RESUMO: O sistema normativo constitucional brasileiro é composto por um conjunto de normas e princípios que formam um todo harmônico e em mesmo grau de hierarquia. Os princípios são normas que possuem alto grau de abstração e se caracterizam por permitirem uma otimização, uma aplicação na medida do possível. Já as regras são normas que se caracterizam pelo baixo grau de abstração e por serem aplicadas na fórmula do “tudo ou nada”. Ambos possuem, por força do art. 5º, §1º da Constituição Federal, aplicação imediata, ainda que algumas vezes necessitem de norma infraconstitucional que os regulamente. Soma-se a isso que a aplicação se dá tanto nas relações entre o Poder Público e os indivíduos, como nas relações puramente privadas. Por se tratar de normas com o mesmo nível hierárquico, não raros casos o operador do Direito se depara com situações onde ocorrem colisões de normas de Direitos Fundamentais, devendo-se verificar se trata de conflito entre normas, normas e princípios ou entre princípios. As duas primeiras hipóteses já estão pacificadas na doutrina e jurisprudência, sendo aplicado os critérios da antinomia, no primeiro caso e a predominância dos princípios no segundo caso. Quanto ao conflito de princípios, a doutrina aponta como modelos para solução. No entanto, em ambos modelos prevalece o princípio da ponderação.
Palavras-chave: Conflito de direitos fundamentais, princípios fundamentais, princípio da ponderação.
Sumário: 1 Introdução. 2 Do sistema normativo constitucional. 3 Aplicabilidade e eficácia das normas de Direitos Fundamentais. 4 Conflitos de Direitos Fundamentais. 4.1 Princípio da Ponderação ou da Proporcionalidade. 4.2 Posicionamento jurisprudencial na solução de conflitos. 5 Considerações Finais. 6 Referências Bibliográficas.
1 Introdução
O presente trabalho versa sobre a resolução dos conflitos de Direitos Fundamentais Constitucionais. Tal tema tem sido enfrentado modernamente pelos aplicadores do Direito, mormente quando da libertação da doutrina do positivismo jurídico e do entendimento pela doutrina e jurisprudência, de que os princípios não são meros balizadores para a interpretação legislativa, mas sim, constituem verdadeiras normas jurídicas e possuem a mesma força normativa que as regras.
Através de pesquisas aplicadas, qualitativas, exploratórias, bibliográficas e jurisprudenciais, a questão principal deste trabalho é enfrentada de modo a buscar meios de resolução para esse conflito de direitos fundamentais, com o intuito de perseguir o maior grau de equilíbrio das relações, com o menor grau de restrições de direitos. Para tanto, em primeiro lugar cuida-se de traçar algumas linhas acerca do sistema normativo constitucional brasileiro, após analisa-se a aplicabilidade e eficácia das normas de direitos fundamentais, para após estudar os conflitos em si, e de acordo com seu tipo, delimitar soluções baseadas em doutrina e jurisprudência. Por último são feitas análises de julgados, para se demonstrar a aplicação das soluções apontadas na prática.
Por se tratar de uma nova visão do Direito, o assunto apresenta grande importância para a busca da justiça entre as relações jurídicas, quer de Direito Público ou de Direito Privado. Não são raros os casos em que o julgador se depara com casos em que deve equilibrar dois ou mais direitos fundamentais que estão em colisão.
Dessa forma, esse estudo cumpre sua função de modestamente elucidar alguns tópicos do assunto, trazendo linhas gerais sobre o tema ainda tão pouco explorado nos bancos acadêmicos e na prática jurídica.
2 Do sistema normativo constitucional
A Constituição brasileira é o sistema jurídico basilar do Estado, o qual todas as demais normas devem obedecer.
O sistema normativo constitucional é composto por regras e princípios, ambos em mesmo nível hierárquico e de mesma importância, possuindo igual força normativa. Assim, embora haja normas com mais ou menos densidade e poder de concretização no texto constitucional, não se pode afirmar que umas se sobrepõem as outras, haja vista a harmonização e unicidade da Carta Magna. Nas palavras de Celso Bastos,
“[…] as Constituições não são conglomerados caóticos e desestruturados de normas que guardam entre si o mesmo grau de importância. Pelo contrário, elas se afiguram entre si num todo, sem embargo de manter uma unidade hierárquica-normativa, é dizer: todas as normas apresentam o mesmo nível hierárquico”.[1]
Os critérios para diferenciação entre regras e princípios apontados pela doutrina são inúmeros, com ênfase aos critérios da abstração ou generalidade e o da aplicabilidade.
O primeiro critério leva em consideração o grau de abstração, onde os princípios são normas com alto grau de abstração, enquanto as regras têm grau de abstração relativamente baixo.
Já o segundo critério acentua a aplicabilidade, isto é, que os princípios necessitariam de medidas para sua aplicação, enquanto as regras têm aplicação imediata.
Dessa forma, os princípios permitem uma otimização, ordenam a realização de determinado direito na medida do possível. Dão liberdade para várias condutas de modo a atingir o objetivo final. Por outro lado, as regras devem ser cumpridas tais como previstas, na forma do tudo ou nada, ou seja, ou se aplicam ao caso concreto integralmente ou não. Não podem ser relativizada ou diminuída sua incidência, ou ainda afastada momentaneamente. Ou são válidas e devem ser aplicadas ou são inválidas e devem ser excluídas do ordenamento jurídico.
3 Aplicabilidade e eficácia das normas de Direitos Fundamentais
Segundo o art. 5º, §1º da Constituição Federal, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata”. Esta foi uma inovação da Constituinte de 1988, cujo intuito era que os Direitos Fundamentais não fossem esquecidos como um simples rol na Carta.
Entretanto, esta regra comporta exceções, haja vista a grande variedade de normas que não são completas em si mesmas, necessitando serem aperfeiçoadas pela legislação infraconstituicional. Um exemplo é o que reza no inciso XIII do próprio art. 5º: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Nas palavras de Canotilho[2],
“Lembremos, de novo, que se esta idéia de aplicabilidade directa significa uma normatividade qualificada, nem sempre os direitos, liberdades e garantias dispensam a concretização através de entidades legiferantes, Por outras palavras: a aplicabilidade directa das normas consagradoras de direitos, liberdades e garantias não implica sempre, de forma automática, a transformação destes em direitos subjetivos, concretos e definitivos.”
Quanto à eficácia, podemos classificá-la em vertical e horizontal. A primeira refere-se ao objetivo inicial da criação dos Direitos Fundamentais, que é proteger o homem dos excessos do Estado. Inúmeros são os casos na jurisprudência de julgamento a favor do particular contra os desígnios do Estado. Para citar alguns exemplos:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO 20.098/99, DO DISTRITO FEDERAL. LIBERDADE DE REUNIÃO E DE MANIFESTAÇÃO PÚBLICA. LIMITAÇÕES. OFENSA AO ART. 5º, XVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. I. A liberdade de reunião e de associação para fins lícitos constitui uma das mais importantes conquistas da civilização, enquanto fundamento das modernas democracias políticas. II. A restrição ao direito de reunião estabelecida pelo Decreto distrital 20.098/99, a toda evidência, mostra-se inadequada, desnecessária e desproporcional quando confrontada com a vontade da Constituição (Wille zur Verfassung). III. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do Decreto distrital 20.098/99”.[3]
“RECURSO ADMINISTRATIVO – DEPÓSITO – §§ 1º E 2º DO ARTIGO 126 DA LEI Nº 8.213/1991 – INCONSTITUCIONALIDADE. A garantia constitucional da ampla defesa afasta a exigência do depósito como pressuposto de admissibilidade de recurso administrativo”.[4]
Quanto à eficácia horizontal, pode-se defini-la como aquela que se dá nas relações privadas. Nesse sentido, segundo Pedro Lenza[5], as normas de Direitos Fundamentais podem ter duas formas de eficácia: direta ou indireta.
A eficácia direta ou imediata diz respeito àquelas normas que podem ser aplicadas às relações privadas automaticamente, sem a aplicação de outra norma que assim determine.
De outra banda, a eficácia indireta ou mediata refere-se às normas aplicadas de maneira reflexa, quer na dimensão proibitiva, onde se proíbe o legislador de editar leis que violem os preceitos fundamentais, quer na esfera positiva, onde o legislador deve criar leis que implementem os Direitos Fundamentais, e determinando quais devam ser aplicadas nas relações particulares.
Notável verificar que a jurisprudência já está se deparando com casos de aplicação da eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais, ou seja, sua aplicação em relações privadas, conforme podemos notar nas ementas a seguir:
“INDENIZAÇÃO. Responsabilidade civil. Lei de Imprensa. Dano moral. Publicação de notícia inverídica, ofensiva à honra e à boa fama da vítima. Ato ilícito absoluto. Responsabilidade civil da empresa jornalística. Limitação da verba devida, nos termos do art. 52 da lei 5.250/67. Inadmissibilidade. Norma não recebida pelo ordenamento jurídico vigente. Interpretação do art. 5º, IV, V, IX, X, XIII e XIV, e art. 220, caput e § 1º, da CF de 1988. Recurso extraordinário improvido. Toda limitação, prévia e abstrata, ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela atual Constituição da República. Por isso, já não vige o disposto no art. 52 da Lei de Imprensa, o qual não foi recebido pelo ordenamento jurídico vigente”.[6]
“SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados […]”.[7]
Forçoso, portanto, verificar que o magistrado, ao julgar causas nesses termos depara-se com uma colisão de Direitos Fundamentais e deverá agir da maneira mais adequada de modo a garantir a máxima eficiência dos direitos em questão.
4 Conflitos de Direitos Fundamentais
Como se verificou anteriormente, há casos em que não há harmonização de interesses constitucionalmente protegidos, pois representam os mais diferentes anseios sociais.
Entretanto, para a correta aplicação do justo, deve-se primeiramente verificar se o conflito em questão se dá entre regras, entre regras e princípios ou entre princípios.
No caso de conflitos de regras, onde duas regras juridicamente válidas levam a caminhos contraditórios, a resolução se dá no plano da validade, ou seja, em caso de antinomia há critérios clássicos para averiguação de qual regra aplicar. São eles: critério cronológico, onde a lei posterior derroga a anterior; critério hierárquico, onde a lei superior derroga a inferior e o critério da especialidade, onde a lei especial derroga a lei geral.
Dessa forma, aplicando um dos três critérios na forma do tudo ou nada e assim poderá obter-se a regra válida.
Ainda segundo Alexy[8],
“[…] é possível afirmar que um conflito entre regras somente pode ser resolvido se for introduzida uma cláusula de exceção em uma das regras conflitantes, na intenção de remover o conflito. […] Não sendo possível semelhante solução, pelo menos uma das regras deverá ser declarada nula, restando eliminada do ordenamento jurídico”.
Quando há conflito entre regras e princípios, também já é pacífica a prevalência dos princípios, uma vez que os estes são normas de caráter geral e fundamental e as aquelas não têm esse caráter generalista.
Contudo, cabe salientar que em alguns casos muito específicos, as regas devem ser aplicadas em detrimento dos princípios justamente pela sua especificidade.
Quanto à colisão de princípios[9], eis que se torna mais complicada a resolução, pois não se trata de simplesmente afastar um deles para a aplicação de outro, tampouco a regra da antinomia pode ser aplicada. Conforme diz George Lima,
“Ademais, o simples fato de os princípios constituírem um sistema aberto, ou seja, permitirem uma compreensão fluida e plástica, já insinua (ou subentende-se) que podem existir fenômenos de tensão entre esses princípios componentes dessa dinâmica ordem sistêmica.”[10]
Destarte, a colisão de princípios não se resolve no plano da validade, mas sim no campo valorativo, ou nas palavras de Cristóvam, [11]
“Não se pode aceitar que um princípio reconhecido no ordenamento constitucional possa ser declarado inválido, por que não aplicável a uma situação específica. Ele apenas recua frente ao maior peso, naquele caso, de outro princípio também reconhecido pela Constituição.”
A doutrina desenvolveu dois modelos de soluções para essa colisão. O primeiro é o da concordância prática, criado por Hesse e o segundo é o modelo de Dworkin, que analisa a dimensão de peso e importância.
Pelo modelo da concordância prática ou da harmonização, os princípios deverão ser harmonizados no caso concreto, por meio da ponderação, com intuito de preservar o máximo os direitos envolvidos, sem afastar sua aplicabilidade concreta em outros casos. Busca-se, por essa teoria, a otimização entre os princípios conflitantes, de modo que se equilibrem os interesses colidentes. Segundo Ingo Sarlet[12],
“[…] cuida-se de processo de ponderação no qual não se trata da atribuição de uma prevalência absoluta de um valor sobre o outro, mas sim, na tentativa de aplicação simultânea e compatibilizada de normas, ainda que no caso concreto se torne necessária a atenuação de uma delas”.
Quando não é possível a utilização do critério acima descrito, passa-se a aplicação da dimensão de peso e importância. Por esse critério, os princípios possuem uma dimensão de peso e importância. Dessa forma ao se deparar com princípios antagônicos, o aplicador do Direito deverá levar em consideração o peso que cada qual apresenta. Para Dworkin, que concebeu esse modelo, ao dimensionar o peso e a importância dos princípios, apenas uma resposta correta apareceria.
No que pese os dois modelos apresentarem algumas peculiaridades, ambos possuem em comum a medida da proporcionalidade ou da ponderação como parâmetro para a correta aplicação do Direito no caso concreto, pois a tensão apenas se resolverá pela análise do jurista dos interesses em voga, determinado, objetiva e subjetivamente, qual deles deverá prevalecer.
4.1 Princípio da ponderação ou da proporcionalidade
O principio da ponderação ou da proporcionalidade surgiu como uma forma de defesa do indivíduo contra os arbítrios do rei, na passagem do Estado Absolutista para o Estado Liberal. Assim, a ponderação apareceu como freios aos ditames do governo, rezando que os meios deviam se adequar aos fins que pretendiam alcançar.
Este princípio é constituído de três subprincípios, que são, a adequação, a necessidade e a ponderação ou proporcionalidade em sentido estrito.
O subprincípio da adequação fala que as medidas restritivas adotadas devem ser apropriadas para o alcance da finalidade ao qual o princípio se propôs.
Já o subprincípio da necessidade prevê que a solução tomada pelo operador do Direito deve ser aquela que menos prejuízos cause aos envolvidos e a coletividade, Deve-se fazer o mais com o menos de restrição aos princípios fundamentais.
Por sua vez, o subprincípio da ponderação ou da proporcionalidade em sentido estrito prega que os princípios fundamentais devem ser analisados dentro do contexto no qual se colidem, obtendo por meios objetivos e subjetivos, uma decisão de resultado satisfatório, onde o direito limitado de fato seja menos oneroso do que o direito que prepondera.
Destarte, por esse subprincípio, o grau de satisfação e efetividade que a decisão tornou preponderante deve atender ao nível de afetação e afronta ao princípio atenuado, de tal forma que quanto maior a atenuação, maior deva ser a satisfação que o direito preponderante deva trazer.
4.2 Posicionamento jurisprudencial na solução de conflitos
Podemos analisar nas ementas abaixo citadas como a Jurisprudência pátria vem adotando o princípio da ponderação e os métodos para a solução dos conflitos de direitos fundamentais.
“MEIO AMBIENTE – DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) – PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE – DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE – NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS – ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º, III) – ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE – MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI – SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL – RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) – COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO ENTRE VALORES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES – OS DIREITOS BÁSICOS DA PESSOA HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES (FASES OU DIMENSÕES) DE DIREITOS (RTJ 164/158, 160-161) – A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE: UMA LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À ATIVIDADE ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI) […] A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE […] A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA […]”[13]
Nota-se que na decisão acima o Pleno do STF, ao ponderar os interesses da coletividade por um meio ambiente ecologicamente equilibrado e os interesses econômicos envolvidos optou por sacrificar o direito fundamental a livre atividade econômica, para preservar o direito difuso a qualidade de vida e do meio ambiente.
“APELAÇÃO CÍVEL. LEI DE IMPRENSA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROGRAMA DE RÁDIO. ACUSAÇÕES DIRIGIDAS A UM GRUPO DE FUNCIONÁRIOS EM CARGOS DE COMISSÃO DE PREFEITURA. NÃO IDENTIFICAÇÃO PESSOAL DA AUTORA. Hipótese em que não restaram demonstrados os danos morais alegados pela autora. Inexistência de nexo causal entre a conduta do radialista e os danos supostamente sofridos, pois não houve ofensa direta à autora. Conflito dos princípios fundamentais da liberdade de expressão e da inviolabilidade da imagem da pessoa que deve ser sanado através do princípio da proporcionalidade. Sentença mantida. APELAÇÃO DESPROVIDA”[14] (Grifo não constante no original).
Nesta ementa nota-se que a apelante postulava indenização por danos morais sofridos em virtude de declaração dada em entrevista numa rádio, contrastando o princípio da liberdade de expressão com o da inviolabilidade da pessoa. No entanto, aplicando o princípio da proporcionalidade, não ficou configurado o nexo causal, afastando a possibilidade de reparação.
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FORNECIMENTO DE REMÉDIO. DOENÇA GRAVE. ACÓRDÃO FUNDADO EM PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DO APELO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA.[…]4. Nesse sentido, destaco do julgado impugnado (fls. 158/159): No caso concreto, é possível que a criança tenha direito a receber tutela jurisdicional favorável a seu interesse, com fundamento em princípios contidos na Lei Maior, ainda que nenhuma regra infraconstitucional vigente apresente solução para o caso. Para a solução desse tipo de caso, denominado por R. Dworkin como “hard case” (caso difícil), não se deve utilizar argumentos de natureza política, mas apenas argumentos de princípio. O pedido de fornecimento do medicamento à menor (direito a prestações estatais stricto sensu – direitos sociais fundamentais), traduz–se, in casu, no conflito de princípios: de um lado, os da dignidade humana, de proteção ao menor, do direito à saúde, da assistência social e da solidariedade e, de outro, os princípios democráticos e da separação dos Poderes. A concretização das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma (do seu enunciado) para uma norma concreta – norma jurídica – que, por sua vez, será um resultado intermediário em direção à norma decisão (resultado final da concretização). (J.J Gomes Canotilho e F. Müller). Pelo modelo síntese de ponderação de princípios (Alexy), o extremo benefício que a determinação judicial para fornecimento do medicamento proporciona à menor faz com que os princípios constitucionais da solidariedade, da dignidade humana, de proteção à saúde e a criança prevaleçam em face dos princípios democrático e da separação de poderes, minimamente atingidos no caso concreto.[…]”[15]
Neste julgado, o STJ se deparou com um caso de colisão entre os princípios da dignidade da pessoa humana, do direito à saúde, da proteção ao menor, em face do princípio da separação dos poderes, principalmente na ingerência do Poder Judiciário ao Poder Executivo. Entendeu corretamente a 1º Turma ao ponderar os princípios envolvidos e garantir a menor o medicamento imprescindível para sua sobrevivência.
5 Considerações Finais
O Direito, como uma ciência que acompanha as mudanças experimentadas na sociedade, também vive em constante transformação. Alguns paradigmas antigos estão sendo modificados, de modo a dar maior flexibilidade à letra fria da lei. A doutrina positivista pura, por exemplo, vem cedendo cada vez mais espaço para interpretações que não levam somente em conta as regras contidas nos textos legais, abrindo espaço para uma análise sistemática do sistema jurídico como um corpo único e harmônico.
Neste ponto, reconhecendo a força normativa dos princípios constitucionais, que assim como as regras, possuem a mesma hierarquia, não raras vezes o jurista se depara com situações de conflitos de normas, mormente aquelas de direitos fundamentais, tão básicas e tão necessárias para a manutenção de um Estado Democrático de Direito.
Dessa forma, o presente trabalho é de grande importância, pois traz à luz dos estudos jurídicos um tema que está a recém evoluindo perante o Direito pátrio, mormente quanto aos conflitos de princípios fundamentais constitucionais, que embora de grande relevância, ainda é pouco explorado nos bancos acadêmicos.
Conforme já afirmado acima, a Constituição brasileira é composta por regras e princípios, e estes permitem uma otimização do direito, dando ensejo a várias condutas para a consecução do fim desejado.
Embora com esse caráter mais flexível, os princípios, assim como as regras de direitos fundamentais, devem ter aplicação imediata, embora em algumas circunstâncias careçam de uma norma infraconstitucional que os regulamente.
Destarte, não obstante serem normas de igual importância, em alguns casos há colisões de interesses e direitos, que devem ser resolvidos de acordo com o tipo de normas envolvidas.
Em se tratando de princípios, o assunto se mostra ainda nebuloso, apontando a doutrina para duas soluções: a concordância prática, de Hesse; e a análise de dimensão de peso e importância, de Dworkin.
Embora cada qual possua suas peculiaridades, estudadas ao longo deste trabalho, ambos os modelos apresentados chegam a idéia básica que o conflito somente poderá ser resolvido de maneira mais justa com a aplicação do princípio da ponderação.
Eis então a grande importância do aplicador do Direito. Ele deve ponderar os princípios colidentes de acordo com aspectos objetivos, usando-se de técnicas de argumentação jurídica, assim como deve ponderar também os impactos causados por sua decisão no caso concreto. De muita valia é sua visão subjetiva e crítica dos interesses em questão, haja vista que, não obstante deva o operador do direito ser o mais imparcial possível, não se deve deixar de lado sua humanidade e seus conhecimentos empíricos, que dão justiça as decisões tomadas.
Assim, em suma, o conflito de direitos fundamentais somente pode ser resolvido no caso concreto, sendo de máxima valia o estudo das situações fáticas e os impactos causados pela prevalência de um deles.
De maneira alguma se afasta a aplicabilidade do princípio vencido do ordenamento jurídico. Este, como mandamento de otimização, continua válido e aplicável aos demais casos.
A solução mais adequada, portanto, prescinde da técnica, do conhecimento e da ponderação do operador do Direito, na busca constante e máxima da Justiça.
Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande. Especialista em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura Federal em convênio com a Faculdade Meridional – IMED e em parceria com a OAB Subseção Rio Grande – RS. Advogada
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