Resumo: Estudo dos dispositivos internacionais da Organização das Nações Unidas, que normatizam as medidas contra a discriminação racial, o racismo, a xenofobia e a intolerância racial, priorizando conhecer a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (1965); a Declaração de Durban e Programa de Ação (2001); a declaração da ONU definindo 2011 como o ano internacional dos Afrodescendentes (2010).
Palavras-chaves: Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (UNESCO). Racismo. Xenofobia. Intolerância. Afrodescendentes.
Abstract: Study of the international provisions of the United Nations, which regulate the measures against racial discrimination, racism, xenophobia and racial intolerance, giving priority to know the United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization – UNESCO, the Convention on Elimination of all Forms of Racial Discrimination (1965), the Durban Declaration and Programme of Action (2001), the UN declaration setting 2011 as the International Year of African Descent (2010).
Keywords: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). Racism. Xenophobia. Intolerance. African Descent
Sumário: 1. Introdução; 2. Origem e estruturação do Estado Moderno; 3. Da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura; 4. Dos Dispositivos Internacionais contra a Discriminação Racial; 4.1 Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial; 4.2 Declaração de Durban e Programa de Ação (2001); 4.3 2011: O ano internacional dos Afrodescendentes; 5. Considerações Finais.
1 INTRODUÇÃO
A proposta deste estudo é apresentar os aspectos centrais da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura e dos dispositivos internacionais – a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (1965); a Declaração de Durban e Programa de Ação (2001); a declaração da ONU definindo 2011 como o ano internacional dos Afrodescendentes (2010) -, que tratam da questão do racismo, da xenofobia e da intolerância, no contexto do sistema universal de proteção dos direitos humanos.
2 ORIGEM E ESTRUTURAÇÃO DO ESTADO MODERNO
O estudo sobre o processo de construção da discriminação, do racismo, da xenofobia e da intolerância racial requer uma compreensão da formação e consolidação do estado moderno (nacional), que se formou nos últimos 500 anos.
Recorre-se, para elaboração do tema, à análise de Magalhães (2010) sobre a Teoria do Estado[1]. O estado Moderno surge de uma faceta territorial, intermediária de poder do rei – entre o poder dos impérios e o poder dos senhores feudal -, o estado recém formado necessitava de reconhecimento, para tal, inventa a supremacia de uma nacionalidade sobre as outras nações já existentes. É o caso do Espanhol em relação aos castelhanos, galegos, bascos entre outros.
Embora com diferenciações o modelo uniformizador do estado nacional ocorreu na França, Portugal, Reino Unido e em todos os estados organizados nos últimos 500 anos. (MAGALHÃES, 2010)
A uniformização dos valores ocorre primeiro, por meio da religião. Depois se constrói gradualmente instâncias burocráticas, para manutenção do capitalismo, tais como: povo nacional, moeda nacional, bancos nacionais, exército nacional (fundamental para as conquistas dos povos e ampliação da economia) e a polícia (fundamental para controle e repressão dos excluídos pelo estado moderno). (MAGALHÃES, 2010)
O modelo uniformizador também foi utilizado pelos estados federais, estados regionais e o estado autônomo, caso da Espanha, mesmo com reconhecimento da diversidade cultural e linguística. (MAGALHÃES, 2010)
A uniformização da economia é mantida pela estrutura da propriedade privada e do direito de família, que até hoje, se encontram mais ou menos intactos, mas sólidos. (MAGALHÃES, 2010)
Na Europa, o considerado mais diferente (mulçumanos e judeus) foi eliminado, os menos diferentes foram uniformizados. Já nas Américas, os estados que conquistaram suas independências foram organizados, pelos descendentes dos europeus e, voltado para o homem branco. Os povos originários e os negros trazidos, à força da África, foram excluídos do sistema jurídico constitucional. O modelo de estado nacional excludente nas Américas administra para 20% da população (cifra simbólica, pois pode ser bem maior em alguns países). Constata-se, por exemplo, que nos Estados Unidos da América, 80% da população carcerária é negra; no Brasil somente pobres e negros são presos, na Bolívia e Equador, os povos originários também foram excluídos. (MAGALHÃES, 2010)
Recentemente, nestes dois últimos países vêm se construindo uma alternativa ao modelo de estado nacional, que inclui os povos originários: o Estado Plurinacional. (TAPIA, 2007)
Boaventura dos Santos (2009) coaduna com este entendimento, para ele:
“O ideário da fraternidade nas revoluções européias caminhou de par com a negação da fraternidade fora da Europa. […] No “novo mundo”, a prosperidade foi construída à base da usurpação violenta de territórios originários dos povos indígenas e da sobre-exploração dos escravos para aqui trazidos.” (sic) (SANTOS, 2009)
Portanto, o estado moderno se organizou uniformizando, normatizando para uns poucos – os homens brancos -, desconhecendo o diferente e os seus direitos. Os indicadores para que o Estado capitalista se considere superior aos demais países e pessoas, até hoje, são as características da raça e gênero: o outro e a outra se definem e se diferenciam a partir de um referencial estabelecido pelo dominador, juntamente com um juízo de valor, que determina que o outro/a outra são inferiores. O racismo e o sexismo encontram-se disseminados nos projetos mono culturais de domínio e de conquista. Pode-se afirmar que se os livros ocidentais de filosofia tivessem cor e gênero, seriam brancos e masculinos em sua maioria. (ESTERMANN, 2008, p.17). (Tradução livre)
Um novo modelo de estado é urgente e possível. Um estado universal de fato, inclusivo, democrático de verdade, que respeite as diferenças étnicas, culturais, as diferentes formas de aquisição da propriedade e do direito de família. A uniformização e a hegemonia do modelo nacional são antidemocráticas. Todos os povos têm o direito de participar das instâncias de poder, opinar na organização política, social, econômica e contribuir com a busca de solução dos graves problemas em que foram colocados, pelo modelo capitalista de estado nacional. (MAGALHÃES, 2010)
Sobre as diversas possibilidades de interpretação do fato, registra Magalhães (2004), que a “percepção diferente do mesmo fato ocorre uma vez que cada observador é um mundo, um sistema auto-referencial formado por experiências, vivências, conhecimentos diferenciados que serão determinantes na valoração do”
“fato, na percepção de determinadas nuanças e não na percepção de outras. Nós vemos o mundo a partir de nós mesmos. Assim, podemos dizer que uma outra lente que nos permite traduzir e interpretar o mundo são as nossas vivências, nossa história, com suas alegrias e tristezas, vitórias e frustrações. […] Novas lentes se colocam entre nós e o mundo, novos instrumentos decodificadores que, ao mesmo tempo, nos revelam um mundo e escondem outros. […] Assim, não podemos falar em uma única verdade. Daí existirão tantas verdades quantos observadores existirem.” (sic) (MAGALHÃES, 2004, p. 31-32)
Neste sentido, cabe uma reflexão sobre os dispositivos internacionais, contra o racismo e toda forma de discriminação, produzidos no contexto do estado nacional com 500 anos de exclusão, de discriminação racial, de intolerância com o diferente. Não se pretende esgotar o tema, mas expressar uma leitura inicial, entre tantas outras, que participarão do debate, no transcorrer do ano em questão.
Magalhães (2004) afirma ainda, que “a certeza é inimiga da democracia. Já a relatividade permite o diálogo, essência da democracia.” Contudo, preocupa-se com o campo do Direito:
“É necessário construir um mecanismo de interpretação jurídica que ofereça o mínimo de segurança possível e desejável, onde o grau de relatividade seja controlado. Deve existir um mínimo de previsibilidade dentro da inevitável relatividade. Lembremos que, a tentativa de eliminar a relatividade na busca da previsibilidade pode levar ao absolutismo, ao totalitarismo, ou ao autoritarismo, gerando sempre injustiça”. (MAGALHÃES, 2004, p.32).
Para finalizar o tópico, recorre-se à Cançado Trindade (2009), o juiz da Corte Internacional de Justiça, leciona que “tanto os Estados como as organizações internacionais existem para os seres humanos, e não vice-versa. […] É a satisfação do bem comum que deve efetivamente orientar a atuação tanto dos Estados como das organizações internacionais”. (CANÇADO TRINDADE, 2009, p.651).
3 DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA – UNESCO
De acordo com o site da UNESCO, a sua Constituição foi assinada em 16 de novembro de 1945, entrou em vigor em 04 de novembro de 1946 após a ratificação por vinte países: Austrália, Brasil, Canadá, China, Checoslováquia, Dinamarca, República Dominicana, Egito, França, Grécia, Índia, Líbano, México, Nova Zelândia, Noruega, Arábia Saudita, África do Sul, Turquia, Reino Unido, Estados Unidos. (Tradução livre)
Os 193 Estados-Membros e sete membros associados são organizados em cinco grupos regionais – África, Estados Árabes, Ásia e Pacífico, Europa e América do Norte e América Latina e no Caribe. Por meio de seus escritórios de campo, desenvolve estratégias, programas e atividades em consulta com as autoridades nacionais e outros parceiros. Também opera com um número de unidades especializadas institutos e centros. (Tradução livre)
Registra-se também, que enquanto a agência intelectual das Nações Unidas, atuando nas áreas de educação, ciência e cultura, a UNESCO produziu uma série de documentos históricos de desmistificação das teorias e concepções racistas, tais como, a Declaração sobre a Raça (1950), a Declaração sobre a Natureza da Raça e das Diferenças Raciais (1951) e a Declaração sobre Aspectos Biológicos da Raça (1964). Posteriormente, foram elaborados Declaração sobre Raça e Preconceito Racial (1978); a Declaração de Princípios sobre a Tolerância (1995); a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965); a Declaração de Durban e Programa de Ação (2001) e a Declaração que determina 2011 como o ano internacional dos Afrodescendentes (2010). (Tradução livre)
Ainda sobre o impacto da Segunda Guerra Mundial os Estados-membros da UNESCO elaboraram a declaração de constituição da organização tendo como premissas as seguintes idéias:
“[…] as guerras começam na mente dos homens, é na mente dos homens que as defesas da paz devem ser construídas; Que a ignorância de cada um dos outros meios e vidas tem sido uma causa comum, ao longo da história da humanidade, de que a suspeita e desconfiança entre os povos do mundo através dos quais as suas diferenças têm muitas vezes dividida em guerra; […] a guerra tornada possível pela negação dos princípios democráticos da dignidade, igualdade e respeito mútuo dos homens, e pela propagação, no seu lugar, por causa da ignorância e do preconceito, da doutrina da desigualdade entre homens e raças.” (sic)
O Artigo I, da Constituição da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura tutela as suas finalidades e funções:
“O objetivo da Organização é contribuir para a paz e a segurança, promovendo a colaboração entre as nações através da educação, ciência e cultura para o respeito universal pela justiça, para o Estado de Direito e dos direitos humanos e liberdades fundamentais que são confirmadas pelos povos do mundo, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião, pela Carta das Nações Unidas.” (sic)
Adiante o documento demonstra a confiança de que a difusão ampla da cultura e da educação da humanidade para a justiça, a liberdade e a paz são indispensáveis para a dignidade do homem e constituem um dever sagrado que todas as nações devem cumprir em espírito de assistência mútua e preocupação. (Tradução livre)
Menciona-se que “acreditando em oportunidades plenas e iguais de educação para todos, na busca irrestrita da verdade objetiva, e na livre troca de idéias e conhecimentos, estão de acordo e determinados a desenvolver e aumentar os”
“meios de comunicação entre os seus povos e para empregar esses meios para fins de entendimento mútuo e um conhecimento mais verdadeiro e mais perfeito de vida uns dos outros.” (sic)
Assim, coerente com estes pressupostos os Estados-membros criaram a UNESCO para promover por meio das relações educacionais, culturais e científicas dos povos a paz e o bem-estar comum da humanidade. (Tradução livre)
4 DOS DISPOSITIVOS INTERNACIONAIS CONTRA A DISCRIMINAÇÃO RACIAL
Inicialmente, menciona-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, que assegura, no seu artigo 2º, inciso I que todos são capacitados para gozar de direitos e liberdades, independente de sua etnia, sexo ou religião, entre outras características:
“Art. 2º, inciso I: todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.” (sic)
4.1 Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial – ICERD (1965)
A Assembléia Geral das Nações Unidas, reunida em 21 de dezembro de 1965, edita a referida Convenção que integra o denominado sistema especial de proteção dos direitos humanos. Este é voltado à prevenção da discriminação ou à proteção de pessoas ou grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade e, por isto, merecem um tratamento jurídico especial.
O ingresso de países africanos na ONU nos anos sessenta a realização da Primeira Conferência de Cúpula dos Países Não-Aliados em Belgrado (1961) e o ressurgimento de atividades nazi-fascistas na Europa constituem os fatos basilares para o surgimento desta Convenção no enfrentamento da discriminação racial. (PIOVESAN; GUIMARÃES, 2000)
Em seu preâmbulo consta que os Estados ali reunidos estão
“resolvidos a adotar todas as medidas necessárias para eliminar rapidamente todas as formas e todas as manifestações de discriminação racial, e a prevenir e combater as doutrinas e práticas racistas com o objetivo de favorecer o bom entendimento entre as raças e conceber uma comunidade internacional livre de todas as formas de segregação e discriminação racial.” (sic)
No caput, do artigo 1º, denomina-se o que vem a ser discriminação racial
“Artigo 1º – Para os fins da presente Convenção, a expressão “discriminação racial” significará toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública”. (sic)
O artigo 1º, inciso IV, da Convenção configura seu endereçamento a um sujeito de direito concreto, visto em sua especificidade e na materialidade de suas múltiplas relações.
“Art. 1º, inciso IV- Medidas especiais tomadas com o objetivo precípuo de assegurar, de forma conveniente, o progresso de certos grupos sociais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem de proteção para poderem gozar e exercitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais em igualdade de condições, não serão consideradas medidas de discriminação racial, desde que não conduzam à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido atingidos os seus objetivos.” (sic)
Neste sentido, as medidas especiais e temporárias voltadas a acelerar o processo de construção da igualdade não são consideradas discriminação racial. É o caso, das chamadas ações afirmativas, que são medidas positivas adotadas para aliviar e remediar as condições resultantes de um passado discriminatório. (PIOVESAN; GUIMARÃES, 2000)
Os Estados-partes além de, condenarem a discriminação, se comprometem “a adotar, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação racial em todas as suas formas e a encorajar a promoção de entendimento entre todas as raças” (art. 2º). Eles também condenam a segregação racial e o apartheid e estão comprometidos a eliminar dos territórios sob a sua jurisdição todas as práticas dessa natureza (art. 3º).
Também deve ser assegurado a todos que estiverem sob a jurisdição dos Estados-Partes proteção e recursos eficazes perante os tribunais nacionais:
“Artigo 6º – Os Estados-partes assegurarão, a qualquer pessoa que estiver sob sua jurisdição, proteção e recursos eficazes perante os tribunais nacionais e outros órgãos do Estado competentes, contra quaisquer atos de discriminação racial que, contrariamente à presente Convenção, violarem seus direitos individuais e suas liberdades fundamentais, assim como o direito de pedir a esses tribunais uma satisfação ou reparação justa e adequada por qualquer dano de que foi vítima, em decorrência de tal discriminação.” (sic)
A luta contra a discriminação racial demanda que medidas também sejam tomadas no campo do ensino, educação, cultura e informação.
“Artigo 7º – Os Estados-partes comprometem-se a tomar as medidas imediatas e eficazes, principalmente no campo para lutar contra os preconceitos que levem à discriminação racial e para promover o entendimento, a tolerância e a amizade entre nações e grupos raciais e étnicos, assim como para propagar os propósitos e os princípios da Carta das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e da presente Convenção.” (sic)
A fim de assegurar a sua aplicabilidade a Convenção prevê a criação do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial – CERD – com a tarefa de realizar o monitoramento dos direitos por ela reconhecidos (art.8º). O Comitê pode fazer sugestões e recomendações aos Estados Partes, bem como, examinar os relatórios encaminhados pelos Estados-partes (art.9), as comunicações interestatais (art.11) e as petições individuais (art.14).
Por meio da Convenção, buscam-se proteger os valores da igualdade e tolerância, baseados no respeito à diferença. Consagra-se a idéia de que a diversidade étnica-racial deve ser vivida como equivalência e não como superioridade ou inferioridade. (PIOVESAN; GUIMARÃES, 2000)
Contudo, é preciso compreender que para garantir e assegurar a igualdade não basta apenas proibir a discriminação, mediante legislação repressiva. São essenciais as estratégias capazes de incentivar a inserção e a inclusão social de grupos historicamente vulneráveis. Alia-se à vertente repressiva-punitiva a vertente positiva-promocional. Na contemporaneidade, a concretização do direito à igualdade implica na implementação destas duas estratégias – promoção da igualdade e políticas de combate à discriminação -, elas não podem ser dissociadas. (PIOVESAN; GUIMARÃES, 2000)
4.2 Declaração de Durban e Programa de Ação (2001)
Desde 1963 [2], que a ONU reconhecendo que a discriminação baseada em raça, cor ou origem étnica continuava a ser causa de graves problemas internos em diversos países, além de perturbadora das boas relações internacionais, aprovou a Declaração das Nações Unidas para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, como acima mencionado. E, tem insistido com os Estados-membros, que envidem esforços no enfrentamento e erradicação das formas contemporâneas de discriminação racial.
Antes da Declaração de Durban, outras duas Conferências mundiais[3] foram realizadas pela ONU. A primeira, em Genebra na Suíça (1978) [4], para o Combate ao Racismo e à Discriminação reafirmava que todas as formas de discriminação baseadas na teoria de superioridade racial, exclusividade ou ódio são uma violação dos direitos humanos fundamentais e prejudicam relações amigáveis entre povos, cooperação entre nações, a paz e a segurança internacionais. O apartheid – regime de segregação racial -, (África do Sul, até 1991) é considerado como crime de lesa-humanidade e como afronta à dignidade humana.
A Primeira Conferência Mundial[5]para o Combate ao Racismo e à Discriminação Racial indicou a formulação e a inclusão de medidas, por parte dos estados-membros, com vistas à melhoria das condições de vida de mulheres e de homens submetidos a severas desigualdades econômicas em razão da discriminação racial.
A Segunda Conferência Mundial[6] para o Combate ao Racismo e à Discriminação Racial (Genebra, 1983) reafirma que “racismo e a discriminação racial são aflições contínuas que devem ser erradicadas do mundo”. Também revisou as medidas e ações envidadas na década de 1973 a 1982, recomendou o lançamento de uma segunda (de 1983 a 1992) década para realização de ações de Combate ao Racismo e à Discriminação Racial.
A Terceira Conferência Mundial[7] ocorre em Durban, na África do Sul (2001), e constitui um marco para terceira década de Ações de Combate ao Racismo e à Discriminação Racial. 173 países estavam presentes, e mais de 15 mil participantes, os debates tiveram como temas “a xenofobia (aversão a coisas e pessoas estrangeiras) e intolerância correlata (qualquer outro tipo de discriminação relacionada ou que derive desses tipos, como a homofobia (intolerância aos homossexuais)”.
“A referida Conferência reconheceu, em sua Declaração, a escravidão e o comércio de escravos como terríveis tragédias humanas, não apenas pela sua barbárie, mas pela negação da essência das vítimas, bem como os considerou como crimes de lesa-humanidade. Em seu Plano de Ação, a III Conferência estabeleceu estratégias para alcançar a igualdade plena e efetiva abrangendo a cooperação internacional e o fortalecimento das nações e de outros mecanismos no combate ao racismo, a discriminação racial, a xenofobia e intolerância correlata e, ainda, apontou para o estabelecimento de recursos e medidas eficazes de reparação, ressarcimento, indenizações e outras medidas em âmbitos nacional, regional e internacional.” (sic)
O documento final consta de 219 tópicos. Cabe menção, o tópico 31 que menciona a preocupação com os indicadores, que revelam que a desvantagens dos povos em diferentes setores sociais se deve ao racismo e às demais formas de discriminação.
“31. Também expressamos nossa profunda preocupação quando os indicadores nas áreas, inter alia, da educação, emprego, saúde, moradia, mortalidade infantil e expectativa devida para muitos povos revelam uma situação de desvantagem, particularmente quando os fatores que para isto contribuem incluem racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata.” (sic)
Destaca-se também, o tópico 76, nele os Estados-partes reconhecem que as desigualdades de condições promovem a discriminação em suas manifestações correlatas.
“76. Reconhecemos que a desigualdade de condições políticas, econômicas, culturais e sociais podem reproduzir e promover o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, e têm como resultado a exacerbação da desigualdade. Acreditamos que a igualdade de oportunidades reais para todos, em todas as esferas, incluindo a do desenvolvimento, é fundamental para a erradicação do racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata”. (sic)
Mais adiante, no tópico 108, reconhece a “necessidade de medidas especiais, ou ações afirmativas para as vítimas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância, como objetivo para promover a integração total destas pessoas na sociedade”.
“108. Essas ações efetivas, incluindo medidas de cunho social, devem ter como objetivo a correção das condições que prejudicam o gozo pleno de direitos e a introdução de ações especiais visando encorajar a participação equitativa de todos os grupos raciais, culturais, lingüísticos e religiosos em todos os setores da sociedade, colocando-os em equilíbrio. Tais medidas devem incluir ações que visem a representação apropriada em instituições educacionais, acesso a habitação, partidos políticos, parlamentos e no mercado de trabalho”. (sic)
Configura-se no tópico 109 da Declaração[8] a importância de se fomentar a cooperação internacional promovendo a luta contra as formas de discriminação de forma efetiva, cumprindo os objetivos da Carta das Nações Unidas e os objetivos estabelecidos pelas Conferências mundiais sobre meio-Ambiente e Desenvolvimento (1992); Direitos Humanos (1993); População e Desenvolvimento (1994); Cúpula Mundial de Desenvolvimento Social (1995); IV Conferência Mundial sobre a Mulher (1995); Conferência das Nações Unidas sobre
Assentamentos Humanos (Habitat II) (1996); Cúpula Mundial
sobre Alimentação (duas) (1996); “assegurando que estes objetivos
beneficiem de forma igualitária para todas as vítimas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata”.
Em 2009, em Genebra, foi concluído o Documento Final da Conferência de Revisão de Durban[9], com 143 tópicos, distribuídos em cinco seções, a saber:
“1. (Revisão do andamento e avaliação da implementação da Declaração e Programa de Ação de Durban por todos os participantes interessados em nível nacional, regional e internacional, inclusive avaliação de manifestações contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata); 2. (Avaliação da eficácia dos mecanismos de acompanhamento existentes em Durban e de outros mecanismos das Nações Unidas que lidam com a questão do racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata para aperfeiçoá-las); 3. (Promoção da ratificação universal e implementação da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e consideração adequada das recomendações do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação Racial – CERD); 4. (Identificação e compartilhamento das melhores práticas obtidas em nível nacional, regional e internacional na luta contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata); 5. (Identificação de medidas concretas e iniciativas adicionais em todos os níveis para combater e eliminar todas as manifestações de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, para fomentar a implantação do DDPA e tratar dos desafios e impedimentos aos mesmos, inclusive tendo em vista o desenvolvimento desde a adoção do DDPA em 2001).”
Cabe mencionar que o documento final, no tópico 33, reafirma a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (ICERD) como principal instrumento internacional para o enfrentamento do racismo e das formas de discriminação.
4.3 2011: O ano internacional dos Afrodescendentes (2010)
No dia 10 de dezembro (2010), na sede da organização em Nova York, a ONU lançou o ano de 2011, como o Ano Internacional das pessoas de ascendência Africana. Durante o evento o secretário-geral da organização Ban Ki-moon, mencionou que os descendentes de africanos “estão entre os mais afetados, pelo racismo, mergulhados em uma longa e terrível história de “erros fundamentais”, e a negação de direitos fundamentais”. (Tradução livre)
Ban Ki-moon afirmou que “o comércio transatlântico de escravos foi uma tragédia terrível, não só devido à sua barbárie, mas também devido à sua magnitude, natureza organizada e negação da humanidade essencial das vítimas”.
“Mesmo hoje, os africanos e pessoas de ascendência Africana continuam a sofrer as consequências desses atos, acrescentou, apelando para a sua plena integração na vida social, econômica e política e em todos os níveis de tomada de decisão. A comunidade internacional não pode aceitar que comunidades inteiras sejam marginalizadas por causa da cor da sua pele.” (sic)
A decisão da Assembleia Geral tem como fundamento a necessidade de reforçar as ações nacionais e a cooperação internacional para assegurar que os Afrodescendentes possam desfrutar plenamente de direitos econômicos, culturais, sociais, civis e políticos. (Tradução livre)
A presidente do grupo de trabalho de especialistas (previsto no § 7º, do Programa de Ação de Durban) sobre afrodescendentes, Miriana Najcevska considera que o ano internacional deve ser aproveitado para o reconhecimento dos afrodescendentes no desenvolvimento global e abordar a questão da justiça por atos passados e atuais da discriminação. Conforme, Miriana é preciso “falar sobre o passado e o presente da hierarquia racial que existe na sociedade e encorajar os países a se envolverem no desenvolvimento de ações positivas que assegurem a igualdade para pessoas de ascendência Africana”. (Tradução livre)
Também para o Secretário-Geral Adjunto para os Direitos Humanos (ONU), Ivan Simonovic, “o Ano Internacional oferece uma oportunidade única para redobrar os esforços para combater o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata que afetam os afro-descendentes em todas as partes o mundo”. (Tradução livre)
Durante o ano de 2011 serão realizados memoriais, seminários, eventos culturais e outras atividades visando a sensibilização sobre a contribuição dos descendentes do povo africano para a humanidade, bem como, tratar dos obstáculos que precisam ser superados. (Tradução livre)
Retoma-se aqui, a reflexão sobre o estado nacional excludente, que gerou o racismo, a xenofobia e a discriminação como instrumento de dominação e expropriação do diferente (negros, mulheres, crianças, povos originários), não se desconsidera a importância do reconhecimento dos erros cometidos contra parte da humanidade, nem se desvaloriza os dispositivos internacionais elaborados contra o racismo e todas as formas de discriminação. Ambos são fundamentais.
Entretanto, a vida tem demonstrado que as dificuldades persistem e a situação do diferente não tem sido alterada significativamente como se espera e urge que aconteça. O poder instituído a 500 anos se mantém e, “se naturalizou um sistema de poder, até hoje em vigor, que, sem contradição aparente, afirma a liberdade e a igualdade e pratica a opressão e a desigualdade”. (SANTOS, 2006)
“Assentes neste sistema de poder, os ideais republicanos da democracia e da igualdade constituem uma hipocrisia sistêmica. Só quem pertence à raça dominante tem o direito (e a arrogância) de dizer que a raça”
“não existe ou que a identidade étnica é uma invenção. O máximo de consciência possível desta democracia hipócrita é diluir a discriminação racial na discriminação social. Admite que os negros e os indígenas são discriminados porque são pobres para não ter de admitir que eles são pobres porque são negros e indígenas”. (SANTOS, 2006)
Conforme, Santos (2006) a “democracia neste contexto, é de muito baixa intensidade. A sua crise final começa no momento em que as vítimas da discriminação se organizam para lutar contra a ideologia que os declara ausentes e”
“as práticas que os oprimem enquanto presenças desvalorizadas. Os agentes destas lutas distinguem-se dos seus antecessores por duas razões. Em primeiro lugar, empenham-se na luta simultânea pela igualdade e pelo reconhecimento da diferença. Reivindicam o direito de ser iguais quando a diferença os inferioriza e o direito de ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza. Em segundo lugar, apostam em soluções institucionais dentro e fora do Estado para que o reconhecimento dos dois princípios seja efetivo”. (sic)
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo demonstra que o ano de 2011 poderá contribuir para o avanço contra o racismo, porém sem esconder a verdade histórica do processo de dominação do poder europeu na matriz e nos países colonizados.
Assim sendo, urge que os povos excluídos exijam ainda no contexto dos estados nacionais políticas públicas efetivas de resgate de seus direitos humanos, de sua identidade étnico-cultural e linguística, portanto, o seu direito à diferença, á vida com dignidade.
Com base, nos dispositivos internacionais e regionais dos direitos humanos e nos documentos internacionais especiais de proteção destinados às pessoas em situação de vulnerabilidade, tais como, negros, crianças, idosos, mulheres, povos originários, deve-se exigir o verdadeiro reconhecimento da cidadania, uma distribuição de renda equitativa e participação ativa nos centros de poder decisório, desse modo, retomar o próprio destino.
Advogada, Especialista em Direito Público pela Universidade de Itaúna/MG, mestre em Educação Tecnológica e professora e Orientadora de monografias da Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais – ESPMG
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