A responsabilidade penal da pessoa jurídica

Resumo: No que concerne a natureza constitutiva da pessoa jurídica, alguns doutores discutem sob a possibilidade de aplicação de sanções penais a estes entes, já que o caráter da pena é individual e pessoal, se identificando com um sujeito físico. Nesse aspecto, pode ser reconhecido esse procedimento não apenas às pessoas naturais, mas também sobre pessoas jurídicas de direito privado, não obstante, a responsabilização da pessoa jurídica de direito público hodiernamente, mais especificamente, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações instituídas pelo Poder Público seja plenamente aplicável.

Palavras-chave: Pessoas Jurídicas. Sanção. Pena.

Abstract: Regarding the constitutive nature of the legal entity, under some doctors discuss the possibility of criminal penalties to these entities, since the character of the sentence is individual and personal, identifying with a fellow physicist. In this respect, this procedure can be recognized not only for individuals, but also on legal entities of private law, however, the responsibility of the legal entity of public law hodiernamente, more specifically, public companies, joint stock companies and foundations established by Government is fully applicable.

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

1- INTRODUÇÃO

A responsabilidade da pessoa jurídica tem sofrido grandes transformações, ao longo do tempo. No que tange a responsabilidade civil da pessoa jurídica, tanto em direito privado ou público, a doutrina evoluiu segundo os critérios da teoria do risco, atendendo, assim de forma mais prática aos anseios e expectativas do homem moderno, visa, portanto, uma maior proteção ao lesado.

O nexo de causalidade entre o ânimo da pessoa jurídica e o dano produzido, hodiernamente culminará em uma obrigação de indenizar. Para se chegar a tal afirmativa, a solução dos entraves existentes na responsabilidade é sempre condicionada pela natureza jurídica que se reconhece ao ente moral, ou seja, ao se reconhecer a capacidade jurídica do mesmo, como se pessoa física fosse, não há obstáculos para fundamentar a responsabilidade pelos danos produzidos.

A questão da responsabilidade coletiva passa por discussões doutrinárias, como as tradicionais teorias da ficção e da realidade, embora esses embates já tenham um valor relativo, posto que países como a Inglaterra e os Estados Unidos que são países que predominam a teoria da ficção, admite-se a responsabilidade coletiva.

2. TEORIA DA FICÇÃO E TEORIA DA REALIDADE

No que concerne a teoria da ficção, seu principal defensor foi Savigny. Sua idéia central é a que só o homem é capaz de ser sujeito de direitos. Não obstante, o ordenamento jurídico, ampliou a capacidade a entes fictícios. Em suma, a pessoa jurídica é, portanto, uma criação artificial da lei para exercer direitos patrimoniais. Obtém sua personalidade por abstração.

Os autores que defendem essa concepção fundamentam que os delitos são imputados á pessoas jurídicas, mas sempre praticados por pessoas físicas que a compõem, tais como, diretores, funcionários.  Nesta concepção, o direito penal refere-se ao homem natural, a um ser livre, inteligente, ao contrário da pessoa jurídica, que está desprovida desse caráter, sendo portanto, um ser abstrato que o direito penal não pode atingir.

Nesse diapasão, por outro lado, a teoria da realidade, pauta-se que pessoa não é somente homem, mas todos os entes dotados de existência real. Portanto, as pessoas jurídicas são pessoas reais, dotadas de uma real vontade coletiva, o que faz por meio de seus órgãos.

A doutrina pátria, para autores como Silvio Rodrigues[1] e Washington de Barros Monteiro, em sua órbita civil, não são favoráveis a teoria da ficção, visto que, a teoria da ficção não explica a existência do Estado como pessoa jurídica, qual a sua exegese. No mesmo raciocínio, se poderia concluir que o próprio direito seria também uma ficção, porque emanado do Estado e, portanto, tudo que se encontre na esfera jurídica.[2]

Em suma, o estudo das teorias da ficção e da realidade, serve para constatar que, as pessoas jurídicas podem ter decisões divergentes das opiniões pessoais dos membros da empresa. Portanto, a vontade da pessoa jurídica executada por seres individuais é uma realidade e não uma ficção.

Pelo exposto alhures, surge, argumentos relevantes, fontes de permanente polêmica para os adversários da responsabilidade coletiva. Para tal, deve-se considerar princípios de suma importância, como a lesão do princípio da legalidade e o princípio da culpabilidade.

No âmbito da lesão do princípio da legalidade, deve-se levar em consideração que a criminalização da pessoa jurídica lesiona a proibição material do princípio da legalidade, expresso na fórmula nullum crimen sine lege. Ao se instituir a responsabilização penal da pessoa jurídica lesiona de certo modo, a proibição formal do princípio da legalidade, expresso na fórmula nulla poena sine lege.

O conceito de crime, representado pelas categorias de tipo de injusto e de culpabilidade, o que culmina na consciência do injusto não poderia ser construído em uma vontade coletiva, ou seja, de uma ação institucional da pessoa jurídica.

Os autores que se opõem á responsabilidade penal da pessoa jurídica, defendem que deve ter natureza civil ou administrativa, afirmando que as penas ás empresas ferem o princípio da personalidade. Resta evidente, que a multa civil ou administrativa, no plano do valor pecuniário atingiria também sócios minoritários ou mesmo os que não participaram da decisão, tanto quanto a pena resultante do processo criminal aplicada a pessoa jurídica.

A responsabilidade apenas do preposto, atinge diretamente o princípio da proporcionalidade, visto que, a empresa que ampliou seus rendimentos com o ilícito,  permanece com o patrimônio íntegro, de vez que a pena de multa aplicada exclusivamente a pessoa física será fixada pelo patrimônio da mesma.

3- JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO ATUAL

O STJ já tem posição firmada no sentido que se admite que a pessoa jurídica seja denunciada em crime ambiental, desde que junto com as pessoas físicas responsáveis pela infração. Conclusão: O STJ não admite denúncia isolada contra pessoa jurídica, denúncia apenas contra pessoa jurídica. Nesse sentido, há vários julgados. Eu vou citar o REsp 889528/SC-2008: “Admite-se responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja imputação simultânea da pessoa jurídica e da pessoa física, uma vez que não se pode compreender responsabilidade penal da pessoa jurídica dissociada da atuação de uma pessoa física.”

Pode-se falar, que a empresa tem uma vontade pragmática, levando a discussão do problema para o plano metafísico. A noção de culpabilidade, deve ser levado em consideração na dimensão administrativa e civil, visto que, a própria essência da reprovação da pessoa jurídica por um ilícito civil ou administrativo não poderia ocorrer, já que, estaria punindo alguém que não teria consciência e nem vontade.

A empresa pode e deve ser punida quando deliberar e praticar um ilícito, mas também atuando numa função de “garante” em face do empregado, deve agir para evitar o resultado.

No Brasil, a questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica tem origem, em duas normas constitucionais.

A norma do art. 173 § 5°, CF, determina que “A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando- a ás punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.”

O art. 225 § 3°, CF diz que, “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Para dar efetividade as normas constitucionais foi editada a Lei n. 9.605/98 que em seu art. 3°, dispõe que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativas, civis e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

A Lei n. 9.605/98 em suas disposições incriminadoras, dispõe que todos os tipos penais se referem ás condutas humanas que violam o bem jurídico e não há previsão típica em relação á atividade, portanto, somente a pessoa física pode satisfazer as exigências típicas. Pode-se concluir que, a responsabilidade da pessoa jurídica, é sempre indireta e decorrente da conduta da pessoa física que porventura atue em seu nome. Há que se ressaltar, contudo, que para a responsabilização da pessoa jurídica em casos excepcionais como em caso de erro ou quando o agente age sem culpabilidade, como no caso de coação moral irresistível, ameaça de perder o emprego, por exemplo; há a possibilidade de ser responsabilizada a pessoa jurídica sem a responsabilização da pessoa física.

No que se refere a pessoa física a responsabilidade é subjetiva, visto que deve ser aplicada a teoria do delito com suas respectivas exigências de natureza subjetiva. Não obstante, a responsabilidade da pessoa jurídica decorre da relação objetiva que a relaciona com o autor do crime.

Aspecto extremamente importante a ser discutido, é o que se refere à possibilidade de se responsabilizar uma pessoa jurídica de direito público.

Antes de se discutir a possibilidade ou não da responsabilização do ente coletivo de direito público, vale lembrar a classificação trazida pelo artigo 40 do Código Civil de 2002, que divide a pessoa jurídica como de direito público interno ou externo.

No artigo 41 do referido diploma legal, é exposto o rol de pessoas jurídicas de direito público interno, conforme se observa,

“Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:

I.A União;

II.Os Estados;

III.Os Municípios;

IV.As autarquias;

V.As demais entidades de caráter público criadas por lei.”

No que tange à responsabilização penal desses entes, não há um consenso no posicionamento da doutrina. Há doutrinadores que sustentam a tese da responsabilidade penal, como por exemplo, Machado (2009, p.709) que assim expõe,

“A Administração Pública direta como a Administração indireta podem ser responsabilizada penalmente. A lei brasileira não colocou nenhuma exceção. Assim, a União, os Estados e os Municípios, como as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as agências reguladoras e as fundações de Direito Público, poderão ser incriminados penalmente.”

4- POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS

Luiz Régis Prado (apud Machado, 2009, p.709), por seu turno, afirma que “o termo  pessoa jurídica deve ser entendido em sentido lato; isso significa que, à exceção do Estado em si, qualquer pessoa jurídica de direito público ou de direito privado pode ser responsabilizada, mesmo porque a lei não faz distinção alguma”.

Por sua vez, Sergio Salomão Shecaira (apud Machado, 2001, p.709) entende que, excluído o Estado e as autarquias, “as empresas públicas, as Sociedades de economia mista, as fundações instituídas pelo Poder Público e os serviços sociais autônimos devem ser abrangidos pela regra geral, qual seja, a incriminação do ente coletivo”.

Nota-se que não há uma conformidade de opiniões há doutrinadores que entendem que a pessoa jurídica de direito público, sem restrições deve ser responsabilizada penalmente, por outro lado, há aqueles que acreditam que, excluídas algumas modalidade, há pessoa jurídica de direito público que pode ser sim penalizada, como demonstrado sinteticamente abaixo:

A primeira posição doutrinária é no sentido que é possível punir criminalmente pessoa jurídica de direito público ou pessoa de direito privado da administração pública. Tanto a CF quanto a LCA refere-se à pessoa jurídica indistintamente, ou seja, não especifica se a pessoa jurídica é de direito público ou de direito privado. E, onde a lei não distingue não cabe ao interprete distinguir. Entendimento adotado por Nucci, Paulo Afonso Leme Machado.

Posições antagônicas neste sentido diz que não é possível responsabilidade criminal das pessoas que compõe a administração pública, pois neste caso o Estado estaria punindo a si mesmo; as penas recairiam sobre a própria sociedade.

Ilustrando a segunda corrente podemos citar o exemplo que um município deva pagar uma multa ambiental, com que dinheiro ele pagará? Com recurso público. Sendo assim, a própria sociedade que está sofrendo a sanção.

Ademais a administração pública é criada sempre para fins lícitos. Portanto, o desvio é sempre da pessoa física, do administrador, jamais da pessoa jurídica.

È de se notar que acerca deste assunto não tem corrente majoritária.

5 – A RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO

As pessoas jurídicas que constituem formas descentralizadas de prestação de serviços públicos, como as autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações instituídas pelo Poder Público devem ser analisadas caso a caso, de acordo com a particularidade e suas próprias características.

No que diz respeito as autarquias, é de se notar que são “entes administrativos autônomos, criados por lei específica, com personalidade jurídica de direito público interno, patrimônio próprio e atribuições estatais específicas… A autarquia é forma de  descentralização administrativa, através da personificação de um serviço retirado da Administração centralizada. Por essa razão, á autarquia só deve ser outorgado serviço público típico, e não atividades industriais ou econômicas, ainda que de interesse público.”[3] A autarquia, tem um desdobramento do próprio Estado, uma descentralização administrativa, preservando portanto, as mesmas prerrogativas e restrições da administração direta. Entendendo, que o Estado não pode punir a si mesmo, não pode se falar em responsabilidade penal no que tange as autarquias.[4]

As empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações instituídas pelo Poder Público, conhecidas e denominadas como entidades “paraestatais”, não se confundem com o Estado e podem ser criminalmente responsabilizadas, coexistem paralelamente ao Estado, não se confundindo com o mesmo.

Esclarece Hely Lopes que “autarquia é pessoa jurídica de Direito Público, com função pública própria e típica, outorgada pelo Estado; já entidade paraestatal é pessoa jurídica de Direito Privado, com função pública atípica, delegada pelo Estado.” Já autores como Maria Sylvia Di Pietro e José Cretella Júnior se posicionam no sentido que as paraestatais são entidades que estão no meio do caminho entre o público e o privado, não obstante, tenham personalidade de direito privado ainda que tenham capital exclusivamente público como nos casos das empresas públicas.[5]

O organismo estatal é integrado pelo autarquia, ou seja, intra-estatal, ela está no Estado, é um alongamento do próprio Estado, constituindo-se em forma de descentralização administrativa para prática de um serviço público típico e não atividades industriais econômicas. Já a entidade paraestatal justapõe-se ao Estado, não se identificando com ele, sendo extra- estatal, a entidade está para o Estado.

Em suma, empresas públicas, sociedades de economia mista e as fundações instituídas pelo Poder Público devem ser abrangidos pela responsabilidade penal.

 

Referências
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
Direito Civil: parte geral. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 1989, vol. 1. p. 69.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Parte Geral. 5.ed. São Paulo : Saraiva, 1967. p.1967. p. 106.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro: 20. Ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 307.
SHECAIRA, 1998, op. Cit., p. 144.
CRETELLA JÚNIOR, José. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 80; no mesmo sentido: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo : Atlas, 1990, p. 263.
Notas:
[1] Direito Civil: parte geral. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 1989, vol. 1. p. 69.
[2] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Parte Geral. 5.ed. São Paulo : Saraiva, 1967. p.1967. p. 106.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro: 20. Ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 307.
[4] SHECAIRA, 1998, op. Cit., p. 144.
[5] CRETELLA JÚNIOR, José. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 80; no mesmo sentido: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo : Atlas, 1990, p. 263.

Informações Sobre o Autor

Antonio Resende da Cunha Neto

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
Equipe Âmbito Jurídico

Recent Posts

Sou obrigado a chamar um advogado de doutor

Uma das dúvidas mais comuns entre clientes e até mesmo entre profissionais de outras áreas…

2 dias ago

Trabalho aos domingos na CLT

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) regula o trabalho aos domingos, prevendo situações específicas…

3 dias ago

O que é abono de falta

O abono de falta é um direito previsto na legislação trabalhista que permite ao empregado…

3 dias ago

Doenças que dão atestado de 3 dias

O atestado médico é um documento essencial para justificar a ausência do trabalhador em caso…

3 dias ago

Como calcular falta injustificada

O cálculo da falta injustificada no salário do trabalhador é feito considerando três principais aspectos:…

3 dias ago

Advertência por falta injustificada

A falta injustificada é a ausência do trabalhador ao trabalho sem apresentação de motivo legal…

3 dias ago