O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro. Mário Quintana (Evolução, em Caderno H)
A Justiça do Trabalho é o ramo do Judiciário especializado que mais aproxima o jurisdicionado do Direito, juntamente com os Juizados Especiais. Desde os princípios essenciais até a própria conquista de direitos laborais no esteio histórico corroboram para que o trabalhador encontre nos varas e tribunais trabalhistas proteção de seus direitos e acolhida de suas pretensões quando estas em acordo com o conteúdo normativo vigente.
O tema escolhido para este artigo é instigante, e não poderia o ser de outra forma, mormente quando se discute o fim do Jus Postulandi, que é a faculdade das partes na Justiça do Trabalho de acompanharem seus feitos desde a propositura até sentença de primeiro grau sem a necessidade de se fazer representar por um advogado. A única finalidade deste artigo é incitar o questionamento, a reflexão e principalmente o olhar crítico sobre o tema, procurando garantir a cidadania efetiva do trabalhador.
Não se pretende defender neste artigo que a Justiça do Trabalho está falida, nem tampouco embasar a bandeira ignóbil da flexibilização, porque esta já existe dia após dia em nossa jurisdição laboral por meio da conciliação via acordo, onde o trabalhador abre mão de parte do que tem direito. Tanto esta última afirmativa é verdade, que os acordos são cotidianamente usados, e não se engane o leitor que significa que o trabalhador está necessariamente tendo seus direitos reconhecidos, mas que o empregador está tendo vantagem indevida, porque reconhecendo que agiu em desacordo com a lei, transaciona porque assim estará diminuindo seu prejuízo.
O acordo na Justiça do trabalho, ao nosso modesto entendimento, significa que mais uma vez o capital vence o trabalho, porque o trabalhador não pode esperar anos de contenda judicial porque as parcelas que tem a receber têm natureza alimentar, mas o empregador pode e tem pecúnia suficiente para contratar o melhor dos advogados que certamente fará habilmente o processo se arrastar por anos a fio. Nem mesmo os juros aplicados são substanciais para imprimir ao empregador a urgência em saldar a dívida devida ao empregado, porque estes são irrisórios, até insignificantes.
A fragilidade econômica e até mesmo psicológica do empregado o torna sempre presa fácil de acordos desiguais, e tenho visto, na prática, juízes homologarem acordos sem nem mesmo terem apreciado a causa através da leitura do processo, porque sabemos que o magistrado entra em contato com o processo na mesa da audiência de conciliação. E quantas vezes as partes já chegam na sala de audiências acordadas, magicamente conciliadas? Inúmeras, e assim todos ficam felizes, o magistrado por ter menos um processo a julgar, os advogados por receberem rapidamente seu quinhão e o empregador por ter pago o mínimo possível diante de sua flagrante desrespeito às leis trabalhistas, o único que sai feliz por ignorância é o empregado, porque este recebe seu dinheiro, mas abriu mão de direitos, aceitou a flexibilização de direitos indisponíveis, como são notoriamente os trabalhistas, e o pior quase sempre ignorando o que fez a si mesmo e a dimensão do prejuízo e impingiu a si próprio.
O Jus Postulandi viabiliza o péssimo acordo para o trabalhador. O empregador ciente de que está completamente sem amparo legal, porque realmente não obedeceu a lei, logo ampara-se do melhor dos advogados, que certamente saberá passar a “lábia” no empregado desacompanhado de advogado, dentro ou fora da sala de audiências. O trabalhador, por sua vez, desconhece as leis e os tão garbosos ditos em latim e jargão jurídico, ficando psicologicamente pressionado, acuado, indefeso. O magistrado apesar de zelar pela lei não tem a função de advogar para o trabalhador, mas de interpretar as leis em benefício deste, mas esta interpretação vem na análise do caso concreto e não na apreciação do acordo. Há sim, juízes zelosos, mas estes perdem para os milhares de processos e audiências, marcadas em alguns tribunais de 05 (cinco) em 05 (cinco) minutos.
Muitas vozes levantam-se no país sobre a necessidade do fim do jus postulandi, vozes estas preocupadas com o futuro da justiça trabalhista e principalmente do direito do trabalho. Já começam a aparecer muitos juristas que defendem a criação da Defensoria Pública Trabalhista (a exemplo do amigo Alessandro Buarque Couto), que poderia ser um braço da Defensoria Pública da União, com salários equiparados, eis que atuaria na Justiça Federal especializada. Com o advento da Defensoria não haveria mais necessidade de Jus Postulandi, porque haveria gratuidade do serviço postulatório. O defensor público trabalhista analisaria caso a caso e informaria o trabalhador de quanto lhe é devido de acordo com o processo, evitando acordos esdrúxulos, ou até fazendo os mesmos acordos, mas com o trabalhador tendo ciência do que está abrindo mão.
O Jus Postulandi é a maneira mais sórdida de se negar acesso à justiça, principalmente na Justiça Laboral, onde apesar da crença popular, os direitos não são tão conhecidos e os meandros processuais são completamente ignorados pela grande massa da população. Será mesmo que um trabalhador da construção civil tem condições reais de impugnar documentos, se é que este entende o sentido da palavra impugnar. As diferenças sócio-culturais são um divisor de águas entre empregados e empregadores, imagine então a diferença entre advogado trabalhista experiente e empregador!
O legislador da CLT e até mesmo Getúlio Vargas nunca imaginaram que a Justiça do Trabalho chegaria à complexidade e ao volume de processos que hoje encontramos, e como alguns historiadores críticos apontam o próprio Getúlio teria concebido a Justiça do Trabalho para não funcionar, seria uma espécie de jogo meramente populista. E de certa forma deu certo, porque se do lado normativo o trabalhador encontra-se de todas as formas possíveis e imagináveis protegido, do lado processual foi abatido pelas pernas, impossibilitado de caminhar. As políticas públicas jamais manifestaram qualquer intenção em educar o cidadão de seus direitos sociais (especialmente os trabalhistas), nem mesmo tenho conhecimento de Organizações Não-governamentais que tenham este objetivo, se combate tudo neste país, menos a desinformação em relação aos direitos trabalhistas, basta afirmar que ainda temos escravidão no Brasil (minas de carvão, corte de cana, etc).
Não podemos insistir em modelos falidos e nem por preciosísmo ideológico manter uma estrutura que não satisfaz o ideal de uma sociedade justa e igualitária, porque do contrário estaremos contribuindo para o “direito de papel”, de Ferdinand Lassale, ser a marca da nossa democracia recém-nascida.
Neste contexto podemos afirmar serem dois os interessados na manutenção do jus postulandi: o grande capital e empresariado e os governos comprometidos com este capital, quer por financiamento em campanha eleitoral, quer por compactuar ideologicamente com a exploração do trabalhador a despeito das normas trabalhistas. Precisamos pensar a que custo o Brasil atraíra o capital estrangeiro, e que tipo de emprego e de empregador queremos abraçar em nossa sociedade. Fica a reflexão.
Professora do Curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe – UFS e do Curso de Direito da Faculdade de Sergipe – FaSe, advogada cível e trabalhista do escritório Almeida, Araújo e Menezes Advogados Associados – ALMARME, Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes – UCAM/RJ. Co-autora dos livros: Relação de Trabalho: Fundamentos Interpretativos para a Nova Competência da Justiça do Trabalho, LTr, 2005 e 2006; Direito Público: Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Tributário, PUC Minas, 2006 e Roda Mundo 2006, Editora Ottoni, 2006. Membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica – IHJ, da Associação Brasileira de Advogados – ABA e do Instituto Nacional de Estudos Jurídicos – INEJUR.
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