Em sessão realizada no dia 31 de janeiro de 2008, o Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu admitir a possibilidade de inclusão dos instrumentos híbridos de capital e dívida com opção de recompra para fins de composição do capital de Nível I do Patrimônio de Referência (PR) das instituições financeiras. Embora essa prática já fosse disseminada entre as instituições financeiras de outros países, a regulamentação brasileira aplicável proibia expressamente que essa possibilidade estivesse ao alcance das entidades locais. A referida restrição estava reproduzida no inciso III do artigo 8º da Resolução CMN nº 3.444, de 28 de fevereiro de 2007, que, dentre as exigências para a emissão desses instrumentos híbridos, não permitia que tais instrumentos previssem cláusula de opção de recompra pelo emissor[1].
Na prática, essa vedação válida para o Brasil apenas se constituía em fator de perda de competitividade para as instituições controladas por capital nacional. Agora, felizmente essa questão foi revista e modificada e a matéria passou a ser regulada pela Resolução CMN nº 3.532, de 31 de janeiro de 2008, que permite a emissão de títulos híbridos com cláusula de opção de recompra, desde que atendidos determinados requisitos, como comentaremos a seguir.
Os instrumentos híbridos de capital e dívida são representados por diversos tipos de títulos ou contratos emitidos para captação de recursos financeiros destinados à capitalização das instituições financeiras.
O PR[2] é o parâmetro utilizado pelo Banco Central do Brasil (Bacen) para verificação do cumprimento dos limites operacionais das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Bacen (exceto as sociedades de crédito ao micro-empreendedor) e consiste no somatório do Nível I e do Nível II.
O Nível I do PR é apurado mediante a soma dos valores correspondentes ao patrimônio líquido, aos saldos das contas de resultado credoras e ao depósito em conta vinculada para suprir deficiência de capital[3], excluído os valores correspondentes a: (i) saldos das contas de resultado devedoras; (ii) reservas de reavaliação, reservas para contingências e reservas especiais de lucros relativas a dividendos obrigatórios não distribuídos; (iii) ações preferenciais emitidas com cláusula de resgate e ações preferenciais com cumulatividade de dividendos; (iv) créditos tributários definidos nos termos da regulamentação aplicável[4]; (v) ativo permanente diferido, deduzido o ágio pago na aquisição de investimentos; (vi) saldos dos ganhos e perdas não realizados, decorrentes do ajuste ao valor de mercado dos títulos e valores mobiliários classificados na categoria “títulos disponíveis para venda” e dos instrumentos financeiros derivativos utilizados para hedge de fluxo de caixa.
Os valores correspondentes a instrumentos híbridos autorizados a compor o Nível I do PR estão limitados a 15% do total do Nível I do PR.
O Nível II do PR é apurado mediante a soma dos valores correspondentes às reservas de reavaliação, às reservas para contingências e às reservas especiais de lucros relativas a dividendos obrigatórios não distribuídos, acrescida dos valores correspondentes a: (i) instrumentos híbridos de capital e dívida, instrumentos de dívida subordinada, ações preferenciais emitidas com cláusula de resgate e ações preferenciais com cumulatividade de dividendos emitidos por instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Bacen; e (ii) saldo dos ganhos e perdas não realizados decorrentes do ajuste ao valor de mercado dos “títulos disponíveis para venda” e dos instrumentos financeiros derivativos utilizados para hedge de fluxo de caixa.
Para fins de apuração do Nível II do PR, do valor dos instrumentos híbridos deve ser deduzido o valor dos respectivos instrumentos na apuração do Nível I do PR. O montante do Nível II fica limitado ao valor do Nível I.
Para integrar os dois níveis (Nível I e Nível II) do PR, os instrumentos híbridos de capital e dívida devem atender os seguintes requisitos[5]:
a) ser nominativos, quando emitidos no Brasil e, quando emitidos no exterior, sempre que a legislação local assim o permitir[6];
b) ser integralizados em espécie;
c) ter caráter de perpetuidade, não podendo prever prazo de vencimento;
d) ter o seu pagamento subordinado ao pagamento dos demais passivos da instituição emissora, na hipótese de sua dissolução;
e) estabelecer sua imediata utilização na compensação de prejuízos apurados pela instituição emissora, quando esgotados os lucros acumulados, as reservas de lucros e as reservas de capital;
f) prever a obrigatoriedade de postergação do pagamento de encargos, enquanto não tiverem sido distribuídos os dividendos relativos às ações ordinárias referentes ao mesmo exercício social;
g) prever a obrigatoriedade de postergação de qualquer pagamento de encargos, caso a instituição emissora esteja desenquadrada em relação aos limites operacionais ou o pagamento crie situação de desenquadramento;
h) ter a recompra ou o resgate, seja a operação realizada direta ou indiretamente, condicionado à autorização prévia e expressa do Bacen. Considera-se indireta a operação efetuada por intermédio de pessoa jurídica ligada ao emissor, com o qual componha conglomerado financeiro ou consolidado econômico financeiro[7];
i) não podem ser resgatados por iniciativa do credor;
j) não podem ser objeto de qualquer modalidade de garantia;
k) não podem ser objeto de seguro, por meio de quaisquer instrumentos ou estrutura de seguros que obrigue ou permita pagamentos ou transferência de recursos direta ou indiretamente, da instituição financeira (ou de pessoa jurídica a ela ligada com a qual componha conglomerado financeiro ou consolidado econômico-financeiro[8]) para o detentor do instrumento e que comprometa a condição de subordinação acima expressa[9].
São elegíveis para integrar o Nível I do PR apenas os instrumentos híbridos que atendam aos requisitos ora elencados e que prevejam o não pagamento dos respectivos encargos enquanto não distribuídos os dividendos relativos às ações ordinárias referentes ao mesmo exercício social e à não cumulatividade dos encargos não pagos.
Na hipótese de colocação no exterior, os instrumentos híbridos devem conter cláusula de eleição de foro, onde sejam reconhecidos os requisitos acima relacionados, na solução de eventuais disputas judiciais.
A autorização para recompra ou resgate dos instrumentos híbridos somente poderá ser concedida, se a instituição emissora estiver dentro dos limites operacionais exigidos pelo Bacen e a operação de recompra ou resgate não acarretar situação de desenquadramento em relação a esses limites.
A recompra ou resgate direta ou indireta somente será permitida nas duas hipóteses: (i) emissão de novos instrumentos híbridos de capital e dívida, em montante equivalente ao dos instrumentos recomprados ou resgatados e em condições mais favoráveis no que diz respeito ao pagamento dos encargos; ou (ii) em condições de negócio que, a critério do Bacen, justifiquem a pretensão da instituição.
Os valores referentes aos instrumentos híbridos recomprados deixam de integrar os dois níveis (I e II) do PR. Todavia, mediante comunicação ao Bacen, os valores relativos à recolocação no mercado dos instrumentos recomprados podem voltar a integrar o Nível I e o Nível II do PR.
Os prazos e condições estabelecidos para a recompra ou resgate de instrumentos híbridos também se aplicam à resilição do contrato ou documento que amparar a operação de captação de recursos.
De acordo com as novas normas anunciadas pelo CMN, os instrumentos híbridos podem ser emitidos com cláusula de opção de recompra pelo emissor, combinada ou não com modificação de seus encargos financeiros caso não exercida a opção, desde que atendidos os seguintes requisitos:
1. intervalo mínimo de dez anos entre a data da autorização para que o instrumento integre o PR e a primeira data de exercício de opção de recompra;
2. previsão contratual para que o exercício de opção de recompra seja condicionado, na data do exercício, à autorização do Bacen;
3. modificação dos encargos financeiros, expressos em termos de taxas anuais, limitada ao maior dos seguintes valores: (a) 100 pontos-base; ou (b) 50% do diferencial do crédito. O diferencial de crédito é a diferença entre a taxa interna de retorno anual do instrumento e a taxa interna de retorno dos títulos governamentais comumente utilizados como referência de mercado e contendo estrutura de prazos e moedas semelhantes, associadas ou não a instrumentos financeiros derivativos. Considera-se ainda para esse fim o prazo correspondente ao período entre a data de autorização para que o instrumento integre o PR e a data de exercício da opção.
Para obter a autorização do Bacen que é exigida para recomprar os títulos, a instituição deverá manifestar ao Bacen a sua intenção de exercer a opção de recompra.
No caso de cláusula de opção de recompra combinada com a substituição, inclusão ou exclusão de indexador, os limites máximos definidos no item (iii) acima [100 pontos-base ou 50% do diferencial do crédito] aplicam-se à alteração total de remuneração prevista para a data do exercício da opção de recompra, considerando a alteração nominal de juros, se houver, e os valores esperados para os indexadores que venham a ser excluídos, incluídos ou alterados, apurados para o período entre a data da autorização para que o instrumento integre o PR e a data do exercício da opção.
Caso entenda que os mercados não oferecem liquidez suficiente para avaliação confiável das taxas de juros aplicáveis ao instrumento, o Bacen poderá negar autorização para que esse instrumento integre o PR.
A modificação dos encargos financeiros condicionada ao não exercício da opção de recompra poderá ocorrer, no máximo, uma única fez durante toda a vigência do instrumento.
As novas normas adotadas pela autoridade monetária, sem dúvida, representam um grande avanço e colocam o Brasil no mesmo patamar dos países mais adiantados, na medida em que eliminam a desvantagem do regime anterior, que proibia a emissão de instrumentos híbridos com cláusula de opção de recompra pelo emissor. Agora esses instrumentos podem ser utilizados para capitalização (composição do capital de Nível I do PR) das instituições financeiras brasileiras, dentro das condições acima analisadas.
sócio fundador de Walter Stuber Consultoria Jurídica, atuando como advogado especializado em direito empresarial, societário, financeiro e mercado de capitais e autor de inúmeros artigos publicados nessa área em revistas jurídicas nacionais e internacionais.
Walter Stuber Consultoria Jurídica
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