Resumo: Trata da questão da possibilidade de o magistrado reconhecer de ofício a prescrição, de certa forma, derroga parcialmente o artigo 191 do CC. No processo, a renúncia tácita da prescrição pelo devedor não mais é viável, sendo lhe lícito tão-somente à renúncia expressa.
Tomando como regra geral, o Código Civil (CC) regula o instituto da prescrição, estabelecendo em seu artigo 189 que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos. 205 e 206”.
O fundamento da prescrição repousa, segundo Silvio Rodrigues:
“[…] no anseio da sociedade em não permitir que demandas fiquem indefinidamente em aberto; no interesse social em estabelecer um clima de segurança e harmonia, pondo termo a situações litigiosas e evitando que, passados anos e anos, venham a ser propostas ações, reclamando direitos cuja prova de constituição se perdeu no tempo (RODRIGUES, apud JORGE NETO; CAVALCANTE, 2008, p.893).”
Tal instituto atua de duas maneiras: aquisitiva ou extintiva. A prescrição aquisitiva, nas palavras de Venosa:
“[…] consiste na aquisição do direito real pelo decurso de tempo. Tal direito é conferido em favor daquele que possuir, com ânimo de dono, o exercício de fato das faculdades inerentes ao domínio ou a outro direito real, no tocante a coisas móveis e imóveis, pelo período de tempo que é fixado pelo legislador (2006, p.571).”
Já a prescrição extintiva, conforme leciona Delgado (2008, p. 250), “é a perda da ação (no sentido material) de um direito em virtude do esgotamento do prazo para seu exercício”.
A prescrição, conforme sintetiza Martins (2007, p. 676), “é a perda da exigibilidade do direito, em razão da falta do seu exercício dentro de um determinado período de tempo”.
É necessário, de acordo com o mencionado autor, os seguintes pressupostos para que ocorra a prescrição: a) existência de uma ação exercitável pelo titular de um direito; b) inércia desse titular em relação ao uso da ação durante certo tempo; c) ausência de um ato ou um fato que a lei atribui uma função impeditiva (suspensiva ou interruptiva) do curso do prazo prescricional.
Por conta da Lei 11.280/2006, que revogou o art. 194 do Código Civil e acrescentou o § 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil (CPC), passou a prever que o juiz pronunciará de ofício a prescrição, e, segundo os autores Jorge Neto e Cavalcante (2008), a renúncia da mesma deverá ser expressa, ou seja, o interessado deve declarar de modo taxativo que dela não pretende se utilizar.
A doutrina critica a lei supracitada, uma vez que com a previsão do conhecimento da prescrição de ofício, menospreza a “(…) própria natureza de direitos da autonomia da vontade, quebrando-se um sistema cujo núcleo nem se situa no direito processual, mas no direito material, onde (…) predomina a liberdade do titular” (THEODORO JÚNIOR, 2007, p. 65).
Assim, o juiz, ao conhecer da prescrição de ofício e indeferir liminarmente a petição inicial, com fulcro no art. 269, IV do CPC, acaba violando o devido processo legal, porquanto que nega o contraditório e a ampla defesa das partes interessadas. Nesse sentido, leciona Marcus Vinicius Rios Gonçalves que “é preciso dar ciência ao réu da existência do processo, e às partes nos atos que nele são praticados” (GONÇALVES, 2004, p. 29).
Com mesmo raciocínio, aduz o advogado Milton Sartório:
“Desta forma, ao indeferir liminarmente a pretensão do autor, por ter reconhecido a prescrição de ofício, o magistrado estaria mitigando a possibilidade do réu se manifestar no processo, violando o princípio do contraditório e ampla defesa de previsão constitucional (art. 5º, LV, da CF/88) (SARTÓRIO).”
Não obstante, o novo parágrafo do art. 291 do CPC acabou por tornar o art. 191 do CC sem efeito. Tal artigo dispõe que “a renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita”, sendo que na primeira forma, “o interessado declara de modo taxativo que dela não pretende se utilizar. Enquanto na tácita o prescribente pratica atos incompatíveis com a prescrição” (JORGE NETO; CAVALCANTE, 2008, p. 898).
Nesse diapasão, a renúncia à prescrição tácida acabou perdendo sua aplicabilidade, já que o executado não será ouvido caso o juiz conheça ex officio a prescrição.
Neste sentido, Alexandre Freitas Câmara afirma que a renúncia é incompatível com o poder de o juiz de conhecer de ofício a prescrição, sustentando o seguinte posicionamento:
“[…] não se pode dar ao juiz o poder de conhecer de ofício da prescrição porque este poder é incompatível com a possibilidade de renúncia, pelo devedor, da prescrição que lhe favorece. Ocorre que o legislador deu ao juiz o poder de conhecer de ofício da prescrição, mas não retirou do devedor a faculdade de a ela renunciar. Isto torna o direito civil brasileiro, em matéria de prescrição, absolutamente incoerente e, por isso mesmo, assistemático.”
Conforme ensina Juliana Fraga, outros doutrinadores, por sua vez, garantem que não houve revogação do artigo 191, uma vez que a parte privilegiada com a prescrição poderá renunciá-la de diversas formas:
“O devedor de uma dívida prescrita poderá pagá-la extrajudicialmente, o queconfiguraria renúncia tácita, ou, caso queira ver o débito, mesmo prescrito, questionado em juízo, elaborar uma renúncia expressa para que o autor junte à inicial (FRAGA, 2007).”
Por outro lado, a renúncia expressa continua surtindo seus efeitos mesmo com o advento da Lei 11.280, uma vez que é uma causa que pode ser reconhecida pelo magistrado e, por decorrer da lei, é claramente aceita pelo ordenamento.
A título de conclusão, a questão da possibilidade de o magistrado reconhecer de ofício a prescrição, de certa forma, derroga parcialmente o artigo 191 do CC. Fora do processo, poderá o devedor renunciar expressa ou tacitamente à prescrição. No processo, a renúncia tácita da prescrição pelo devedor não mais é viável, sendo lhe lícito tão-somente à renúncia expressa.
Advogada, pós graduada em Direito Imobiliário e pós graduanda em Direito e Processo do Trabalho
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