Resumo: Tema muito debatido pela doutrina e nos Tribunais, o artigo aborda a questão da contagem do prazo prescricional para o contribuinte requerer a repetição do indébito tributário com o surgimento da LC 118/2005 que instituiu mudanças consideráveis no instituto da prescrição.
Com o surgimento da Lei Complementar n.° 118 de 09 de fevereiro de 2005, cuja entrada em vigor se deu em 09 de junho de 2005, ou seja, 120 dias após sua publicação, nos exatos termos do art. 4° da referida lei, muito tem se discutido sobre a efetiva aplicabilidade de seus regramentos a situações em que há pretensão de se obter a repetição do indébito tributário por parte do contribuinte lesado.
Aqui, faremos uma análise focada no que tange a repetição do indébito do imposto de renda, sem qualquer pretensão de esgotar o assunto, que, como já dito, é palco de constantes discussões doutrinárias e jurisprudenciais.
Apenas visando elucidar a questão vale frisar que, pela tese dos “cinco mais cinco”, o contribuinte paga antecipadamente o tributo sujeito a homologação, tendo o Fisco o prazo de cinco anos para homologar, expressa ou tacitamente, o procedimento. Como na grande maioria dos casos há inércia por parte do Fisco em homologar o tributo, ao fim do prazo de cinco anos ocorre a homologação tácita do pagamento, tendo início, então, o prazo do art. 168, do Código Tributário Nacional, para pleitear a repetição do indébito.
Com a Lei Complementar nº. 118/2005, pretendeu-se antecipar o início do prazo prescricional para o exercício da repetição de indébito, onde os cinco anos dispostos no art. 168 do CTN começam a fluir do pagamento antecipado. Inegável que a norma retirou um dos sentidos possíveis de interpretação dos dispositivos do CTN, impondo de maneira discutível a vontade da Fazenda Nacional sobre o direito do contribuinte.
Desta forma, deve-se interpretar com cuidado o disposto na LC 118/2005, visto que a extinção do crédito tributário para efeitos de repetição ocorre no momento do pagamento antecipado, sendo que para efeitos de fiscalização acontece no momento da homologação, tácita ou expressa, geralmente cinco anos depois. Evidente a discrepância introduzida pela norma em questão.
Ora, ao contrário do pregado pelo legislador ao instituir a referida Lei Complementar, não pode ser considerada interpretativa a lei que tem o evidente objetivo de modificar a jurisprudência dos Tribunais.
Como bem pregado pelo ilustre Ministro do STJ, Teori Zavascki, “somente a jurisprudência é que pode, legitimamente, alterar a jurisprudência”, não sendo crível admitirmos artimanhas no claro propósito de tornar a lei fiel escudeira da Fazenda Nacional, indo contra, até mesmo, a maciça jurisprudência de nossos Tribunais.
Particularmente, nos parece que o art. 3º da Lei Complementar nº. 118/2005 alterou a interpretação de legislação federal, função que compete ao Superior Tribunal de Justiça, usurpando a competência deste, violando, com isso, dispositivos constitucionais basilares, entre eles, o disposto no Art. 2º e Art. 105, III, alínea “c” da Constituição da República.
Alguns juízes e tribunais, entre eles o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, têm entendido que a norma que se extrai do enunciado do artigo 168, I, do CTN, estipula prazo prescricional de 5 (cinco) anos contados da data do efetivo pagamento, e não da homologação tácita do tributo, conforme consagrado na tese dos “cinco mais cinco”, o que, data máxima vênia, não condiz com a mais correta interpretação a ser dada ao caso e o entendimento pregado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Desde já vale deixar claro que o Superior Tribunal de Justiça em várias oportunidades já reconheceu a inconstitucionalidade do citado Art. 4º da referida LC 118/2005, que assim dispõe:
“Art. 4o Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3o, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.”
A fim de melhor elucidar a questão, vejamos o contido no Art. 106, I, do Código Tributário Nacional:
“Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;” [original sem grifo]
Deste modo, o STJ, em seus julgados mais recentes, entende que, tratando-se de preceito normativo modificativo, e não simplesmente interpretativo, como dispõe o inciso I do citado art. 106 do CTN, o art. 3º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, ou seja, só pode incidir sobre situações – leia-se, fato gerador – ocorridas após a vigência da lei, que se deu em junho de 2005.
Demonstrando a veracidade da tese aqui defendida, pedimos vênia para citar recentíssima decisão lançada pelo Superior Tribunal de Justiça na baila do ilustre Ministro Herman Benjamin, onde resta evidente que citada Corte acolheu definitivamente a inconstitucionalidade do art. 4° da LC 118/2005. Vejamos:
“1163949377 – TRIBUTÁRIO – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – PRESCRIÇÃO – APLICAÇÃO RETROATIVA DO ART. 3º DA LC 118/2005 – INCONSTITUCIONALIDADE – 1- Conforme decidido pela Corte Especial, é inconstitucional a segunda parte do art. 4º da LC 118/2005, que determina a aplicação retroativa do disposto em seu art. 3º. 2- Agravo Regimental não provido.” (STJ – AgRg-AI 1.105.270 – (2008/0229668-0) – 2ª T – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 21.08.2009 – p. 687) [original sem grifo]
Ainda assim, alguns Tribunais têm proferido julgados de forma diversa, aplicando integralmente as disposições da LC 118/2005, tomando por parâmetro para fins de contagem do prazo prescricional, a data do pagamento indevido do tributo, e não de sua efetiva homologação.
Há quem diga, ainda, que o cômputo do prazo prescricional deve se dar da data do ajuizamento da ação, o que também não merece prosperar, visto que o que importa realmente, é a homologação do pagamento indevido, sendo que somente a partir de então pode se apurar o lapso temporal que rege a pretensão do contribuinte.
Não menos importante o fato de o também já citado Art. 4º, segunda parte, da LC 118/2005, que determina a aplicação retroativa do seu Art. 3º, para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio constitucional da autonomia e independência de poderes (CF, art. 2º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI).
Fato é que após o advento da Lei Complementar n.º 118 de 09 de fevereiro de 2005, travou-se uma intensa discussão acerca da inconstitucionalidade da referida lei, especialmente no que tange ao disposto nos arts. 3º e 4º, visto não tratar-se de norma meramente interpretativa como quis fazer crer o legislador.
A maioria esmagadora da doutrina rechaça a aplicação retroativa da citada lei, visto que, em tese, encurtou o prazo prescricional para os contribuintes reclamarem pagamento a maior de tributos, o que certamente envolve interesses da Fazenda Nacional e dos contribuintes de nosso país.
Muitos falam em lobby para benefício da Fazenda Pública, no escopo de não prejudicar a arrecadação de impostos, como o faz o ilustre doutrinador Hugo de Brito Machado Segundo, o qual pedimos vênia para citar breves trechos de um brilhante artigo por ele redigido, a saber:
“O prazo de 5 anos para se pleitear a restituição de tributos pagos indevidamente, relativamente aos tributos submetidos a lançamento por homologação, deixou de ser contado a partir da homologação, que, quando tácita, ocorre cinco anos após o fato gerador, e passou a sê-lo em face do pagamento antecipado. Na prática, como dificilmente ocorre uma homologação expressa, a alteração implicou em encurtamento na contagem do prazo prescricional, de 10 (5+5) para 5 anos.
Não há como negar que a lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. Tratando-se de preceito normativo modificativo, e não simplesmente interpretativo, o art. 3º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir de sua vigência.”
E prossegue a brilhante exposição do festejado doutrinador Hugo de Brito Machado Segundo:
“De acordo com o entendimento prevalente da doutrina, e uniforme na jurisprudência, especialmente da Primeira Seção do STJ, a extinção do crédito tributário nos tributos submetidos ao lançamento por homologação, não acontece com o pagamento (que nessa modalidade de lançamento é feito de forma antecipada e provisória), mas sim com a homologação tácita. Em suma, o pagamento, por si só, não produz o efeito de extinguir o crédito, o que só ocorre com a homologação. Com o advento do art. 3º, da LC 118/2005, o pagamento passou a ter o efeito de extinguir o crédito tributário, pelo menos para fins de contagem do prazo previsto no art. 168 do CTN.
Note-se: o pagamento não produzia o efeito jurídico de extinguir o crédito tributário e dar início à contagem do prazo prescricional. Com a entrada em vigor da norma veiculada pelo art. 3º da LC 118/2005, o pagamento passou a produzir esse efeito, e passou a dar início à fluência do prazo prescricional.
Logo, um pagamento efetuado indevidamente ANTES de 9 de junho de 2005, data do início da vigência da LC 118/2005, não extinguiu o crédito tributário. Só sua homologação (que poderá ser tácita) terá esse efeito. Só um pagamento efetuado sob a vigência da LC 118/2005, este sim, já produzirá o efeito de extinguir o crédito tributário, para fins de aplicação do art. 168, I do CTN.”
E concluiu seu pensamento da seguinte forma:
“Em razão do exposto, podemos concluir, em síntese, que:
a) o art. 3º da LC 118/2005 não reduziu o prazo prescricional para o sujeito passivo postular a repetição do indébito tributário. Apenas mudou o termo inicial desse prazo, e o fez alterando os efeitos jurídicos do pagamento antecipado. Assim, a nova disposição, que não é interpretativa, somente se aplica aos pagamentos antecipados que venham a ser feitos após a sua vigência;
b) ainda que se considere, apenas para argumentar, que se trata da redução de um prazo de prescrição, que era de 10 anos, e passou a ser de cinco, a disposição não pode ser aplicada a todas as ações protocoladas após a sua vigência. Quanto aos pagamentos indevidos efetuados antes de junho de 2005, em relação aos quais um prazo estava em curso, o novo prazo somente pode ser aplicado caso o prazo anterior ainda subsista por mais da metade. Caso já tenha transcorrido mais da metade do prazo, nos termos das normas anteriores, a prescrição deve continuar sendo regida por elas, sob pena de ofensa à regra da irretroatividade das leis.”
E a exposição supra transcrita, nada mais é do que uma análise cuidadosa dos princípios que regem o ordenamento jurídico, observando, ainda, a regra da irretroatividade das leis.
O que se percebe, na verdade, é que o artigo 3º instituído pela LC 118/2005 não está efetivamente interpretando o art. 168, I, do CTN, mas sim, alterando o § 1º, do art. 150, do citado diploma legal. Portanto, não se pode admitir que se trata de norma meramente interpretativa. Ledo engano.
Tomando por base o exposto pela doutrina e reconhecido pela jurisprudência dominante do STJ, no caso específico do imposto de renda, o fato gerador tem-se por caracterizado no final do ano-base, tornando-se definitiva a homologação do lançamento, se tácita, após o transcurso de cinco anos, findos os quais se inicia o prazo qüinqüenal (CTN, art. 168, I) para pleitear a restituição dos valores indevidamente recolhidos.
Admitir a aplicação retroativa da LC 118/2005, seria o mesmo que considerar infrator da lei o contribuinte que deixa de recolher tributo que sequer resta positivado quando do advento da lei que o institua. Em uma análise hipotética, caso uma lei nova venha a instituir tributo até então inexistente, por óbvio, só se admite sua cobrança após o advento da lei, e ainda, observando-se os princípios atinentes ao direito tributário.
Destarte, a Lei Complementar nº. 118/2005 só teria aplicação integral aos pagamentos efetuados posteriormente a 09/06/2005, data de início de vigência da mesma, não podendo seus efeitos retroagirem em nítido prejuízo aos contribuintes e em prol do enriquecimento sem causa da Fazenda Nacional. Entender de outra forma, é ir contra os princípios basilares de Direito, em especial, o da segurança jurídica.
A lei a ser observada quanto ao prazo de prescrição deve ser aquela que vigorava à época do acontecimento jurídico (fato gerador), não podendo o prazo já iniciado ser alterado por uma nova legislação, sem que isso afronte ao Princípio da Irretroatividade das Leis.
Numa análise hipotética, vejamos duas situações. O contribuinte que recolheu tributo a maior em 01/03/2002, por exemplo, tem plena ciência que teria, em tese, até 01/03/2012 para lançar sua pretensão ao crivo do Poder Judiciário, e isso, aplicando-se a tese dos cinco mais cinco. Porém, o indivíduo que efetuou o recolhimento do tributo a maior já sob a égide da Lei Complementar 118/2005, tem ciência que o prazo para pleitear a repetição do indébito é de cinco anos, e não mais de dez anos como até então adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. Assim, se o recolhimento do tributo se deu em 01/10/2005, por exemplo, resta fulminada pela prescrição a pretensão do contribuinte em 01/10/2010.
E isso, levando-se em consideração a data da ocorrência do fato gerador e atento ao princípio tempus regit actum, não sendo admissível a aplicação retroativa de lei prejudicial aos anseios do contribuinte.
Com relação a alteração no Código Tributário Nacional, promovida pela LC 118/2005, em especial no que tange ao aparente caráter interpretativo da norma em questão e a possibilidade da lei retroagir, o ilustre Ministro Teori Albino Zavascki proferiu voto, no ERESP 327.043/DF (rel. Min. João Otávio Noronha), que, apesar de extenso, pedimos vênia para transcrevê-lo pela maestria de sua exposição. Vejamos:
“1. Questiona-se, aqui, (a) a natureza – se interpretativa ou não – do art. 3º da LC 118/2005, segundo o qual, para efeito de contagem do prazo para a repetição do indébito, deve ser considerado que “a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado”, bem como (b) a legitimidade da art. 4º, segunda parte, da mesma Lei, que determina a aplicação retroativa daquele artigo 3º, tal como prevê o art. 106, I, do CTN.
2. Em nosso sistema constitucional, as funções legislativa e jurisdicional estão atribuídas a Poderes distintos, autônomos e independentes entre si (CF, art; 2º). Legislar, função essencialmente conferida ao Parlamento, é criar os preceitos normativos, é impor modificação no plano do direito positivo. Já a função jurisdicional – de assegurar o cumprimento da norma, que pressupõe também a de interpretá-la previamente -, é atribuída ao Poder Judiciário. A atividade legislativa está submetida à cláusula constitucional do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (art. 5º, XXXVI), razão pela qual as modificações do ordenamento jurídico, impostas pelo Legislativo, têm, em princípio, apenas eficácia prospectiva, não podendo ser aplicadas retroativamente. A função jurisdicional, ao contrário, atua, em regra, sobre fatos já ocorridos ou em via de ocorrer. Só excepcionalmente pode o Legislativo atuar sobre o passado, assim como só excepcionalmente pode Judiciário produzir sentenças com efeitos normativos futuros. Todos sabemos que essa bipartição não tem caráter absoluto, comportando algumas exceções. Mas a regra geral é essa: o Legislativo produz o enunciado normativo, que vai ter aplicação para o futuro; produzido o enunciado, ele assume vida própria, cabendo ao Judiciário, daí em diante, zelar pelo cumprimento da norma que dele decorre, o que comporta a função de, mediante interpretação, descobri-la e aplicá-la aos casos concretos. São atividades complementares: como dizia Calamandrei, “O Estado defende com a jurisdição sua autoridade de legislador” (CALAMANDREI, Piero. Instituciones de Derecho Procesal Civil, tradução de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-América, 1986, vol. I, p. 175)
3. Interpretar um enunciado normativo é buscar o seu sentido, o seu alcance, o seu significado. “A interpretação”, escreveu Eros Grau, “é um processo intelectivo através do qual, partindo de fórmulas lingüísticas contidas nos textos, enunciados, preceitos, disposições, alcançamos a determinação de um conteúdo normativo. (…) Interpretar é atribuir um significado a um ou vários símbolos lingüísticos escritos em um enunciado normativo. O produto do ato de interpretar , portanto, é o significado atribuído ao enunciado ou texto (preceito, disposição)” (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, 2ª ed., SP, Malheiros, 2003, p. 78). E observa, mais adiante: “As disposições são dotadas de um significado, a elas atribuído pelos que operaram no interior do procedimento normativo, significado que a elas desejaram imprimir. Sucede que as disposições devem exprimir um significado para aqueles aos quais são endereçadas. Daí a necessidade de bem distinguirmos os significados imprimidos às disposições (enunciados, textos), por quem as elabora e os significados expressados pelas normas (significados que apenas são revelados através e mediante a interpretação, na medida em que as disposições são transformadas em normas )” (op. cit., p.79). Prossegue o autor: “A interpretação, destarte, é meio de expressão dos
conteúdos normativos das disposições , meio através do qual pesquisamos as normas contidas nas disposições. Do que diremos ser – a interpretação – uma atividade que se presta a transformar disposições (textos, enunciados ) em normas. Observa Celso Antônio Bandeira de Mello (…) que ‘(…) é a interpretação que especifica o conteúdo da norma. Já houve quem dissesse, em frase admirável, que o que se aplica não é a norma, mas a interpretação que dela se faz. Talvez se pudesse dizer: o que se aplica, sim, é a própria norma, porque o conteúdo dela é pura e simplesmente o que resulta da interpretação. De resto, Kelsen já ensinara que a norma é uma moldura. Deveras, quem outorga, afinal, o conteúdo específico é o intérprete, (…)’. As normas, portanto, resultam da interpretação. E o ordenamento, no seu valor histórico-concreto, é um conjunto de interpretações , isto é, conjunto de normas. O conjunto das disposições (textos, enunciados) é apenas ordenamento em potência, um conjunto de possibilidades de interpretação, um conjunto de normas potenciais . O significado (isto é, a norma) é o resultado da tarefa interpretativa. Vale dizer: o significado da norma é produzido pelo intérprete. (…) As disposições, os enunciados, os textos, nada dizem; somente passam a dizer algo quando efetivamente convertidos em normas (isto é, quando – através e mediante a interpretação – são transformados em normas). Por isso as normas resultam da interpretação , e podemos dizer que elas, enquanto disposições , nada dizem – elas dizem o que os intérpretes dizem que elas dizem (…)” (op. cit., p. 80).
4. Sendo assim e considerando que a atividade de interpretar os enunciados normativos, produzidos pelo legislador, está cometida constitucionalmente ao Poder Judiciário, seu intérprete oficial, podemos afirmar, parafraseando a doutrina, que o conteúdo da norma não é, necessariamente, aquele sugerido pela doutrina, ou pelos juristas ou advogados, e nem mesmo o que foi imaginado ou querido em seu processo de formação pelo legislador; o conteúdo da norma é aquele, e tão somente aquele, que o Poder Judiciário diz que é. Mais especificamente, podemos dizer, como se diz dos enunciados constitucionais (a Constituição é aquilo que o STF, seu intérprete e guardião, diz que é), que as leis federais são aquilo que o STJ, seu guardião e intérprete constitucional, diz que são.
5. Nesse contexto, a edição, pelo legislador, de lei interpretativa, com efeitos retroativos, somente é concebível em caráter de absoluta excepcionalidade, sob pena de atentar contra os dois postulados constitucionais já referidos: o da autonomia e independência dos Poderes (art. 2º, da CF) e o do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CF). Lei interpretativa retroativa só pode ser considerada legítima quando se limite a simplesmente reproduzir (produzir de novo), ainda que com outro enunciado, o conteúdo normativo interpretado, sem modificar ou limitar o seu sentido ou o seu alcance. Isso, bem se percebe, é hipótese de difícil concreção, quase inconcebível, a não ser no plano teórico, ainda mais quando se considera que o conteúdo de um enunciado normativo reclama, em geral, interpretação sistemática, não podendo ser definido isoladamente. “Interpretar uma norma”, escreveu Juarez Freitas, “é interpretar um sistema inteiro: qualquer exegese comete, direta ou obliquamente, uma aplicação da totalidade do Direito” (FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito, SP, Malheiros, 1995, p. 47). Ora, lei que simplesmente reproduz a já existente, ainda que com outras palavras, seria supérflua; e lei que não é assim, é lei que inova e, portanto, não pode ser considerada interpretativa e nem, conseqüentemente, ser aplicada com efeitos retroativos.
6. Ainda que se admita a possibilidade de edição de lei interpretativa, como prevê o art. 106, I, do CTN, mas considerando o que antes se disse sobre o processo interpretativo e seus agentes oficiais (a norma é aquilo que o Judiciário diz que é), evidencia-se como hipótese paradigmática de lei inovadora (e não simplesmente interpretativa) aquela que, a pretexto de interpretar, confere à norma interpretada um conteúdo ou um sentido diferente daquele que lhe foi atribuído pelo Judiciário ou que limita o seu alcance ou lhe retira um dos seus sentidos possíveis. É o que ocorre no caso em exame. Com efeito, sobre o tema relacionado com a prescrição da ação de repetição de indébito tributário, a jurisprudência do STJ (1ª Seção) é no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação – expressa ou tácita – do lançamento. Segundo entende o Tribunal, para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador. Essa jurisprudência certamente não tem a adesão uniforme da doutrina e nem de todos os juízes. Em muitos casos, eu mesmo já manifestei minha discordância pessoal em relação a ela, como, v.g., no voto vista proferido no ERESP 423.994, 1ª Seção, rel. Min. Peçanha Martins, onde apontei sua fragilidade por desconsiderar inteiramente “um princípio universal em matéria de prescrição: o princípio da actio nata, segundo o qual a prescrição se inicia com o nascimento da pretensão ou da ação (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, Bookseller Editora, 2.000, p. 332)”. “Realmente”, sustentei, “ocorrendo o pagamento indevido, nasce desde logo o direito a haver a repetição do respectivo valor, e, se for o caso, a pretensão e a correspondente ação para a sua tutela jurisdicional. Direito, pretensão e ação são incondicionados, não estando subordinados a qualquer ato do Fisco ou a decurso de tempo. Mesmo em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o direito, a pretensão e a ação nascem tão pronto ocorra o fato objetivo do pagamento indevido. Sob este aspecto, pareceria mais adequado ao princípio da actio nata aplicar, inclusive em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o disposto art. 168, I, combinado com o art. 156, I, do CTN, ou seja: o prazo prescricional (ou decadencial) para a repetição do indébito conta-se da extinção do crédito (art. 168, I), que, por sua vez, ocorre com o pagamento (art. 156, I). Observe-se que, mesmo em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o pagamento antecipado também extingue o crédito, ainda que sob condição resolutória (CTN, 150, § 1º).” Todavia, inobstante as reservas e críticas que possa merecer, o certo é que a jurisprudência do STJ, em inúmeros precedentes, definiu o conteúdo dos enunciados normativos em determinado sentido, e, bem ou mal, a interpretação que lhes conferiu o STJ é a interpretação legítima, porque emanada do órgão constitucionalmente competente para fazê-lo. Ora, o art. 3º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a “interpretação” dada, não há como negar que a lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições normativas interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. Se, como se disse, a norma é aquilo que o Judiciário, como seu intérprete, diz que é, não pode ser considerada simplesmente interpretativa a lei que dá a ela outro significado. Em outras palavras: não pode ser considerada interpretativa a lei que tem o evidente objetivo de modificar a jurisprudência dos Tribunais. Somente a jurisprudência é que pode, legitimamente, alterar a jurisprudência.
7. Não se nega ao Legislativo o poder de alterar a norma (e, portanto, se for o caso, também a interpretação formada em relação a ela). Pode, sim, fazê-lo, mas não com efeitos retroativos. Admitir a aplicação do art. 3º da LC 118/2005, sobre os fatos passados, nomeadamente os que são objeto de demandas em juízo, seria consagrar verdadeira invasão, pelo Legislativo, da função jurisdicional, comprometendo a autonomia e a independência do Poder Judiciário. Significaria, ademais, consagrar ofensa à cláusula constitucional que assegura, em face da lei nova, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Portanto, o referido dispositivo, por ser inovador no plano das normas, somente pode ser aplicado a situações que venham a ocorrer a partir da vigência da Lei Complementar 118/2005, que ocorrerá 120 dias após a sua publicação (art. 4º), ou seja, no dia 09 de junho de 2005. Tratando-se de norma que reduz prazo de prescrição, cumpre observar, na sua aplicação, a regra clássica de direito intertemporal, afirmada na doutrina e na jurisprudência em situações dessa natureza: o termo inicial do novo prazo será o da data da vigência da lei que o estabelece, salvo se a prescrição (ou, se for o caso, a decadência), iniciada na vigência da lei antiga, vier a se completar, segundo a lei antiga, em menos tempo. São precedentes do STF nesse sentido:
“Prescrição Extintiva. Lei nova que lhe reduz prazo. Aplica-se à prescrição em curso, mas contando-se o novo prazo a partir da nova lei. Só se aplicará a lei antiga, se o seu prazo se consumar antes que se complete o prazo maior da lei nova, contado da vigência desta, pois seria absurdo que, visando a lei nova reduzir o prazo, chegasse a resultado oposto, de ampliá-lo” (RE 37.223, Min. Luiz Gallotti, julgado em 10.07.58).
“Ação Rescisória. Decadência. Direito Intertemporal. Se o restante do prazo de decadência fixado na lei anterior for superior ao novo prazo estabelecido pela lei nova, despreza-se o período já transcorrido, para levar-se em conta, exclusivamente, o prazo da lei nova, a partir do início da sua vigência” (AR 905/DF, Min. Moreira Alves, DJ de 28.04.78).
No mesmo sentido: RE 93.110/RJ, Min. Xavier de Albuquerque, julgado em 05.11.80; AR 1.025-6/PR, Min. Xavier de Albuquerque, DJ de 13.03.81.
É o que se colhe, também, de abalizada doutrina, como, v.g., a de Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 1998, Tomo VI, p. 359), Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 1976, volume V, p. 205-207) e Galeno Lacerda, este com a seguinte e didática lição sobre situação análoga (redução do prazo da ação rescisória, operada pelo CPC de 1973):
“A mais notável redução de prazo operada pelo Código vigente incidiu sobre o de propositura da ação rescisória. O velho e mal situado prazo de cinco anos prescrito pelo Código Civil (art. 178, § 10, VIII) foi diminuído drasticamente para dois anos (art. 495). Surge, aqui, interessante problema de direito transitório, quanto à situação dos prazos em curso pelo direito anterior. A regra para os prazos diminuídos é inversa da vigorante para os dilatados. Nestes, como vimos, soma-se o período da lei antiga ao saldo, ampliado, pela lei nova. Quando se trata de redução, porém, não se podem misturar períodos regidos por leis diferentes: ou se conta o prazo, todo ele pela lei antiga, ou todo, pela regra nova, a partir, porém, da vigência desta. Qual o critério para identificar, no caso concreto, a orientação a seguir? A resposta é simples. Basta que se verifique qual o saldo a fluir pela lei antiga. Se for inferior à totalidade do prazo da nova lei, continua-se a contar dito saldo pela regra antiga. Se superior, despreza-se o período já decorrido, para computar-se, exclusivamente, o prazo da lei nova, na sua totalidade, a partir da entrada em vigor desta. Assim, por exemplo, no que concerne à ação rescisória, se já decorreram quatro anos pela lei antiga, só ela é que há de vigorar: o saldo de um ano, porque menor ao prazo do novo preceito construa a fluir, mesmo sob a vigência deste. Se, porém, passou-se, apenas, um ano sob o direito revogado, o saldo de quatro, quando da entrada em vigor da regra nova, é superior ao prazo por esta determinado. Por este motivo, a norma de aplicação imediata exige que o cômputo se proceda, exclusivamente, pela lei nova, a partir, evidentemente, de sua entrada em vigor, isto é, os dois anos deverão contar-se a partir de 1º de janeiro de 1974. O termo inicial não poderia ser, nesta hipótese, o do trânsito em julgado da sentença, operado sob lei antiga, porque haveria, então, condenável retroatividade” (O Novo Direito Processual Civil e os Feitos Pendentes, Forense, 1974, pp. 100-101). Câmara Leal tem pensamento semelhante: “Estabelecendo a nova lei um prazo mais curto de prescrição, esse começará a correr da data da nova lei, salvo se a prescrição iniciada na vigência da lei antiga viesse a se completar em menos tempo, segundo essa lei, que, nesse caso, continuaria a regê-la, relativamente ao prazo” (Da Prescrição e da Decadência, Forense, 1978, p.90).
7. Ocorre que o art. 4º da Lei Complementar 118/2005, em sua segunda parte, determina, de modo expresso, que, relativamente ao seu art. 3º, seja observado “o disposto no art. 106, I, da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código
Tributário Nacional”, vale dizer, que seja aplicada inclusive aos atos ou fatos pretéritos. Ora, conforme antes demonstrado, a aplicação retroativa do dispositivo importa, nesse caso, ofensa à Constituição, nomeadamente ao seu art. 2º (que consagra a autonomia e independência do Poder Judiciário em relação ao Poder Legislativo) e ao inciso XXXVI do art. 5º, que resguarda, da aplicação da lei nova, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Assim, fica evidenciada a inconstitucionalidade do dispositivo, cumprindo observar, em relação a ele, o disposto no art. 97 da Constituição, instalando-se o devido incidente de inconstitucionalidade. Não basta, para contornar o incidente, simplesmente deixar de aplicar o dispositivo inconstitucional. Ao Judiciário, que está submetido à lei, somente é dado deixar de aplicá-la quando ela for incompatível com a Constituição, o que só pode ser reconhecido e declarado pela maioria absoluta dos seus membros ou dos membros do órgão especial. Bem a propósito, eis a orientação do STF a respeito, em situação absolutamente análoga: “A declaração de inconstitucionalidade de norma incidenter tantum, e, portanto, por meio do controle difuso de constitucionalidade, é o pressuposto para o juiz ou o Tribunal, no caso concreto, afastar a aplicação da norma tida por inconstitucional. Por isso, não se pode pretender, como o faz o acórdão recorrido,
que não há declaração de inconstitucionalidade de uma norma jurídica incidenter tantum quando o acórdão não a declara inconstitucional, mas afasta a sua aplicação, porque tida como inconstitucional. Ora, em se tratando de inconstitucionalidade de norma jurídica a ser declarada em controle difuso por Tribunal, só pode declará-la, em face do disposto no artigo 97 da Constituição, o Plenário dele ou seu Órgão Especial, onde este houver, pelo voto da maioria absoluta dos membros de um ou de outro” (STF, RE 179.170, 1ª Turma, Min. Moreira Alves, DJ de 30.10.98).
8. Ante o exposto, acompanho o entendimento do Ministro relator, mas proponho seja suscitado incidente de inconstitucionalidade da expressão “observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”, constante do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar 118/2005, submetendo-se a matéria à consideração do órgão especial, na forma dos arts. 199 e 200 do Regimento Interno. É o voto“. [grifos nossos]
Inegável que o julgado acima transcrito é por demais esclarecedor, demonstrando a inconstitucionalidade latente da aplicação retroativa da LC 118/2005 aos fatos geradores ocorridos antes da sua vigência.
Ainda, sendo esse o momento oportuno, pede-se vênia para citar breve trecho do voto proferido pelo ilustre Ministro Castro Meira, citando o mestre Câmara Leal, no julgamento do AgRg no Recurso Especial n.º 1.063.110-SP, onde restou consignado:
“[…] com o advento da LC 118/05, a prescrição, do ponto de vista prático, deve ser contada da seguinte forma: relativamente aos PAGAMENTOS efetuados a partir de sua vigência (que ocorreu em 09.06.05), o prazo para a ação de repetição do indébito é de cinco a contar da data do pagamento; e relativamente aos PAGAMENTOS anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da lei nova.” [original sem grifo]
E finaliza explicitando com uma clareza ímpar como se proceder a contagem do prazo prescricional para repetição do indébito tributário:
“Esmiuçando essa proposição, pode-se tripartir a sistemática de contagem da prescrição conforme a data em que efetuado o recolhimento indevido:
a) quanto aos pagamentos realizados além dos cinco anos que antecederam a vigência da LC n.º 118/05, observa-se estritamente a “sistemática dos cinco mais cinco”;
b) no que tange aos PAGAMENTOS efetivados entre 10.06.00 e 09.06.05, obedece-se à “sistemática dos cinco mais cinco” com certo temperamento, restringindo-se o prazo prescricional até cinco anos contados da entrada em vigor das novas disposições;
c) no tocante aos recolhimentos efetuados de 10.06.05 em diante, incide a LC n.º 118/05 em seus exatos termos, ajustando-se o prazo prescricional a cinco anos computados a partir do pagamento indevido.” [original sem grifo]
Forçoso concluir, portanto, que o prazo prescricional para pleitear a restituição de tributos sujeitos a lançamento por homologação é de cinco anos, contados da data da homologação do lançamento, que, se for tácita, ocorre após cinco anos da realização do fato gerador, sendo irrelevante, para fins de cômputo do prazo prescricional, a causa do indébito. Assim, em tese, citado prazo acaba sendo realmente de dez anos, visto que raramente a autoridade competente homologa expressamente o lançamento realizado pelo contribuinte.
Ademais, conforme já exposto, a Corte Especial considerou ilegítima a aplicação retroativa do art. 3º da LC 118/05, declarando inconstitucional a determinação em sentido contrário constante no art. 4º, segunda parte, da referida Lei Complementar, e isso, tendo em vista os princípios basilares dispostos na Constituição Federal, entre eles, a garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.
Inúmeros julgados do STJ já se depararam com a questão da prescrição em ações de repetição do indébito tributário, sendo pacífico o entendimento de que as disposições da LC 118/2005 só se aplicam aos casos em que o PAGAMENTO do tributo se deu em data posterior a sua vigência, não considerando a data da distribuição da ação para fins de contagem do prazo prescricional. É o que demonstram os julgados abaixo colacionados:
“TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRESCRIÇÃO. NOVA ORIENTAÇÃO FIRMADA PELA 1ª SEÇÃO DO STJ NA APRECIAÇÃO DO ERESP 435.835/SC. LC 118/2005: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA. ENTENDIMENTO CONSIGNADO NO VOTO DO ERESP 327.043/DF. 1. A 1ª Seção do STJ, no julgamento do ERESP 435.835/SC, Rel. p/ o acórdão Min. José Delgado, sessão de 24.03.2004, consagrou o entendimento segundo o qual o prazo prescricional para pleitear a restituição de tributos sujeitos a lançamento por homologação é de cinco anos, contados da data da homologação do lançamento, que, se for tácita, ocorre após cinco anos da realização do fato gerador, sendo irrelevante, para fins de cômputo do prazo prescricional, a causa do indébito. Adota-se o entendimento firmado pela Seção, com ressalva do ponto de vista pessoal, no sentido da subordinação do termo a quo do prazo ao universal princípio da actio nata (voto-vista proferido nos autos do ERESP 423.994/SC, 1ª Seção, Min. Peçanha Martins, sessão de 08.10.2003). (…) 4. No caso específico do imposto de renda, o fato gerador tem-se por caracterizado no final do ano-base, tornando-se definitiva a homologação do lançamento, se tácita, após o transcurso de cinco anos, findos os quais se inicia o prazo qüinqüenal (CTN, art. 168, I) para pleitear a restituição dos valores indevidamente recolhidos. Havendo, todavia, homologação expressa, que se concretiza na notificação do ajuste entre o valor apurado na declaração anual de rendimentos e o valor retido pela fonte pagadora, tem início, a partir de então, o lustro prescricional. Precedentes da 1ª Seção: ERESP 504571/DF, Min. Luiz Fux, DJ 17.12.2004; ERESP 289.398/DF, Min. Franciulli Netto, DJ de 02.08.2004. 5. Embargos de divergência a que se nega provimento” (EResp 641.231/DF, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 12/09/2005). [original sem grifo]
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NECESSIDADE DE RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. IMPOSTO DE RENDA. COMPENSAÇÃO. PRESCRIÇÃO. ART. 3º DA LC Nº 118/05. 1. Superada a prejudicial de prescrição, devem os autos retornar ao Tribunal a quo para que sejam resolvidas as demais questões suscitadas no recurso de apelação e pendentes de julgamento. 2. Sob pena de supressão de instância e de desrespeito à necessidade de prequestionamento, este Superior Tribunal de Justiça não se encontra autorizado a avançar no exame da matéria de fundo que não foi debatida no acórdão recorrido, ainda que se trate de “causa madura” (art. 515, § 3º, do CPC). 3. Extingue-se o direito de pleitear a restituição de tributo sujeito a lançamento por homologação, não sendo esta expressa, somente após o transcurso do prazo de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais cinco anos contados da data em que se deu a homologação tácita (EREsp 435.835/SC, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU de 04.06.07). 4. Na sessão do dia 06.06.07, a Corte Especial acolheu a argüição de inconstitucionalidade da expressão “observado quanto ao art. 3º o disposto no art. 106, I, da Lei n. 5.172/1966 do Código Tributário Nacional”, constante do art. 4º, segunda parte, da LC 118/05 (EREsp 644.736-PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 27.08.07). 5. Na mesma assentada, firmou-se ainda o entendimento de que, “com o advento da LC nº 118/05, a prescrição, do ponto de vista prático, deve ser contada da seguinte forma: relativamente aos pagamentos efetuados a partir da sua vigência (que ocorreu em 09.06.05), o prazo para a ação de repetição de indébito é de cinco a contar da data do pagamento; e relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da lei nova”. 6. Agravos regimentais não providos”. (STJ – AgRg no REsp 1063110 / SP – 2ª Turma – Relator Ministro CASTRO MEIRA – DJe 01/12/2008) [original sem grifo]
“1163929550 – TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – IMPOSTO DE RENDA – PRESCRIÇÃO – ART. 3º DA LC Nº 118/05 – 1- Extingue-se o direito de pleitear a restituição de tributo sujeito a lançamento por homologação, não sendo esta expressa, somente após o transcurso do prazo de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais cinco anos contados da data em que se deu a homologação tácita (EREsp 435.835/SC, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU de 04.06.07). 2- Na sessão do dia 06.06.07, a Corte Especial acolheu a arguição de inconstitucionalidade da expressão “observado quanto ao art. 3º o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172/1966 do Código Tributário Nacional”, constante do art. 4º, segunda parte, da LC 118/05 (EREsp 644.736-PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 27.08.07). 3- Na mesma assentada, firmou-se ainda o entendimento de que, “com o advento da LC nº 118/05, a prescrição, do ponto de vista prático, deve ser contada da seguinte forma: relativamente aos pagamentos efetuados a partir da sua vigência (que ocorreu em 09.06.05), o prazo para a ação de repetição de indébito é de cinco a contar da data do pagamento; E relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da lei nova”. 4- Agravo regimental não provido”. (STJ – AgRg-REsp 1.109.315 – (2008/0278776-0) – 2ª T – Rel. Min. Castro Meira – DJe 21.05.2009 – p. 453) [original sem grifo]
“1163927526 – TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA – VERBAS INDENIZATÓRIAS – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – PRAZO PRESCRICIONAL – LC Nº 118/05 – 1- Na sessão do dia 06.06.07, a Corte Especial acolheu a arguição de inconstitucionalidade da expressão “observado quanto ao art. 3º o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172/1966 do Código Tributário Nacional”, constante do art. 4º, segunda parte, da LC nº 118/05 (EREsp 644.736-PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki). 2- Na assentada, firmou-se ainda o entendimento de que, “com o advento da LC 118/05, a prescrição, do ponto de vista prático, deve ser contada da seguinte forma: relativamente aos pagamentos efetuados a partir da sua vigência (que ocorreu em 09.06.05), o prazo para a ação de repetição de indébito é de cinco a contar da data do pagamento; E relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da lei nova“. 3- Agravo regimental não provido”. (STJ – AgRg-REsp 1.097.922 – (2008/0239530-0) – 2ª T – Rel. Min. Castro Meira – DJe 13.05.2009 – p. 427) [original sem grifo]
“1163922212 – TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – DISCUSSÃO SOBRE O TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO VISANDO À RESTITUIÇÃO DE VALORES INDEVIDAMENTE RECOLHIDOS A TÍTULO DE IMPOSTO DE RENDA – PROVIMENTO DO RECURSO – 1- A Corte Especial, ao julgar a Arguição de Inconstitucionalidade nos EREsp 644.736/PE (Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 27.8.2007), sintetizou a interpretação conferida por este Tribunal aos arts. 150, § § 1º e 4º, 156, VII, 165, I, e 168, I, do Código Tributário Nacional, interpretação que deverá ser observada em relação às situações ocorridas até a vigência da Lei Complementar 118/2005, conforme consta do seguinte trecho da ementa do citado precedente: “Sobre o tema relacionado com a prescrição da ação de repetição de indébito tributário, a jurisprudência do STJ (1ª Seção) é no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação – Expressa ou tácita- Do lançamento. Segundo entende o Tribunal, para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador.” 2- Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.091.205 – (2008/0197832-7) – 1ª T – Relª Minª Denise Arruda – DJe 15.04.2009 – p. 443) [original sem grifo]
“1163921929 – PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – TRIBUTÁRIO – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – IMPOSTO DE RENDA – RETENÇÃO INDEVIDA – PRESCRIÇÃO – INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA DO ART. 3º, AMBOS DA LC Nº 118/05 – DATA DO PAGAMENTO INDEVIDO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LC Nº 118/05 – APLICAÇÃO DA SISTEMÁTICA DO “CINCO MAIS CINCO” – DECISÃO MONOCRÁTICA FUNDAMENTADA EM JURISPRUDÊNCIA DO STJ – AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO – 1- A partir do julgamento da Argüição de Inconstitucionalidade no EREsp nº 644.736/PE, de relatoria do e. Min. Teori Albino Zavascki, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça adotou o entendimento no sentido de que o artigo 4º, segunda parte, da LC nº 118/05 (que determina a aplicação retroativa do seu art. 3º, para alcançar inclusive fatos passados) ofende o princípio constitucional da autonomia e independência dos poderes (CF, art. 2º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). 2- A orientação desta Corte é no sentido de que: relativamente aos pagamentos efetuados a partir da vigência da LC nº 118/05 (que ocorreu em 9.6.2005), o prazo prescricional para a repetição do indébito é de cinco anos a contar da data do pagamento indevido; E, relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior. 3- No caso dos autos, os valores que o agravado pretende restituir se referem a pagamentos indevidamente efetuados em período anterior à vigência da LC 118/05, razão pela qual é de se aplicar a sistemática do “cinco mais cinco”. 4- A decisão monocrática ora agravada, no tocante aos temas acima, baseou-se em jurisprudência consolidada no STJ. 5- Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.062.983 – (2008/0121585-4) – 2ª T – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 14.04.2009 – p. 483) [original sem grifo]
“1163916788 – PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO – REPETIÇÃO DE INDÉBITO/COMPENSAÇÃO – ARTIGO 3º, DA LEI COMPLEMENTAR 118/2005 – PRESCRIÇÃO – TERMO INICIAL – PAGAMENTO INDEVIDO – ARTIGO 4º, DA LC 118/2005 – DETERMINAÇÃO DE APLICAÇÃO RETROATIVA – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – CONTROLE DIFUSO – CORTE ESPECIAL – RESERVA DE PLENÁRIO – 1- A prescrição, nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, tem como dies a quo a homologação expressa do lançamento pela autoridade fiscal, ou, no caso da inexistência desta, tacitamente no final do prazo de cinco anos contados do fato gerador, que, no caso do imposto de renda retido na fonte, ocorre no final do ano-base. A partir de então, em relação aos pagamentos indevidos efetuados em momento anterior à vigência da Lei Complementar 118/2005, tem início o prazo de cinco anos, previsto no art. 168, I, do CTN, para o contribuinte pleitear a restituição. 2- É que a Corte Especial declarou a inconstitucionalidade da expressão “observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional“, constante do artigo 4º, segunda parte, da Lei Complementar 118/2005 (AI nos ERESP 644736/PE, julgado em 06.06.2007). 3- Deveras, a norma inserta no artigo 3º, da lei complementar em tela, indubitavelmente, cria direito novo, não configurando lei meramente interpretativa, cuja retroação é permitida, consoante apregoa doutrina abalizada: “Denominam-se leis interpretativas as que têm por objeto determinar, em caso de dúvida, o sentido das leis existentes, sem introduzir disposições novas. […] 4- Consectariamente, em se tratando de pagamentos indevidos efetuados antes da entrada em vigor da LC 118/05 (09.06.2005), o prazo prescricional para o contribuinte pleitear a restituição do indébito, nos casos dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, continua observando a cognominada tese dos cinco mais cinco, desde que, na data da vigência da novel lei complementar, sobejem, no máximo, cinco anos da contagem do lapso temporal (regra que se coaduna com o disposto no artigo 2.028, do Código Civil de 2002, segundo o qual: “Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.”). 5- Por outro lado, ocorrido o pagamento antecipado do tributo após a vigência da aludida norma jurídica, o dies a quo do prazo prescricional para a repetição/compensação é a data do recolhimento indevido. 6- In casu, a demanda foi ajuizada em 07.01.2004, com o objetivo de obter o direito à compensação de valores indevidamente recolhidos a título de imposto sobre a renda incidente sobre a complementação de aposentadoria, no período de vigência da Lei nº 7.713/88 (de 22.12.1988 a 31.12.1995), ressoando inequívoca a inocorrência da prescrição quanto aos créditos fiscais relativos ao ano-base de 1994 e posteriores, em virtude do fato gerador do imposto de renda retido na fonte aperfeiçoar-se no final do ano-base. 7- Agravo regimental desprovido”. (STJ – AgRg-EDcl-REsp 1.003.778 – (2007/0259694-0) – 1ª T – Rel. Min. Luiz Fux – DJe 25.03.2009 – p. 1912) [original sem grifo]
Extremamente esclarecedor o julgado acima transcrito, visto explicar, detalhadamente, como se dá a contagem do prazo prescricional.
Ainda, frisa-se que a lei a ser observada é a vigente na data do pagamento do tributo, eis que ai surgiu a ilegalidade passível de repetição, e não a data do ajuizamento da ação, como frequentemente quer fazer crer a União. Até porque declarado inconstitucional pelo STJ o contido no Art. 3º e 4º da citada Lei Complementar. A simples análise dos julgados acima transcritos, todos do Superior Tribunal de Justiça, demonstram a veracidade da afirmação.
Uma observação importante a ser feita, refere-se ao fato de que apenas após a homologação do tributo pago a maior, é que constitui-se o direito do contribuinte em requerer judicialmente a repetição do indébito, visto que apenas a partir de então é que se concretiza a ilicitude consubstanciada no pagamento a maior do tributo. Desta forma, a imposição da LC 118/2005 parece querer acabar com a figura da homologação, impondo simplesmente a redução do prazo prescricional.
Ora, sem a prévia homologação do tributo pago pelo contribuinte, onde a Fazenda Nacional demonstra sua concordância ou discordância quanto ao valor recolhido aos cofres públicos, não há que se falar em repetição do indébito. Apenas homologado o pagamento é que surge o direito do contribuinte em eventualmente requerer judicialmente a repetição dos valores pagos a maior. E mais, sem a prévia homologação, não há a extinção do crédito tributário, e, consequentemente, ainda não surgiu o direito do contribuinte em requerer eventuais diferenças do Fisco.
Com isso, percebe-se a ânsia do Estado em promover a arrecadação de impostos a qualquer custo, ainda que, para isso, tenha que transpor direitos básicos dos contribuintes, tutelados até mesmo pela Carta Magna.
A tese acolhida pelo STJ, é de boa lembrança, tem e sempre teve como fundamento o entendimento de que o pagamento antecipado do tributo, seja ele espontâneo ou por via de retenção na fonte, constitui adiantamento de tributo a ser apurado, de modo que o pagamento efetivo somente ocorre depois de apurado o real montante do tributo devido. Tal valor, na linha adotada pelo STJ, “somente é conhecido definitivamente, após homologação expressa ou tácita do lançamento feito pelo contribuinte.”
Portanto, antes de homologado o pagamento do tributo, não se vislumbra qualquer direito do contribuinte em pleitear repetição do indébito, direito esse que só nasce com a efetiva homologação do pagamento, seja ela expressa ou tácita. Consequentemente, a prescrição da pretensão do contribuinte só pode ser contada após esse lapso temporal, ou seja, somente após devidamente homologado o pagamento realizado.
Não teço aqui, crítica ferrenha ao Estado ou a necessidade evidente de arrecadação de impostos, mas sim, a sobreposição de direitos e a latente inobservância da legislação em vigor, que vem sendo interpretada em descompasso com a realidade tributária hodiernamente vivida, e tudo no claro propósito de não prejudicar as finanças do Estado, ainda que para isso tenha que haver prejuízo aos particulares.
Ao estabelecer tamanho disparate jurídico, parece que nosso legislador esqueceu-se que vivemos em um Estado democrático de direito, onde as regras jurídicas devem ser preexistentes, viabilizando desta forma, vislumbrar todos os efeitos jurídicos dela resultantes, até porque é a sociedade a destinatária final destes preceitos e é ela quem a lei deve proteger. Qualquer inversão neste sentido, de querer mudar as regras ao seu bel prazer, surpreendendo a coletividade com comandos arbitrários, enseja violação ao princípio da “segurança jurídica” que tem por escopo primordial garantir a estabilidade das relações perpetradas sob a vigência de um determinado instituto jurídico.
A pretendida redução do prazo prescricional para a repetição do indébito tributário nos lançamentos por homologação é uma aberração jurídica que deve ser repelida pelo Poder Judiciário, pois aplicar as regras dos artigos 3º e 4º da LC/2005 aos fatos geradores de tributos ocorridos antes da vigência da referida Lei, viola sobremaneira o princípio da segurança jurídica.
Visando esclarecer ainda mais a matéria em pauta, pede-se vênia para citar os mais renomados doutrinadores do país que tratam do tema em questão.
Na obra “Comentários ao Código Tributário Nacional”, sob a coordenação do ilustre jurista Ives Gandra da Silva Martins, em, trecho redigido pelo advogado Gustavo Miguez de Mello, vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro e diretor da Harvard Law School Association of Brazil, assim se manifestou ao comentar o art. 168 do CTN, a saber:
“Problema que de fato surgiu no que tange à compreensão da disciplina jurídica da primeira hipótese [inciso I do art. 168] é o concernente ao termo inicial do prazo de cinco anos previsto no art. 168, em exame: quando se considera extinto o crédito tributário? A resposta deve ser encontrada por meio da interpretação sistemática do Código Tributário Nacional […].”
E completa afirmando:
“Boa parte da controvérsia recai sobre o momento da extinção do crédito tributário e, em especial, na interpretação do art. 150, §1º, do CTN, segundo o qual o pagamento antecipado extingue o crédito sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento. Esse dispositivo, analisado isoladamente, poderia levar à interpretação de que o pagamento antecipado, por si só, extingue o crédito tributário. Todavia, analisando conjuntamente com o art. 142 (que diz competir privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento) e com o inciso VII do art. 156 (que trata genericamente das hipóteses de extinção do crédito tributário), chega-se à conclusão de que a extinção do crédito somente ocorre com “o pagamento antecipado E a homologação do lançamento.
O crédito tributário não pode extinguir-se antes de seu nascimento.
Ora, o lançamento, nos termos do art. 142 do CTN, compete privativamente à autoridade administrativa. Não se considera, portanto, lançamento o cumprimento pelo contribuinte da obrigação de calcular e recolher o tributo de forma antecipada, submetendo-se o ato a posterior homologação.” [original sem grifo]
Citando ainda o ilustre advogado, temos que:
“[…] se o contribuinte paga o tributo antecipadamente, após a realização do “acertamento tributário”, e fica sujeito a posterior homologação do pagamento e dos procedimentos pelo Fisco, a extinção do crédito tributário e, consequentemente, o início do prazo para pleitear a repetição dos valores indevidamente recolhidos somente vêm a ocorrer quando da homologação. Se essa não ocorre de forma expressa, por ficção considera-se ocorrida a homologação tácita cinco anos após a ocorrência do fato gerador […]”
Vale salientar, ainda, que a Primeira Seção do STJ pacificou o entendimento no sentido de que a extinção do crédito tributário – e, consequentemente, o termo inicial do prazo para pleitear a restituição de tributo sujeito a lançamento por homologação – só ocorre após o transcurso do prazo de cinco anos contados da homologação expressa ou do prazo de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais cinco anos contados da data em que se deu a homologação tácita (cinco + cinco).
Partindo da exposição de Gustavo Miguez de Mello, ao analisar as efetivas mudanças introduzidas pela LC 118/2005, temos que, “ao admitir eficácia retroativa, abriria possibilidade de serem propostas milhares de ações rescisórias por parte da Fazenda Pública, no intuito de reaver os valores já repetidos ou compensados pelos contribuintes”.
Ademais, “a norma introduzida pela LC 118/2005, não é, em verdade, uma norma interpretativa, mas certamente uma norma produzida para atender aos interesses da Fazenda Pública, que contraria um princípio fundamental da República Federativa do Brasil que é a independência e harmonia entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, consagrado no art. 2º da CF”.
E ainda:
“Não se tratando de norma interpretativa, não há que se falar em retroatividade do art. 3º da LC n. 118, de 9-2-2005. Trata-se de norma primária, que inova no ordenamento jurídico e que somente pode ter eficácia prospectiva. Mesmo neste caso, pode-se desde logo antecipar o entendimento sobre a inconstitucionalidade da parte final do art. 4º da referida Lei Complementar – que determina a sua aplicação retroativa – por violação ao direito adquirido (art. 5º, XXXVI da Constituição Federal), visto que o direito à repetição do indébito é adquirido quando do recolhimento indevido.”
E conclui nos seguintes termos:
“Afastando-se o caráter interpretativo da norma inserida no art. 3º da LC n. 118, de 9-2-2005, e reconhecendo-se que o direito à restituição surge no momento do recolhimento indevido, os efeitos da nova disposição legal somente poderiam ser sentidos em relação a eventuais recolhimentos indevidos posteriores a 8-6-2005, ainda que pudessem ser negligenciados outros aspectos relativos à inconstitucionalidade da referida norma jurídica.”
Como se percebe, a tese dos cinco mais cinco é defendida pela doutrina majoritária com afinco quando se está diante de fato gerador ocorrido antes da vigência da LC 118/2005.
Nesse sentido, o professor Sacha Calmon Navarro Coêlho prega o mesmo entendimento já consolidado pela 1ª Seção do STJ, a saber:
“[…] nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, a extinção do crédito tributário ocorre pela homologação, expressa ou tácita, do pagamento. E o prazo para homologar, é de cinco anos, a contar do fato gerador, a teor do art. 150, §4º. (…) Como a Fazenda Pública nunca homologa expressamente, considera-se extinto o crédito tributário cinco anos após ocorrido seu fato gerador (homologação tácita). Assim sendo, o prazo de cinco anos para exercer o direito de pedir a restituição tem como dies a quo justamente o dies ad quem da Fazenda Pública para homologar o crédito restituendo.”
Ademais, no que tange a natureza aparentemente interpretativa da LC 118/2005, como bem lançado por Elton Luiz Bueno Cândido, “o legislador federal aproveitou-se do texto legal em questão para veicular norma aparentemente interpretativa em seu bojo, no seu art. 3º, ao qual foi conferido efeito retroativo pelo art. 4º da mesma lei, modificando regramento atinente à prescrição da ação de repetição de indébito tributário a ser manejada pelo contribuinte (Arts. 150, §1º, e 168, I, do CTN)”.
E citando o mesmo autor:
“De fato, publicada a lei em comento, vociferaram os doutrinadores contra esta, ressaltando o seu real objetivo: privilegiar o Poder Executivo (Fazenda Pública), reduzindo o prazo prescricional posto ante a pretensão do contribuinte lesado pelo adimplemento de indébito tributário, resguardando, de forma reflexa, a arrecadação tributária e, consequentemente, a busca incessante por superávits primários.”
Fica evidente, desta forma, que o legislador prejudicou manifestamente a interpretação até então consolidada no Superior Tribunal de Justiça, sendo que os arts. 3º e 4º da referida lei complementar foram alvo de uníssonas manifestações doutrinárias, que alegam interferência do Poder Legislativo no exercício da função jurisdicional, constitucionalmente atribuída ao Poder Judiciário (art. 2º, da CF/88).
Jamais o Poder Judiciário pode curvar-se às intenções da Fazenda Pública, que editou lei no claro propósito de se resguardar contra eventuais ações de repetição de indébito movidas pelos contribuintes, acarretando em evidente prejuízo ao aplicar interpretação divergente quanto ao termo inicial da contagem do prazo prescricional.
Advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção do Paraná, sob o n.º 46499, atuando em Maringá-PR e região, pós graduado em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná.
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