A reinserção social pelo trabalho

Sumário: 1.Introdução – 2.Sistema penitenciário falho – 3. Projeto Aldeia da Cidadania – 4.Dificuldades encontradas antes e depois da sentença penal condenatória – 5.Progressão de regime – 6.Reabilitação através do trabalho – 7.Conclusões finais – 8.Referências bibliográficas.

Resumo: As normas penais devem ser acompanhadas de sanções, mas também da necessidade da reinserção social do condenado. O sistema penitenciário brasileiro é demasiadamente frágil, tanto pela falha do atendimento às necessidades básicas do detento, quanto pelo despreparo dos agentes penitenciários, o que mostra a necessidade de repensá-lo com urgência. O Projeto Aldeia da Cidadania, implantado na Comarca de Uberlândia mostra outras vias de cumprimento da sentença penal condenatória, que abrange tanto a privação de liberdade quanto a idéia de ressocialização. As dificuldades por que passam os sentenciados penais são verificadas antes, durante e depois da condenação. É necessário que a reabilitação passe por um processo, o que deve ocorrer através da progressão de regime, do mais rigoroso até a permissibilidade do retorno à convivência em sociedade. A idéia de reabilitação do sentenciado através de projetos laborais passa por um fortalecimento da cidadania, no qual ganha tanto o sentenciado quanto a própria sociedade.

Palavras chaves: sistema penitenciário, reinserção social pelo trabalho.

1 – Introdução

A norma jurídica é composta por duas partes, o preceito e a sanção. O preceito indica o que devemos ou não fazer; a sanção é a pena imposta quando a norma é violada. A sanção então assegura a coercibilidade do ordenamento jurídico.

O direito penal tem a necessidade de sanções ampliadas, pois possui os mais

graves prejuízos à sociedade, e assim, deve ter penas mais relevantes.

O que por vezes fica esquecido é que a necessidade de punir deve vir junto com a necessidade de ressocializar, pois apenas com sanções o indivíduo criminalmente sentenciado, após cumprir a pena imposta, provavelmente continuará inapto a conviver em sociedade.

Uma análise objetiva do sistema penitenciário brasileiro nos mostra a evidente fragilidade do mesmo, é uma problemática enraizada e que causa conseqüências lastimáveis para a sociedade como um todo, necessitando assim de uma busca urgente por soluções.

O tema, sempre atual, reclama não a mera reflexão, mas esta seguida de atitudes perspicazes, para que assim ocorra uma melhora necessária.

O fim educativo e de ressocialização da prisão surgiu na Holanda, no final do século XVI, e até hoje vem sendo discutido de forma superficial, sem a devida análise dos fatores que gerariam resultados reais e não mero idealismo de alguns ou mesmo descaso de outros.

2- Sistema penitenciário falho

Hoje o sistema penitenciário não consegue conter a criminalidade, nem reabilitar o preso. É preciso fazer uma análise das conseqüências que o cárcere gera ao sentenciado e as causas determinantes de sua ineficácia na contenção da criminalidade. O sistema sanciona o delito crendo na sua função social de manter o condenado, supostamente periculoso, visto que nem sempre o é, distante do convívio em sociedade, mas não percebe que, não raro, este sistema punitivo, apresentado desta forma, faz imperar o silêncio de uma sociedade que acaba por se tornar vítima de seu próprio descaso.

Os maiores problemas ocorrem pela forma que o sentenciado cumpre a pena, isolado, sem nenhuma observação das necessidades básicas (que são teoricamente tuteladas pelo Estado através da Lei de Execuções Penais), com prejuízo até mesmo da sobrevivência de seus familiares(já que não trabalha para prover o seu sustento e o de seus dependentes), além do despreparo dos agentes para tal trabalho, o que acaba gerando medo e até revolta devido ao tão notável abuso de poder.

3 – Projeto Aldeia da Cidadania

Um projeto de ressocialização dos condenados através do trabalho durante o período de cumprimento da pena privativa de liberdade tem se apresentado como uma possível solução, como nos mostra o Projeto Aldeia da Cidadania, instaurado na Comarca de Uberlândia, no qual os sentenciados são encaminhados  a uma fazenda, denominada FERUB, onde trabalham durante a semana, como forma de cumprir a pena imposta e, quinzenalmente, passam o fim de semana com seus familiares,e assim, a reinserção se dá de forma progressiva, o que já mostra a eficácia desta forma de cumprimento de pena a qual abrange a privação da liberdade com um fim social que gera resultados que merecem ser verificados e analisados para que o cárcere tenha por fim reabilitar indivíduos para que voltem a conviver em sociedade de forma lícita, o que só é possível quando assegurados, durante o cumprimento da sentença criminal, os princípios garantidos pela Constituição Federal de 1988, e pelas disposições do Código Penal e da Lei de Execuções Penais.

4 – Dificuldades encontradas antes e depois da sentença penal condenatória

A população pré-egressa é composta por uma população de jovens adultos em situação de espera entre escolaridade e trabalho, e após o cumprimento da pena, esta população carrega consigo também esta realidade, com uma agravante, uma dupla exclusão. Dessa análise do antes e depois da passagem pelo sistema penitenciário verifica-se que o foco que se dá aos delitos e aos seus agentes é errôneo, uma vez que a mera punibilidade sem um instrumento de recuperação e abertura de novas possibilidades é totalmente falho, além de não cumprir com a função primordial do direito, que não é a mera punibilidade, mas sim, “assegurar a paz infra-estatal e uma distribuição de bens minimamente justa”.[1]

Dentro do sistema carcerário o que temos é um ambiente de degradação marcado pela superlotação, pela ociosidade, e pela violência. O egresso do sistema prisional, na retomada de sua liberdade e do convívio na sociedade, tem como dificuldades além do estigma do cárcere, a falta de qualificação profissional e o baixo nível de escolaridade, o que torna a busca por um trabalho uma grande luta, tornando-se muitas vezes um fator de desesperança e angústia que acaba o fazendo acreditar que não lhe resta outra opção que não o retorno à criminalidade.

5 – Progressão de regime

Há a necessidade de um processo que se inicie dentro do período de cumprimento da sentença penal condenatória em regime mais rigoroso, que seria o fechado, com delegação, inicialmente, de trabalhos internos aos detentos, passando, se cumpridos os requisitos objetivo e subjetivo, segundo disposição da LEP, para um regime menos rigoroso de cumprimento de pena, que seria o semi-aberto, com autorização de trabalho externo em projetos mantidos pelo próprio sistema penitenciário, ou ainda, através de proposta de emprego, visto que ainda há alguns cidadãos dispostos a dar oportunidades para aqueles que mais precisam, para que assim, quando chegar ao estágio do regime aberto ou livramento condicional, o sentenciado possa estar disposto e em condições de se manter dentro dos parâmetros da legalidade.

6 – Reabilitação através do trabalho

A idéia de reabilitação do sentenciado através de projetos laborais passa por um fortalecimento da cidadania, no qual ganha, por um lado o sentenciado, e por outro, a própria sociedade, já que com esta oportunidade se pode acreditar na redução da reincidência, e assim, dos níveis de criminalidade.

Segundo Claus Roxin “o que a sociedade faz para o delinqüente também é o mais proveitoso para ela”¹, então, com base nisso, percebe-se a necessidade de uma política de intervenção laboral dentro dos estabelecimentos penitenciários, para que a sociedade colabore de forma prática com a reinserção social dos sentenciados

Já Michel Foucault em sua obra Vigiar e punir, relacionava o trabalho com a reinserção social do egresso do sistema penitenciário. O autor teoriza que,

 “a ordem que deve reinar nas cadeias pode contribuir fortemente para regenerar os condenados, quando os vícios da educação, o contágio dos maus exemplos, a ociosidade… originaram crimes. Pois bem, tentemos fechar todas essas fontes de corrupção: que sejam praticadas regras de sã moral nas casas de detenção, que, obrigados a um trabalho de que terminarão gostando, quando dele recolherem o fruto, os condenados contraiam o hábito, o gosto e a necessidade da ocupação, que se dêem respectivamente o exemplo de uma vida laboriosa; ela logo se tornará uma vida pura, logo começarão a lamentar o passado, primeiro sinal avançado de amor pelo dever”.  (FOUCAULT, Michel, 1987).[2]

Cabe ao Estado, através do cumprimento da LEP – Lei nº 7210 de 11/07/84, criar condições favoráveis, de forma articulada à rede social, a auxiliar estes condenados, enfatizando o esforço no sentido de escutá-lo, orientá-lo e acompanhá-lo, obviamente com programas diversos de ratificação desta desigualdade social enfrentada antes do delito e reforçada após o cumprimento da pena. Isto levará à compreensão da dinâmica da violência e preparação de um melhor ambiente com melhores estratégias para prevenção e tratamento do conflito e sofrimento humanos, para fortalecimento e reparação pessoal daqueles duplamente apenados, pois o são primeiro pela própria sociedade, e depois pelo Estado através do sistema judiciário, para reafirmação, junto a eles, de valores éticos e morais e da necessidade de estabelecimento de um “pacto social” como condição indispensável para vivência em comunidade, garantia de direitos e valorização da vida. Nesta “função” estatal de proteção a estes indivíduos, destaca-se a importância de criar condições para que o mercado de trabalho recepcione esta mão- de- obra.

É preciso que se mude o caminho para que seja alterado o resultado. E na busca por uma sociedade melhor é preciso que se pense em todos os cidadãos, inclusive naqueles que erraram com as pessoas, o sistema, e o próprio Estado, através do cometimento de delitos, mas que ao voltarem para  a vida em sociedade, fora das grades do cárcere, desejam e precisam de novas possibilidades, é preciso dar um “voto de confiança” e oportunidade a quem tem o intuito de mudar, de se fazer melhor, para que assim se possa acreditar em uma sociedade mais humana e mais justa.

7 – Conclusões finais

A condenação penal deve ter por fim a transformação do sentenciado, o que deve ser feito através de inúmeras medidas de correção, mas principalmente, através do trabalho, pois este “não deve ser considerado como o complemento e, por assim dizer, como uma agravação da pena, mas sim como uma suavização cuja privação seria totalmente possível. Deve permitir aprender ou praticar um ofício, e dar recursos ao detento e a sua família: Todo condenado de direito comum é obrigado ao trabalho…Nenhum pode ser obrigado a permanecer desocupado”[3]

 

Referências bibliográficas:
FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.
ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de Direito Penal. 3. ed. Lisboa: Vega, 1998.
Disponível em <http://www.direitonet.com.br>, acessado em 23/01/2007.
Notas:
[1] ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de Direito Penal. 3. ed. Lisboa: Vega, 1998.
[2] FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.
[3] FOCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Thais Caroline Mallmann

 

Bacharel em Direito

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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