SUMÁRIO: 1. Conceitos formais; 2. A personalidade no curso da história; 3. Fundamentos jurídicos; 4. O patrimônio sedimentado na personalidade; 5. A importância da personalidade na sociedade pós-moderna; 6. O conceito de personalidade, segundo a ótica do novo Código Civil brasileiro; 7.A tutela jurídica da personalidade; 8. Os danos decorrentes da ofensa à personalidade; 9. A importância da proteção jurídica no caso de danos extrapatrimoniais; 10. Formas de avaliação do quantum debeatur; 11. A postura dos tribunais; 12. Conclusões.
“O homem é mais que simples subjetividade e sua vida não se consomem completamente no interior de sua esfera particular.”
“O Valor e o Sentido da Vida” – Rudolfo Eucken, prêmio Nobel de Literatura de 1908.
1. CONCEITOS FORMAIS.
Diógenes, o Cínico, andava nas ruas de Atenas com uma lanterna acesa durante o dia, à procura de HOMENS. Há nesse relato uma profunda lição para ser extraída. São inúmeras as pessoas, entes personalizados, que vagueiam pela vida à procura da sua identidade na ordem social. E, há ainda aqueles que a expõem e são vítimas do uso indevido da imagem, ilicitamente manipulada pelos irresponsáveis. A pessoa é uma entidade com conteúdos complexos – cada qual, um universo incomensurável de ordem e desordem[1].
“O homem, segundo prescreve Erich Fromm[2], é responsável perante si mesmo ao ganhar ou perder a vida. Só se ele compreender a voz da sua consciência, pode retornar a ser ele próprio: se ele não puder perecerá; ninguém poderá ajudá-lo senão ele próprio.” É dessa forma a personalidade do homem, o ser ele mesmo, ou seja, um estado de consciência que o conduz nos difíceis caminhos da existência terrena. Os nossos conteúdos valorativos conferem razão ao nosso modo de agir, é que são responsáveis pelos resultados que colhemos no curso da jornada no planeta terra.
A personalidade assume papel determinante na vida das pessoas, como igualmente na existência das sociedades. Afinal, o comportamento dos indivíduos perante a ordem social, é quem determina o nível de consciência a respeito dos fatos da vida comunitária. “Enquanto as diferenças de temperamento não têm significância ética, as diferenças de caráter constituem o verdadeiro problema da ética; indicam até que grau um indivíduo conseguiu êxito na arte de viver[3].” A personalidade é o caráter multifacetário do ser humano ante o ponto de vista psicológico e jurídico. Todavia, não há dúvida que existem conexões nesse campo que se interagem.
Personalidade, segundo o Dicionário Aurélio – Século XXI[4] significa, “1.caráter ou qualidade do que é pessoal; personalidade; 2. o que determina a individualidade de uma pessoa moral; 3.o elemento estável da conduta de uma pessoa; sua maneira habitual de ser; aquilo que a distingue de outra.” Portanto, um comportamento da pessoa capaz de identificar o seu caráter, seus valores, sua formação familiar e pessoal, capaz de determinar suas ações diante dos fatos da vida. Cada qual se posiciona perante os acontecimentos na vida segundo suas aptidões e sua personalidade.
Nesse sentido, Pontes de Miranda[5], pontifica que, “A personalidade é a possibilidade de se encaixar em suportes fáticos, que, pela incidência das regras jurídicas, se tornem fatos jurídicos; portanto, a possibilidade de ser sujeito de direito. A personalidade, como possibilidade, fica diante dos bens da vida, contemplando-os e querendo-os, ou afastando-se de si; o ser sujeito de direito é entrar no suporte fático e viver nas relações jurídicas, como um dos termos delas.”
A personalidade das pessoas, está profundamente inserida no contexto das relações humanas e jurídicas – não só exerce poderosa influência na mudança de comportamento dos seres humanos, como, igualmente, sofre impacto oriundo das naturais divergências presentes no complexo espírito humano.
Por outro lado, a personalidade é o retrato do caráter do autor, quando se exterioriza através dos atos que interferem no plano da realidade humana. Assim, os objetivos de qualquer atividade no plano individual ou supraindividual possuem qualidades próprias, capazes de identificar a sua autoria. Nessa direção, é facilmente observável que a marca individual de quem realiza qualquer atividade intelectual, se encontra alicerçada em pontos subjetivos que qualificam o perfil do seu autor. Isto significa que, dificilmente será possível observar um espírito absolutamente científico, isento de fatores que normalmente identificam o modus operandi do autor de determinada obra. Portanto, o estilo é, no geral, a marca registrada da personalidade do artista.
De Plácido e Silva[6], ao descrever a personalidade assinala que, “do latim personalitas, de persona (pessoa), quer, propriamente, significar o conjunto de elementos, que se mostram próprios ou inerentes à pessoa, formando ou constituindo um indivíduo que, em tudo, morfológica, fisiológica e psicologicamente se diferencia de qualquer outro. Assim, opondo-se à acepção de generalidade, traz consigo o sentido de individualismo, particularidade e singularidade, exprimindo o conceito de uma relação abstrata de existência, ou seja, do próprio ego concreto da pessoa natural. É a qualidade de pessoa. Nesta razão, a personalidade, tomada neste sentido, não pode ser mais que uma, porque somente uma é a individualidade, que dela se deriva.”
Portanto, a identificação da idéia de individualidade ou, a razão de ser da existência de uma pessoa física ou jurídica, se encontra associada à idéia de personalidade, ou seja, de fatores que constituem causas qualificadoras da sua própria existência. Assim, a pessoa se qualifica pela sua identidade, que se encontra configurada na sua personalidade. “A personalidade civil, pois”, assinalada De Plácido e Silva[7], “assegura à pessoa o direito de ter uma existência jurídica própria e de ser sujeito de direitos, integrando conceito mais amplo que o de capacidade, onde não se faz mister somente a existência da pessoa, atributo da personalidade, mas a evidência de outros requisitos indispensáveis para que aja por si, atributo da capacidade[8].”
“A personalidade constitui o mais importante estado de pessoa”; ensina J.M. de Carvalho Santos[9], “basta lembrar que ela existe de direito em qualquer pessoa natural, como um corolário necessário desta outra verdade referida pelo brilhante comentador do Código Suíço: a capacidade de ser sujeito de direitos e obrigações pressupõe, excetuadas as disposições concernentes às pessoas jurídicas, a existência de um ser humano (obr. e loc. cits).” A idéia, assinala o sentido de que a personalidade e o indivíduo se confundem, ou seja, não se poderá admitir uma pessoa sem personalidade – até mesmo o amental a possui, se considerar que a ordem jurídica assegura a ele o direito de, através do seu representante, atuar no mundo jurídico.
Portanto, configurada a idéia de individualidade, os reflexos conflitivos no meio social são inevitáveis, eis que estaremos diante da convivência de inúmeras pessoas com identidades diferentes. Todavia, mesmo diante desse quadro multifacetário de convivência de personalidades distintas, a norma jurídica não se subtrai de cada um, a oportunidade de desenvolver suas aptidões e obter a proteção jurídica dos seus direitos.
Nessa situação, deparamos com uma realidade jurídica, consubstanciada na idéia de que as relações sociais derivam dessa inter-relação de personalidades – a pessoa, ou a sua personalidade, que constituem o sujeito de direitos e obrigações. Não há ordem sem norma e, não haverá norma para disciplinar as relações entre os sujeitos sem a existência destes últimos[10].
Daí porque, a personalidade assume importante posição na ordem filosófica, institucional e jurídica – especialmente na época pós-moderna, em virtude dos inúmeros e crescentes conflitos advindos das relações entre as pessoas.
2. A PERSONALIDADE NO CURSO DA HISTÓRIA.
Foram os Gregos que introduziram os primeiros conceitos a respeito da personalidade. A idéia de representação teatral, em que os autores colocavam máscaras para representar as divindades ou ainda, para desempenhar a “personalidade” de outra pessoa.
Segundo explicita Henrique da Silva Seixas Meirelles[11], “a persona é a máscara que os capita usam quando desempenham certos papéis, certas formas de actividades, no âmbito da civitas. Neste sentido, a persona representa a capacidade que o homem tem de agir na cena jurídica. Mas para agir o homem tem de ser pessoa, no sentido de ser “personalidade”(personam habere), tem de possuir um determinado status que legitime a sua actividade (agere) perante o ius civile. Em último termo, persona tem um significado político. Persona representa o status de um determinado indivíduo (caput), quer dizer, o quantum iuris (C. Sforza) que esse indivíduo detém e utiliza nas diversas actividades que desenvolve na cena jurídica”.
Portanto, a idéia que os Gregos outorgaram às gerações consistia no fato de que certas pessoas possuem identidades próprias, sendo que cada pessoa desempenha seu papel como ator no grande teatro da vida. A máscara era, assim, o perfil da pessoa, o retrato representativo da intimidade de cada persona – o seu modus convivendi no meio social[12].
De acordo com o magistério de Washington de Barros Monteiro[13], “a palavra pessoa advém do latim persona, emprestada à linguagem teatral na antigüidade romana. Primitivamente, significava máscara. Os atores adaptavam ao rosto uma máscara, provida de disposição especial, destinada a dar eco à suas palavras. Personare queria dizer, pois, ecoar, fazer ressoar. A máscara era uma persona, porque fazia ressoar a voz de uma pessoa. Por curiosa transformação no sentido, o vocábulo passou a significar o papel que cada ator representava e, mais tarde, exprimia a atuação de cada indivíduo no cenário jurídico. Por fim, completando a evolução, a palavra passou a expressar o próprio indivíduo que representa esses papéis. Nesse sentido é que a empregamos atualmente.”
O conceito de personalidade emana da idéia de conteúdos identificadores presentes nas pessoas – cada qual exercendo os atributos oriundos de fatores endógenos e exógenos que são determinantes na formação do indivíduo.
3. FUNDAMENTOS JURÍDICOS.
O conceito jurídico de personalidade não se qualifica de forma diferente em que se assenta o fundamento psicológico da pessoa – há, em ambos, uma noção precisa de identidade do ser humano. Tanto é verdade que, não é admissível a existência de duas pessoas jurídicas registradas com o mesmo nome, o que de resto, ocorre em relação à pessoa física – não obstante a possibilidade de homônimos.
Segundo o escólio de Orlando Gomes[14], “a personalidade é um atributo jurídico. Todo homem, atualmente, tem aptidão para desempenhar na sociedade um papel jurídico, como sujeito de direito e obrigações. Sua personalidade é institucionalizada num complexo de regras declaratórias, nas condições de sua atividade jurídica e, nos limites a que se deve circunscrever. O conhecimento dessas normas interessa a todo o Direito Privado, porque se dirige à pessoa humana considerada na sua aptidão para agir juridicamente”.
A noção de personalidade se encontra intimamente associada à idéia de “ser capaz de direito” ou, do poder do agente ser titular e, estar apto à prática de determinadas atividades no plano do direito. Pontes de Miranda[15], nesse particular, assenta que, “personalidade é a capacidade de ser titular de direitos, pretensões, ações e exceções e também de ser sujeito (passivo) de deveres, obrigações, ações e exceções. Capacidade de direito e personalidade são o mesmo.”
Portanto, não se poderá falar em personalidade sem se referir à capacidade, ou seja, sem se conceber a aptidão de uma pessoa para ser titular de direitos na ordem jurídica[16]. Seria, aliás, inadmissível a ocorrência de um sujeito, pessoa física ou jurídica, sem capacidade para atuar no mundo do direito – um verdadeiro vazio jurídico. Até os animais irracionais (fauna) e os vegetais (flora) possuem especial proteção da ordem jurídica. Todavia, o que os diferenciam das pessoas é que estes têm direitos e não tem deveres, ao passo que, as pessoas possuem ambos. Daí porque, Orlando Gomes[17] leciona que, “as pessoas naturais ou físicas são os seres humanos. Todo homem é pessoa. É, no entanto, na capacidade de ser titular de direitos e obrigações que a personalidade se mede, influindo na capacidade de agir, não só o estado do agente, mas também certas qualidades jurídicas, como, por exemplo, a de empregado (qualificação profissional)”. Por esse motivo, a proteção da pessoa assume especial atenção em nossa época, porque se trata da tutela dos valores de que ela é detentora e, que constituem a razão da existência de nosso mundo civilizado. O homem construiu o mundo, adaptando-a às suas necessidades, como igualmente criou padrões de beleza e estética de conformidade com os seus próprios valores[18].
O princípio da proteção ampla e irrestrita das coisas da natureza é um pressuposto dos povos civilizados. Todavia, não somente as coisas vivas possuem essa proteção. “Não só o ente humano tem personalidade”, ensina Pontes de Miranda[19]. “Não só ele é pessoa. Outras entidades podem ser sujeitos de direito; portanto ser pessoa, ter personalidade. A tais entidades, para se não confundirem com as pessoas-homens, dá-se o nome de pessoas jurídicas, ou morais, ou fictícias, ou fingidas.”
Por tais motivos, o conceito jurídico da tutela da personalidade deve ser analisado em seu múltiplo aspecto, quer se trate de pessoa física e moral. Foi nessa direção que o artigo 5o, inciso X da Constituição Federal de 1988 proclamou que, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das PESSOAS[20], assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” Por sua vez, o artigo 1o, do Código Civil atual prescreve que “toda pessoa[21] é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. A idéia conferida pelo legislador é a de que se trata de uma proteção ampla e irrestrita, assegurando às pessoas, de um modo geral, exercer os direitos que a lei confere a esses titulares[22].
Não se trata apenas da defesa dos direitos que a pessoa é detentora na ordem jurídica. A tutela da personalidade envolve uma série de fatores que reveste a personalidade. A pessoa não é apenas uma entidade isolada – é formada por um complexo de conteúdos, que fazem parte integrante do seu “status”. Alfredo Orgaz,[23] nesse aspecto destaca que, “el hombre, como indivíduo, es sólo outra unidad biológica (el materialismo es consecuentes al estimar al hombre sólo como animal evolucionado). La persona es también individuo, sin duda, pero con jerarquía espiritual: es portadora de valores, religiosos, éticos y de cultural en general, y construye su vida (que sólo le ha sido dada en lo biológico) sobre esos valores. Tiene conciencia de sí, de deberes y de derechos, es capaz de virtudes generosas y de vicios, de sacrificios, de crímenes y de pecados. Es, en fin, responsable”.
A defesa dos direitos da personalidade constitui, dessa forma, uma ampla e irrestrita tutela, em face da multiplicidade de bens jurídicos que integram o conjunto da pessoa. Para Athur Oscar de Oliveira Deda[24], “a personalidade é correspondente ao poder jurídico de que a pessoa é dotada, e que se manifesta pela titularidade de bens e atributos, para o seu desenvolvimento na esfera econômica e social. A pessoa é, portanto, sujeito de uma relação jurídica que pode ter por objeto bens materiais e ou emanações do ser, isto é, atributos ou qualidades do próprio sujeito”.
O conceito jurídico da personalidade da pessoa, segundo se observa, possui vários matizes e devem, portanto, ser amplamente conhecido para que a referida proteção possa abranger todos os direitos que integram esse universo jurídico. Um deles e, sem dúvida, um dos mais importantes é a sua essencialidade[25]
4. O PATRIMÔNIO SEDIMENTADO NA PERSONALIDADE.
Há um patrimônio material sedimentado em bens de uso, que fazem parte do nosso cotidiano e de nossa vida de relações no ambiente social. Esses bens ocupam importante papel em nossa existência, em razão da sua função de utilidade na vida material, tais como, domicilio, veículos, bens de serviço, bens móveis, instrumentos da atividade profissional, vestuário e outros, igualmente importantes e necessários que a ciência moderna nos propicia.
Todavia, há outros, não necessariamente materiais, que são fundamentais na vida dos seres humanos – trata-se dos bens imateriais ou seja, aqueles que conferem conteúdo valorativo ao modus vivendi das pessoas. Na realidade, esse patrimônio, que não é físico, é o centro gravitacional de uma nova ordem jurídica, sedimentada na individualização e valoração da pessoa como entidade humana. O ser humano é a razão final de toda ordem jurídica e, tudo se justifica em razão dele[26].
“Em nosso deslustrado entender”, ensina José Serpa de Santa Maria[27], consideramos os direitos da personalidade, como os atinentes à utilização e disponibilidade de certos atributos inatos ao indivíduo, como projeções bio-psíquica integrativas da pessoa humana, constituindo-se em objetos (bens jurídicos), assegurados e disciplinados pela ordem jurídica imperante”. Portanto, um bem da maior relevância na ordem jurídica e social.
Os bens que integram a personalidade são, portanto, despatrimonializados porque revestidos de essencialidade[28]. Nesse sentido, “verifica-se a despatrimonialização”, segundo a lição de Arthur Oscar de Oliveira Deda[29], “termo, aliás, que Pietro Perlingieri considera deselegante, mas que é utilizado para individuar uma tendência normativo-cultural, com prevalência da pessoa em relação ao patrimônio. Os institutos de direito privado são revistos em face de novos princípios constitucionais e tendem a adequar-se aos valores da atualidade, na passagem de uma jurisprudência civil dos interesses patrimoniais a uma mais atenta aos valores existenciais, segundo a lição do mestre italiano. Agora, a pessoa humana é o centro nuclear do Direito Civil, pois – como demonstra Eroulth Cortiano Júnior – a razão de qualquer instituto jurídico é o ser humano, porque o próprio direito encontra a sua razão de existir na noção da pessoa humana, que é anterior à ordem jurídica. Esta, construindo a noção de personalidade, o faz com base num dado pré-normativo, que é, ao mesmo tempo ontológico (a pessoa) e axiológico (a pessoa vale)”.
Há uma somatória de valores que integram a personalidade, como manifestações do ser humano e, que, conferem razão à sua existência, contribuindo para a formação do “estofo” das pessoas. São bens que, não obstante imateriais, formam um patrimônio sobre o qual repousa o ideal de conduta prescrito pela Ordem Constitucional, sedimentados na inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas[30].
Ora, não resta dúvida que se trata de um acervo de bens que, embora insuscetíveis de serem medidos ou pesados, não perdem a sua característica de bens – um patrimônio desmaterializado. “A íntima conexão dos atributos da personalidade ao ser humano igualmente conduziria à rejeição do enquadramento dos direitos da personalidade como subjetivos privados”, segundo a lição de Arthur Oscar de Oliveira Deda[31]. E, adiante, o autor conclui, “daí a existência de autores – registra Fábio Maria de Mattia – que consideram os direitos da personalidade como bens jurídicos que recebem a proteção legal contra atentados de terceiros”.
Essa orientação da configuração de um bem de natureza especial, não foi descartada por Orlando Gomes[32] ao assinalar, “constituem-no os bens jurídicos em que se convertem projeções físicas ou psíquicas da pessoa humana, por determinação legal que os indivíduos para lhes dispensar proteção. Reclama, assim, a definição do direito de personalidade o alargamento do conceito jurídico de bem. Em Direito, toda utilidade, material ou não, que incide na faculdade de agir do sujeito, constitui um bem, podendo figurar como objeto de relação jurídica, porque sua noção é histórica, e não naturalista”.
Assim, os valores são bens porque se inscrevem entre aqueles amplamente tutelados pela ordem jurídica, em que as pessoas contribuem com o seu esforço pessoal para adquiri-los e incorporá-los ao seu acervo de bens subjetivos. Caio Mário da Silva Pereira[33] prefere afirmar que, “os direitos da personalidade, como categoria, são considerados como inerentes à pessoa humana, independentemente de seu reconhecimento pela ordem positiva. São igualmente inalienáveis, vitalícios, intransmissíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis, imprescritíveis, impenhoráveis, e como tais oponíveis erga omnes. Para deixarem de ser simplesmente conceitos, ou o que Jean Dabin considera como direitos morais, é mister convertê-los em preceitos e incorporá-los nas leis e nos Códigos”.
De qualquer forma, não poderemos deixar de conceber a existência de bens imateriais – consagrado em nosso ordenamento jurídico – que não sejam objeto da proteção do direito. Todo e qualquer bem legítimo tem a necessária tutela jurídica. Afinal, tanto os bens materiais, como igualmente os imateriais, exigem de quem os adquire um esforço pessoal despendido nesse sentido. Dessa forma, as pessoas “patrimonializam” esses bens ideais através de seus esforços pessoais. Os referidos bens de valor ideal são igualmente suscetíveis de serem avaliados, a exemplo do que ocorrem em relação aos bens materiais.
“Pouco importa que os bens abranjam somente aquilo que tenha um valor econômico”, acentua Wilson Melo e Silva[34], “ou não, se todos, igualmente, podem constituir um objeto de relações jurígenas. A pessoa, quem o afirma é Ihering, tanto pode ser lesada no que tem, como no que é, e que se tenha um direito à liberdade ninguém o pode contestar, como contestar não se pode, ainda, que se tenha um direito a sentimentos afetivos. A ninguém, se recusa o direito à vida, à honra, à dignidade, a tudo isso, enfim, que sem possuir o valor de troca da economia política nem por isso deixa de se constituir em bem valioso para a humanidade inteira”. Dessa forma, todos os bens são suscetíveis de valoração, tanto quanto, merecem a proteção da norma jurídica.
A personalidade, como bem de valor, quando consideramos os elementos axiológicos com que a mesma é revestida, constituem, per se, um acervo de valores identificado como passível de indenização na hipótese de agressão aos mesmos[35].
6. A IMPORTÂNCIA DA PERSONALIDADE NA SOCIEDADE MODERNA.
O Código Civil brasileiro, consignou em sua Parte Geral, no Título I (Das Pessoas), Capítulo II normas relativas aos Direitos da Personalidade (artigos 11 a 21), consagrando a orientação contida na linha mestra traçada pela ordem Constitucional, constante nos Direitos e Garantias Fundamentais da pessoa (art. 5o.). São normas de valor que consistem na valorização da pessoa humana, bem como, asseguram a tutela dos valores inerentes a ela.
Nunca, como na atualidade, houve tamanha fragmentação da personalidade. O Estado, através de seus tentáculos, fracionou a pessoa humana, aviltando de forma profunda os direitos mais valiosos consistente na privacidade, na dignidade, na ética, na liberdade de expressão e outros direitos fundamentais a ela inerentes. A pessoa natural se tornou um código numérico, com acesso aos meios de informações eletrônicas – tornou-se parte de um imenso rebanho. “Favoreceu-a a terrível ameaça que pesa sobre a individualidade”, assinala Orlando Gomes[36], “intelectual e moral do homem em conseqüência de conquistas científicas e técnicas que permitem até a própria desintegração da personalidade”.
Esses abusos, que se perpetram nos países democráticos – por contraditório que possa parecer -, vêm sendo repelidos por todos os ordenamentos que consagram a legítima tutela dos direitos fundamentais da pessoa humana. E, nem poderia ser diferente, se considerarmos que a Declaração Universal dos Direitos Humanos consagrou que a vida da pessoa natural perde o seu significa, caso não seja concedido aos seres humanos uma vida digna e respeitável[37]. Daí a lição de Andreas von Thur, apontada por Rui Stoco[38], de que “el cuerpo y la vida, la libertad, el honmor etc., son objeto cuya protección constituye el problema fundamental de todo ordenamiento jurídico (Derecho Civil, Buenos Aires, Depalma, 1946, vol. II, p. 187)”.
A sociedade foi construída pelo homem e existe em razão dele. Por essa razão, segundo proclama Orlando Gomes[39], “se encontram em alguns Códigos do século XX, como o suíço, o japonês, o helênico e o egípcio, algumas disposições atinentes aos direitos da personalidade. É no Código Civil italiano que sua disciplina recebe ampla sistematização e seus novos aspectos se contemplam com laivos de originalidade em relação aos atos de disposição do próprio corpo (art. 5º) e à repressão aos abusos de exposição e publicação da imagem das pessoas (art. 10)[40]”.
Todavia, a proteção ampla e irrestrita da pessoa não pode ser um manto protetor, para acobertar os atos ilícitos perpetrados pelas pessoas irresponsáveis. Aliás, é o que muitas vezes ocorre nas rebeliões dos estabelecimentos carcerários do país que são direcionados na busca dos Direitos Humanos por aqueles que nunca os conheceram e os respeitaram. Os atentados ocorridos em 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos da América do Norte, são conseqüência do uso criminoso das liberdades existentes naquele País Democrático. Não se justifica, no entanto, que, por decorrência dessa situação os Direitos Fundamentais da Pessoa, conquista memorável do ser humano na trajetória da história, sejam suprimidos ou restringidos. Ao Estado cabe o dever de reprimir o crime e o criminoso, procurando soluções para ressocializá-los e integrá-los ao convívio social. Toda atividade ilícita decorre da inexata compreensão dos valores sociais e, no geral, são perpetrados por pessoas carentes de valores.
Por esses motivos, emerge de forma extraordinária a importância dos direitos da personalidade no sentido de tutelar os valores fundamentais da pessoa. Esses direitos, por sua vez, se consagram em todo mundo civilizado posto que, constituem uma das mais valiosas conquistas da civilização, se considerarmos que quanto melhor for o sistema normativo de defesa dos valores da pessoa, maior será o grau de civilização do povo que os codificou. Por isso, no dizer de Rui Stoco[41], “a doutrina, a jurisprudência e mesmo a legislação dos povos cultos, como anota Fábio Maria de Mattia, evoluiu no sentido de reconhecer ações específicas, de natureza negatória e declaratória, destinada a negar e a afirmar a existência, in casu, dos diversos direitos da personalidade”. Por outro lado, como acentua doutrinador, “a consagração tende a universalizar-se – do ressarcimento por dano moral – vem completar, em definitivo, a tutela privada de tais direitos (ob. Cit., p. 88)”.
Aliás, o suporte fático de toda atividade no mundo gravita em torno da pessoa, seja ela natural ou jurídica, e o nosso universo normativo, social e econômico vive em razão da “personalidade” de que essas pessoas são detentoras[42]. Mas, uma personalidade dotada de “forças espirituais”, ou seja, de valores morais aptas em propiciar meios de “crescimento” dessas pessoas na esfera axiológica. Segundo Rudolfo Eucken[43], “não podemos sair deste estado de coisas senão esforçando-nos por atingir uma vida superior a estas dificuldades, uma vida capaz de lutar contra a dispersão dos elementos e de discernir o justo e o injusto em toda organização isolada”. Portanto, os novos ordenamentos são direcionados no sentido de oferecer à pessoa suportes ao seu processo de crescimento, de maneira que a pessoa humana canalize toda sua atividade produtiva em benefício de uma idéia pluralista. Esses novos paradigmas somente serão passíveis de se concretizarem, se valorizarmos corretamente a personalidade da pessoa.
Por esse motivo, centrado nessa perspectiva, Luiz Edson Fachin[44] assinala que, “o amadurecimento das interrogações é o caminho adequado para respondê-las ou afastá-las por impertinentes, começando pelo que disse o professor Orlando de Carvalho, ao discorrer sobre o sentido e os limites da teoria geral da relação jurídica: “restaurar a primazia da pessoa é assim o dever número um de uma teoria do direito que se apresente como teoria do direito civil e, é esta centralização do regime em torno do homem e dos seus imediatos interesses que faz do direito civil o foyer da pessoa, do cidadão mediano, do cidadão puro e simples”.
Desses fatos decorre, portanto, a importância da personalidade como fator de emancipação da sociedade, se partirmos do pressuposto de que toda construção valorativa se encontra cimentadas aos fatores axiológicas e, a disposição da pessoa centrada na construção de um mundo melhor[45].
7. O CONCEITO DE PERSONALIDADE SEGUNDO A ÓTICA DO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO.
Não há dúvida que a inserção de 11 artigos alusivos aos direitos da personalidade no novo Código Civil, representa um marco de grande importância na defesa dos valores da pessoa, consagrados na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, inciso X), no que se refere à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.
O Código Civil Português, em seu artigo 70, inciso 1, prescreve que, “a lei protege os indivíduos contra qualquer ilícito ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”. Mas, é certamente os artigos 7 e 10 do Código Civil Italiano que, asseguram ampla tutela do direito ao nome e ao abuso da imagem do outro. Os Códigos Civis da Espanha, França; Chile e Argentina não fazem menção específica à tutela da personalidade, preferindo fazê-lo de forma genérica, ao assegurar de maneira ampla a indenização decorrente do ato ilícito (artigo 1902 do Código Civil Espanhol; artigo 1.382 do Código Civil Francês; artigo 2314 do Código Civil Chileno; artigo 1319 do Código Civil Uruguaio e artigo 1067 do Código Civil Argentino[46]).
Por sua vez, o Código Civil Alemão (BGB)[47], em seu Parágrafo 823 prescreve que, “quem, por dolo ou negligência, lesar, antijuridicamente, a vida, o corpo, a saúde, a liberdade, a propriedade ou qualquer um outro direito de uma pessoa, estará obrigado, para com essa pessoa, à indenização do dano daí resultante. Igual obrigação incumbe aquela quer infringiu uma lei destinada à proteção de um outro. Se, de acordo com o conteúdo da lei, for possível, mesmo sem culpa, uma infração desta, só caberá a obrigação de indenizar no caso de culpa”. Portanto, há uma idéia generalizada, nos Códigos Civis consultados, de ampla e irrestrita tutela aos direitos da personalidade. Destarte, o Código Civil brasileiro seguiu a orientação do Código Civil Italiano, ao prescrever especificamente a tutela aos direitos da personalidade.
A inserção de 11 artigos em defesa dos direitos da personalidade, evidencia a preocupação do mens legislatori em conferir especial tutela à pessoa – matéria certamente complexa e que suscitará debates na seara jurisprudencial. Nesse sentido, Miguel Reale[48] ao referir sobre o assunto assinala que, “tratando-se de matéria de per si complexa e de significação ética essencial, foi preferido o enunciado de poucas normas dotadas de rigor e clareza, cujos objetivos permitirão os naturais desenvolvimentos da doutrina e da jurisprudência”.
Assim, os pontos determinantes das inserções constantes no Novo Código Civil, assinalam questões de fundo da maior relevância, tais como a pessoalidade do exercício desses direitos, ao dispor sobre a intransmissibilidade e irrenunciabilidade do instituto. No mesmo sentido, a disposição legal não permite que o titular do direito voluntário sofra qualquer limitação no exercício da tutela do ordenamento (art. 11 do CCB-2002).
A antecipação da tutela será assegurada ao seu titular, no caso de qualquer ofensa que esteja presta a se concretizar ou, já tenha sido configurada ressalvando-se, nesse caso, o direito às perdas e danos (art. 12 do CCB-2002), cumulado com danos morais em virtude da possibilidade assegurada pela Súmula 37 do STJ.
O nome da pessoa transcende a sua morte. Na realidade, o alcance do legislador, nesse particular, foi consentâneo com a disposição contida no artigo 208 e seguintes do Código Penal brasileiro, referente ao crime contra o sentimento e respeito aos mortos. Os parentes titulares do referido direito poderão, querendo, promover as medidas assecuratórias previstos na tutela antecipada, tanto quanto, promover a reparação dos danos extrapatrimoniais presentes no procedimento ofensivo aos direitos do falecido (art. 12, § único do CCB-2002).
O legislador assegurou ampla defesa do corpo psíquico e físico da pessoa. No último caso, admite a livre disposição de parte do corpo, “salvo quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”. Portanto, trata-se de uma proteção erga omnes ou seja, o Estado assegura o direito de disposição de partes do corpo da pessoa, desde que não o seja para fins meramente mercantis e, possa resultar em prejuízo da estrutura física-biológica-psiquica do organismo humano em seu aspecto global (art. 13 do CCB-2002). O que se admite, todavia, é o transplante consentâneo com as disposições estatuídas em lei, ou ainda, previsto no texto da Lei número 8.489 de 18.11.1992 e, pela Lei número 9.434 de 04.02.1997, que dispõem sobre a retirada e transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, com fins terapêuticos e científicos e dá outras providências. Nesse particular, a finalidade científica da remoção de órgãos é mitigada pelo legislador, já que se trata de atividade regulada por lei e, realizada por pessoas credenciadas e, profissionais da área com objetivos altruísticos ou meramente científicos (art. 14 do CCB-2002).
Por outro lado, o legislador consigna no texto do artigo 15 do CCB-2002 que, “… ninguém poderá ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”. Isto significa que, a responsabilidade do profissional médico será maior, se considerarmos que toda e qualquer intervenção médica deverá preceder das informações prestadas pelo profissional de saúde ao seu paciente, quando se tratar de procedimento que envolva tratamento ou cirurgia de risco. Nesse sentido, Miguel Kfouri Neto[49] ensina que, “a prova do consentimento pode acarretar dificuldades. Ao juiz é dada ampla liberdade de apreciá-la – e grande latitude para decidir. A informação prestada pelo médico deve ser inteligível e leal. Tanto a informação, quanto o consentimento, devem ser escritos, individualizados e testemunhados. A adoção de formulários é difícil, dada a peculiaridade de cada caso. De qualquer modo, não podem suscitar a menor dúvida”.
O que se observa, nesse caso, é que a teoria do risco ganhou expressão na atualidade, posto que, expõe a integridade física e psíquica da pessoa às possibilidades da ocorrência de danos. Por isso, não é justo que as pessoas sejam expostas a esses riscos – como é o caso das cirurgias ou tratamentos que podem ocasionar lesões de qualquer natureza, sem que os pacientes sejam informados, de forma precisa e absoluta, de tais riscos e, por conseqüência, assumam-no, de forma deliberada e voluntária. Para tanto, o dever de informação diligente e perita é um imperativo de ordem legal, tornando-se procedimento obrigatório ao profissional de saúde[50].
O nome da pessoa é o retrato do seu “eu”. É, no dizer de Josserand, “uma etiqueta sobre nós e que nos dá a chave de nossa personalidade”. Ele é o que somos. Portanto, o nosso nome é a representação de nossa pessoa no palco da vida. O nome é pessoal, intransferível e imprescritível[51]. Nessa direção, Orlando Gomes assinala que, “toda pessoa natural identifica-se pelo nome. A identificação faz-se, entre os povos modernos, por uma denominação única e própria a cada pessoa (Capitant). É exigida no seu interesse e no da sociedade. São de ordem pública as normas relativas ao nome. O nome é objeto de um direito personalíssimo que tem como fonte: a lei e não o registro, que é apenas sua prova . Não é adquirido por usucapião”.
O nome, dessa forma, assume uma importância relevante na ordem jurídica, quando se trata de tutelar todos os componentes que se encontram subtendidos em seu conteúdo. Caio Mário da Silva Pereira[52] assevera que, “Pontes de Miranda observa que toda pessoa tem direito a ter nome, que a ela adere e não pode ser transferido a outrem, nem usurpado. A proteção se entende ao pseudônimo, e modernamente ao nome artístico e ao nosso nome de guerra. Em qualquer hipótese, o indivíduo tem ação que lhe assegure o nome a que tem direito, e lhe garanta reparação por dano material ou moral, contra um eventual causador de dano”.
O nome da pessoa é, na realidade, o seu patrimônio pessoal adquirido no curso da sua existência – daí a sua importância no contexto social. Por tais motivos, se justifica a especial proteção conferida pelo Estado ao seu titular, seja no ordenamento Constitucional, como Penal e agora, no Código de Normas Civis. Orlando Gomes[53] proclama que, “para os adeptos da teoria do estado o nome é um fato protegido pela ordem jurídica. Segundo Colin, não passa de simples sinal distintivo e exterior do estado, de modo que toda questão a ele relativa é uma questão de estado. Tem-se o nome, finalmente, como um dos atributos da personalidade, um direito sui generis, submetido a regras especiais, compreendido no sistema de proteção da personalidade. Como se lhe assegura o respeito, é defensável através de ações contra terceiros que tente usurpá-lo (Capitant, Pereau, Fadda e Bensa)”. Por esse motivo, por decorrência do valor do nome da pessoa, o nosso ordenamento jurídico consignou quatro artigos no Novo Código Civil (artigos 16, 17, 18 e 19 do CCB-2202) objetivando assegurar amplamente a sua tutela.
Assim, essa proteção ampla do nome da pessoa envolve, naquelas situações em que, “ainda quando não haja intenção difamatória” (artigo 17 do CCB-2002) o nome da pessoa não pode ser utilizado em publicações que a exponha ao desprezo público. Essa exposição resultará em inevitável ação indenizatória, por decorrência do simples fato de expor o titular do nome à situação capaz de gerar na opinião pública uma situação de desprezo. Portanto, não obstante esteja ausente o “animus difamandi” o simples fato da exposição, porque a insinuação dissimulada não é fato tipificado como criminoso, poderá gerar constrangimentos ao titular, capaz de produzir situações de incômodo suscetíveis de gerar danos de natureza extrapatrimonial. Assim, na ótica de Paulo Luiz Netto Lobo[54], “a lesão ao direito ao nome acarreta danos morais, sempre que haja utilização indevida ou não autorizada e possa ser indiscutivelmente referido à pessoa, máxime quando se tratar de homônimos. A utilização indevida dá-se com intuito difamatório ou de provocar o desprezo público ou, ainda, de interesse publicitário ou mercantil”.
É importante observar que, o nome a que se refere o artigo 17 do Código Civil, tanto a pessoa natural, como, a pessoa jurídica, podem ser objeto da tutela jurídica, se observarmos que se encontra consagrado a possibilidade desta ser vítima de danos, decorrente de difamação que atinge sua reputação[55].
Na realidade, o texto previsto no Código Civil não estabeleceu diferença entre a pessoa jurídica e a física, sendo lícito concluir que a tutela se refere a ambas as pessoas. Ademais, ao nome da pessoa jurídica foi recentemente assegurado pela Súmula 227 do STJ o direito à indenização pelos danos morais[56]. Isto significa que a pessoa jurídica é detentora da honra objetiva, ou seja, o seu nome merece igualmente a tutela do ordenamento jurídico.
O artigo 20 do Código Civil proclama uma norma não menos importante das anteriores – na realidade, uma das mais valiosas contidas no capítulo em exame, ao consagrar o direito-dever do Estado em promover as ações assecuratórias, objetivando assegurar a preservação da ordem pública. Para tanto, aponta que “a divulgação de escritos, a transmissão de palavra ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa” que, atingirem “a honra, a boa fama ou a respeitabilidade” poderão ser proibidas caso seja “necessário à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública”.
O ordenamento legal objetiva salvaguardar o interesse público e o interesse da justiça, quando ocorrer a exposição da pessoa ou de fato, que seja contrário à ordem social. Não se pode descurar que o Estado tem o dever de manter a dignidade da pessoa (física ou jurídica), não admitindo que a exposição indevida de fatos que possam comprometer os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, consagrados no caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, quando, nesse caso, se tratar da pessoa jurídica de direito público. A reputação dos entes personalizados é importante na ordem jurídica posto que, dela decorre o respeito que as pessoas impõem aos outros na ordem jurídica.
“O direito à reputação é o mais atingido”, ensina Paulo Luiz Lobo[57], “pois a consideração é o respeito que passa a granjear a pessoa jurídica integra sua personalidade própria e não as das pessoas físicas que a compõem. A difamação não apenas acarreta prejuízo materiais mas morais, que devem ser compensados. Do mesmo modo, pode ocorrer a lesão à imagem, com retratação ou exposição indevidas de seus estabelecimentos e instalações”. A tutela do patrimônio material e imaterial das pessoas – especialmente da pessoa jurídica de direito privado ou público, como se acentuou – assume relevância, na medida em que, assegura a todos um clima de harmonia e confiabilidade nos destinos da sociedade.
Finalmente, o artigo 21 do Código Civil proclama a proteção da vida privada da pessoa natural em virtude da sua inviolabilidade. Facultando-se à parte interessada requerer ao juiz as medidas necessárias no sentido de “impedir ou fazer cessar o ato contrário a essa norma”. Parece-nos que o legislador, nesse caso particular, inseriu uma norma já constante no artigo 12 do CCB-2202 de caráter genérico.
De qualquer forma, a norma sinaliza a possibilidade da tutela da pessoa que tem a sua vida privada violada, a exemplo da pessoa jurídica, assegurando a indenização patrimonial e extrapatrimonial por decorrência dessa situação. Segundo o magistério de Caio Mário da Silva Pereira[58], “toda pessoa tem a faculdade de preservar a sua imagem, e impedir sua divulgação. A Constituição Federal de 1988, além de tutelar os direitos à intimidade, resguarda igualmente os direitos à imagem das pessoas, que simplesmente se representa pela expressão externa, como também pela descrição do caráter da pessoa (Jean Carbonnioer, Droit Civil, vol, I, p. 70). O atentado contra o direito à imagem poderá consistir na simples divulgação da fotografia, como a de uma parte do corpo (as pernas, as mãos, o torso, etc.). Pode ainda configurar-se na exibição fotográfica (ou por desenho), em condições que diminuam ou ridicularizem, ou mesmo que não traga este propósito, mas possa assim interpretar-se”. Sendo a imagem o retrato da pessoa não poderá ela ser distorcida da realidade, salvo se autorizado pelo seu titular, que tem o direito de exigir reparação pelo uso não autorizado e, em desconformidade com a realidade. No mesmo sentido, poderá ainda o titular postular a tutela antecipada, no sentido de cessar e fazer cessar a pretensão ilícita do ofensor.
Portanto, conclui-se que os dispositivos do Código Civil, foram precisos nessa direção. O legislador preencheu em nosso ordenamento Civil, uma lacuna existente no Código Civil de 1916. A tutela da pessoa, no seu sentido amplo e irrestrito, se ampliou de forma considerável, assinalando o fato de que os ofensores serão mais cautelosos na ofensa, para não incidirem na inevitável indenização pretendida pelas vítimas, em seu sagrado direito de defesa de seus valores.
9. A TUTELA JURÍDICA DA PERSONALIDADE.
Não basta reconhecer os amplos aspectos da personalidade e os direitos inerentes a ela, é preciso, sobretudo, que o instituto jurídico ofereça mecanismos aptos a proteger os importantes valores das pessoas. Isto porque, de nada adiantaria dimensionar a personalidade das pessoas, sem permitir, ao mesmo tempo, normas que sejam capazes de assegurar aos seus titulares a tutela contra agressões de terceiros.
Artur Oscar de Oliveira Deda[59] prescreve que, “para Norberto Bobbio, o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-lo.” Segundo aponta o autor, a dificuldade a resolver não é filosófica, mas jurídica, e, num sentido mais amplo, política, porque, “não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mais sim qual é o modo mais seguro para garantí-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamento violados”.
Essa questão é fundamental, especialmente quando se trata de disposição de Ordem Constitucional inserta no artigo 5º, inciso X, da CF/88 que emite um comando no sentido de “… assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, portanto, uma ampla tutela aos direitos da personalidade.
No mesmo sentido, o artigo 12 do Código Civil brasileiro prescreve que, “pode-se exigir que cesse a ameaça, ou lesão, a direito de personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”. Portanto, a ordem legal assinala uma tutela capaz de proteger, como especialmente, oferecer meios indenizatórios de satisfação dos danos causados pela ação ofensiva de terceiros.
“As ações podem ser civis ou penais”, ensina Artur de Oliviera Deda[60], “conforme se destinem à defesa de direitos meramente privados, ou de ordem pública afetada pelo crime”. O legislador se preocupou profundamente com esses mecanismos protetivos, na medida em que ampliou consideravelmente os meios destinados a assegurar ao titular do direito violado, uma gama de instrumentos jurídicos visando a proteção da pessoa.
Elimar Szaniawski[61], ensina em sua conhecida obra que, “sem dúvida alguma, encontra-se a proteção da personalidade humana tutelada por nossos tribunais frente àquelas hipóteses expressamente arroladas no ordenamento positivo e nas garantias individuais previstas na Constituição Federal. Além disso, verifica-se que a maioria das decisões nesse sentido ocorrem no âmbito criminal, buscando as vítimas a proteção penal dos direitos de personalidade”. Portanto, não foi sem justificada razão que o legislador consignou no Código Civil de 2002 dispositivos destinados a tutelar os direitos da personalidade.
Trata-se da defesa dos direitos fundamentais da pessoa, consagrada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e, aprovada pela ONU em 1948. E, a tendência hoje, é que essa tutela seja cada vez mais ampliada, em razão das contínuas invasões dos direitos da personalidade, levadas a efeitos pela sociedade invasiva de nossa época. Não foi sem justificada razão que Danilo Cesar Maganhoto Doneda[62] proclamou, “ao direito Civil cabe desempenhar uma tarefa fundamental nesta nova estrutura, que é a de garantir os direitos do homem, quando cotejados em suas relações privadas diante do perigo de inviabilizar sua tutela em todo o universo de atuação da realidade jurídica.” A ausência de uma tutela efetiva, inviabilizaria o exercício desse direito posto que, a proteção jurídica é a certeza do uso regular dos direitos fundamentais da pessoa. Por esse motivo, o autor, na mesma página, ainda preleciona que, “esta nova orientação é o resultado do impacto da nova realidade social e jurídica no direito civil. Impõe-se aos civilistas a busca de meios para tornar os seus institutos, criados sob o paradigma da defesa dos interesses individuais e patrimoniais, hábeis para proporcionar a tutela dos direitos humanos perfazendo a tutela integral do homem por todo ordenamento jurídico[63] “.
Portanto, pode-se concluir que um modelo novo de tutela da personalidade se encontra insculpido no Código Civil de 2002, que consagra a materilização dos direitos da personalidade em nosso Ordenamento Civil. Essa proteção será capaz de assegurar a integridade dos bens de valor das pessoas, especialmente em épocas de “esvaziamento moral” tão frequente na sociedade contemporânea. Por esse motivo que, Elimar Szaniawski ao publicar sua obra em 1983 já proclamava que, “é necessária a evolução dos direitos de personalidade e sua tutela e esta só pode ser plenamente garantida pelo trabalho e desenvolvimento constante da jurisprudência, que utiliza a analogia e os princípios gerais do Direito para amplamente proteger dos ataques os direitos inerentes à pessoa humana, mesmo os não tipificados nem classificados pelos doutrinadores”.
Nessa linha de conduta, pode-se concluir que a defesa dos direitos à personalidade, não é apenas e tão somente uma tutela do indíviduo mas, acima de tudo, o que ele representa na ordem social – na realidade, uma confirmação da importância da pessoa no contexto social, como célula componente do tecido social, detentora de autonomia e capacidade própria. A importância dessa defesa possui significado especial, se considerarmos que a humanidade passou por grandes períodos da sua história em que a pessoa humana foi aviltada e denegrida como entidade de valor. Assim, os novos paradigmas confirmam uma reconstituição da pessoa para que ela ocupe o seu lugar na ordem social e humana. Segundo José Antonio Peres Gediel[64], essa nova etapa do desenvolvimento da personalidade da pessoa humana, “ consistiu também na recuperação do valor da pessoa, em determinar um destino e influir, solidariamente, no destino da sociedade em que vive, ao defender uma perspectiva personalista, e não mais egoística dos direitos da personalidade”.
Daí o valor e o real significado da tutela jurídica da personalidade, sem o que não será possível manter a integridade da pessoa e, evitar o retorno ao passado, que foi a causa geradora da desintegração da personalidade e, uma das causas da perda de valores das pessoa no curso da história da civilização.
10. OS DANOS DECORRENTES DA OFENSA À PERSONALIDADE.
As ofensas aos direitos da personalidade, são suscetíveis de serem reparados, sempre que ocorrer ato ilícito ou ação culposa do agente, que tenha sido a causa eficiente de lesões aos direitos de outrem.
Na lesão aos referidos direitos subjetivos da pessoa, estamos diante de uma agressão aos valores que constituem elementos integrantes de nossas personalidades – honra, privacidade, imagem, intimidade, família, bens de valor, direito ao sossego, direito ao equilíbrio físico e psíquico, enfim, uma gama de situações que afetam de forma substancial o psiquismo. Da pessoa.
Essas lesões têm sido definidas pelos Tribunais como dannum in re ipsa, ou seja, decorrentes do próprio fato. Basta a demonstração do fato lesivo para se configurar a ofensa aos referidos bens extrapatrimoniais. Assim, a mera exposição indevida da imagem de uma pessoa, mediante o abuso de direito, é causa suficiente para demonstrar os sentimentos de insatisfação gerados na intimidade da vítima. Destarte, nessa situação configura-se um dano moral – uma ofensa que não produziu repercussões no patrimônio material da pessoa.
Assim, a ilicitude do agente, em face da violação do direito, afeta os valores da pessoa ensejando imediata repercussão na ordem íntima, capaz de gerar em sua intimidade desequilibrio psíquico-estrutural, com graves repercussões na esfera patrimonial. Isto porque, não obstante o caráter imaterial das ofensas, o resultado reflete inexoravelmente na vida de relações sociais e profissionais das pessoas atingidas. Segundo preleciona Paulo Luiz Netto Lobo[65], “ante os fundamentos patrimonialistas, que determinaram a concepção do direito subjetivo, nos dois últimos séculos, os direitos de personalidade restaram alheios à dogmática civilística. A recepção dos danos morais foi o elo que faltava, pois constituem a sanção adequada aos descumprimentos do dever absoluto de abstenção”.
Na ótica de Humberto Theodoro Junior[66], “no convívio social, o homem conquistou bens e valores que formam o acervo tutelado pela ordem jurídica. Alguns deles se referem ao patrimônio e outros à própria personalidade humana, como atributos essenciais e indisponíveis da pessoa. É direito seu, portanto, manter livre de ataques ou moléstia de outrem os bens que constituem patrimônio, assim como preservar a incolumidade de sua personalidade”. Decorre portanto, uma defesa ampla dos direitos da personalidade, especialmente no que tangem aos danos morais.
O Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro[67] em decisão prolatada em autos de apelação cível em que foram apelantes Ney Matogrosso, Milton Nascimento e Caetano Veloso e apelados Bloch Editores S/A e outra proclamou com profundo acerto:
“I. Os direitos da personalidade estão agrupados em direitos à integridade física (direito à vida, direito sobre o próprio corpo; e direito ao cadáver) e direitos à integridade moral (direito à honra; direito à liberdade, direito ao recato; direito à imagem; direito ao nome; direito moral do autor). A Constituição Federal de 1988 agasalhou nos incisos V e X do artigo 5º os direitos subjetivos privados relativos à integridade moral”.
II. “Dano moral. Lição de Aguiar Dias: o dano moral é o efeito não patrimonial da lesão de direito e não a própria lesão abstratamente considerada. Lição de Savatier: dano moral é todo sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária. Lição de Pontes de Miranda: nos danos morais a esfera ética da pessoa é que é ofendida; o dano patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser humano, não lhe atinge o patrimônio”.
III. “O Ser humano tem uma esfera de valores próprios que são postos em sua conduta não apenas em relação ao Estado, mas, também, na convivência com os seus semelhantes. Respeitam-se, por isso mesmo, não apenas aqueles direitos que repercutem no seu patrimônio material, mas aqueles direitos relativos aos seus valores pessoais, que repercutam nos seus sentimentos. Não é mais possível ignorar esses cenários em uma sociedade que se tornou invasora porque reduziu distâncias, tornando-se pequena e, por isso, poderosa na promiscuidade que propicia. Daí ser necessário enfatizar as ameaças a vida privada que nasceram no curso da expansão e desenvolvimento dos meios da comunicação de massa.”
E, ao final da decisão, a Corte de Justiça proferiu o seguinte julgamento:
“Assim, entende a Corte que o apelante dever ser indenizado pelo dano moral que sofreu em decorrência do ato ilícito positivo das apeladas, violador do inciso X, do artigo 5º da Constituição Federal”.
A decisão retrata um dos casos de profunda agressão à personalidade dos apelados, em decorrência de reportagem publicada em Revista conhecida no meio social e artístico, que causou profunda indignação e mágoa nas pessoas atingidas – daí o dano moral notoriamente reconhecido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Nessa mesma linha de conduta, o Superior Tribunal de Justiça[68], vem proclamando,
“O direito à imagem reveste-se de duplo conteúdo: moral, porque direito de personalidade, patrimonial porque assentado no princípio segundo o qual a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia.”
Portanto, o dano moral decorrente da violação dos direitos inerentes à personalidade é uma consequência imediata oriunda de uma situação ofensiva, contida no ato de violar o direito de outrem[69]. Afinal, como já consagrado na doutrina e legislação nacional, qualquer lesão aos legítimos interesses da pessoa, são amplamente tutelados pela ordem jurídica de maneira irrestrita – especialmente no campo dos direitos da personalidade, por decorrência da consagração da indenização dos danos morais.
11. A IMPORTÂNCIA DA PROTEÇÃO JURÍDICA NO CASO DOS DANOS EXTRAPATRIMONIAIS.
A importância da proteção jurídica no caso dos danos extrapatrimoniais, reside essencialmente no reconhecimento de que, na medida em que o julgador assegura a indenização em face dos danos morais, está ao mesmo tempo valorando os bens subjetivos que integram a personalidade da vítima.
A tutela desse direito, deve ser tributado a importância que a pessoa humana assume na ordem social. Maria Helena Diniz[70], nesse sentido, assinala que, “com o advento do Cristianismo houve um despertar para o reconhecimento daqueles direitos (personalidade), tendo por parâmetro a idéia de fraternidade”. E, adiante, na mesma página, acrescenta, “mas foi a Declaração dos Direitos de 1789 que impulsionou a defesa dos direitos individuais e a valorização da pessoa humana e da liberdade do cidadão[71]”.
Integrando a realidade dos bens axiológicos, ou seja, aqueles que se encontram imantados em nossa realidade psicológica, a personalidade é o corpo espiritual da pessoa que a conduz no plano dos valores. Por essa razão Paulo Luiz Netto Lobo[72] aponta que, “os direitos da personalidade, por serem não patrimoniais, encontram excelente campo de aplicação dos danos morais, que têm a mesma natureza não patrimonial. Ambos têm por objeto bens integrantes da interioridade da pessoa, que não dependem da relação com os essenciais à realização da pessoa, ou seja, aquilo que é inato à pessoa e deve ser tutelado pelo direito”. O valor que o novo legislador outorga a esse direito, é o resultado de longa e exaustiva conquista do processo de civilização.
O respeito aos direitos de outrem, como fundamento de uma convivência harmoniosa, se inicia realmente com base na observância das regras prescritas pelo Cristianismo. A partir daí, toda norma de conduta passa necessariamente pela pessoa, por ser esta o centro gravitacional de uma nova realidade antropomórfica. Não há razões plausíveis que justifiquem a agressão aos direitos individuais da pessoa. O universo sem a pessoa é o caos, o vazio, povoado apenas pela matéria. É o homem que confere razão e valor a essa realidade material[73]. Não é justo que ele continue a ser o objeto central de tanta agressão de que sempre foi vítima, no curso do processo de construção da civilização. Por essa razão, se justifica a ampliação dessas tutelas.
“O personalismo coloca o ser humano no centro do sistema jurídico”, assinala Luiz Edson Fachin[74], “retirando o patrimônio dessa posição de bem a ser primordialmente tutelado, ao contrário do que faz o individualismo proprietário. Propõe o autor a superação do individualismo por um solidarismo jurídico, que valorize a coexistencialidade. O ser humano não pode ser pensado nem compreendido em contraposição à sociedade, exceto na dimensão abstrata do individualismo que deve ser afastada”. Essa nova concepção da pessoa coloca o ser humano em uma nova realidade dimensional. A despeito do ambiente primitivo que ainda predomina em determinados pontos geográficos do planeta, é indiscutível que o processo civilizatório vem exercendo influência marcante na direção da reforma íntima das pessoas[75]. O homem a que se refere Luiz Edson Fachin, é a projeção de uma pessoa livre das âncoras que a mantém prisioneira, em um determinado ponto no imenso oceano da existência[76].
Nesse sentido, Silvio Rodrigues[77] pondera que, “essa preocupação de defender a pessoa humana contra as agressões a essa espécie de direitos foi raramente aprendida pelo legislador, e quando o foi isso se deu com muita lentidão, como aconteceu entre nós; assim sendo, coube à jurisprudência a tarefa de proteger a intimidade do ser humano, sua imagem, seu nome, seu corpo, proporcionando-lhe meios adequados de defender tais valores personalíssimos contra a agressão de seus semelhantes”. Os bens de valor sempre foram fonte inesgotável da energia criadora, que revigora e confere exata dimensão ao espírito humano. O processo de construção do homem passou por inúmeras fases na história – “desde a primavera dos mitos criadores até o inverno das concepções materialistas e céticas, na feliz expressão de Miguel Reale[78] – que retratam momentos diversos na fugaz existência humana. Hoje, estamos vivendo “o inverso das concepções materialistas e céticas” e, é exatamente por essa verdadeira razão, que a defesa dos bens axiológicos que integram a personalidade assume importância vital na contemporaneidade. Deixar indene a ofensa ao patrimônio íntimo da pessoa, será permitir a institucionalização da violência aos valores fundamentais do ser humano – um acervo de bens que confere significado e sentido à existência.
12. A FIXAÇÃO DO QUANTUM DEBEATUR.
Uma das questões que têm suscitado os mais vivos e acirrados debates na doutrina e jurisprudência se refere à fixação dos valores dos danos morais. A questão do pretium doloris ou pateme d’animo dos italianos, tem sido motivo para interpretações diversas e contraditórias, quando se trata de fixação de valores indenizatórios.
Carlos Roberto Gonçalves[79] a esse propósito ensina que, “o problema da quantificação do dano moral tem preocupado o mundo jurídico, em virtude da proliferação de demandas, sem que existam parâmetros seguros para a sua estimação. Enquanto o ressarcimento do dano material procura colocar a vítima no estado anterior, recompondo o patrimônio afetado mediante a aplicação da fórmula danos emergentes e lucros cessantes, a reparação do dano moral objetiva apenas uma compensação, um consolo, sem mensurar a dor”. Portanto, uma idéia precisa a respeito de um tema amplamente contraditório e controvertido, que tem suscitado os mais vivos debates em nossos tribunais.
Nesse aspecto, Paulo Luiz Netto Lobo[80], aponta que, “tem-se deplorado a excessiva preocupação dos juristas com os momentos patológicos da proteção da personalidade, resultantes em danos morais, em detrimento de ser exercício, o que revela resíduo da tradição patrimonialista”. Na realidade, não se justifica que as lesões nessa esfera do direito fiquem indenes sob o pressuposto das dificuldades na fixação de valores, que sejam compatíveis com a ofensa produzida. Nessa área do direito sempre haverá discussões intermináveis, porque se trata de estabelecer avaliações sobre bens que são insuscetíveis de serem avaliados quantitativamente mas, apenas, qualitativamente – o que torna difícil e complexo o processo de valoração levado a efeito pelo magistrado.
De qualquer forma, a despeito das naturais dificuldades em proceder à valoração dos danos morais, não se justifica que esse fato seja motivo para a não concessão de indenizações. Nesse aspecto, Artur Oscar de Oliveira Deda[81] prescreve que, “registre-se que meras dificuldades de ordem prática da restauração dos direitos existenciais no âmbito jurídico privado, não podem excluí-los da proteção necessária, que não deve ser meramente simbólica, mas efetiva.” Segundo nosso entendimento[82], “a dor moral é a mais traumática de todas as dores catalogadas no index médico. Trata-se de uma dor não localizada, que afeta o ser humano em todo o seu universo físico e psiquíco. E não há analgésico que possa suprimi-la ou aliviar a sua intensidade. É a essa dor que o dano moral se refere, e que o processo indenizatório procura apaziguar ou amenizar, mediante uma indenização compensatória”.
O dimensionamento dos valores que possa “apaziguar” o ânimo violado das vítimas é tarefa entregue aos magistrados, que devem sopesar os inúmeros fatores que concorreram para consumar a ofensa aos direitos da personalidade do lesionado. O artigo 944 do Código Civil de 2002 prescreve que, “a indenização mede-se pela extensão do dano”, no mesmo sentido, o artigo 5º, inciso V da CF/88 igualmente prescreve que, “a indenização será proporcional ao agravo”. Isto significa que a indenização deverá observar relação de proporcionalidade entre a ofensa e o prejuízo decorrente do ato ofensivo.
Na ótica de Humberto Theodoro Junior[83], ensina que, “sendo a dor moral insuscetível de uma equivalência com qualquer padrão financeiro, há uma universal recomendação, nos ensinamentos dos doutos e nos arestos dos tribunais, no sentido de que o montante da indenização será fixado eqüitativamente pelo Tribunal – Código Civil Português, art. 496, inciso 3”.
Paulo Luiz Netto Lobo[84] pontifica que, “no inciso V do artigo 5º da Constituição determina que o dano moral seja “proporcional ao agravo”. Há quem veja nesse preceito fundamento da função não apenas compensatória mas punítiva. Deve o juiz valer-se do principio da proporcionalidade, tendo em vista serem os direitos atingidos muito mais valiosos que os bens e interesses econômicos, cuja lesão leva à restituição.”
Segundo assinala C. Massimo Bianca[85], “na falta de parâmetros econômicos, o juiz deve então fixar o ressarcimento em relação à gravidade da lesão e que seja socialmente adequado.” Os elementos que possibilitam a fixação do quantum indenizatórios em sede de danos morais são múltiplos. Todavia, não se pode desviar a atenção para o fato de estamos diante de uma indenização, aonde prevalece o princípio da restitutio in integrum ou seja, reparação que atenda à idéia de uma reposição do prejuízo ao stato quo ante. Nesse particular, o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (In RSTJ 112/216) proclama que, “na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico dos autores, e, ainda, ao porte da empresa recorrida, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.” Portanto, é preciso entender a dimensão do dano para então, poder-se fixar valores que sejam compatíveis com a referida realidade.
Na sede de danos à personalidade, estaremos diante de agressões que afetam, de forma substancial, a intimidade das pessoas, gerando uma série de reações no sistema físico-psiquico do lesionado – especialmente na intimidade espiritual dessas pessoas. Todos nós, seres humanos, já vivenciamos a dor da perda de membro familiar ou pessoa amiga. Sabemos da sua intensidade, especialmente quando este fato decorre da pratica de ato irresponsável de terceiros. Não se trata de dano material, mesmo porque, conforme preleciona Rui Stoco[86], “os valores ditos morais situam-se em outra dimensão, irreflexíveis no patrimônio subjetivo da pessoa.” Assim, são valores que deverão ser dimensionados sobre uma perspectiva diferenciada, em relação àqueles em que os magistrados costumam estabelecer parâmetros indenizatórios quando se trata de danos materiais.
Como acentuado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (In TJSP – 4ª C. Dir. Privado – AC. 15.530-4 – Rel. Cunha Cintra – j. 19.03.1998), “em caso de dano moral não se está, a rigor, diante de uma indenização (tornar indene). O que se atribui ao lesado é uma mera compensação pelo sofrimento, para ajudar a amenizá-lo, além de uma satisfação que a ordem jurídica lhe dá, de forma a não deixar impune o causador do dano.” Portanto, não se trata de uma verba de caráter ressarcitório mas, uma forma de satisfazer a vítima em sua pretensão indenizatória. Por essa razão, os princípios de razoabilidade e proporcionalidade são determinantes na fixação do valor arbitrado pelo julgador, na forma preconizada pelos Tribunais de Alçada em seu IX Encontro realizado em São Paulo em 1997.
De qualquer forma, as naturais dificuldades encontradas pelos magistrados não podem servir de motivo para que as indenizações deixem de atender aos parâmetros traçados pelos Tribunais, bem como, especialmente, correspondam a valores compatíveis com a realidade de cada situação.
13. A POSTURA DOS TRIBUNAIS.
A orientação de nossas Cortes de Justiça, alusiva à fixação de valores por Danos Morais passou por momentos diferentes. Da negativa, à fixação dos danos extrapatrimoniais de forma acumulada com os danos materiais. Nessas questões, não obstante a inexistência de tabelas ou de parâmetros indenizatórios, já que, nosso ordenamento jurídico consagrou a idéia de parâmetros abertos, em face da idéia consagrada no artigo 5º, inciso V da Constituição Federal de 1988, a fixação do quantum indenizatório está atrelada ao arbitrium boni viri.
Segundo o escólio de Rui Stoco[87], “a tendência moderna, ademais, é a aplicação do binômio punição e compensação, ou seja, a incidência da teoria do valor do desestímulo (caráter punitivo da sanção pecuniária) juntamente com a teoria da compensação, visando destinar à vítima uma soma que compense o dano moral sofrido.” Portanto, há uma tendência generalizada na adoção da duplicidade do efeito da indenização dos danos imateriais[88], a saber: puir para desestimular o ofensor à prática de novos atos ofensivos, tanto quando, compensar o ofendido pelo prejuízo sofrido[89].
Na realidade, não obstante a maioria dos Tribunais brasileiros adotem os critérios de duplicidade, filiamo-nos à corrente daqueles que entendem que os danos morais possuem um caráter meramente indenizatório – de acordo aliás, com os pressupostos da responsabilidade civil. “O direito ao ressarcimento não nasce como direito pecuniário, mas como pretensão à reparação da lesão produzida a um interesse estritamente pessoal”, preleciona C. Massimo Bianca[90].
O Direito Civil difere de forma precisa do Direito Penal, não possuindo aquele caráter de pena contido na norma penal, mesmo porque, não se encontra atrelado ao principio da legalidade previsto no referido ordenamento penal – nulla pena sine lege. Por outro lado, os parâmetros adotados pelo nosso sistema indenizatório são abertos, em face da ordem prescrita no artigo 5º, inciso V da CF/88.
Não há dúvida que, nesse campo do direito reinam profundas incertezas, mesmo porque, os magistrados enfrentam dificuldades imensas para dimensionar valores que sejam compatíveis com a realidade de cada situação – que são, em sua maioria, aleatórias e extremamente difíceis de serem avaliadas. Nesse sentido, Volnei Ivo Carlin[91] ensina que, “no futuro, quando consagrado plenamente pelos tribunais brasileiros o caráter autônomo e próprio desse dano, seriam projetadas, anualmente, pelas próprias Cortes superiores, tabelas especificativas de valores de cada prejuízo constatado, a exemplo do que acontece nas Cortes francesas.”
Todavia, o que se observa em nossos Tribunais é uma tendência em limitar os danos morais em parâmetros compatíveis com a nossa realidade econômica, com o propósito de evitar indenizações que sejam inexequíveis. Por outro lado, as nossas Cortes de Justiça se preocupam ainda em que as indenizações pelos danos extrapatrimoniais possam converter os citados pedidos em “loteria judiciária”, circunstância que não se amoldam ao elevado sentido ético que se revestem essas pretensões.
Dessa forma, as indenizações devem sopesar os danos sofridos pelas vítimas, para que se possam apurar com real presteza e segurança, os valores correspondentes e que possam satisfazer, tanto quanto possível, a vítima em sua pretensão indenizatória e atender aos reclamos da sociedade no restabelecimento da ordem constante na decisão judicial.
CONCLUSÕES.
A personalidade, é o bem de maior valor que as pessoas possuem. Portanto, merecem proteção especial em nosso ordenamento jurídico.
É nessa área do direito em que ocorrem os maiores danos, porque atingem de forma imediata os valores fundamentais da pessoa. Por essa razão que Andreas von Thur assinalou que, “o corpo e a vida, a liberdade e a honra, etc, são objeto cuja proteção constituem o problema fundamental de todo ordenamento jurídico”. Por essa razão, as normas legislativas dos povos cultos proclamam ampla e irrestrita tutela dos direitos da personalidade – prova de maturidade que se consagra em todo o mundo.
No Brasil, o ordenamento jurídico maior de 1988 inseriu, de forma precisa, em seu artigo 1º, inciso III, o respeito à dignidade da pessoa como valor fundamental. É o ser humano que Justiniano, em sua feliz e sábia expressão proclamou: “Hominum causa omne jus constitutum est”- por causa do homem é que se constituti todo o direito(In JUSTINIANO D.1.5.2.).
“A dignidade do homem é inviolável” proclama o artigo 1º da Constituição da Alemanha. Portanto, é um norte que vem sendo aplicado em todos os ordenamentos jurídicos dos povos civilizados. Essa idéia central há muito reside no espírito dos homens, particularmente, entre as pessoas revestidas de valores nobres e, que almejam o bem estar e a felicidade da sociedade.
Por esses motivos, em boa hora, a Constituição Federal de 1988, prescreveu em seu artigo 5º e demais incisos, os Direitos Fundamentais da Pessoas Humana e, no mesmo sentido, insculpiu nos artigos 11 a 21 do Código Civil de 2002 especial proteção aos Direitos da Personalidade. Nesses dispositivos, o Brasil assegura, de forma definitiva, a indenização dos Danos Morais, tanto quanto, consagra especial e ampla tutela aos direitos espirituais da pessoa.
As nossas Cortes de Justiça, por sua vez, por força do vigor espiritual de seus magistrados, vêm conferindo não somente a tutela antecipada, por ocasião da ofensa aos direitos da personalidade (mesmo antes da vigência do novo Código Civil), tanto quanto, conferindo ampla e irrestrita indenização aos danos morais, por decorrência dos atos ofensivos praticados pelas pessoas irresponsáveis, que ferem profundamente os direitos do seu próximo.
Assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamado pela ONU em 1948, e o nosso Estatuto Civil assinalam, a valorização e a tutela da personalidade da pessoa como valor fundamental. No mesmo sentido, Paulo Luiz Netto Lobo, no frontispício de seu trabalho, destaca a célebre frase de Pontes de Miranda que profetizou, “com a teoria dos direitos da personalidade, começou, para o mundo, nova manhã do direito. Alçança-se um dos cimos da dimensão jurídica”.
O imorredouro Pontes de Miranda ficaria imensamente feliz se soubesse que o amanhã de ontem, se encontra consagrado hoje em nosso novo Código Civil – uma esperança para aqueles que almejam ver tutelado os direitos da personalidade e, a paz entre os homens, consagrada no respeito aos direitos do próximo.
Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau aposentado. Doutor e Mestre em Direito das Relações Públicas pela Universidade Federal do Paraná. Especialista em Responsabilidade Civil pela UEM. Professor Adjunto da Universidade Estadual de Maringá. Professor da Faculdade de Direito de Curitiba. Professor da Escola da Magistratura do Paraná. Membro Fundador da Academia Paranaense de Letras Jurídicas.
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