Resumo: O presente trabalho aborda a publicidade online dirigida a crianças e adolescentes, mostrando o quão vulneráveis se mostram diante de mensagens publicitárias cujo conteúdo pode se revelar abusivo ou enganoso. O tema ganha destaque em virtude de o Código de Defesa do Consumidor vedar a publicidade que explora a inexperiência dos menores de idade, o que tem pouca efetividade se considerado que muitas dessas mensagens são publicadas são facilmente veiculadas na Internet sem que aja qualquer fiscalização dos atores encarregados da proteção integral da população infanto-juvenil, preconizada no Estatuto da Criança e do Adolescente. Partindo dessa problemática, realizou-se pesquisa bibliográfica e em documentos normativos, ao que se aliou a observação direta realizada no ambiente virtual. Como resultado da investigação, constatou-se o atraso do tratamento do tema no Brasil se comparado aos demais Estados, há mais tempo inseridos na sociedade informacional.
Palavras-chave: Novas tecnologias; Internet; Publicidade online; Crianças e adolescentes; Direitos fundamentais.
Sumário: 1 A publicidade voltada à criança na Internet; 2 O tratamento conferido à publicidade na Internet no direito comparado; 3 A regulamentação da publicidade no Brasil; 4 Os princípios que norteiam a publicidade; 5 O livre acesso aos vídeos publicitários disponíveis na Internet; considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como principal enfoque a publicidade veiculada na Internet e seus efeitos, especialmente no que tange à influência que exerce sobre as pessoas. A Internet se tornou ferramenta fácil de promoção de produtos devido à sua popularidade e crescente acesso, inclusive pelas crianças, que desde cedo, possuem contato com a tecnologia. Assim, com campanhas próprias para infantes e adolescentes, a publicidade na web acaba por influenciar nas escolhas destes, ensejando que se compre o que estiver exposto, sem referir valores ou utilidade.
O Brasil, apesar de contar com um considerável número de internautas em potencial, não possui regulamentação específica sobre o tema, contando apenas com as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor (CDC), notadamente no artigo 37, § 2º, ao que se soma a autorregulação, não havendo legislação própria sobre publicidade na Internet, diferentemente de países e nações mais desenvolvidas, como a União Européia. Dessa forma, com a precariedade de regulação e a expansão da Internet, as crianças estão expostas a todas as formas de publicidade on line, inclusive as que as incitam à aquisição de produtos desnecessários ou inadequados para a sua faixa-etária e nível de desenvolvimento, o que suscita interesse, especialmente se considerada a necessidade de proteção integral de crianças e adolescentes, conforme determina o artigo 227, da Constituição Federal. É sobre esta problemática que se delimita o presente artigo, que objetiva a discutir a publicidade on line dirigida a crianças e adolescentes. Para elucidar o tema, utilizou-se o método de abordagem dedutivo, pois o objeto de pesquisa aborda aspectos gerais, relacionados à publicidade, discutindo o tratamento do tema em outros Estados, até chegar ao enfrentamento da questão no Brasil. Para tanto, empregou-se técnica de pesquisa bibliográfica, em doutrina e documentos, aliando-se a observação direta na Internet, o que foi feito com o objetivo de identificar casos de publicidade que, retiradas das mídias tradicionais, migraram para o ambiente virtual, onde não há qualquer fiscalização do que é publicado.
1 A PUBLICIDADE VOLTADA À CRIANÇA NA INTERNET
A Internet oportunizou novas formas de veiculação para a publicidade, tais como a possibilidade de inserção de anúncios publicitários em sites de jogos, em comunidades como o Orkut, ao que se soma a possibilidade de publicação de vídeos em sites populares como o Youtube, onde é possível encontrar vídeos de peças publicitárias que já foram retiradas das mídias tradicionais por conterem algum tipo de mensagem imprópria ou inadequada, mas que continuam acessíveis no ambiente virtual. Aliado a isso há, também, blogs e fotologs, assim considerados os diários pessoais da web, que permitem postagens sobre qualquer assunto.
Ao lado das oportunidades deixadas à publicidade, verifica-se que muitos desses anúncios são voltados ao público infanto-juvenil o que, a depender do teor da mensagem publicitária, pode acarretar riscos ao saudável desenvolvimento dos menores de idade, seres em fase de formação e que muitas vezes não possuem o discernimento necessário para compreender o teor do que é publicado. E é exatamente a falta de transparência um dos problemas da publicidade veiculada no ambiente virtual, que muitas vezes se confunde com o conteúdo de jogos e outras formas de entretenimento, fatores que dificultam a identificação da publicidade como tal. Esses expedientes tornam crianças e adolescentes alvos fáceis de manipulação, situação explorada por muitos anunciantes.
Uma das formas utilizadas para a divulgação da publicidade on line são os pop-ups, espécies de janelas independentes que surgem automaticamente quando se abre determinado site. Essas janelas são acopladas ao site pelo seu criador, que muitas vezes é pago por isso. Na maioria das vezes o conteúdo dos pop-ups é publicitário e seus informes são tão chamativos que desviam a atenção e redirecionam o interesse inicial do internauta (CONSALTER, p 97, 2008).
Em inúmeras vezes essa forma de publicidade se dirige aos menores de idade, que se mostram vulneráveis e, incitados pela publicidade, acabam pressionando os pais para adquirirem os produtos e serviços anunciados. Com efeito, segundo estudos realizados pelo Instituto ALANA (2011), sete em cada dez pais são influenciados pelos filhos de 3 a 11 anos na hora de fazer compras.
Conforme Kapferer (2010, p. 139), a publicidade que se destina às crianças tem como objetivo influenciar as suas opções, suscitando o desejo de consumir certos produtos, o que acaba por determinar preferências familiares, pois muitos pais cedem aos apelos dos filhos e adquirem o produto anunciado, em vez de outro.
Para tentar conter esse avanço da publicidade dirigida aos infantes, o site http://www.publicidadeinfantilnao.org.br se destina a pôr um fim na publicidade e na comunicação mercadológica voltada ao público menor de 12 anos de idade, utilizando, para tanto, um abaixo-assinado virtual, contendo mais de 14.000 assinaturas. O site funciona como um manifesto voltado àqueles que representam os Poderes da Nação. Tal prática se justifica pela precariedade de formas de resolução do caso da publicidade voltada às crianças no Brasil, diferentemente do que acontece nos países mais desenvolvidos. É o que exemplifica o próximo ponto.
2 O TRATAMENTO CONFERIDO À PUBLICIDADE NA INTERNET NO DIREITO COMPARADO.
Como visto acima, a publicidade on line que é dirigida ao público infanto-juvenil pode influenciar padrões de consumo e modelos de comportamento dos menores de idade, o que precisa ser considerado pelas autoridades encarregadas de sua proteção. Essa percepção levou alguns Estados a regulamentarem a publicidade na Internet. Segundo noticiado por Coppa (2010), os Estados Unidos possuem a Children’s Online Privacy Protection Act, Lei que regulamenta a privacidade das crianças sobre informações solicitadas por estas quando menores de 13 anos, através da Internet.
No Chile, o Codigo Chileno de Etica Publicitária apresenta alguns artigos voltados à proteção de criança e ao adolescente e apesar de não ser específico sobre a publicidade on line (CHILE, 2010), o art. 17 já evidencia a preocupação dos legisladores chilenos, que regularam a Publicidad dirigida a niños y jóvenes (CHILE, 2010). Da leitura do dispositivo já se depreende que o exame da matéria exige que se analisem as características psicológicas dos menores de idade destinatários da publicidade, sua inexperiência, além de vedar a publicidade que explore a ingenuidade, imaturidade, inexperiência ou credulidade, características naturais de quem está em fase de formação[1].
No Canadá, existe a Concerned Children’s Advertisers (CCA, 2010), uma organização sem fins lucrativos que possui um código de auto-regulamentação da publicidade voltada às crianças, com previsão de que os responsáveis pela produção da publicidade trabalhem com o apoio do governo, educadores, pais e especialistas em problemas, de maneira a identificar questões de interesse na vida das crianças e oferecer soluções para ajudá-las. Assim, o conteúdo transmitido na mídia, inclusive na Internet, é tratado e com isso se fomenta a discussão sobre o impactos negativos que poderão ser produzidos pelos conteúdos transmitidos às crianças.
Além disso, na União Europeia o assunto está extremamente difundido, posto que os Estados-partes vêm demonstrando inteira ciência de que as crianças estão aderindo às novas tecnologias cada vez mais cedo, acessando, assim, a todos os conteúdos disponíveis. Para tanto, a União Europeia desenvolveu legislação exclusiva que trata do assunto. No âmbito do Direito de Integração, as chamadas Directivas[2] visam regulamentar o emprego da Internet, buscando maneiras para que essa tecnologia possa ser utilizada por todos, mas de forma que a segurança coletiva seja assegurada, especialmente quando os internautas forem menores de idade. A Decisão nº 1351/2008/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Dezembro de 2008 (UNIÃO EUROPEIA, 2008), foi de importante significação social, pois buscou a criação de um programa plurianual para fomentar a utilização mais segura da Internet e das novas tecnologias em linha através do combate aos conteúdos ilegais e lesivos, principalmente no domínio da proteção das crianças e dos menores de idade. Dentre os objetivos do programa, destacam-se: a) sensibilizar o público para a importância do assunto; b) combater a propagação de conteúdos ilícitos e os comportamentos nocivos em linha; d) estimular a aplicação de soluções técnicas para tratar adequadamente os conteúdos ilícitos e combater os comportamentos nocivos em linha; e) informar os utilizadores finais sobre o modo como essa tecnologia poderá ser aplicada; f) promover a cooperação e a troca de informações, experiências e melhores práticas entre os interessados, tanto no âmbito nacional, quanto na União Européia; g) reforçar a cooperação e trocar informações e experiências no combate aos conteúdos ilícitos e aos comportamentos nocivos em linha a nível internacional; h) criar registros de nomes de domínios, caso não existam, e reforçar a cooperação existente.
Os países citados estão a demonstrar, assim, a importância de se regulamentar a publicidade dirigida à criança, tema que suscita a preocupação da sociedade e das autoridades locais.
3 A REGULAMENTAÇÃO DA PUBLICIDADE NO BRASIL
Hoje, a criança brasileira representa 14% do total de 28,5 milhões de usuários na Internet (INSTITUTO ALANA, p. 74). Sabendo da inexperiência e falta de discernimento que a criança possui, os fornecedores acabam por tirar proveito da situação e expõem anúncios publicitários por toda a Web. E justamente no Brasil, onde esse número só tende a crescer em virtude da Inclusão Digital, não há normatização regulamentando a veiculação de publicidade na Internet, existindo apenas legislações esparsas que buscam frear as abusividades que os anúncios trazem aos meios de comunicação.
Dentre os dispositivos legais que merecem destaque encontra-se o disposto no art. 37, § 2º[3], do Código de Defesa do Consumidor, que coíbe a publicidade abusiva, assim entendida aquela que explora a inexperiência de menores de idade. Este dispositivo encontra-se alinhado ao art. 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prega a proteção integral da criança e do adolescente, legislação produzida para atender ao comando do art. 227, da Constituição Federal de 1988, que prevê o dever de Estado, da família e da sociedade de assegurarem a absoluta prioridade de crianças, adolescentes e jovens.
Para viabilizar a fiscalização do que é veiculado nas várias mídias, o Brasil adotou a autorregulamentação, o que é feito através do Conselho Nacional de autorregulamentação Publicitária. (CONAR), Organização Não-Governamental que busca frear a publicidade enganosa ou abusiva que possa causar constrangimento ao consumidor ou a empresas, promovendo a liberdade de expressão publicitária. Dentre as funções desempenhadas por este órgão está a de defender as prerrogativas constitucionais da propaganda comercial, permitindo a liberdade de expressão e de criação, o que é feito concomitantemente com a tarefa fiscalizatória, posto que este órgão recebe e atende as denúncias de irregularidades na publicidade formuladas por consumidores, autoridades, associados ou integrantes da própria diretoria. Essas denúncias são julgadas pelo Conselho de Ética e, quando comprovada sua procedência, o CONAR tem a responsabilidade de recomendar alteração ou suspender a veiculação do anúncio nos meios de comunicação. (CONAR, 2007).
No entanto, a atuação desse órgão regulador se manifesta com mais efetividade quando a publicidade é veiculada na mídia tradicional (televisão, rádio, etc.), mostrando-se praticamente inexistente quando se trata de publicidade on line, um dos problemas fulcrais, objeto de análise neste trabalho, posto que se percebe a ausência de atuação quanto aos conteúdos veiculados na Internet, especialmente aqueles dirigidos ao público infanto-juvenil, seres mais vulneráveis e com menor poder de discernimento, o que os torna facilmente influenciáveis.
A constatação dessa vulnerabilidade inspirou a criação do Instituto ALANA, que desde 2005 trabalha com o Projeto Criança e Consumo, voltado à conscientização da sociedade brasileira acerca da mercantilização de produtos voltados ao meio infanto-juvenil.
Este Projeto busca a proibição legal e expressa de toda e qualquer comunicação mercadológica dirigida à criança no Brasil, além de debater e apontar meios que minimizam os impactos negativos causados pelos investimentos maciços na mercantilização da infância e da juventude, tais como o consumismo, a erotização precoce, a incidência alarmante de obesidade infantil, a violência na juventude, o materialismo excessivo, o desgaste das relações sociais.
Para que se tenha um tratamento mais específico aos meios publicitários, o Código de Defesa do Consumidor elenca princípios que regem a publicidade. É o que versa o próximo item.
4 OS PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM A PUBLICIDADE
Para que não faltem parâmetros para analisar as mensagens publicitárias, o Código de Defesa do Consumidor previu princípios, os quais são de grande utilidade, pois estão conformes à Constituição Federal (HENRIQUES, p. 49, 2006). Eis os de maior relevância para o enfrentamento do assunto:
Princípio da boa-fé e da eqüidade: Esse princípio é observado no art. 6º e outros do Código de Defesa do Consumidor, que prevê como direitos do consumidor, a educação sobre o consumo adequado, a informação adequada e clara e a proteção assegurada contra publicidades enganosas e abusivas. Entende-se que boa-fé é a forma honesta e leal de agir dos participantes da relação jurídica, constituindo-se em dever de conduta que deve ser observado por ambas as partes, conforme lições de Lima Marques (2006, p. 394)
“Há de se presumir a boa-fé subjetiva dos consumidores e se impor deveres de boa-fé objetiva (informação, cooperação e cuidado) para os fornecedores, especialmente tendo em conta o modo coletivo de contratação e por adesão.”
Esse princípio básico norteia toda a relação jurídica entre consumidor e fornecedor, ganhando destaque na área publicitária, conforme defendido por Lima Marques (2002, p. 671): “Poderíamos afirmar genericamente que a boa-fé é o princípio máximo orientador do CDC”.
Princípio da identificação da mensagem publicitária: O consumidor deve saber com clareza imediata que a mensagem transmitida é anúncio publicitário. Assim, proíbe-se a publicidade subliminar, aquela que se esconde entre demais conteúdos, dificultando a percepção do destinatário da peça (HENRIQUES, p. 59, 2006).
Princípio da veracidade da mensagem publicitária: O princípio da veracidade da mensagem publicitária diz respeito à autenticidade da informação publicitária e é baseado nos princípios da boa-fé e igualdade. Da mesma forma, o conteúdo do que está sendo transmitido deve ser verdadeiro por parte do fornecedor, sendo imprescindível para que o anúncio seja lícito.
Princípio da não-abusividade da publicidade: Este princípio proíbe a publicidade abusiva, conforme o art. 37, § 2º do Código de Defesa do Consumidor. Na mesma esteira, o art. 6º, IV, também prevê a proteção contra tal publicidade.
Será considerada abusiva toda a publicidade que estiver no rol dos artigos acima citados e, também, que configurarem ofensa à ordem pública e à ética vigente na sociedade. Especialmente no que tange às crianças, os anúncios devem respeitar sua ingenuidade, credibilidade, inexperiência e o sentimento de lealdade infantil. Ademais, seu texto deve externar preocupação com a segurança da criança que recebe a mensagem publicitária, despertando sentimentos positivos e boas maneiras (HENRIQUES, p. 65, 2006).
Na mesma seara, Yves De La Taille (2010) afirma que “existe um verdadeiro ‘exército simbólico’ que adentra as defesas psíquicas ainda frágeis das crianças, para convencê-las a comprar isto e aquilo. Portanto, têm toda a razão as pessoas que querem, no limite do possível, protegê-las.”
Princípio da correção do desvio publicitário: Através desse princípio, o que foi publicado de enganoso ou abusivo, poderá ser reparado por meio da contrapropaganda, que é uma publicidade divulgada pelo mesmo fornecedor da anterior considerada enganosa ou abusiva, mas agora nos termos da lei. A contrapropaganda tem por finalidade diminuir os impactos provocados pela mensagem inicialmente publicada, com um novo anúncio contradizendo o que foi proibido. Dessa forma, procura-se neutralizar os efeitos persuasivos da publicidade abusiva ou enganosa, defendendo ideias que sejam de boa aceitação social, além de veicularem mensagens positivas às crianças.
O problema ligado ao tema é a pouca penetração que a contrapropaganda pode ter, pois depois de veiculada a mensagem proibida, certamente mais impactante que sua correção, dificilmente haverá mudança na percepção de quem recebeu a mensagem.
Assim, mais eficaz do que a contrapropaganda seria a adoção de fiscalização mais intensa sobre o que é veiculado, evitando-se que a primeira publicidade fosse ao ar ou se mantivesse caso ferisse princípios básicos do Direito do Consumidor.
O que se observa, no entanto, é que mesmo que a publicidade seja retirada da mídia tradicional, o vídeo é publicado na Internet, onde há livre acesso por parte dos internautas menores de idade. É sobre essa temática que versa o próximo item.
5 O LIVRE ACESSO AOS VÍDEOS PUBLICITÁRIOS DISPONÍVEIS NA INTERNET
Na televisão, diversos comerciais infantis foram retirados do ar quando tratavam em seu conteúdo de publicidade abusiva dirigida à criança. Contudo, após sua vedação, a Internet se encarregou de torná-los públicos novamente, com sites populares entre as crianças e os adolescentes que permitem a postagem dos vídeos anteriormente excluídos da televisão. Exemplo dessa situação é o comercial das sandálias Havaianas Kids (YOUTUBE, 2010) que, segundo informado pelo CONAR (2006) foi retirado do ar por que
“Consumidores de São Paulo consideram comercial de TV da Havaianas inadequado e deseducativo por apelar à sensualidade em cenas protagonizadas por crianças de pouca idade e por demonstrar deslealdade de uma criança em relação às outras. Na peça, um grupo de meninas brinca na praia e uma delas chega calçando apenas um pé do chinelo. As outras começam a rir, quando o ator Kaiky Brito chega com o pé de chinelo perdido e o calça na menina, surpreendendo todo o grupo. Quando o ator se vira para ir embora, as outras meninas jogam seus chinelos na direção dele, esperando tratamento igual.”
Mesmo não sendo mais transmitida nas televisões, por reiteradas reclamações dos telespectadores e também pela abertura de um processo no CONAR a peça publicitária era facilmente encontrada no site oficial do fornecedor e em vários canais de vídeos (CONAR, 2006).
Outro exemplo de publicidade considerada abusiva foi o vídeo da Empresa de telefonia móvel Claro, cuja peça publicitária incentivava o público infanto-juvenil a comprar aparelhos celulares. Após sua veiculação ser retirada da televisão, ela continua disponível, sendo facilmente acessada no site Youtube (YOUTUBE, 2010).
Outro caso emblemático é o da publicidade da boneca Barbie Ultra Hair Mechas também se direciona ao público infantil, mostrando a Barbie e tinturas de cabelo para as crianças utilizarem. Tal mensagem, apesar de aparentemente ingênua, instiga os menores de idade a terem contato precoce com tinturas e outras substâncias químicas que não são apropriados para o seu nível de desenvolvimento, forjando no imaginário infantil a ideia de que as meninas também podem realizar processos químicos nos cabelos, o que oferece potencial lesivo a saúde de quem está em tenra idade (YOUTUBE, 2010).
Além desses problemas, cabe salientar as frequentes mensagens publicitárias dirigidas à venda e consumo de produtos alimentícios gordurosos e calóricos, que despertam grande interesse entre os menores de idade e que podem contribuir para o desenvolvimento de hábitos alimentares pouco saudáveis. Dentre os exemplos de publicidade nessa área destaca-se a das Sobremesas Dr. Oetker (YOUTUBE, 2010), a qual se dirigia às crianças para que consumissem os doces anunciados, afirmando que se os consumidores comprassem cinco produtos da marca e pagassem mais R$ 7,99, ganhariam uma mochila.
A campanha mais atual de publicidades retiradas dos tradicionais meios de comunicação, como a televisão, foi a da marca de automóveis Hyundai, mostrando crianças dirigindo carros e cometendo, concomitantemente, diversas infrações às leis de trânsito. Tal vídeo se encontra no Youtube (2010). Nessa parte, talvez a melhor solução fosse a “contrapropaganda”, com o sentido de reeducar as crianças, destacando o quão perigoso o trânsito pode ser e alertando-as sobre tais perigos. Aliado a isso, deveria ser providenciado espaço na mídia para a divulgação de campanha educativa, esclarecendo que crianças não podem dirigir e alertando sobre a necessidade de todos contribuírem para a segurança no trânsito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo buscou elucidar a forma com que a publicidade está se desenvolvendo no meio virtual e o prejuízo que essa prática vem trazendo às crianças, especialmente quando são veiculados conteúdos prejudiciais, que incitam ao consumo irresponsável ou à adoção de maus hábitos.
Sua vulnerabilidade cresce na medida em que cada vez mais crianças e adolescentes passam a utilizar esta tecnologia, pois como integram a chamada geração digital, os infantes recebem expressiva carga de mensagens publicitárias durante os primeiros anos de vida.
A publicidade na Internet se desenvolveu de tal modo que há dificuldades para freá-la, uma vez que a web e seu largo espaço propiciaram facilidades para anunciar mensagens com o propósito de atrair crianças e adolescentes, seres em formação, considerados vulneráveis. Esses jovens, ao lerem os anúncios, ficam tentados a consumir dos produtos explicitados e os pais sofrem, portanto, as conseqüências desse consumismo exacerbado. Para além do consumo, muitas publicidades contêm linguagem imprópria para a idade, ou anunciam produtos que não se destina à faixa-etária de quem se encontra em fase de formação.
O Brasil conta com o CONAR, que a partir da atuação na seara da autorregulação, tenta compor os interesses em conflito, assegurando espaço para a publicidade e a livre manifestação da criatividade, porém dentro de padrões éticos mínimos, em respeito aos preceitos do Código de Defesa do Consumidor.
Entende-se que esses mecanismos, porém, não se fazem suficientes quando se trata da publicidade veiculada na Internet, posto que a mesma não está contemplada de forma direta em nenhuma normativa ou ação. Enquanto no Brasil inexiste legislação sobre o tema, os países mais desenvolvidos já possuem um sistema próprio, com legislações sobre o assunto e se encontram muito à frente quando o assunto é publicidade voltada à criança na Internet.
Para contornar tal ponto, o Brasil tenta conter a publicidade através de princípios exemplificados no CDC, e que podem servir para nortear os anúncios publicitários na Internet, apesar de não haver muito sucesso nesse mérito. Isso porque os vídeos proibidos na televisão e as peças publicitárias retiradas das mídias tradicionais por serem consideradas impróprias muitas vezes continuam disponíveis na Internet e as crianças possuem livre acesso a eles.
É preciso, portanto, uma iniciativa mais contundente por parte do Estado, da sociedade e das famílias, percebendo o problema e dando início ao debate, sob pena de a publicidade veiculada na Internet impactar negativamente os menores de idade, causando-lhes danos, o que é absolutamente vedado pelas regras do CDC. A importância do tema exige que ele seja incluído na pauta de discussão dos atores encarregados da proteção integral de crianças e adolescentes da era virtual.
Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com pesquisa sobre a proteção integral dos adolescentes internautas na sociedade informacional. Professora Adjunta do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria e do Centro Universitário Franciscano, ambos em Santa Maria (RS) e pesquisadora líder do Grupo de Pesquisa Teoria Jurídica no Novo Milênio, da UNIFRA e integrante do Núcleo de Estudos Sociais e Jurídicos da Criança e do Adolescente (NEJUSCA), na UFSC.
Estudante de Direito
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