art. 33, § 4º; 5. Contribuição para o uso ou tráfico de droga; 6. Colaboração como informante; 7. Causas de aumento de pena; 7.1. Art. 40, III, da Lei n. 11.343/2006; 7.2. Art. 40, VI, da Lei n. 11.343/2006; 8. O art. 17 da Lei n. 6.368/76. 9. Conclusão.
1. Introdução.
A Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, denominada “Nova Lei de Drogas”, entrou em vigor no dia 8 de outubro de 2006 e instituiu mudanças sensíveis na normatização das questões a que se refere.
O novo Diploma legal, apesar de estar permeado de imperfeições e suscitar várias discussões evitáveis, em sua maior parte é virtuoso, e, sem sombra de dúvida, uma de suas maiores virtudes consiste em resolver a celeuma criada com a vigência simultânea das Leis n. 6.368/76 e 10.409/2002, pois, desde 28 de fevereiro de 2002, quando esta entrou em vigor, houve total rompimento com o princípio da segurança jurídica, sendo conhecida de todos a discussão que se estabeleceu a respeito da aplicação dos dispositivos nela contidos, saindo vencedora no Supremo Tribunal Federal a posição que sempre sustentamos.[1] A questão está resolvida com a vigência da Nova Lei de Drogas, que em seu art. 75 revogou expressamente aquelas duas leis.
Muito já se disse a respeito da política de redução de danos adotada com a Nova Lei, e também sobre o novo tratamento normativo dispensado àquele que “portar ou plantar droga para consumo pessoal”, considerando as disposições do art. 28, caput e §§, da Nova Lei.
De igual maneira, muito se disse a respeito das novas figuras penais inseridas no texto normativo, notadamente a respeito das regras contidas no art. 36, que cuida do crime de financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 da Lei.
Por outro vértice, pouco ou quase nada se disse a respeito dos reflexos da Nova Lei no campo execucional, do que decorre a razão deste trabalho, de molduras estreitas, onde buscaremos apontar algumas das repercussões evidentes.
2. A competência do Juízo das Execuções.
Nos precisos termos do art. 66, I, da Lei de Execução Penal, compete ao juiz da execução aplicar aos casos julgados a lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado.
Nesta mesma ordem de idéia é que foi editada a Súmula n. 611 do Supremo Tribunal Federal, com a seguinte redação: “Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções aplicação de lei mais benigna”.
Indiscutível, portanto, a competência do Juízo das Execuções para a análise e aplicação das repercussões benignas advindas da Nova Lei de Drogas em relação aos condenados por crime nela listado, ou constante da Lei n. 6.368/76 e não tipificado no novo Diploma.
Necessário ressalvar que em caso de condenação submetida à apreciação recursal ainda pendente, a competência para aplicação da lei nova benigna é da Instância Superior.
3. Sobre o art. 28 da Lei n. 11.343/2006.
A leitura apressada do art. 28 da Lei n. 11.343/2006 pode levar à conclusão equivocada no sentido de que ocorreu abolitio criminis em relação às condutas que eram reguladas no art. 16 da Lei n. 6.368/76.
Basta um olhar mais atento e cuidadoso para perceber que ao invés do que pode sugerir a visão desatenta, o que ocorreu foi a ampliação das hipóteses de conformação típica, e considerável abrandamento punitivo.
Também não ocorreu descriminalização.[2]
3.1. Art. 28, caput.
As penas cominadas no art. 28 são mais brandas que aquelas previstas no art. 16 da Lei n. 6.368/76, portanto, aqui a Nova Lei retroage para alcançar fatos consumados antes de sua vigência, por força do disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, e do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal, com inegáveis reflexos na execução penal.
3.2. Art. 28, § 1º.
Antes da Nova Lei, quando ocorria “plantio para uso próprio” havia basicamente três entendimentos na doutrina e jurisprudência a respeito da capitulação da conduta, e que ditavam os rumos da persecução penal: 1º). Configurava crime de tráfico, nos moldes do art. 12, § 1º, II, da Lei n. 6.368/76; 2º). Configurava crime do art. 16 da Lei n. 6.368/76; 3º). A conduta era atípica, pois o art. 16 não contemplava o “plantio para uso próprio”.
1ª hipótese:
Na interpretação mais rígida, mesmo que demonstrada a destinação ao próprio consumo, aplicava-se condenação por crime de tráfico, ao argumento de que o legislador não fazia referência expressa à finalidade específica do cultivo etc.
Em casos tais, onde foram impostas condenações por tráfico ainda que diante de comprovado cultivo para abastecer o próprio consumo, em razão da nova regulamentação da matéria, conforme o § 1º do art. 28 da Nova Lei, caberá ao condenado ingressar com revisão criminal buscando ajustar a realidade fática e provada aos termos da Lei mais benéfica.
Por aqui, não se trata pura e simplesmente de ajustar a condenação nos termos do art. 66, I, da Lei de Execuções Penais (Lei n. 7.210/84).
A questão envolve apreciação de mérito já conhecido, julgado e submetido aos efeitos da coisa julgada, mas que por força da nova capitulação legal pode comportar revisão e reparo.
2ª hipótese:
Em relação às penas que estão sendo cumpridas em decorrência de condenação fundamentada no art. 16 da Lei nº 6.368/76, para os casos de plantio para uso próprio verificados antes da Nova Lei de Drogas, as penas deverão ser ajustadas em sede de execução, como determina no art. 66, I, da Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal) e a Súmula n. 611 do STF.
3ª hipótese:
É evidente que os casos arquivados ou que resultaram em absolvição por força do entendimento que indicava para a atipicidade da conduta não poderão ser reabertos por força da nova capitulação que prevê como infração o plantio para uso próprio. Aqui tem incidência a regra segundo a qual não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
Temos, assim, duas situações interessantes:
1ª). Em caso de condenação pelo crime do art. 12, § 1º, II, da Lei n. 6.368/76, onde estava provado que o plantio era destinado ao consumo do próprio acusado e ainda assim se impôs condenação severa, o princípio a ser observado é o que determina a retroatividade da lei mais benéfica.
2ª). Nos casos em que tenha ocorrido arquivamento de inquérito ou absolvição sob o fundamento da atipicidade do “plantio para uso próprio” (ao tempo da Lei n. 6.368/76), o princípio a ser observado é o da irretroatividade da lei mais severa. Embora agora exista capitulação legal específica, ela não tem força retroativa para impor conseqüências mais severas ao agente.
4. Sobre o art. 33 da Lei n. 11.343/2006.
O tráfico e os crimes assemelhados, antes regulados no art. 12 da Lei n. 6.368/76, agora estão no art. 33 da Lei n. 11.343/2006.
São várias as repercussões no campo da execução penal, que decorrem do novo tratamento normativo dispensado. Analisemos.
4.1. Art. 33, § 1º, III.
Na forma fundamental, o crime de tráfico agora é punido com reclusão, de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
Conforme dispõe o art. 33, § 1º, III, nas mesmas penas incorre quem “utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de droga”.
No sistema normativo anterior o crime em questão era regulado no art. 12, § 2º, II, da Lei n. 6.368/76, e punia a utilização de local…, para o uso indevido ou tráfico de entorpecente.
Houve, portanto, abolitio criminis em relação à conduta consistente na utilização de local para uso indevido, do que decorrem repercussões na execução das penas impostas por força da figura penal revogada.
4.2. Art. 33, § 2º.
Na vigência da Lei n. 6.368/76, dispunha seu art. 12, § 2º, I, que incidia nas mesmas penas previstas para o crime de tráfico aquele que induzia, instigava ou auxiliava alguém a usar entorpecente ou substância capaz de determinar dependência física ou psíquica.
O mesmo crime agora está previsto no § 2º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, e houve considerável abrandamento no rigor punitivo.
A pena que antes era de reclusão, de 3 a 15 anos, e multa, de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, agora é de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) 300 (trezentos) dias-multa.
É de se considerar, novamente, a retroatividade benéfica em relação aos casos passados, definitivamente julgados ou não, devendo em relação àqueles buscar proceder aos ajustes necessários no campo da execução penal.
4.3. Art. 33, § 3º.
Constitui uma das mais importantes modificações instituídas com a Nova Lei de Drogas a constante do § 3º do art. 33, que resolve antiga polêmica relacionada com o tratamento normativo antes dispensado aos casos de uso compartilhado de droga, com repercussões agudas no campo prático por força de interpretações mais ou menos severas, antes permitidas em razão da variável possibilidade de conformação típica, que não raras vezes resultava na imposição de pena excessiva onde deveria ocorrer tratamento brando.
Antes da regulamentação atual, o simples fornecimento pelo agente, ainda que gratuito e realizado eventualmente, e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem, quase sempre ensejava condenação por crime tráfico na forma fundamental. Argumentava-se que o art. 12, caput, da Lei n. 6.368/76, punia a conduta de fornecer, ainda que gratuitamente, como crime de tráfico, não havendo qualquer outro tipo penal específico para o ajuste da conduta daquele que fornecia para uso compartilhado, sem objetivo de lucro.
Disso decorre a certeza de que muitas condenações foram impostas e estão sob execução, cumprindo se proceda aos ajustes de pena em razão da nova regulamentação mais branda.
Os ajustes deverão ser feitos em sede de execução, conforme determina o art. 66, I, da Lei de Execução Penal.
4.4. Art. 33, § 4º.
O artigo 33 da Nova Lei de Drogas também inovou ao instituir causa especial de redução de pena em seu § 4º, nos seguintes termos: “Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”.
De início devemos frisar que a inovação é saudável, na medida em que amplia as molduras do processo individualizador, permitindo ao Magistrado maior movimentação neste campo.
As discussões que gravitam sobre o tema, como não poderia deixar de ser, buscam firmar posição a respeito da retroatividade ou não da causa de redução de pena, para efeito de alcançar penas impostas como decorrência de crimes praticados antes da vigência da Lei Nova.
De nossa parte, sem desconhecer todos os argumentos já expendidos em sentido contrário,[3] afirmamos que a retroatividade é inevitável.[4]
A nova regra deve ser aplicada mesmo aos casos ocorridos antes da vigência da Lei n. 11.343/2006, por constituir novatio legis in melius (lex mitior).
Também tem incidência sobre os casos julgados e sob execução, cumprindo ao juiz competente, nos termos do art. 66, I, da Lei de Execução Penal analisar caso a caso a incidência da regra, para fins de ajuste das penas, conforme também decorre do disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, e do art. 2º do Código Penal.
5. Contribuição para o uso ou tráfico de droga.
Houve abolitio criminis em relação à conduta antes regulada no inc. III do § 2º do art. 12 (Lei n. 6.368/76), assim descrito: “contribuir de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica”. Nos termos do art. 107, III, do Código Penal, extingue-se a punibilidade pela retroatividade da lei que não mais considera o fato como criminoso.
Também por aqui identificamos reflexos na execução penal.
6. Colaboração como informante.
A Lei Nova Lei de Drogas inovou uma vez mais ao excepcionar a teoria monística (art. 29 do CP) e tipificar a conduta do colaborador-informante, distinguindo sua atuação no complexo organizacional do crime.
Antes da nova tipificação o informante, como colaborador de organizações criminosas, grupos ou associações destinados à prática dos crimes a que se refere no art. 37, respondia como co-autor do crime para o qual “colaborava”, ficando sujeito, em caso de colaboração para o crime de tráfico, à pena de reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e multa, de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
A pena cominada para o colaborador-informante, agora, é de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa.
A retroatividade benéfica se impõe, para alcançar penas aplicadas em razão de crimes cometidos antes da vigência da Lei Nova.
7. Causas de aumento de pena.
Toda a condenação em que reconhecida causa de aumento de pena, antes da vigência da Nova Lei, deve ser revista em sede de execução, no mínimo para efeito de diminuição do aumento.
É que antes, para as hipóteses que regulava, o art. 18 da Lei n. 6.368/76 estabelecia aumento de pena de 1/3 (um terço) a 2/6 (dois sextos), e agora o aumento é de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços).
Houve, portanto, redução no quantum mínimo de aumento, a determinar a revisão das execuções penais por força do efeito retroativo benéfico inarredável.
Mas não é só.
7.1. Art. 40, III, da Lei n. 11.343/2006.
O inc. IV do art. 18 da Lei n. 6.368/76 determinava a incidência da causa de aumento de pena se qualquer dos atos de preparação, execução ou consumação ocorresse nas imediações ou no interior de estabelecimentos de ensino ou hospitalar, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de estabelecimentos penais, ou de recintos onde se realizassem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, sem prejuízo da interdição do estabelecimento ou do local. Na Nova Lei a matéria está regulada no art. 40, inc. III, com sensíveis e positivas alterações, pois agora exige-se que “a infração tenha sido cometida” nos locais que menciona, quando na vigência da lei antiga a causa de aumento tinha incidência sempre que “qualquer dos atos de preparação, execução ou consumação” tivesse ocorrido nos locais indicados.
As condenações que sofreram aumento de pena em razão da prática de atos de preparação terem sido cometidos nos parâmetros da lei revogada devem ser revistas e ajustadas as penas para menor.
7.2. Art. 40, VI, da Lei n. 11.343/2006.
O inc. III da Antiga Lei Antitóxicos (Lei n. 6.368/76), com as modificações introduzidas pela Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), dispunha que a pena seria aumentada se qualquer dos crimes decorresse de associação ou visasse a menores de 21 (vinte e um) anos ou a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, ou que, por qualquer causa, tivesse diminuída ou suprimida a capacidade de discernimento ou de autodeterminação. A matéria agora está tratada no inc. VI da Nova Lei, com contornos mais modestos. Desde já é necessário destacar que a regra que impunha aumento de pena no caso de concurso eventual de agentes foi derrogada, e aquela que impunha igual conseqüência quando o crime visasse pessoa com idade superior a 60 (sessenta) anos foi revogada, disso decorrendo várias repercussões no campo da execucional.
Conforme o inc. VI, a pena será aumentada se a prática do crime envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação.
O conceito de criança e adolescente se extrai do art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990), segundo o qual “considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”.
O art. 5º do Código Civil (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002), dispõe que a menoridade cessa aos dezoito anos completos.
A pena de qualquer dos crimes tipificados nos arts. 33 a 37 será aumentada de um sexto a dois terços, sempre que o agente envolver ou visar criança ou adolescente “na” ou “com a” prática do crime, respectivamente.
Envolver criança ou adolescente tem o sentido de atuar conjuntamente, utilizar ou contar com a participação. É hipótese em que o agente atua em concurso eventual com criança ou adolescente, aliás, prática recorrente no ambiente do tráfico, notadamente em razão da menor capacidade de discernimento e resistência moral daqueles, a proporcionar maiores facilidades na cooptação, e da condição de inimputabilidade a que os mesmos personagens-alvo estão submetidos.
Visar atingir criança ou adolescente é ter como objetivo, meta final, destinar a droga a tais inimputáveis, que gozam de especial e justificada proteção jurídica, face a sua particular condição biológica, psíquica, moral e de caráter, ainda em fase inicial de formação.
O agente pode visar atingir criança ou adolescente, destinando a droga para consumo ou para que os mesmos pratiquem o comércio espúrio em próprio nome, por conta e risco (fora dos limites do concurso de agentes). É preciso analisar com cautela cada uma das hipóteses típicas expostas à causa de aumento de pena, conforme os arts. 33 a 37 desta Lei.
A pena igualmente será aumentada se o agente envolver ou visar a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação.
Art. 4º do Código Civil indica quem são considerados relativamente incapazes para certos atos da vida civil, e do rol se extrai alguns exemplos também aplicáveis ao tema aqui abordado.
De tal sorte, dentre outros, podem ser considerados com capacidade de entendimento e determinação diminuída ou suprimida, para o efeito de fazer incidir a causa de aumento de pena sob análise, os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido (inc. II, art. 4º do CC), e os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo (inc. III, art. 4º do CC).
A capacidade dos índios é regulada por legislação especial (parágrafo único do art. 4º, do CC).
Não é correta, portanto, a afirmação que se tem feito amiúde no sentido de que o concurso eventual de agentes não mais autoriza aumento de pena nos limites da Nova Lei de Drogas.
8. O art. 17 da Lei n. 6.368/76.
Dispunha o art. 17 da Lei n. 6.368/76: “Violar de qualquer forma o sigilo de que trata o art. 26 desta Lei: Pena — detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) meses, ou pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa, sem prejuízo das sanções administrativas a que estiver sujeito o infrator”.
O referido art. 26, a seu turno, estabelecia: “Os registros, documentos ou peças de informação, bem como os autos de prisão em flagrante e os de inquérito policial para a apuração dos crimes definidos nesta Lei serão mantidos sob sigilo, ressalvadas, para efeito exclusivo de atuação profissional, as prerrogativas do juiz, do Ministério Público, da autoridade policial e do advogado na forma da legislação específica. Parágrafo único. Instaurada a ação penal, ficará a critério do juiz a manutenção do sigilo a que se refere este artigo”.
A Nova Lei de Drogas não tem previsão semelhante. Ocorreu abolitio criminis. Impõe se reconheça extinta a punibilidade em relação aos crimes cometidos antes da vigência do novo regramento antidrogas, nos precisos termos do art. 107, III, do Código Penal.[5]
Necessário anotar que subsistem no ordenamento jurídico o art. 20 do Código de Processo Penal[6] e também o art. 325 do Código Penal,[7] tratando genericamente do sigilo e do crime de violação de sigilo, respectivamente.
“A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade (CPP, art. 20). Apesar disso, amiúdam-se os casos em que Delegados de Polícia fazem questão de aparecer nos jornais televisivos anunciando o que estão investigando e, mesmo antes de instaurada a ação penal, condenarem quem é investigado, sem o menor respeito à lei e à honra das pessoas”.[8]
O art. 7º, XIV, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil) assegura ao advogado o direito de “examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos”.
9. Conclusão.
A retroatividade da lei penal benéfica é dogma constitucional e tema indispensável ao Direito Penal, tanto quanto imprescindível na elaboração de uma política criminal democrática, na mesma intensidade que o princípio da legalidade em matéria penal – nullun crimen nulla poena sine lege praevia.
A indispensável atualização legislativa que impõe a adequação do sistema normativo aos dias correntes decorre da dinâmica da vida em sociedade e, apesar de ter seus olhos voltados para o presente e o futuro, também tem repercussões em relação a fatos passados.
Bem por isso o disposto no art. 2º, caput e parágrafo único, do Código Penal, nos seguintes termos: “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. A lei posterior que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”.
Notas:
[1] MARCÃO, Renato. Anotações pontuais sobre a Lei 10.409/2002 (Nova Lei Antitóxicos) – Procedimento e instrução criminal. RT 797/492; Novas considerações sobre o procedimento e a instrução criminal na Lei 10.409/2002 (Nova Lei Antitóxicos), Revista da Escola Paulista da Magistratura – Cadernos Jurídicos, nov./dez. 2002, v. 3, n. 12, p. 91-94;. STF, HC 84.835/SP, 1ª Turma, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 9-8-2005, DJ de 26-8-2005, p. 00028, Ement. V. 02202-2, p. 00366; STF, RHC 86680/SP, 2ª Turma, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 13-12-2005, Informativo n. 413.
[2] Cf. MARCÃO, Renato. TÓXICOS – Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, anotada e interpretada, 4ª ed. reformulada, 2006, p. 58. MARCÃO, Renato, O art. 28 da Nova Lei de Drogas na visão do Supremo Tribunal Federal, Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal. n. 16, fev./março de 2007, p. 5; Informativo COAD, ano 27; fascículo semanal nº 17; expedição 29 de abril de 2007, p. 380, disponível na Internet em: www.coad.com.br; Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, ano VIII, n. 43, ab-maio/2007, p. 203; Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, ano 111, n. 16, fev./março-2007, p. 5; Carta Forense (Jornal), ano V, n. 48, maio de 2007, p. 16; Revista Prática Jurídica, Editora Consulex, ano VI, nº 63, 30 de junho de 2007, p. 36.
[3] Em sentido contrário ao que defendemos, conferir: Plínio Antônio Britto Gentil, Nova Lei de Tóxicos: causa de diminuição de pena aplicável retroativamente?, https://secure.jurid.com.br/new/jengine.exe/cpag?p=jornaldetalhedoutrina&ID=35938&Id_Cliente=2520
[4] MARCÃO, Renato. TÓXICOS – Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, anotada e interpretada, 4ª ed. reformulada, 2006, p. 193.
[5] Art. 107, III, do CP: “Extingue-se a punibilidade: pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso”.
[6] Art. 20 do CPP: “A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.
[7] Art. 325 do CP. “Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena — detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave”.
[8] STJ, HC 1.169-0-SP, 5ª T., rel. Ministro Costa Lima, v.u., DJU, Seç. I, de 4-5-1992, p. 5.894, in João Gualberto Garcez Ramos, Audiência Processual Penal, Belo Horizonte, Del Rey, 1996, p. 185.
Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor convidado no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes e em cursos de pós-graduação em diversas Escolas Superiores do Ministério Público e da Magistratura. Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP). Membro Associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP).
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