Tenho mantido várias reuniões
interessantes com autoridades policiais britânicas. Semana passada, estive em Bramshill, a academia nacional que forma a hierarquia da
polícia da Inglaterra e País de Gales. Para se entender o trabalho que é feito
lá seria preciso primeiro lembrar que a Inglaterra possui 43 forças policiais.
Todas elas autônomas e subordinadas a pequenos comitês locais (“Police Authority”) formados
por pessoas indicadas pelo governo e representantes das comunidades. A exceção
fica por conta da “Met” ,
a Polícia Metropolitana de Londres, que é subordinada ao governo central (mais
precisamente ao “Home Office”). Em
que pese esta aparente dispersão de estruturas policiais, há um conjunto de
fatores que asseguram uma grande identidade entre elas: primeiro, a Polícia de
Londres foi fundada em 1829 e seu sucesso permitiu a emergência de um modelo a
ser seguido pelo resto do país; segundo, o governo central é responsável por
cerca da metade dos orçamentos das polícias regionais –a outra metade é paga pelos
cidadãos no imposto municipal – e condiciona a liberação de mais recursos ao
desempenho das Polícias e, terceiro, a doutrina de policiamento no Reino Unido
é definida em Bramshill.
Embora a história da Inglaterra
registre, desde os primórdios da Idade Média, o exercício de funções policiais
por grupos de cidadãos, o país foi o último na Europa Ocidental a estabelecer
uma Polícia profissional. No início do século XIX, o modelo mais influente de
policiamento era oferecido pela França com sua tradição de espionagem política
e de uma típica “Polícia de Estado”. Os ingleses enxergavam nesse
exemplo algo detestável e os jornais da época – o “The
Times”, por exemplo -afirmavam em seus editoriais
que “nós, ingleses, preferimos perder nosso dinheiro para um ladrão do que
perder nossa liberdade para o Estado”. O idealizador da Polícia de
Londres, Robert Peel, só venceu as resistências do
Parlamento quando formatou a proposta de uma força policial uniformizada (com
sobrecasaca, como os demais funcionários públicos, e de cartola para simbolizar
autoridade) e, surpreendentemente, fez com que ela trabalhasse desarmada.
(Ainda hoje é assim. Em situações especialmente graves, os policiais podem
requisitar apoio de oficiais autorizados a usar armas. Esses casos são, não obstante,
muito raros. Em compensação, nenhum cidadão pode comprar armas e a simples
posse de uma pode assegurar muitos anos de cadeia) Sua orientação para os
policiais estimulou a cordialidade no trato com os cidadãos e sublinhou o auto-controle como uma das mais importantes qualidades que
todos deveriam manter. Essas qualidades marcaram profundamente a
cultura policial britânica e abriram o caminho para que, já na segunda metade
do século XX, ela passasse a ser fortemente influenciada pela idéia dos Direitos
Humanos. O que os ingleses inventaram, então, foi o “policiamento baseado
no consenso” e o mundo passou a ter um novo modelo de policiamento,
marcado pela eficiência no combate ao crime e pelo respeito aos direitos dos
cidadãos.
Jornalista
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