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A questão dos concursos para juiz e promotor

Pafraseando Pablo Neruda: O Executivo, o Judiciário e o
Ministério Público não são a pátria e criticar suas atuações
ou ser contrário a elas não é voltar-se contra a pátria. Atuar contra a
pátria é aceitar submissamente, calar ou defender coisas indefensáveis,
principalmente administrativamente.

Apesar da modificação das funções
jurídicas a partir de 1988, principalmente para Promotor, a forma de seleção de
juízes e promotores nada mudou. Utiliza um critério amador, sem regras
objetivas e previamente definidas, onde cada comissão cria meios mágicos, e até
trágicos, de se aferir a capacidade de cada candidato.
Uma mera prova de X, e algumas questões abertas, para definir a capacidade de
um jurista é totalmente ineficiente. Quanto à prova
oral é algo dogmático, sem nenhum critério. Alguns examinadores querem o quase
impossível: respostas boas para perguntas ruins. O excessivo
número de concursos que estão sendo abertos merecem uma atenção maior
por parte da sociedade. Se  o interesse fosse realmente melhorar a prestação
de serviço bastaria adotar um sistema de justiça on line, informatizando e interligando os dados e delegando
funções mecânicas, bem como investir na capacitação do pessoal já existente.

Criam-se cargos de juiz e promotor com
base em número de processos no acervo, o que estimula a parar de produzir para
acumular processos. Sendo que o ideal seria a criação de cargos por número de
habitantes, atualmente seria necessário  um juiz e promotor a cada 20.000
habitantes, mas se  a justiça fosse gerencial (delegação de funções
jurídicas para técnicos jurídicos) poderia ser um para cada 40.000. Cálculo
referente à área estadual e produzindo, no mínimo, cinco vezes mais.

O que preocupa é que muitos juristas
que participam das decisões de manter o sistema atual e
também de abrir novos concursos, possuem filhos ou parentes fazendo
concursos e,  outros são donos de cursinhos para concursos jurídicos. Ou
seja, a lei veda os mesmos de participarem da comissão de concurso, mas não os
proíbe de participarem da elaboração do edital, da escolha dos membros da banca
examinadora e da manifestação acerca da necessidade ou não de se fazer
concurso.  Estes concursos são conduzidos por pequenos grupos, sem uma
transparência da forma de correção e dos critérios utilizados, raramente permitem que juizes e promotores participem da banca
examinadora (99 % das vezes são apenas desembargadores e procuradores de
justiça), apesar do concurso não ser para desembargador e procurador, e sim,
para promotor e para juiz. Não prestam contas para a sociedade, não
disponibilizam acesso público às provas. E muitos levam as provas para a casa
para corrigir. Mas, não é tudo, a prova de títulos que deveria ter o condão de
avaliar toda a vida do candidato e é exigência constitucional,  é considerada
apenas classificatória. E muitos são aprovados com nota zero na prova de
títulos, contudo a Constituição não disse que a prova de títulos é uma prova de
segunda classe, até a colocou juntamente com as demais formas de avaliação.
Contudo, enquanto não se edita uma lei regulando os concursos para juiz e
promotor, quase tudo é possível, pois o poder do examinador é similar ao de
Deus, não há limites objetivos. O poder do examinador é tanto que torna-se impossível dizer que há corrupção ( não significa
que exista, mas já ocorreu no concurso para promotor em SP, em 2000), mas se
existir é quase impossível constatar, pois não há regras para a correção e nem
transparência.

Ainda que se defina
regras objetivas, dizer que alguém pode ser juiz ou promotor apenas porque
acertou umas respostinhas em um concurso é injusto. Senso de justiça é como
tino comercial, comprova-se pelos resultados, por isto a necessidade de
valorizar a prova de títulos como eliminatória. Atualmente, principalmente em
concurso para promotor, somente é aprovado quem tem dinheiro para pagar
cursinho na capital. Por isto, não há muito interesse em mudar o sistema, pois
enquanto as provinhas de X estiverem prevalecendo, lucram  procuradores de
justiça, desembargadores, promotores e juízes que dirigem ou ministram aulas em
cursinhos jurídicos. Sem concursos, não há cursinhos jurídicos permanentes.

O candidato aprovado não poderia
assumir o cargo de imediato. A aprovação no concurso daria o direito de frequentar a escola de formação
como aluno recebendo uma remuneração menor, apenas depois de formado e aprovado
é que assumiria o cargo. Da mesma forma que se faz na academia de polícia e nas
forças armadas.

Ficaria com a seguinte estrutura:

Prova de títulos: avaliaria toda a vida do candidato,
valeria  50% do total dos pontos distribuídos no concurso e seria
eliminatória em vez de classificatória;

Prova de conhecimentos: avaliaria o conhecimento atual do
candidato e confirmaria se absorveu o conteúdo da titulação. Valeria 50% dos
pontos distribuídos no concurso, ou seja, teria o mesmo peso da prova de
títulos.

Curso  de formação: Se aprovado e classificado nas provas
anteriores iniciaria o curso de formação como aluno. A aprovação para assumir o
cargo e a classsificação dependeria exclusivamente
das notas obtidas neste curso. Seria reprovado quem obtiver nota inferior a
60%.

Assim, os candidatos seriam avaliados
de modo mais completo, reduziria a importância dos cursinhos. E o candidato
teria que uma produção de titulação, de produção científica e laboral. E não somente ficar decorando conceitos em
cursinhos jurídicos.

Não precisamos de quantidade, e sim, de
qualidade. Acúmulo de processos não significa excesso de trabalho, e sim,
excesso de improdutividade, talvez não do profissional, mas da estrutura
administrativa. Um dos princípios constitucionais da  Administração
Pública é o da eficiência, e este deve aplicar também ao Poder Judiciário e
Ministério Público, ou seja, qualquer cidadão que se sentir prejudicado por
ineficiência destes órgãos deve processar os mesmos através de  ações de
obrigação de fazer, danos materiais e morais. Somente assim é que se verá modificações na administração destes órgãos.
Porém,  a dificuldade de se fazer qualquer mudança administrativa na área
jurídica é que os membros de cúpula não mudam rapidamente, permanecem por até
30 anos, então é preciso aguardar que se aposente ou faleça para que possamos
avançar um passo.

Mas o mundo transforma-se a cada cinco
anos. A única solução plausível é que  cargos de procurador de justiça ou
desembargador sejam ocupados por no máximo cinco anos, talvez através de
eleição interna de cada carreira, depois o eleito retorna ao cargo de origem ou
faz como nas Forças Armadas (vai para a reforma, reserva), o custo benefício
supera a despesa direta. Reduziria, assim,  até a possibilidade de se
criar grupos muito íntimos, o que permite conchavos permanentes de difícil
desmantelamento. No sistema proposto haveria uma democracia e alternância de
pessoas na cúpula. Atualmente, a estrutura administrativa jurídica é ditatorial
e aristocrática. Aliás, não existe uma estrutura de carreira jurídica, não se
avalia a produtividade, o aperfeiçoamento do profissional e não se
cria  gratificações para estimular a recapacitação.
Estranho, que somente respondem aos reclamos da sociedade com concursos e
pedidos de aumentos genéricos de salários. Na área jurídica estão implantando
uma espécie de comunismo, onde todos ganham igual independente da
produtividade, da qualidade, do aperfeiçoamento, da complexidade da função. Em
suma, as carreiras estão se estagnando e a nova geração se desestimulando.
Muitos contam com esta desestimulação para que o
atual sistema se mantenha. Muito difícil. Em que pese,
as carreiras de Promotor e Juiz serem distintas, possuem isonomia salarial e
uma estrutura similar, apesar de o Ministério Público ter avançado no caminho
da democracia ao implantar a escolha do Procurador Geral por eleição dos
membros da carreira, ambas precisam evoluir da estrutura que herdaram da época
imperial. Até hoje ainda tem jurista que acha que é rei ou Deus, a justiça
humana é bem diferente da divina. Inaceitável, em pleno século XXI, um jurista
acreditar que é rei ou Deus.

Por fim, neste momento, não precisamos
mais de concursos para juiz e promotor, e sim, de concursos para
administradores públicos, para administrarem o sistema jurídico, ou então
exigir que os juristas façam cursos nesta área. Pois, uma justiça cega não tem
visão administrativa.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

André Luís Alves de Melo

 

Mestre em Direito Público pela Unifran e Promotor de Justiça em Estrela do Sul MG, pesquisador jurídico

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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