A redução da maioridade no novo Código Civil e suas implicações nas legislações especiais, mormente no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na legislação previdenciária


Resumo: Estudo sistemático envolvendo o novo Código Civil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90), a Lei nº 8.112/90, Lei nº 8.213/91, Dec. nº 3.048/99, para se auferir as alterações e efeitos da redução da maioridade civil pelo “codex civilis” sobre a legislação previdenciária, mormente no que diz respeito à concessão dos benefícios previdenciários a dependentes.  


Palavras-chaves: Maioridade – Civil – Legislação – Previdenciária – Efeitos.


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Sumário: 1. Introdução 2. Mudanças na Legislação Previdenciária, compreendidas a partir de uma interpretação sistêmica com o Estatuto da Criança e do Adolescente, tudo à luz do novo Código Civil  2.1 Tutela e Guarda: seu regramento atual advindo das alterações promovidas pelo novo Código Civil acerca da redução maioridade civil   2.1.1 Tutela   2.1.2 Guarda  2.1.3 Síntese 3. Regime jurídico único e seu regramento 4. Conclusão.


1. Introdução


O novo Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, reduziu, em seu art. 5º, a maioridade civil de 21 (vinte e um) anos para 18 (dezoito) anos de idade.


A Lei nº 8.213/91 e o Dec. nº 3.048/99, ambos em seu art. 16, tratam da lista dos dependentes dos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), dentre eles filho ou irmão, não emancipados, de qualquer condição, enteado e menor tutelado equiparados a filho, menores de vinte e um anos, e ainda menor sob guarda.


O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90, em seu art. 36 traz a idade limite para a concessão da tutela, qual seja, 21 (vinte e um) anos incompletos. Por sua vez a guarda, a partir da análise do art. 2º conjugada com o art. 33 do mesmo normativo, se aplica a crianças (0 a 12 anos incompletos) e adolescentes (12 a 18 anos incompletos), nos termos da lei.


A Lei nº 8.112/90, que trata do regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e fundações públicas federais, tendo como pensionistas temporários, que interessam ao presente estudo, filhos ou enteados até 21 (vinte e um) anos de idade; menor sob guarda ou tutela até 21 (vinte e um) anos de idade; o irmão órfão até 21(vinte e um) anos de idade, que comprove dependência econômica do servidor; e, a pessoa designada que viva na dependência econômica do servidor até 21 (vinte e um) anos de idade.


Assim o presente estudo visa demonstrar o alcance e efeitos da redução da maioridade civil imposta pelo novo código civil sobre a legislação previdenciária, mormente a questão da concessão de benefícios a dependentes de segurados, quer pelo RGPS quer pelo Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e fundações públicas federais, e ainda sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.


2. Mudanças na Legislação Previdenciária, compreendidas a partir de uma interpretação sistêmica com o Estatuto da Criança e do Adolescente tudo à luz do novo Código Civil


Dentre os dependentes do Regime Geral da Previdência Social – RGPS temos o filho e o irmão, não emancipados, de qualquer condição, menor de vinte e um anos (art. 16 do Dec. nº 3.048/99 e art. 16 da Lei nº 8.213/91), sendo ainda que o §3º do citado artigo 16 do Dec.3.048/99 e o §2º do art. 16 da lei nº 8.213/91 equiparam o enteado e o menor tutelado a filho mediante declaração escrita do segurado, comprovada a dependência econômica desde que esteja sob tutela do segurado e não possua bens suficientes para o próprio sustento e educação.


Com relação ao filho, ao irmão e ao enteado, não há maiores problemas, prevalecendo o entendimento de que a idade limite para o recebimento do benefício, na qualidade de dependentes, deverá continuar a ser de 21(vinte e um) anos, pois a Lei nº 8.213/91 deve prevalecer perante o novo Código Civil, haja vista ser lei especial em relação ao mesmo, só podendo vir a ser modificada mediante nova lei de natureza previdenciária.


Ademais, o sobredito art. 16 não trata propriamente de maioridade civil e sim de idade limite para recebimento de benefício previdenciário, à qual o legislador achou por bem eleger como 21(vinte e um) anos, por achar mais condizente com as necessidades reais dos ditos dependentes quando da aplicação prática do citado dispositivo além de se tratar também de questão de política orçamentária. Embora possa até ter levado, em seu íntimo, no momento da feitura da lei, como parâmetro a então maioridade de 21 (vinte e um) anos do Código Civil de 1916, vigente à época, não há qualquer relação entre as normas, até mesmo porque surgidas em contextos e ramos do direito totalmente distintos.


Já com relação ao menor tutelado a questão não é tão simples assim, merecendo, portanto, maior depuração em seu estudo.


Antes de tudo, cumpre ressaltar que antes da edição da Medida Provisória nº 1.523/96, reeditada até a conversão na Lei nº 9.528/97, que alterou a redação do §2º do art. 16 da Lei nº 8.213/91, também o menor sob guarda, por determinação judicial, era previsto como equiparado a filho. Com a omissão dessa figura na nova redação do dispositivo legal, a autarquia passou a não mais aceitá-lo como dependente. Entretanto, em razão de algumas decisões judiciais determinando sua inclusão nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Tocantins, o INSS passou a aceitá-lo, disciplinando a matéria através da Instrução Normativa INSS/DC nº 64, de 31 de janeiro de 2002.[1]


Mas a pergunta é: E para a guarda e a tutela a idade limite para recebimento do benefício continuará também a ser de 21 (vinte e um) anos?


Para responder a essa questão teremos aqui que fazer uma interpretação sistemática envolvendo o novo Código Civil e o ECA em comparação com a legislação previdenciária.


2.1 Tutela e Guarda: seu regramento atual advindo das alterações promovidas pelo novo Código Civil acerca da redução maioridade civil.


2.1.1 Tutela


O novo Código Civil, ao reduzir a maioridade civil de 21 (vinte e um) para 18 (dezoito) anos (art.5º), acabou por também reduzir a idade limite para a tutela, uma vez que o dispositivo que trata da mesma no próprio codex (art. 1768) liga o instituto a “filhos menores”, assim como o fazia o Código Civil de 1916, o que fez com que houvesse a imediata redução.


Isso fez com que o art. 36, “caput”, do ECA, fosse parcialmente revogado e tivesse sua redação alterada de 21 (vinte e um) para 18 (dezoito) anos.


Observe-se que aqui a situação é totalmente diferente do que ocorreu no caso anterior, que tratava da idade limite do filho, irmão e enteado, para ser dependente, pois aqui não se trata tão só de idade limite para recebimento do benefício previdenciário, mas sim do próprio instituto da tutela que teve sua própria definição alterada pelo novo Código Civil.


2.1.2 Guarda


Já com relação à guarda, o ECA, desde sua publicação, previa a possibilidade de sua instituição tão somente para crianças (0 a 12 anos incompletos) e adolescentes (12 a 18 anos incompletos), nos termos do art. 2º c/c o art. 33, ambos do ECA.


Assim com relação à guarda não há o que se discutir uma vez que a idade limite para a concessão da guarda em sendo 18 (dezoito) anos coincide com a nova idade para atingimento da maioridade civil, que será também a mesma para a concessão do benefício previdenciário.


2.1.3 Síntese


Portanto, respondendo à questão objeto de nosso estudo, temos que hoje o benefício previdenciário concedido aos dependentes sob guarda ou tutela do beneficiário, que nos termos da legislação previdenciária são equiparados a filho, como já visto, só poderá ser concedido aos mesmos até completarem a idade de 18 (dezoito) anos.


3. Regime jurídico único e seu regramento


Adentrando ainda um pouco mais na legislação previdenciária iremos encontrar os beneficiários da Lei nº 8.112/90, que trata do regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e fundações públicas federais, tendo como pensionistas temporários, que interessam ao presente estudo, as pessoas elencadas no art. 17, II, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, quais sejam, respectivamente: filhos ou enteados até 21 (vinte e um) anos de idade; menor sob guarda ou tutela até 21 (vinte e um) anos de idade; o irmão órfão até 21(vinte e um) anos de idade, que comprove dependência econômica do servidor; e, a pessoa designada que viva na dependência econômica do servidor até 21 (vinte e um) anos de idade.


Aqui a solução deverá ser a mesma dada quando do tratamento dos beneficiários do RGPS, uma vez que o raciocínio a se aplicar é o mesmo anteriormente exposto.


Assim, com relação aos beneficiários das pensões elencados nas alíneas “a”, “c” e “d”, por ser a Lei nº 8.112/90 especial em relação ao novo Código Civil e não se basear em maioridade civil e sim em idade limite para a concessão do benefício, deverá aqui também prevalecer a idade limite de 21 (vinte e um) anos de idade.


Já com relação aos beneficiários das pensões elencados na alínea “b”, temos que, dada a definição de guarda constante do ECA e a sua não abordagem pelo novo Código Civil, e ainda a alteração ocorrida na definição da tutela advinda do novo Código Civil (art. 5º c/c art. 1.728), temos que nos ditos institutos, assim como atualmente conceituados, só poderão as pessoas neles enquadradas perceber a pensão até completarem 18(dezoito) anos de idade, ficando, portanto, parcialmente revogada a alínea “b” do art, 217, inciso I da Lei 8.112/90, devendo onde se lê “até 21(vinte e um) anos de idade”, passar-se a ler “até 18(dezoito) anos de idade”.


Poder-se-ía querer dizer ainda, com relação à guarda, que, por ser a Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, especial e posterior (embora em poucos meses) à Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA), a idade limite para o menor sob guarda receber seu benefício deveria ser a da Lei 8.112/90, ou seja, 21(vinte e um) anos de idade.


Isso seria um erro, pois embora ambas as leis sejam especiais e a Lei 8.112/90 seja posterior à Lei nº 8.609/90(ECA), a especificidade do ECA acaba por prevalecer pois regula justamente o próprio instituto da guarda em sua essência, pois lhe é matéria afeita. Por outro lado, a Lei 8.112/90 trata na realidade do regime jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e Fundações Públicas Federais, elencando aqueles beneficiários que fazem jus à pensão, tendo dentre essa lista o “menor sob guarda do servidor”.


Assim a Lei 8.112/90 tão somente diz quem tem direito ao benefício, no presente caso o menor sob guarda do servidor, mas para concedê-lo terá que observar antes de tudo o que a legislação específica define como guarda, o que é feito tão somente pelo ECA já que o novo Código Civil foi omisso nesse ponto.


4. Conclusão  


Donde se conclui que tanto para os beneficiários do Regime Geral da Previdência Social – RGPS como para os regulados pela Lei nº 8.112/90, que trata do regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e fundações públicas federais, o raciocínio a se aplicar deverá ser o mesmo.


Assim quer em um regime quer em outro filho ou irmão, não emancipados, de qualquer condição, enteado equiparado a filho, assim como o irmão órfão, que comprove dependência econômica do servidor e, a pessoa designada que viva na dependência econômica do servidor, todos eles farão jus aos benefícios previdenciários, na qualidade de dependentes até o atingimento dos 21 (vinte e um) anos de idade.


Já com relação ao menor tutelado equiparado a filho, ou simplesmente menor sob tutela, e ao menor sob guarda, farão os mesmos jus aos ditos benefícios tão somente até a idade limite de 18 (dezoito) anos.




Nota:

[1] GONÇALVES, Ionas Deda.Direito previdenciário (Coleção Curso & Concursos).1ª ed., São Paulo – SP, Saraiva, 2005, pág. 61.

Informações Sobre o Autor

Thales Pontes Batista

Advogado, Especialista em Direito do Consumidor, Especialista em Direito Imobiliário, Registral e Notarial, Membro da Comissão de Defesa do Consumidor – OAB/CE


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Equipe Âmbito Jurídico

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