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A pena de morte

A pena de morte tornou-se, nestes
últimos dias, a síndrome do medo; a carniça dos juristas; a matéria preferida
dos políticos de oposição. Oposição a quê e a quem, eu não sei. Enfim os
debates se sucedem em nossas televisões, em rede nacional, seminários em
grandes hotéis que se aproveitam, para uma excelente campanha publicitária
sobre as qualidades do hotel, não sobre a importância dos temas que serão
abordados, aliás uma excelente maneira de vender uma
imagem, cuja única finalidade nunca é conseguida. Que é acabar com a
criminalidade.

Entre os debatedores, tem sempre, os
contra e os a favor, da pena capital. Porém, nem sempre sabem os efeitos que
podem advir com tão severa lei. Por outro lado, poderíamos trancar as portas
dos tribunais superiores para reparar erros judiciários (que são muitos), às
vezes muitos anos após o sentenciado ter cumprido sua pena. No caso da pena de
morte, acredito que nenhum juiz seria capaz, de ressuscitar um infeliz que
tivesse “sua cabeça cortada, apesar de inocente”.

No início dos anos 50, um jornal
paulista publicou um artigo de fundo sobre a pena de morte. Os argumentos com
que o jornal sustentava essa tese repugnante, sempre os mesmos: estão falhando
os princípios da condenação em face da onda de crimes tenebrosos que aumenta,
em lugar de retroceder; estão falhando os princípios de condenação para
corrigir e reintegrar o delinqüente no convívio social;  os latrocínios e
a brutalidade contra menores assumem proporções alarmantes; os facínoras são
degenerados e incorrigíveis; A sociedade necessita de ser resguardada dessas
feras; pode ser que o tarado seja um louco, mas a sua loucura destrói vidas,
provoca o desequilíbrio da sociedade, e conclui: a pena de morte é, portanto,
necessária para criminosos de semelhante categoria, reconhecidamente perversos
e sem possibilidades de se regenerarem, carecem, pois, de ser incluída de novo
na legislação criminal do país, como escarmento à delinqüência  que se
expande a cada hora que passa, e justifica: o criminoso que sabe não sofrer as
conseqüências da cadeira elétrica ou do fuzilamento ou da forca, dá expansão aos sentimentos homicidas e bestiais que o
dominam. É preciso que tenha convicção da sorte que o aguarda se atender ao
máximo contra a sociedade. E vem o fecho com uma tirada lírica-peripatática:
as vítimas sacrificadas de forma tão desumana, após servirem de pasto à
ferocidade dos algozes, clamam do fundo dos túmulos a justiça precisa. Essa
justiça é a pena de morte. Os matadores e seviciadores precisam ter diante de
si a realidade da condenação última.

Como se vê, é a argumentação primária
repetida e decorada, sempre a mesma, sempre destituída de qualquer fundamento
científico, humano ou cristão, produto sempre da ignorância integral que aplasta até aqueles cuja função seria orientar a opinião
pública. Todos esses argumentos, sem exceção de um só, foram analisados, espiolhados, esmiuçados e provada não apenas a sua
insanidade mas a hediondez que refletem.

A repressão ao crime não depende da
violência de suas leis penais, depende de fatores múltiplos, instrução,
educação, situação econômica, tranqüilidade coletiva, equilíbrio social,
administração e, por ai afora.

Houve, em outras épocas, em países
desenvolvidos, como a Inglaterra, França, Estados Unidos, (com exceção de
alguns estados) aboliram tal instrumento, por
concluírem que, ao contrário de inculcar medo no delinqüente, o deixam mais
resoluto. Segundo palavras de um jurista: Qualquer primário poderia concluir
que a pena de morte, em lugar de coibir, incentiva o crime. Não é bem isso. Até
certo ponto incentiva mesmo.. Porque certos desequilibrados, com tendências
para esses atos horrorosos, mas que se mantinham indecisos ou sofreadas esses
tendências, podem perfeitamente dar-lhe expansão ante a perspectiva mística do
martírio acenado pela pena de morte. Mas esta é uma circunstancia apenas e não
a mais importante da criminalidade. Em países como a França, Inglaterra,
Estados Unidos, que estiveram envolvidos em uma guerra sangrenta, época em que
ocorreram os mais cruéis e tenebrosos crimes, e que havia o instituto da pena
de morte. Os crimes contra a pessoa humana se manifestaram de
maneira mais cruel e repelente, isso se deve a fatores sociológicos múltiplos,
como os abalos sociais, os traumatismos coletivos, guerras, bombardeios,
ocupações pelo inimigo, relaxação conseqüente dos costumes, afrouxamento da
sanção social, pois em determinadas ocasiões o incêndio, a sabotagem, o
assassínio do ocupante ou colaboracionista, dentro da psicose da guerra,
agravada pelos complexos de inferioridade acirrados, se tornam até ato de
heroísmo. Como culpar o pequeno assassino, de 18 a 20 anos, quando durante
um lustro, desde os treze anos, ouviu dizer que uma tocaia contra alemães ou
uma bomba atirada num trem constituía a mais pura e cristalina prova de
bravura? Passado o período anômalo, entram essas vítimas na normalidade sabendo
quase que exclusivamente matar, pois outra coisa não
aprenderam, já nas resistências, já no colaboracionismo. Depois disso,
vem essas mesmas sociedades que fazem a guerra, esses
mesmos homens para os quais as carnificinas são benfazejas, pois o fornecimento
de metralhadoras e canhões, de balas e granadas lhes permitem ficar
milionários, para, na preservação do seu egoísmo e de sua classe hedionda,
querer eliminar o pequeno assassino, vítima, este sim, vítima legítima desses
homens de negócio, desses fazedores de guerras.

E nos nossos tempos, ainda, -creio eu-
não temos os nossos fazedores de guerras, mas em compensação os fazedores de
marginais. O indivíduo que tem a infelicidade de cair em mãos de maus
policiais, que ao invés de lhe mostrar o bom caminho, libertam-no mediante
régio pagamento. Ora se não tiver, a família dá um jeito, tendo sempre um mau
advogado como intermediário, na base do meio a meio. E ai
temos um novo criminoso, que terá de roubar para poder pagar – como já o
disse certa vez o eminente jurista Hélio Bicudo-, o pedágio.

E, por isso, a criminalidade, ao invés
de diminuir, tende a aumentar cada vez mais. Uma sociedade que é praticamente
dominada pela corrupção, não pode em sã consciência, exigir leis, que venham a
“tirar o pão da boca das crianças”, pois os salários com que são
pagos, são na realidade uma mentira. E com maior razão
deveria se apelar -se algum dia pudesse uma sociedade lúcida utilizar o crime
na repressão ao crime- para a pena de morte, não aplicada contra estas vítimas
sinistras, mas contra aqueles verdadeiros responsáveis, embora indiretos.

Porque os verdadeiros responsáveis pelo
martírio de se ver tanta violência nos bairros de São Paulo, são na realidade
os responsáveis pela decadência da instrução e da educação, pela decadência da
família, as famílias pobres pela miséria, pela precária situação econômica, os
preços das coisas de primeira necessidade à mercê de exploradores de todo o gênero,
que vivem regaladamente nos postos da política e da administração; as famílias
abastadas pelo desregramento dos costumes, jogos de interesses; ambas as
categorias pela falta de assistência pública e decadência da administração
entregue a mãos incompetentes, de gente sem o menor
preparo, para compreender tais problemas, deixando grandes cidades,
completamente abandonadas, sem serviços públicos, sem meios para a assistência
social, a menores, loucos, criminosos e por ai afora. Coroando tudo, a falta de
polícia, minada esta de elementos indesejáveis, sócios de criminosos e também
num atraso de muitos anos não só em relação aos melhoramentos científicos – a
nossa ciência, apesar da Constituição Federal, ainda‘; e o famigerado
pau-de-arara, cama-elástica, cadeira-do-dragão, além
dos informantes ignominiosos, que vendem “cabeças”, muitas vezes
inocentes em troca do vil metal, mas ainda à organização anacrônica e
inadequada a uma cidade de quase 20 milhões de habitantes.

Não vamos nos estender sobre os assuntos
com as necessárias minúcias. Mas é por tudo isso que ai está, “onda de
crimes tenebrosos”, de “degenerados e incorrigíveis”, essas
“feras das quais a sociedade precisa ser
resguardada”. Como esperar outra coisa, se a própria rádio e televisão se
tornaram instrumentos de deseducação? Com aquela dando notícias
sensacionalistas e incitando o povo à violência, sem nenhum critério.

E as nossas televisões com exibição de
programas, novelas e filmes, que em vez de educar, ou mesmo de ajudar na
formação do futuro da nação, ensinam como praticar o sexo, como se rouba e se
dá bem, como se mata sem ser preso, e assim por diante. E a imprensa, os
jornais e as revistas, esta sinistra imprensa de escândalos, que vive farejando
sordícias nos plantões de polícia, para pasto de uma
massa obscurecida, cada vez mais deteriorada pela ação repugnante de maus
profissionais, pois só mesmo num país onde a ignorância seja generalizada,
existem jornais que são capazes de envenenar o espírito público, com manchetes
perigosas, produtos de uma supina ignorância.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Jorge Cândido S. C. Vianna

 

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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