Resumo: A prática de atos, por umas ou ambas as partes, ocasionando atraso processual, com a exclusiva finalidade de frustrar uma prestação jurisdicional é chamada de assédio processual. Trata-se de uma atuação desproporcional da parte que causa danos e que desestimula a contraparte a prosseguir com o feito. Importante se faz distinguir o assédio processual da má-fé. Esta última possui condutas taxativamente previstas no CPC assim como multa e indenização também fixadas. Já o assédio perfaz uma atitude mais ampla, englobando diversos tipos de atos e eventual indenização por esse tipo de prática não tem limites pré-estipulados O Código de Processo Civil de 1973, prevê em seu texto institutos capazes de amenizar a práticas de atos protelatórios no processo. Exemplos são os artigos 17, 18 e 125. Entretanto muitos juízes deixam de condenar as partes ao pagamento de indenização por assédio processual alegando falta de amparo legal. Para modificar esse panorama de morosidade, um dos objetivos maiores do anteprojeto do novo CPC é garantir a rapidez do processo. Para isso o anteprojeto modificou alguns artigos do atual CPC e incluiu outros, enfatizando o princípio da razoável duração do processo e da celeridade, tentando afastar de uma vez a alegação de falta de amparo legal do assédio processual.
Palavras-chave: assédio processual; morosidade; razoável duração do processo; celeridade; anteprojeto do código de processo civil.
Abstract: The performance of acts by one or both sides, causing delays of procedure, with the sole purpose of frustrating an adjudication procedure is called processual harassment. This is a disproportionate role of the party that causes damage and that discourages the counterparty to proceed with the deed. Becomes important to distinguish processual harassment and bad faith. This one has exhaustively laid down in CPC. So to characterize bad faith is necessary that the act performed fits perfectly into one of the provisions of article 17 of this law. Otherwise, the processual harassment is more generic, encompassing all kinds of acts. Furthermore, the second difference between these institutes is that bad faith is procedurally punished with a fine and compensation fixed by law. The compensation for processual harassment has no limits pre-set. The Code of Civil Process, written in 1973, provides in its text institutes capable of softening the dilatory acts and practices which violate the dignity of the proceedings. Examples are articles 17, 18 and 125. However, many judges don´t use them properly citing lack of legal support. To change this panorama of length, one of the main purpose of the project of the new CPC is to ensure the speed of the process, ensuring the right of the people over a reasonable time. For this, the project of the new CPC amended some articles of the current code and included others, emphasizing the principle of reasonable duration and speed of the process, trying to keep once the allegation of lack of legal protection from processual harassment.
Key-words: processual harassment; causing delays of procedure; reasonable durationof the process; speed of the process; project of the new code of civil process.
Sumário: Conceito de assédio processual. Assédio processual x má-fé. O assédio processual no atual CPC. O assédio processual no anteprojeto do novo CPC. Considerações finais. Bibliografia.
Conceito de assédio processual
Considerado como um ramo do direito moral, o assédio processual pode ser conceituado como a prática de atos, por umas ou ambas as partes, que geram atraso processual, com a exclusiva finalidade de frustrar uma prestação jurisdicional do Poder Judiciário.
Vale ressaltar que enquanto o assédio moral atinge apenas o indivíduo assediado, o assédio processual atinge tanto este como também o Estado, por meio do seu Poder Judiciário. Além disso esse tipo de prática configura afronta à sociedade em geral, uma vez que a morosidade causada propositadamente no curso de um processo se reflete não só em uma ação em particular, mas também em outras lides discutidas no mesmo foro de competência. Isso porque a prática de um ato inútil, como a juntada de documentos irrelevantes, por exemplo, demanda trabalho dos serventuários bem como do próprio juiz, que terá que analisar tais documentos. Esse tempo gasto com tal medida procastinatória poderia ser gasto com outros processos, nos quais as partes estão de boa-fé.
Para Mauro Paroski[1], o que caracteriza o assédio processual “não é o exercício moderado dos direitos e faculdades processuais, mas o abuso e o excesso no emprego de meios legalmente contemplados pelo ordenamento jurídico, para a defesa de direitos ameaçados ou violados”.
Nesse sentido peço vênia para transcrever a brilhante decisão da Juíza Mylene Pereira Ramos, da 63ª Vara do Trabalho de São Paulo, Processo nº 02784200406302004:
“Praticou a ré ‘assédio processual’, uma das muitas classes em que se pode dividir o assédio moral. Denomino assédio processual a procrastinação por uma das partes no andamento de processo, em qualquer uma de suas fases, negando-se a cumprir decisões judiciais, amparando-se ou não em norma processual, para interpor recursos, agravos, embargos, requerimentos de provas, petições despropositadas, procedendo de modo temerário e provocando incidentes manifestamente infundados, tudo objetivando obstaculizar a entrega da prestação jurisdicional à parte contrária”. (grifo nosso)
Jeane Sales Alves[2] define esse instituto como “atuação desproporcional da parte que por meio do abuso do direito de defesa, da prática de atos atentatórios à dignidade da justiça, da inobservância dos deveres das partes, especialmente no que se refere à lealdade e a boa-fé, proporciona excessiva demora na prestação jurisdicional com o fim de desestimular a contraparte a prosseguir com o feito, fazê-la desacreditar no judiciário, forçá-la a celebrar acordo prejudicial aos seus direitos, fazendo com que esta suporte sozinha os efeitos do tempo no processo.”
Através do exercício abusivo do direito de defesa e de petição ao Poder Judiciário causa-se um tumulto processual com o intuito de prejudicar a parte contrária. Os artifícios mais utilizados nessa prática ilícita são a juntada de documentos desnecessários, o atraso na devolução de processos em carga, o pedido de produção de provas irrelevantes, interposição de recursos protelatórios, nomeação à penhora de bens inexistentes entre outros.
PAIM[3] denomina assédio processual como “ato ilícito endoprocessual”, que causa danos a outrem, devendo ser reparados na medida dos prejuízos que causar.
Analisando o assédio processual como ato ilícito, importante mencionar sua previsão legal, o artigo 187 do Código Civil que o define e se refere ao abuso do direito, in verbis:
“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
O artigo 927 desse mesmo diploma legal obriga o causador do dano a repará-lo. Por isso, cometido o ato ilícito do assédio processual, cabe ao assediante indenizar a parte prejudicada dos prejuízos materiais e imateriais que sofreu, nos termos da responsabilidade civil disciplinada no Código Civil.
Constitucionalmente falando, o assédio processual é reprovável uma vez que fere o princípio da razoável duração do processo, inserido no artigo 5º, inciso LXXVII através da EC45/2004, in verbis:
“Artigo 5º, LXXVII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
Entretanto, assim como a previsão de um processo com duração aceitável, a Constituição da República também prevê o princípio do contraditório e da ampla defesa, caracterizados como o direito de se defender de acusações imputadas a si através de qualquer meio permitido em direito.
“Artigo 5º, LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
Entretanto, o direito de defesa deve ser exercido com ponderações. Nas palavras de MARINONI[4] “ se o réu tem direito à defesa, não é justo que o seu exercício extrapole os limites do razoável”.
Com a possibilidade de se condenar alguém por assédio processual, limitar-se-ia a utilização da máquina judiciária. Mas até que ponto isto estaria violando um princípio constitucional em favor de outro (razoável duração do processo x contraditório e ampla defesa)? Em razão da natureza oposta dos princípios analisados, o que se questiona é quando aplicar um ou outro.
A resposta a essa questão é simples. O que se deve ter em mente neste momento é que quando da ocorrência de colisão entre princípios fundamentais a resolução do conflito se dá caso a caso, através da harmonização dos princípios. Isso quer dizer que um não invalida o outro, já que podem e devem ser aplicados na medida do possível e com diferentes graus de efetivação. Dessa forma, cabe ao Magistrado a análise minuciosa do caso em concreto e a distinção daquilo que considera exercício regular do direito de defesa e daquilo que considera abuso, aplicando, neste último caso, as medidas cabíveis ao assédio processual.
Segundo INGO WOLFGANG SARLET[5]: “Em rigor, cuida-se de processo de ponderação no qual não se trata da atribuição de uma prevalência absoluta de um valor sobre outro, mas, sim, na tentativa de aplicação simultânea e compatibilizada de normas, ainda que no caso concreto se torne necessária a atenuação de uma delas.”
Assédio processual x má-fé
Neste ponto da discussão acerca do tema, faz-se necessária a diferenciação entre dois conceitos amplamente confundidos: o assédio processual e a litigância de má-fé.
Basicamente, as diferenças entre esses dois institutos são duas. A primeira é que a litigância de má-fé, expressa nos artigos 17 e 18 do atual Código de Processo Civil, possui condutas taxativamente previstas . Ou seja, o ato praticado deve se enquadrar perfeitamente em um de seus incisos. Caso contrário não haverá a configuração da má-fé. Ao contrário, o assédio perfaz uma atitude mais ampla, englobando uma gama maior de práticas.
O segundo ponto que os distingue é que a litigância de má-fé é punida processualmente através de multa e indenização, limitadas a 1% e 20% do valor da causa respectivamente. Já o assédio é penalizado com o pagamento de indenização, a ser arbitrada pelo juiz e sem limitação de valor.
O assédio processual no atual CPC
O Código de Processo Civil atualmente em vigência, datado do ano de 1973, prevê em seu texto alguns institutos capazes de amenizar a práticas de atos protelatórios e atentatórios à dignidade do processo.
São eles os artigos que seguem:
“Art. 17 – Reputa-se litigante de má-fé aquele que: (…)
IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
Vl – provocar incidentes manifestamente infundados.
VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.
Art. 18 – O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.
§ 2º – O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento.
Art. 125 – O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:(…)
II – velar pela rápida solução do litígio;
III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça; (…)”
Não obstante essas previsões legais, muitos não aplicam a indenização por assédio processual alegando falta de amparo legal vemos nas decisões que seguem:
“Muito embora respeitável a tese de que seria devida a indenização de R$50.000,00 em face do assédio processual, é fato que o pagamento de indenização suplementar não é previsto na CLT.
Em se cuidando de condenação, portanto, a interpretação deve ser restritiva, não se aplicando por exemplo, as disposições contidas no CCB. Excluo da condenação, a indenização suplementar, por falta de amparo legal.” (PROCESSO TRT 15a REGIÃO No. 00952-2006-096-15-00 – 9 RECURSO ORDINARIO DA 3a VARA DO TRABALHO DE JUNDIAÍ, Relator: RICARDO ANTONIO DE PLATO) (grifo nosso)
“ASSÉDIO PROCESSUAL – VAZIO NORMATIVO – IMPOSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO O assédio processual, figura nova, carece de lei específica para lhe dar os contornos e critérios tendo em vista o direito à ampla defesa e à duração razoável do processo. Recurso do empregado desprovido.” (Processo TRT 2a Região No. 00350200844602000 RECURSO ORDINARIO DA 6ª VARA DO TRABALHO DE SANTOS, Relator: JONAS SANTANA DE BRITO). (grifo nosso)
Por esse e outros motivos é que o anteprojeto do novo CPC traz expresso o princípio da razoável duração do processo, assim como outros institutos que garantam a celeridade processual, como veremos a seguir.
O assédio processual no Anteprojeto do novo CPC
O anteprojeto do novo CPC surgiu em 2010 por iniciativa do Senado Federal, no intuito de, nas palavras do Ministro Luiz Fux, “resgatar a crença no judiciário e tornar realidade a promessa constitucional de uma justiça pronta e célere.”
De acordo com a Comissão de Juristas encarregada da elaboração do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, presidida pelo já citado Ministro Luiz Fux, “o novo Código de Processo Civil tem o potencial de gerar um processo mais célere, mais justo, porque mais rente às necessidades sociais e muito menos complexo.”
Ainda segundo a Comissão “levou-se em conta o princípio da razoável duração do processo. Afinal a ausência de celeridade, sob certo ângulo, é ausência de justiça. A simplificação do sistema recursal, de que trataremos separadamente, leva a um processo mais ágil.”
Nota-se que um dos objetivos maiores desse novo anteprojeto é garantir a rapidez do processo, tutelando o direito do jurisdicionado dentro de um lapso temporal razoável, sem atrasos e morosidade desnecessários. Isso para que a prestação jurisdicional seja adequada.
Para isso, modificou alguns artigos do atual CPC e incluiu outros.
Para facilitar o estudo aqui proposto, segue quadro comparativo entre os dois códigos (atual e anteprojeto), demonstrando as correspondências entre os artigos:
Observa-se através da tabela acima que, não obstante os artigos que já existiam no CPC com o objetivo de prevenir a morosidade, a litigância de má-fé e o assédio processual, outros foram incluídos enfatizando o princípio da razoável duração do processo e da celeridade.
O novo artigo 4º dispõe expressamente sobre a razoável duração do processo, positivando na legislação infraconstitucional princípio fundamental previsto na Constituição Federal.
O novo artigo 7º, por sua vez, trata do princípio do contraditório e da ampla defesa, assegurando a isonomia processual entre as partes no que tange aos direitos e faculdades processuais.
Já o artigo 8º do Anteprojeto afirma que a celeridade é dever das partes, que devem contribuir para a solução ágil da lide, colaborando com a Justiça.
Interessante a análise do teor do artigo 52 do Anteprojeto que prevê a cooperação entre o Poder Judiciário como um todo. Essa cooperação trará não só uma facilidade de obtenção de informações e dados mas também rapidez e eficiência ao processo de todas as esferas e matérias, além de permitir ao Estado quer participe ativamente na busca pela prestação jurisdicional célere.
O novo artigo 107 (art. 125 do atual CPC) foi mantido com redação atual, porém com uma inclusão importante. Previu-se expressamente a faculdade do Magistrado atuar no combate ao assédio processual, podendo indeferir pedidos que entender procrastinatórios. Caso a Anteprojeto seja aprovada nesses moldes, sairá de cena a justificativa da falta de amparo legal à aplicação de indenização por assédio processual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O assédio processual, instituto relativamente novo no direito brasileiro, é a prática dolosa de atos procrastinatórios que levam a uma maior morosidade do processo. A parte, mau intencionada, utiliza-se da máquina judiciária e de seus recursos com a finalidade de frustrar prestação jurisdicional a que a outra parte tem direito.
Esse instituto surgiu como desmembramento do assédio moral e foi primeiramente conceituado e aplicado por decisão em processo trabalhista no TRT da 2ª Região. A partir daí o estudo e a discussão sobre ele se acirraram, gerando importantes considerações acerca do assunto.
A Constituição da República, desde 2004, prevê o direito à razoável duração do processo. Entretanto esse princípio é pouco aplicado com a justificativa de que não há previsão legal clara a seu respeito. Além disso, no conflito entre esse princípio e o do contraditório e ampla defesa, estes últimos costumam prevalecer. Tal prevalência ocorre, em regra, devido ao receio dos Magistrados em serem arbitrários e mau interpretados. A solução a esse conflito deve ser feito caso a caso, através da harmonização de princípios de natureza oposta, cedendo a aplicação de um em favor do outro.
O CPC atual prevê alguns institutos na tentativa de coibir a prática de atos processuais abusivos no que tange a garantia de celeridade processual. Apesar mas insuficientes, eles existem e são pouco usados no sentido de condenação por assédio processual. A Justiça do trabalho tem aplicado a indenização por esse tipo de assédio, mas isso está longe de ser o suficiente.
O anteprojeto do CPC traz ao mundo jurídico a positivação legal do já consagrado na doutrina princípio da celeridade. Já em sua justificativa de elaboração observa-se que o legislador enfatizou a busca pela rapidez no deslinde do processo, visando uma prestação mais eficaz e ao mesmo tempo mais justa. Resta claro ao mundo jurídico que o decurso de longos lapsos de tempo causa prejuízos irreparáveis à parte e por isso o Anteprojeto teve a celeridade como um de seus pilares. Trouxe, em seus artigos, a expressa previsão do princípio constitucional da razoável duração do processo, bem como a possibilidade do magistrado indeferir pedidos inúteis ao prosseguimento da lide.
Dessa forma, conclui-se que caso o anteprojeto do CPC seja aprovado, no que tange ao assédio processual, ter-se-ão mecanismos mais eficazes de se combater essa prática atentatória a organização judiciária e principalmente desleal em relação à parte que busca o exercício de um direito. Não mais se poderá argüir a falta de regulamentação legal com relação à celeridade e a harmonização entre os princípios impor-se-á.
servidora pública do TRT da 15a Região, pós-graduanda em Direito do Trabalho e processual do Trabalho
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