O instituto da Prisão Civil possui uma importância incomensurável. É ela assunto de diversas legislações ao longo do período histórico da humanidade, mesmo quando ainda não entendida desta forma, seus fundamentos se demonstram, ao se proceder uma análise do que ocorria em cada situação. Neste trabalho estudar-se-á esta prisão em um retrospecto histórico, tanto em ordenamentos jurídicos da antiguidade como nas Constituições Federais promulgadas pelo Brasil em sua longa história de evolução jurídica. Serão vistos, ainda, os reflexos de tratados internacionais de direitos humanos que foram assinados pelo país, trazendo reflexos importantes relativos ao Direito Interno.
Finalmente, serão estudadas e examinadas diversas jurisprudências as quais formaram, ao longo destes anos, o entendimento da Corte Suprema em relação ao tema. Trata-se de uma matéria de suma seriedade, pois envolve o entendimento a ser seguido por todo o Poder Judiciário no que tange a julgamentos envolvendo esta questão. Reveste-se a análise da posição de permissão ou não em relação à Prisão Civil do Tribunal Supremo de ainda maior relevância quando se realiza que o que ela trata é sobre a possibilidade ou não da repressão a um dos direitos mais fundamentais da pessoa humana: o direito à liberdade de ir e vir.
A Evolução Histórica da Prisão Civil no Brasil
Sendo este instituto uma extensão do título “prisão”, é necessário que se faça uma explicação sobre este termo. Ele é, basicamente, a privação das garantias fundamentais da liberdade de locomoção, ou seja, de ir e vir, conforme a devida ordem legal ou em virtude de um fator desempenhado pelo particular que porventura possua no ordenamento jurídico esta pena, ou seja, esteja tipificada aquela ação como crime, e sendo a prisão a devida punição prevista.
A Prisão Civil classifica-se como o recolhimento à prisão de um cidadão, sendo originada de uma dívida. Não é uma condenação penal, pois não envolve crime. Trata-se, apenas, de mais um meio de coerção do Estado para que o, por exemplo, devedor de alimentos pague o que deve. Assim classifica o jurista Arnaldo Marmitt:
“A prisão existente na jurisdição civil é simples fator coercitivo, de pressão psicológica, ou de técnica executiva, com fins de compelir o depositário infiel ou o devedor de alimentos, a cumprirem sua obrigação. Insere-se na Constituição Federal como exceção ao princípio da inexistência de constrição corporal por dívida. Sua finalidade é exclusivamente econômica, pois não busca punir, mas convencer o devedor relapso de sua obrigação de pagar”. (MARMITT, 1989, p.7)
Também pode-se analisar o conceito trazido pelo autor Álvaro Villaça Azevedo:
“Prisão civil, assim é a que se realiza no âmbito estritamente do Direito Privado, interessando-nos, neste estudo, essencialmente, a que se consuma em razão de dívida impaga, ou seja, de um dever ou de uma obrigação descumprida e fundada em norma jurídica de natureza civil. Especificamente, neste trabalho, objetivando a prisão civil, por dívida, do depositário infiel e do alimentante descumpridor de dever alimentar.” (AZEVEDO, 2000, p. 51)
É válido, então, que a prisão civil seja entendida como um simples método de estimular aos cidadãos a pagarem seus devidos débitos. Ou, então, que saibam que podem ser recolhidos aos estabelecimentos prisionais, caso não o façam.
Ao se verificar os dispositivos legais dos primórdios da humanidade, chega-se a um exemplo que, atualmente, se enquadraria como o instituto da Prisão Civil. Este encontra-se no famoso Código de Hamurabi. Este é um manuscrito da Babilônia, criado pelo rei Hamurabi, o sexto governante daquela nação, cujos domínios, sob seu governo, se estenderam enormemente. É considerado por muitos como a maior contribuição de cunho cultural deste governante, sendo um dos mais antigos códigos de leis conhecidos e preservados, especialmente por ser um documento escrito. Nele, existem disposições que explicitam o procedimento em caso de dívida não paga, podendo ser o devedor recolhido à prisão, como demonstra seu § 115, nas palavras de Álvaro Villaça Azevedo:
“Assim, pelo § 115, se uma pessoa tinha contra outra um crédito de trigo ou de prata e se o credor tomasse, em garantia desse crédito, uma pessoa, e se esta pessoa executada morresse, de morte natural, na casa do mesmo credor, essa causa não motivava qualquer reclamação”. (AZEVEDO, 2000, p. 15)
Ao credor, portanto, era facultado levar o devedor à prisão em caso de dívida, um exemplo clássico de ação coercitiva para quem deve.
No entanto, esta permissão não era estendida ao uso de maus tratos, morte ou qualquer ato que atentasse contra ao devedor. Ainda de acordo com Álvaro Villaça Azevedo:
“Todavia, se o aludido executado morresse na casa do credor, espancado ou maltratado por este, o proprietário desse executado obtinha condenação do credor; e, se o executado fosse filho de um homem livre, deveria ser morto o filho do credor; e, se fosse escravo de homem livre, deveria o credor pagar um terço de mina de prata; e, fosse qual fosse seu crédito, perdê-lo-ia, integralmente (§ 116)”. (AZEVEDO, 2000, p. 15)
Em suma, apesar de não ser concedido o livre direito em dispor sobre a vida da pessoa sob sua guarda, era o direito do credor recolhê-lo à prisão, ou à sua casa. Dito isto, não resta dúvida de que o bem a ser tomado em garantia neste tipo de situação era o próprio ser vivo.
Já no Egito, também havia a possibilidade de dispor-se da própria pessoa do devedor quando da impossibilidade do pagamento de uma dívida, seja qual for o seu motivo, até o momento em que um de seus reis, conhecido como Bocchoris, editou uma lei proibindo esta modalidade de prisão. Cita-se o mesmo autor:
“Antes dessa lei, o devedor expunha-se à servidão pessoal, quando ficasse impossibilitado de pagar seu débito, sujeitando-se a trabalhar para o credor até o pagamento de quanto devesse. É possível, mesmo, que tivessem os credores o direito de vender seus devedores”. (AZEVEDO, 2000, p. 17)
Embora não tenha se tornado ponto pacífico na legislação egípcia à época, devido à instabilidade natural, pois era um país em que haviam constantes disputas de poder, reconhece-se que a proibição foi um importante marco, no sentido de reconhecer que a liberdade da pessoa humana era um direito não sujeito a alienação por dívidas. Isso, claro, reforça e mantém a importância dada a um importante direito como este.
Também merecem menção as regras existentes no antigo povo Hebreu, os quais viviam principalmente de regras orais, que posteriormente foram passadas para modo escrito. Merece menção, como conjunto de regulamentos pelos quais viviam os israelitas, o Código da Aliança.
De acordo com Azevedo, a inovação deste código é em relação ao Direito Familial, acabando por silenciar sobre a questão contratual e obrigacional. Estas eram dadas pelo Direito neo-babilônico, que na época terminou por se constituir como um guia comercial, assim como hoje o é o Direito Comercial, tornando-se tão comum que era adotado por grande parte do Oriente. Mas a questão das dívidas acabou por ser objeto de medidas destinadas a não tornar sua punição tão pesada, havendo medidas como a obrigatoriedade da libertação de um devedor após o prazo de sete anos em que prestou serviços à pessoa a quem estava endividada.
Em relação ao Direito Romano, sem dúvida uma fonte de enorme importância para o Ordenamento Jurídico, também tratava sobre esta modalidade. Deve-se lembrar que, naquela época, a população comum, sem os direitos e privilégios da elite dominante, não tinha como se contrapor à mesma, nem contrair dívidas e empréstimos, por não possuir nenhum meio de dar algo em garantia. Nessa situação, o costume era entregar a única coisa que possuíam: seu próprio corpo.
Conforme a famosa Lei das XII Tábuas, quem dava algum bem ou o vendia, perante testemunhas, estaria obrigado a cumprir como se fosse objeto de lei. Ou seja, ao dar sua palavra de que iria fazer aquilo, causava-se o mesmo efeito de existir um regulamento obrigando-o a fazê-lo.
Partindo-se desta premissa, acaba-se tendo que avaliar isto em razão de um outro dispositivo, também previsto na Lei das XII Tábuas. Este era a Tábua Terceira, especificamente as Leis de IV a IX:
“IV – Aquele que confessa dívida perante o magistrado ou é condenado, terá 30 dias par pagar; V – Esgotados os 30 dias e não tendo pago, que seja agarrado e levado à presença do magistrado; VI – Se não paga e ninguém se apresenta como fiador, que o devedor seja levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso até o máximo de 15 libras; ou menos, se assim o quiser o credor; VII – O devedor preso viverá à sua custa, se quiser; se não quiser, o credor que o mantém preso dar-lhe-á por dia uma libra de pão ou mais, a seu critério; VIII – Se não há conciliação, que o devedor fique preso por 60 dias; durante os quais será conduzido em 3 dias de feira ao comitium, onde se proclamará, em altas vozes, o valor da dívida; IX –Se são muitos os credores, é permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quanto sejam os credores, não importando cortar mais ou menos; se os credores preferirem, poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do tibre.” (AZEVEDO, 2000, p. 22)
Pode-se seguramente concluir, então, que o instituto da prisão civil já existia este ordenamento jurídico secular. Estão claramente demonstradas tanto a possibilidade de prisão quanto a penhora do próprio corpo, configurando assim a execução pessoal.
No Brasil, a Constituição que se fez vigente durante o período da chamada “República Velha”, a Carta Constitucional de 1891, inspirada na Constituição dos Estados Unidos da América, não fez menção alguma ao instituto da Prisão Civil. Nem o fez sua antecessora, datada de 1824.
No entanto, a Constituição de 1934 trouxe esta questão no artigo 113, que trata das garantias individuais dos cidadãos, em seu inciso 30: “não haverá prisão por dívidas, multas ou custas” (BRASIL, 1934, s.p.). Ou seja, considerava-se, conforme a análise deste artigo pode demonstrar, que este método de coerção não seria usado para pagamento de multas, custas ou dívidas.
A Constituição seguinte, de 1937, demonstrou-se falha ao não tratar desta questão, não possuindo disposições sobre a mesma em seu texto. Neste quesito, portanto, a Carta Constitucional desta época se omitiu.
Já a que a substituiu, datada de 1946, voltou a vedar dívidas de cunho civil, conforme demonstrado em seu art. 141, §32: “Não haverá prisão civil por dívida, multa ou custas, salvo o caso do depositário infiel e o de inadimplemento de obrigação alimentar, na forma da lei” (BRASIL, 1946, s.p.).
Entende-se então que, excetuando-se as duas exceções mencionadas neste texto legal, não haveria possibilidade de prisão que não fosse a caracterizada pela prática de uma conduta definida como criminosa e contrária à lei, ou seja, havia a necessidade de uma sentença penal condenatória e definitiva para o recolhimento do cidadão à guarda estatal.
Este mesmo texto passou a vigorar na Carta Constitucional de 1967, promulgada no período em que ficou conhecido como os anos iniciais da Ditadura Militar. Sobreviveu a alterações até a promulgação da popularmente conhecida como Constituição Cidadã, promulgada no ano de 1988.
Esta traz a seguinte disposição em seu art 5º, inciso LXVII: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel” (BRASIL, 1988, s.p.). A mesma conclusão feita acima pode ser considerada para este caso, pois o dispositivo é muito semelhante.
A impossibilidade de Prisão Civil nos termos do Pacto de São José da Costa Rica e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
A Constituição Federal Brasileira de 1988, rege-se por vários princípios que não existiam nos textos constitucionais anteriores. Conforme demonstra a conhecida autora Flávia Piovesan:
“Na realidade, trata-se da primeira Constituição brasileira a consagrar um universo de princípios a guiar o Brasil no cenário internacional, fixando valores a orientar a agenda internacional do Brasil – iniciativa sem paralelo nas experiências constitucionais anteriores. Com efeito, nos termos do art. 4º do texto, fica determinado que o Brasil rege-se, nas suas relações internacionais, pelos seguintes princípios: “independência nacional (inciso I), prevalência dos direitos humanos (inciso II), autodeterminação dos povos (inciso III), não intervenção (inciso IV), igualdade entre os Estados (inciso V), defesa da paz (inciso VI), solução pacífica dos conflitos (inciso VII), repúdio ao terrorismo e ao racismo (inciso VIII), cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (inciso IX) e concessão de asilo político (inciso X). O art 4º da Constituição Brasileira simboliza a reinserção do Brasil na arena internacional”. (PIOVESAN, 2006, p. 61).
Como pode-se concluir do ensinamento da renomada autora, o que antes era apenas uma garantia de que a lei seria aplicada e respeitada no próprio território nacional, transformou-se agora em um símbolo da tentativa de integração internacional com a luta pelos direitos individuais e humanos. Esta não seria apenas um esforço do país, mas um ato coordenado com todos os países amantes da paz e do respeito à pessoa humana e sua dignidade, sem distinções de qualquer gênero que pudessem extinguir este processo.
A mesma autora ensina que os tratados internacionais podem reforçar o valor destes direitos, fazendo com que o país tente se adequar aos acordos realizados:
“A reprodução de disposições de tratados internacionais de direitos humanos na ordem jurídica brasileira não apenas reflete o fato de o legislador nacional buscar orientação e inspiração nesse instrumental, mas ainda revela a preocupação do legislador em equacionar o direito interno, de modo a ajustá-lo, com harmonia e consonância, às obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado brasileiro. Nesse caso, os tratados internacionais de direitos humanos estarão a reforçar o valor jurídico de direitos constitucionalmente assegurados, de forma que eventual violação do direito importará em responsabilização não apenas nacional, mas também internacional”. (PIOVESAN, 2006, p. 92)
Percebe-se, assim, a preocupação do legislador nacional em situar o Brasil como um país mantenedor dos direitos humanos, interessado em sua garantia e desenvolvimento.
Também revela a autora as mudanças internas ocorridas no pensamento brasileiro:
“Além das inovações constitucionais, como importante fator para a ratificação desses tratados internacionais, acrescente-se a necessidade do Estado brasileiro de reorganizar sua agenda internacional de modo mais condizente com as transformações internas decorrentes do processo de democratização. Esse esforço se conjuga com o objetivo de compor uma imagem mais positiva do Estado brasileiro no contexto internacional, como país respeitador e garantidor dos direitos humanos. Adicione-se que a adesão do Brasil aos tratados internacionais de direitos humanos simboliza ainda o seu aceite para com a idéia contemporânea de globalização dos direitos humanos, bem como para com a idéia da legitimidade das preocupações da comunidade internacional no tocante à matéria”. (PIOVESAN, 2006, p. 262)
Conforme estas palavras, repara-se em ter o país uma preocupação em não mais ser conhecido como um Estado linha-dura, em que os direitos fundamentais são regularmente rasgados, como freqüentemente ocorreu nas décadas do período conhecido como “anos de chumbo”. Uma democracia não pode tolerar estar ligada a atos de desrespeito aos verdadeiros governantes, ou seja, os próprios cidadãos.
Esta decisão fica ainda mais visível ao se analisar o art. 5º, § 2º da Constituição Federal, o qual diz que “os direitos e garantias expressos nessa Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Republica Federativa do Brasil seja parte“ (BRASIL, 1988, s.p.). Deste modo, verifica-se que há a concreta realização de uma antiga aspiração de vários grupos de defesa dos direitos humanos, no sentido de que, após os vários anos passados em meio à ditadura militar, que nunca foi tímida em usar de todos os meios possíveis para reprimir opositores, finalmente o país assumia a responsabilidade e dava passos concretos para a proteção da pessoa humana como um todo.
Isto posto, um dos grandes símbolos desta nova mentalidade foi o aparecimento da Convenção Americana de Direitos Humanos, popularmente conhecida como Pacto de São José da Costa Rica. É considerado um dos maiores avanços, no Brasil, nos esforços citados acima. Foi realizado em uma reunião dos países americanos em 22 de novembro de 1969, tendo entrado em vigência a partir de 18 de julho de 1978, e sendo adotado no Brasil através do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992.
Esta Convenção faz parte do sistema regional de proteção aos Direitos Humanos, incentivada pela Organização das Nações Unidas como um meio de integrar, regionalmente, a defesa destes direitos. As vantagens são várias, tanto por ser um número menor de países, traduzindo-se isto em facilidade para trabalho, além de dividirem a mesma língua, o que torna tudo mais dinâmico.
Este pacto trouxe toda uma ampla gama de direitos antes não trazidos ou não respeitados na época de sua assinatura e formação. Conforme Piovesan:
“Substancialmente, ela reconhece e assegura um catálogo de direitos civis e políticos similar ao previsto pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Desse universo de direitos, destacam-se: o direito à personalidade jurídica, o direito à vida, o direito a não ser submetido à escravidão, o direito à liberdade, o direito a um julgamento justo, o direito à compensação em caso de erro judiciário, o direito à privacidade, o direito à liberdade de consciência e religião, o direito à liberdade de pensamento e expressão, o direito à resposta, o direito à liberdade de associação, o direito ao nome, o direito `a nacionalidade, o direito à liberdade de movimento e residência, o direito de participar do governo, o direito à igualdade perante a lei e o direito à proteção judicial”. (PIOVESAN, 2006, p. 228)
Para efetuar a manutenção e implementação deste tratado, foi criada a Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja sede se localiza na cidade de São José, na Costa Rica. Esta, em conjunto com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, localizada em Washington, Estados Unidos, formam o que é conhecido como Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos[1]. É um órgão da Organização dos Estados Americanos[2], que por sua vez é um órgão da Organização das Nações Unidas.
No que concerne a este trabalho, cabe verificar a seguinte disposição presente no Pacto de São José da Costa Rica em seu art 7º, nº 7: “Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente, expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar” (PIOVESAN, 2006, p. 220). Assim, pode-se concluir que, conforme este artigo, a única forma de recolher alguém à prisão sem uma sentença penal condenatória, nos países que assinaram este tratado, é quando há a inadimplência de títulos de créditos considerados alimentícios. Conforme verificado no capítulo anterior, isto vai de encontro à Constituição Brasileira vigente, pois ela permite em seus dispositivos a prisão da figura do depositário infiel, ocasionando o conflito vigente.
Cabe lembrar, também, que os países signatários são obrigados a efetuar medidas para modificação de seu direito nacional, caso este não esteja adequado às convenções firmadas pelo Pacto. Conforme o Art 2º desta convenção:
“Art 2º: dever de adotar disposições de direito interno.
Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.” (PIOVESAN, 2006, p.218)
Assim, conclui-se que o Estado Brasileiro tem o dever de adequar suas normas às disposições deste Tratado de Direitos Humanos, o que acarretaria em uma mudança no texto constitucional. Este, conforme visto anteriormente, é favorável à prisão da figura do depositário infiel, assim como do devedor de pensão alimentícia. Muito embora não exista problema quanto ao devedor, sendo a prisão do mesmo admitida no Pacto e, portanto, sem ocorrência de conflitos neste tópico, a do depositário infiel entra em conflito.
O segundo tratado é conhecido como Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas no ano de 1966. O Brasil o ratificou na data de 24 de janeiro de 1992, tendo sido aprovado pelo Decreto-Legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1991. Este, como o anterior, é mais uma tentativa da comunidade das nações para regulamentar um esforço internacional no sentido de preservar o que é conhecido resumidamente como os direitos fundamentais dos seres humanos.
Quando da assinatura este documento, cada país compromete-se a defender várias liberdades e direitos, tais como o direito à Justiça, direito à igualdade, à vida, a proibição da tortura, entre outras. Para assegurar o cumprimento, também ocorreu a criação de um Comitê de Direitos Humanos, ao qual todos os países estão obrigados a enviar relatórios detalhando as medidas tomadas, sejam administrativas, legislativas ou judiciais para o devido cumprimento das obrigações assumidas quando da assinatura e ratificação. Nas palavras de Piovesan:
“De fato, ao ratificar o pacto, os Estados-partes passam a ater a obrigação de encaminhar relatórios sobre as medidas legislativas, administrativas e judiciárias adotadas, a fim de ver implementados os direitos enunciados pelo pacto, nos termos de seu art. 40. Por essa sistemática, por meio de relatórios periódicos, o Estado-parte esclarece o modo pelo qual está conferindo cumprimento às obrigações internacionais assumidas”. (PIOVESAN, 2006, p. 158)
Além disso, também fazem parte do sistema a possibilidade de um Estado efetuar uma denúncia sobre o descumprimento por parte de outro Estado, e até mesmo pessoas físicas, individuais, podem fazer o mesmo, caso se sintam lesadas em algum dos direitos garantidos por este documento.
De acordo com a mesma autora:
“O Protocolo Facultativo, adotado em 16 de dezembro de 1966, vem adicionar a essa sistemática um importante mecanismo, que traz significativos avanços ao âmbito internacional, especialmente no plano da international accountability. Trata-se do mecanismo das petições individuais, a serem apreciadas pelo Comitê de Direitos Humanos, instituído pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos”. (PIOVESAN, 2006, p. 162)
É mais um sistema inovador, trazendo a possibilidade de todos, ao se sentirem lesados, levarem seus casos ao conhecimento do Comitê, para que peçam a devida proteção contra os atos do país.
Concernente ao tema deste trabalho, está o disposto em seu art. 11: “ninguém poderá ser preso apenas por não cumprir uma obrigação contratual”. (PIOVESAN, 2006, p. 178). Tendo em mente que é justamente essa a possibilidade criada pela Carta Constitucional de 1988, ao permitir a prisão do Depositário Infiel, percebe-se mais um conflito entre a ação estatal para a proteção da dignidade da pessoa humana e o disposto em sua Constituição.
Também é válido ressaltar que o país, até hoje, apesar de ter ratificado tal tratado, não reconhece a autoridade do Comitê de Direitos Humanos criado por este documento concernente a reclamações individuais. Assim também o procedem vários países, retirando um pouco da força deste comitê.
Esta sistemática gera uma situação incômoda, pois o país, mesmo fazendo parte de tal tratado, o está cotidianamente desrespeitando-o. Em âmbito internacional, a boa fama do Brasil poderia ser prejudicada, devido a esta conduta.
A Constitucionalidade da Prisão Civil no entendimento do Supremo Tribunal Federal
Inicialmente, cabe lembrar que há uma diferença entre o depositário infiel por depósito judicial, e o depositário infiel de outra categoria, por exemplo, o devedor de alienação fiduciária. Depositário infiel é o qual descumpre determinação Judicial em guardar um devido bem que possui a função de garantir o pagamento de uma dívida, esta sendo objeto de execução judicial. É o caso clássico de alguém a quem o Poder Judiciário confiou o dever de guardar um bem apreendido e este desaparece, é destruído, ou o depositário recusa-se a devolvê-lo (RIZZARDO, 2008, p. 663). Já a alienação fiduciária caracteriza-se pela transmissão ao credor a propriedade de um bem, este funcionando como uma garantia do pagamento da dívida, de modo que o devedor mantém a posse do bem enquanto o empréstimo não foi quitado, e quando este o for, o bem retornará a ser de sua propriedade (RIZZARDO, 2008, p. 1295-1296). Não se faz, necessariamente, pela via judicial. Esta diferenciação mostrar-se-á importante, no sentido de quais modos estão sujeitos à prisão, conforme jurisprudência da corte suprema.
Grande parte dos julgados do Supremo Tribunal Federal, em épocas anteriores, demonstraram, mesmo que com divergências, o favorecimento da manutenção da aplicabilidade da prisão civil no território nacional, em casos de depositário infiel.
Um exemplo desta posição favorável à manutenção da possibilidade da aplicação da Prisão Civil em caso de Depositário Infiel dá-se pela citação encontrada no voto do Eminente Ministro Ricardo Lewandowski contida no acórdão do STF RHC_90.759-ED/MG. Explica o Ministro, usando o julgado proferido no HC 84.484/SP, cujo Relator foi o Ministro Carlos Britto, primeiro, que o depositário judicial infiel não é comparado ao depositário contratual, sendo uma figura com características próprias. Esta seria uma pessoa na qual o julgador conferirá a devida guarda de bens sob penhora, em arresto ou sob seqüestro, tendo um vínculo, devido a essa responsabilidade, judicial, pois ele os protegerá atendendo a uma ordem de uma autoridade judiciária, possuindo o dever de proteger os bens de furto, roubo, estragos, ou seja, evitando que sofram danos. Esclarece também que, diferentemente do previsto quando em um contrato particular entre as partes, no qual possui o depositário uma obrigação também particular, no caso do depositário judicial esta é um compromisso com a sociedade, representada neste caso pelo Juízo. Finaliza afirmando que os pactos sobre direitos humanos, exemplificando com o Pacto de São José da Costa Rica, não se aplicam neste caso por não se tratar de um contrato tornado equivalente, devido a uma interpretação extensiva, à figura do depósito, mas sim um caso de depositário judicial, o qual foi infiel, sendo esta figura objeto da exceção prevista no art 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal de 1988.
Também está neste sentido o julgado no acórdão HC_92.541/PR. O caso em questão é a prisão de um depositário infiel que não cumpriu com o dever de guardar e devolver os objetos confiados pelo juízo em seu poder. Conforme o voto do relator, Ministro Menezes Direito, o caso, embora argüido ao contrário pelo paciente, não é de alienação fiduciária, como alega o mesmo, e sim um clássico caso de depósito necessário judicial. Também cita o acórdão HC 84.484/SP, no qual o Ministro Carlos Britto afirma que o depositário escolhido pelo juízo para arcar com o dever do depósito não é parte de um contrato privado, mas sim alguém investido do poder público, ou seja, um auxiliar da Justiça em sua luta para a resolução do problema vigente, um auxiliar da execução.
Explicita ainda que não é uma simples dívida, mas sim um ato de colaboração com o Judiciário, espantando então a classificação de dívida civil para este ato. Seria, sim, um ato de fraude à execução.
Ainda neste recurso de Habeas corpus, relata a Senhora Ministra Cármen Lúcia que, em caso anterior, a Turma acolheu a visão do Ministro acima citado, e discorreu sobre a importância de o órgão julgador poder punir seu devido depositário infiel judicial com uma ordem de prisão. Por isto, neste recurso, não deveria ser derrogada a liberação do réu, pois a discussão sobre a constitucionalidade da prisão e o Pacto de São José da Costa Rica não se aplicava, visto que, tanto em seu art. 7º, nº 7, como na Constituição Federal Brasileira de 1988, o assunto em pauta é a prisão civil por dívida, quando não há ao devedor a investidura do múnus público.
Outra questão que é essencial para a resposta da possibilidade ou não da Prisão Civil e sua aceitação perante a Corte Suprema é a da recepção dos tratados de Direitos Humanos pelo Constituinte de 1988. Após alteração pela Emenda Constitucional nº 45/2004, relaciona da seguinte forma a Constituição em seu artigo 5º, § 3º:
“Art 5º, § 3º: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. (BRASIL, 1988, s.p.).
No entanto, o Pacto de São José da Costa Rica não passou por este processo, tendo, como se pode concluir, apenas a força de lei ordinária.
Como é fato conhecido e notório no mundo do Direito, existe uma hierarquia entre as normas, e as superiores, quando em conflito com normas inferiores, são as que possuem eficácia. Sendo este o caso, não deveria haver motivo para discutir-se a questão da validade desta modalidade de prisão em relação ao depositário infiel, pois a Constituição Federal/1988 expressa claramente, em seu artigo 5º, inciso LXVII: haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel” (BRASIL, 1988, s.p.).
Um exemplar desta posição é o voto do Ministro Sepúlveda Pertence, relator do RHC 79785-7/RJ. Após deliberação, afirma que a Constituição é a norma superior, quando em conflito entre uma norma da mesma com a erigida por tratados internacionais os quais o Brasil faz parte. Usando ensinamentos de diversos autores, demonstra que a Carta Constitucional é rígida, e que dela derivam todos os princípios formadores do Direito, e não o oposto. Ou seja, tudo que existe, existe em função de permissão expressa dada na própria Carta Magna. Quaisquer tratados teriam natureza de norma infra-constitucional, não possuindo a capacidade de revogar qualquer preceito da Constituição.
Em seguida, aduz que, embora não seja o enfoque específico naquela caso concreto a ser julgado, poderia-se dar força supra-legal às normas dos tratados, de modo que fossem aplicadas até mesmo contra as leis ordinárias. Entretanto, ainda abaixo das normas constitucionais.
Em relação ao HC 72131-7/RJ, também é de opinião o Ministro Maurício Corrêa de que tratados internacionais não substituem nem tornam ineficazes a norma constitucional pátria. Reconhece, assim, que seria um risco à autonomia de cada país, ou seja, uma intervenção em sua soberania, conforme seu voto.
Também demonstra sua opinião de que qualquer tratado internacional poderá, quando e se necessário for, ter sua constitucionalidade revista pelo Supremo Tribunal Federal.
Estes exemplos demonstram como a jurisprudência da Suprema Corte brasileira se moldou a favor da prisão civil por depositário infiel, mesmo que as vozes antagônicas nunca tiveram realmente se calado, até mesmo entre os próprios ministros.
Estas opiniões contrárias se exemplificam na posição do Eminente Ministro Marco Aurélio no já mencionado HC 92543-1/PR. Neste, o jurista considera que o disposto no art. 5º, LXVII da Constituição Federal não é auto-aplicável, dependendo de lei ordinária que o regule. Sendo os tratados internacionais normas de força ordinária, e tendo o país aderido ao Pacto de São José da Costa Rica após o advendo da legislação ordinária referente à prisão, a lei recente suplantaria a antiga, eliminando-se assim a possibilidade de prisão.
Entretanto, a posição mais surpreendente está ocorrendo agora, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343, onde está sendo revista a possibilidade desta prisão, contrariando assim boa parte da jurisprudência corrente no Supremo Tribunal Federal, conforme demonstrado acima.
Em seu voto-vogal, o Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes reconhece que a posição atual quanto à prisão do depositário infiel é bastante discutida e controversa, o que não ocorre com a outra possibilidade, a do devedor de pagamento de crédito alimentício. Muito disso se deve à permissão expressa nos tratados internacionais, enquanto a outra questão costuma ser proibida com o máximo rigor.
Salienta que, com a ratificação, no ano de 1992, do Pacto de São José da Costa Rica e do Tratado sobre Direitos Civis e Políticos, o qual ocorreu sem qualquer reserva, que em direito internacional significa uma restrição a determinado ponto do tratado em voga, ocasionou uma enorme discussão sobre a possibilidade de revogação de todas as normas inferiores à Constituição que tratassem deste assunto, ou seja, que tenham neste artigo da Carta Constitucional sua base para existir.
Após, demonstra o Ministro que, muito embora as discussões sobre o papel e a força dos Tratados Internacionais em face ao Direito Brasileiro, ou seja, sobre a primazia do Direito Internacional Público em face do Direito Interno, ou se este é que seria superior ao primeiro, outra questão bastante importante veio à tona. E esta é sobre os tratados internacionais de direitos humanos. Devido à matéria que tratam, muitos doutrinadores consideram que estes seriam uma categoria especial. O ministro, usando os ensinamentos de diversos doutrinadores, dividiu em 4 as tendências atuais.
A primeira corrente seria a que traz os tratados como normas com força supraconstitucional, ou seja, superiores à própria Constituição Federal. Se assim considerados, não poderiam ser modificados ou questionados de forma alguma, nem sequer por emenda constitucional. Haveria, assim, um enorme problema, considera o Ministro, pois um país como o Brasil possui seu sistema positivo alicerçado no sentido de ser a Carta Magna a maior de todas as normas presentes, na qual todas devem se basear, e nenhuma deverá contrariar. Cita como exemplo o voto do Ministro Sepúlveda Pertence, no já mencionado HC 79.785-7/RJ, quando diz que não há necessidade de estar expresso nas letras da Constituição Federal esta posição de hierarquia, pois não há nada mencionado a isto em relação às normas ordinárias. Mesmo assim, ninguém discute que estas são hierarquicamente inferiores.
Argumenta também que existe o risco de, inadvertidamente, ocorrerem normatizações disfarçadas de proteção aos direitos humanos, devido ao significado cada vez mais amplo deste termo. Haveria, ainda, a necessidade de um controle interno, permitindo ou proibindo o representante oficial do Estado brasileiro de assinar ou aceitar sem reservas os tratados. Ressalta que esse tipo de controle já existe, embora complexo.
A segunda posição se daria aos que entendem se tratar de uma equiparação da norma internacional de direitos humanos com a norma constitucional. Ambas estariam vigentes no mesmo patamar, sendo consideradas normas hierarquicamente iguais. Como diz Gilmar Mendes, estas possuiriam estatura constitucional.
A idéia por trás desta posição é de que o art. 5º, § 1º da Carta Constitucional, o qual estabelece que tanto as normas quanto as garantias fundamentais tem aplicação de modo imediato. Já o § 2º abrange o leque de direitos que estão protegidos pela Lei Fundamental, aí incluindo-se os trazidos pela adesão a acordos de direitos humanos internacionais. Aplicando-se ambos os parágrafos, teriam estes tratados aplicação imediata e patamar constitucional, Eventuais conflitos seriam resolvidos, conforme o Ministro, pela norma mais benéfica à vítima, como é feito com o réu no ramo do Direito Penal.
A crítica que faz a esta posição se estabelece no fato do § 3º do mesmo artigo, o qual estabelece o devido procedimento para que os tratados de direitos humanos fossem reconhecidos como normas de patamar de Lei Maior, ou seja, constitucional. Os tratados já aceitos e aderidos pelo Brasil antes desta reforma, feita pela Emenda Constitucional nº 45/2004, não passaram por este procedimento, e então não teriam este poder. Mas o mesmo parágrafo demonstra a diferença entre estes acordos internacionais e outros, relativos a matérias que não sejam do escopo de direitos humanos. Dá, assim, a devida importância para a matéria da qual se é tratada.
A terceira tese seria a de que todos os tratados possuem simples força de lei ordinária, e portanto simplesmente se equiparariam ao Direito Interno, sem modificá-lo mais do que qualquer outra lei promulgada pelo país, sobre qualquer assunto. Esta era a posição do Supremo Tribunal Federal, de acordo com o Ministro Gilmar Mendes, citando alguns julgados nos quais se demonstrou este entendimento.
A crítica que faz a esta tese é de que a constante evolução do pensamento mundial sobre a importância dos direitos humanos, além da própria mudança do papel do Estado. Todos começam a se integrar, as barreiras entre o Direito Interno e Internacional inevitavelmente se enfraquecem nesta nova ordem mundial. Sendo assim, as normas devem ter a possibilidade de se adequarem às tendências mundiais, para que o país possa dar sua devida contribuição e receber a experiência da comunidade internacional. Após isto, Gilmar Mendes discorre sobre diversos exemplos de países cujas Leis Fundamentais se adequam ou possuem aberturas para que isto ocorra, chegando, em certos casos, ao ponto de auferirem, aos tratados de direitos humanos, força de norma constitucional em seus ordenamentos jurídicos.
Finalmente, a tese que mais agrada ao Eminente Ministro é a que trata de dispor tais tratados com a força de norma supralegal. Entende-se por isto que continuaram os tratados de direitos humanos tendo força infraconstitucional, mas também outra característica, esta que seria a supralegalidade. Seria uma categoria especial, destinada apenas a este tipo de acordo internacional. Usa de exemplo a idéia aventada pelo Ministro Sepúlveda Pertence no RHC 79.785-7/RJ, além de experiências do Direito Alemão, Francês e Grego.
Considera que é hipocrisia o Código Tributário Nacional, em seu art. 98, o qual diz que “Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha” (BRASIL, 1966, s.p.).Ora, se uma matéria que trata de pagamento de tributos é modificada por acordos internacionais, e é muito menos crucial para a pessoa humana, enquanto algo essencial, como os direitos fundamentais, podem ser anulados por simples disposição interna.
Após estas reflexões, além de discorrer sobre as vezes em que a Suprema Corte decidiu a favor do Direito Internacional em sua jurisprudência, conclui ser a melhor tese esta última apresentada. Defende, então, que os tratados internacionais cujo assunto verse sobre os Direitos Humanos sejam recepcionados como normas de força infraconstitucional, mas com a característica de serem supralegais, devido à necessidade de se proteger de modo eficaz os direitos da pessoa humana na sociedade brasileira e no direito normativo nacional.
Conclui este ponto esclarecendo que, devido a estar em posição hierarquicamente inferior, um tratado não irá revogar um dispositivo constitucional, mas apenas afastar sua aplicabilidade. O mesmo destino terão as normas ordinárias. No caso específico do Pacto de São José da Costa Rica, entende-se que desde a adesão do país ao mesmo, fica sem aplicabilidade a possibilidade do instituto da prisão civil, embora os artigos constitucionais e os do Código Civil não sejam revogados pelo mesmo.
Também menciona que, apesar deste entendimento, nada impede que os tratados, como este, sejam passados pelo procedimento mencionado no § 3º do art. 5 da Constituição Federal. Se bem sucedidos, teriam, enfim, força e seriam equiparados a normas constitucionais.
Este, portanto, é o entendimento do Ilustre Ministro em relação à matéria da prisão civil. A proibição foi seguido por outros ministros, chegando a 8 votantes neste sentido, até a ocorrência do pedido de vistas do processo pelo Ministro Celso de Mello, também apoiador da tese de proibição.
Conclui-se, portanto, que a prisão civil para o depositário infiel finalmente não está mais disponível para utilização pelo Poder Judiciário do país. Assim se demonstra pelo HC-QO 94.307/RS, pelas palavras do Ministro Cezar Peluso, quando afirma que daria procedente ao habeas corpus devido à maioria de votos ser favorável à não aplicabilidade no país desta modalidade, devido a maioria de votos no Recurso Extraordinário 466.343, o qual trata deste assunto, como citado acima, entre outros. Embora esteja paralisado pelo pedido de vistas, muito provavelmente será o entendimento dominante a partir de agora.
Referências
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Notas:
[1] O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos é formado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, visando ao desenvolvimento e Proteção dos Direitos Humanos nos países signatários. É parte da Organização dos Estados Americanos.
[2] A Organização dos Estados Americanos, formada por todos os países independentes dos continentes América do Sul, Central e Norte, foi fundada na cidade de Washington no ano de 1948, é uma tentativa de união dos 3 continentes para tratar de assuntos de comum interesse, buscando modos de desenvolverem-se social, econômica e culturalmente. Considera-se um órgão regionalizado, pertencente às Nações Unidas.
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Franciscano
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