A tendência ambientalista da Constituição Federal de 1988

Resumo: O presente artigo tem por finalidade efetivar estudo sobre a tendência ambientalista da Carta Magna de 1988, sem a pretensão de esgotar a questão. Para tanto, efetiva interessante estudo do art. 225 da CF/88, ao mesmo tempo em que menciona a regulamentação constitucional esparsa destinada à matéria ambiental e aponta os aparatos processuais magnos estabelecidos para instrumentalizar o dever de tutela do meio ambiente.


Palavras-chave: Meio Ambiente; Constituição Federal de 1988; Constitucionalização do Meio Ambiente.


Sumário: 1 Introdução; 2 Breve Contraste Histórico-constitucional da Abordagem Ambienta; 3 Analisando o Art. 225 da Carta Magna de 198; 4 Dispositivos Ambientais Esparsos no Texto Constitucional; 5 Conclusão; 6 Referências.


1 Introdução


O presente artigo tem por fito efetivar estudo evidenciador da tendência ambientalista da Carta Magna de 1988, como forma de servir de subsídio teórico para os estudiosos do tema.


É sabido que, muito embora a temática ambiental já viesse tendo, preteritamente, tratamento jurídico no Brasil, por intermédio de leis ordinárias e outras normas infraconstitucionais, a sua relevância normativa foi, enfim, majorada a partir da CF/88.


Destaca-se que, apesar de transparecer um mero processo mecânico de positivação de uma nova temática, a constitucionalização do direito ao meio ambiente ultrapassou, em importância e reflexos, essa dimensão, requerendo, inevitavelmente, dedicação acadêmica para a sua compreensão.


A criação do art. 225, espinha dorsal da redação ambientalista magna, por exemplo, não só viabilizou o estabelecimento normativo do binômio direito ao meio ambiente/dever de tutela ambiental, bem como co-responsabilizou o Poder Público e os particulares (na figura da coletividade) pela proteção desse bem, para as presentes e futuras gerações. Por outro lado, empunhou, explicitamente, diversos dos princípios ambientais reconhecidos doutrinariamente.


Não se limitando a criação de um único artigo para a tutela ambiental, o legislador constituinte regulou esparsamente a matéria, instituindo, ainda, diversos instrumentos processuais que servissem para viabilizar o exercício do dever constitucional de tutela do meio ambiente.


Nessa conjectura, diante de um panorama tão rico, esse artigo propõe-se a iniciar uma importante discussão sobre a questão, como será, de fato, desenvolvido a seguir, sem a pretensão, entretanto, de esgotar a temática e de explorar integralmente suas nuances.


2 Breve Contraste Histórico-constitucional da Abordagem Ambiental


Diferente da Constituição Imperial de 1824 e da Constituição de 1937 (que não fizeram qualquer referência à matéria ambiental) e das Constituições Republicanas de 1891, 1934, 1946, 1967 e 1969 (cujas redações não destinaram um maior relevo à regulação das questões ambientais), a Constituição Federal de 1988 dedicou-se intensamente à confecção de um artigo especificamente voltado para a proteção ambiental (o art. 225)[1]. Nesse panorama, depreende-se que “a Constituição Federal de 1988 trouxe significativo avanço à proteção do meio ambiente. A matéria, anteriormente, era objeto de normas infraconstitucionais, sujeitas à modificação. A nova carta, no art.225, disciplinou, de forma precisa e atualizada o assunto” (FREITAS, FREITAS, 1992, p.13).


 Esse fato, por si só, já evidencia o interesse dos constituintes em estabelecer uma nova ordem constitucional, pautada no princípio da proteção ambiental. Essa nova ordem constitucional, todavia, não adotou por adotar o referido princípio. Pelo contrário, adotou-o, estrategicamente, com a finalidade de viabilizar, de tornar exequível, todo o seu espírito redemocratizador-humanizador. Essa ideia é cravada na certeza de que de nada adiantaria ao constituinte estabelecer todo um arcabouço principiológico ideal na “Lei Maior”, objetivando a reconstrução social e política brasileira, se, no fim, pela acelerada e abusiva degradação do meio ambiente, estivesse esse arcabouço substancialmente ameaçado.


3 Analisando o Art. 225 da Carta Magna de 1988


Torna-se salutar esclarecer, por tudo já dito, que uma ameaça direta ao princípio da proteção ambiental é uma ameaça direta ao próprio princípio à vida (e, consecutivamente, a todos os demais princípios), já que, por fazer o homem parte do meio ambiente, não poderia ele viver com a destruição deste que o abarca e que o possibilita. Nesses moldes, de nada adiantaria o constituinte estabelecer princípios essenciais como a democracia, a cidadania, a liberdade, a igualdade, a saúde, a educação, a dignidade da pessoa humana, entre inúmeros outros, se a própria vida humana não estivesse protegida, para que os indivíduos tivessem proveito desses princípios.


Assim sendo, se o constituinte de 1988, propondo o espírito redemocartizador-humanizador da realidade brasileira, soergueu e empunhou a poderosa espada dos princípios constitucionais, não se torna exagero afirmar que tomou ele como escudo o princípio da proteção ambiental, para o alcance e o fortalecimento do referido espírito.


Destaca esse fato, com outras palavras Matos (2001, p.94) ao afirmar que


“a inclusão da preocupação com o meio ambiente na nova Constituição Brasileira foi fundamental para o alcance de uma estrutura jurídica no Direito Brasileiro que possibilite a implementação de instrumentos eficazes para a proteção ambiental. Esse fato histórico é um marco extraordinário para os que militam em favor da proteção do meio ambiente, pois a questão, a partir daquela data, estava constitucionalizada”.


Essa ideia consubstancia-se no pensamento de que


“pela primeira vez na história do Direito brasileiro o meio ambiente foi objeto de tratamento direto e minudente do texto constitucional, como um bem em si mesmo considerado, integrante do patrimônio público e indispensável à existência da vida e à manutenção de sua sadia qualidade e que, nessa condição, deve ser objeto de atenção e proteção do Poder Público e da própria coletividade” (SAMPAIO, 1993, p.09).


Ganha-se muito mais sentido esse raciocínio ao observar-se o conteúdo do caput do art. 225 da C.F. que diz que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.


Sobre esse artigo constitucional, diz-se que é a alma de todo o conteúdo ambientalista positivado no Brasil (tanto na Constituição Cidadã, como nas demais leis). Comentando esse artigo, o jurista Matos (2001, p.99) afirma:


“o termo ambiente abrange o ambiente físico, cultural, natural e do trabalho; todos estão sob o manto protetor da norma constitucional, têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Indubitavelmente esta expressão “meio ambiente ecologicamente equilibrado” pode gerar dúvidas e contestações, contudo, é necessário interpretá-la numa visão sistêmica, entendendo-se que a vontade da Constituição de 1988 é assegurar um ambiente adequado e propício à vida, em que interações nocivas devem ser reprimidas e controladas pelo Poder Público.”


A respeito deste, ainda, afirmar-se que o fato de ser “bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida”, impõe a ideia de que o uso do meio ambiente não deve ser restrito às ações e aos interesses particulares, já que as afetações nocivas no mesmo, o seu mau uso e gerenciamento, podem vir a prejudicar toda a sociedade. Afinal, é ele bem de uso comum do povo e a sua degradação afetaria a saúde e a qualidade de vida, não só de um, mas de todos. E é, justamente, este raciocínio que torna o meio ambiente, como já foi demonstrado, em tópico anterior, “de natureza jurídica de direito difuso”, fato que explica o restante do caput do artigo que diz que, por ser interesse de todos, impõe-se “ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, sendo, inclusive, este trecho do referido artigo, a fonte da qual brota o Princípio do Desenvolvimento Sustentável.


O referido artigo, outrossim, ostenta em seu corpo a expressão de todos os princípios do Direito Ambiental, já anteriormente elencados. Desse modo, estão presentes, de alguma forma, no art. 225 da C.F. os seguintes princípios: a) o do Direito Humano Fundamental, ao afirmar em seu caput que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida; b) o da Cooperação, o da Obrigatoriedade da Ação Estatal e o do Direito-Dever da Participação Popular, quando, em seu caput, diz que a proteção ambiental é dever do Poder Público e da coletividade; c) o do Desenvolvimento Sustentável, ao afirmar, em seu caput, que o meio ambiente deve ser preservado para as presentes e futuras gerações; d) o da Prevenção ou Precaução, ao exigir, em seu inciso IV, o estudo prévio de impacto ambiental; e) o da Educação Ambiental, em seu inciso VI; f) o da Soberania, implicitamente, em seu § 4°, ao definir alguns bens NACIONAIS; e g) o da Ubiquidade, já que, em seu caput, o art. 225 transpassa a idéia de que o “desequilíbrio” ecológico poderia afetar não só o causador do “desequilíbrio”, mas a coletividade como um todo.


Ante o exposto, compreende-se a real importância do art. 225, contido na Constituição Federal de 1988, pois além de ser, na historiografia jurídico-constitucional brasileira, o primeiro artigo criado, especificamente, para normatizar a questão ambiental nacional, prende ele em sua órbita individual a essência emanada dos princípios do Direito Ambiental brasileiro (grande parte deles, inclusive, afirmados, reafirmados e garantidos no Direito Internacional, como, por exemplo, a educação ambiental e o desenvolvimento sustentável, que foram recepcionados na ECO-92). Todavia, apesar da excelência com que o caput, os incisos e os parágrafos do art. 225 apresentam-se, cabe salientar que não se resume neles toda a tendência ambientalista da “Lei Maior”.


4 Dispositivos Ambientais Esparsos no Texto Constitucional


Segundo Antunes (1998, p.40),


“em sede constitucional são encontráveis os seguintes pontos dedicados ao meio ambiente ou a estes vinculados direta ou indiretamente: art. 5°, incisos XXIII, LXXI, LXXIII; art. 20, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII, IX, X, XI e §§ 1° e 2°; art. 21, incisos XIX, XX, XXIII alíneas a, b e c, XXV; art. 22, incisos IV, XII, XXVI; art. 23, incisos I, II, IV, VI, VII, IX, XI; art. 24, incisos VI, VII, VIII; art. 43, § 2°, IV e § 3°; art. 49, incisos XIV, XVI; art. 91; art. 129, inciso III; art. 170; art. 174, §§ 3° e 4°; art. 176 e §§; art. 182 e §§; art. 186; art. 200, incisos VII, VIII; art. 216, inciso V e §§1°, 3° e 4°; art. 225; art. 231; art. 232 e no Ato das Disposições Transitórias os artigos 43, 44 e §§.”


Essa quantidade imensa de aparatos constitucionais destinados à proteção e à regulamentação do meio ambiente nacional indica que a preocupação do constituinte, com o tema, foi visceral e não apenas superficial. Desta sorte, fica demonstrada que a intensa vontade política que, com o fim da ditadura militar, buscava a redemocratização do Brasil, acabou impulsionando e potencializando o ímpeto ambientalista do constituinte, tanto que foi refletido na confecção do art. 225 e de todos os demais dispositivos constitucionais supracitados.


No mais, esclarecer-se-á que todo esse cenário “pós-ditadura”, associado à substancialidade ambientalista da “Constituição Cidadã”, propiciou o surgimento no Brasil de um avançado Direito Ambiental. Tanto que


“do ponto de vista puramente legislativo, o nosso país encontra-se em uma posição que não é de todo ruim, sendo certo que, em muitos aspectos, o nosso arcabouço legislativo é mais bem estruturado do que em muitos países do chamado primeiro mundo. Possuímos uma base legal mínima capaz de assegurar a proteção legal do meio ambiente” (ANTUNES, 1998, p.41).


Por conseguinte, é fundamental destacar a excelência com que, em regra geral, as normas ambientais brasileiras apresentam-se, sendo elas, de grande qualidade e relevância para viabilizar a proteção do meio ambiente (seja ele natural, artificial, cultural ou misto), em território nacional. Entretanto, faz-se salutar esclarecer que, para a proteção efetiva do meio ambiental, não bastaria apenas ter em vigência excelentes normas constitucionais. Seria preciso que fosse criada toda uma estrutura que viabilizasse e incentivasse a participação de toda a coletividade nesse processo.


Nesse sentido, destaca Antunes (1998, p.41) que “convém lembrar, contudo, que o Direito não se restringe às normas, mas, pelo contrário, o Direito é a aplicação das normas de forma completa”. Terem sido influenciados por esse entendimento foi o motivo pelo qual os legisladores constituintes não se limitaram somente a estipular o dever de participação da coletividade. Foram eles além, no sentido de terem criado aparatos constitucionais específicos para que o cidadão comum, individual ou coletivamente, pudesse exercer e cumprir na prática com o seu dever constitucional de proteger o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.


Quatro desses aparatos constitucionais específicos são delineados por Aguiar (1994), sendo eles: a ação civil pública, o mandado de segurança individual e coletivo, o mandado de injunção e a ação popular constitucional.


Muito embora esse trabalho não tenha como pedra de toque, como espinha vertebral, o tratamento dessas ações, torna-se interessante, ao menos apontá-las; afinal, a previsão magna dessas ações, revela, de certa forma, a tendência ambiental da Lei Maior vigente. Contudo, esclarecer-se-á que, por não serem objetos centrais desse artigo, dar-se-á uma breve análise geral e simplificada, por uma questão meramente didática, o que não significa que sejam pouco relevantes substancialmente.


– Ação Civil Pública


A ação civil pública foi devidamente regulamentada pela Lei n° 7.347 de 24 de Julho de 1985. Apesar de a Constituição Federal, em seu art. 129, inciso III, referir-se unicamente ao Ministério Público, como autor legitimado para propor essa ação, entende-se que não se resume a esta instituição a legitimidade para ajuizamento da mesma. “O avanço jurídico desse documento está no fato de abrir o exercício da titularidade da ação para o Ministério Público, associações com legitimidade e Poder Público”.


Por esse fato, afirma-se que a coletividade, desde que esteja representada por associações com legitimidade, como, por exemplo, associações ambientalistas (constituídas em conformidade com os critérios estabelecidos pela supracitada lei), poderá usufruir desse instrumento constitucional com a meta de evitar, impedir ou reparar prejuízos causados aos direitos difusos (cuja definição já foi anteriormente tratada).


No mais, segundo Aguiar (1994, p.84):“Tal ação é cabível nos casos de danos ao meio ambiente, ao consumidor e a bens de direitos de valor artístico, estético, turístico e paisagístico”.


– Mandado de Segurança Individual e Coletivo


Esse instrumento está resguardado no art. 5°, incisos LXIX (mandado de segurança individual) e LXX (mandado de segurança coletivo). No primeiro caso, entende-se que qualquer cidadão (individualmente) poderá impetrar o “(…) Mandado de Segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus e habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público” (AGUIAR, 1994, p.85).


No segundo, não se altera a motivação que fundamenta o impetramento do mandado de segurança, entretanto, de certo, altera-se aquele que é legitimado para impetrá-lo, já que se trata de um mandado de segurança coletivo e não individual. Nesses moldes, poderão impetrar o citado instrumento constitucional, factibilizando a ação da coletividade na proteção ambiental, os autores elencados nas alíneas “a” e “b”, do inciso LXX, do art. 5°, da C.F., sendo eles: “partidos políticos com representação no Congresso Nacional”, “organização sindical, entidade de classe ou associações legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos seus membros ou associados”.


 Desse modo, caracterizando-se as nuances contidas no inciso LXIX, do art. 5°, nada impediria que o mandado de segurança fosse impetrado para proteger o meio ambiente. Isso pelo fato de tratar-se de um bem de natureza difusa, no qual a degradação atinge toda a coletividade. “Mas é preciso ressaltar que, em medidas como essa há necessidade inequívoca da certeza e liquidez do direito referido, o que é uma condição geral para a concessão da ordem” (AGUIAR,1994, p.85).


– Mandado de Injunção


O mandado de injunção é estabelecido no inciso LXXI, do art. 5°, da C.F. de 88. Neste inciso fica estabelecido que: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.


Observando o conteúdo do inciso supracitado, entender-se-á que, sem sombra de dúvidas, poderá o mandado de injunção ser utilizado em matéria ambiental. Afinal, o meio ambiente trata-se de um direito constitucionalmente reconhecido (o que está em sintonia com o texto do inciso que diz da inviabilidade do “exercício de direitos (…) constitucionais”).


Além do mais, a ameaça ao meio ambiente, como já foi explicado, constitui uma ameaça à vida e, consecutivamente, às prerrogativas inerentes à cidadania, já que sem a vida não há como um indivíduo exercer na prática os seus direitos cidadãos. Respalda, ainda, esse raciocínio a idéia de Carlos Augusto de Alcântara Machado (1999, p.96): “observando-se os pressupostos básicos e necessários para a utilização do remedium juris (…), o mandado de injunção, por meio de seus legitimados, é instrumento apto à proteção e à tutela de direitos individuais, coletivos e até difusos”. Sendo, nesse sentido, o mandado de injunção apto à proteção e à tutela de direitos difusos, será ele apto, por conseguinte, à proteção e à tutela do meio ambiental, já que sua natureza é de direito difuso.


Por fim, afirma-se que


“como o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito constitucional, nada impede a impetração de um mandado de injunção, quando houver quebra desse direito, sem que haja norma regulamentadora do imperativo genérico da Constituição Federal. Todo Cidadão pode lançar mão dessa medida, que diz respeito a todos os direitos constitucionais ainda não regulamentados” (AGUIAR, 1994, p.85).


– Ação Popular Constitucional


Esse aparato constitucional está tatuado no inciso LXXIII, do art. 5°, da C.F. de 88, que estabelece: “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.


Tendo em vista a redação do dispositivo mencionado nota-se, explicitamente, a destinação constitucional desta ação para a tutela do meio ambiente, algo, aliás, inédito na historiografia jurídica pátria. Isto porque desde o surgimento da ação popular no Direito brasileiro (Constituição de 1824), nenhum outro texto magno trouxe a previsão de utilização da ação popular – geralmente incumbida da anulação de atos lesivos ao patrimônio público – para a proteção ambiental.


Nesse ínterim, passou a ser possível, com a Constituição vigente, ao cidadão, materializar o exercício do seu dever constitucional de tutela ambiental (art. 225, caput), por intermédio do aparato constitucional em tela.


Cabe, complementarmente, ressaltar, que a problemática, no entanto, que atinge a ação popular constitucional é oriunda da omissão do legislador constituinte em definir a expressão cidadão, ora interpretada pela doutrina como excessivamente restritiva –resumindo-o ao mero eleitor em pleno gozo dos seus direitos políticos, o que exclui, absurdamente, da legitimidade ativa, por exemplo, boa parte da população indígena nacional –, ora excessivamente ampla – incluindo em sua definição pessoas jurídicas e, também, estrangeiros. Há outros posicionamentos intermediários, que consideram cidadão apenas a “pessoa física e nacional” ou, ainda, “brasileiros e estrangeiros residentes no país”, este último em franca ascensão, já que se alicerça em uma razoável interpretação do inciso LXXIII integrada ao caput do art. 5º da CF/88.


O certo, porém, apesar da polêmica evidenciada, é que esse artigo, pioneiramente, foi destinado a proteção do meio ambiente por parte do particular, podendo ser ajuizada contra toda e qualquer pessoa (pública ou privada, nacional ou estrangeira, física ou jurídica, segundo a dimensão do conceito de poluidor estipulado pela Lei n. 6.938/81) que lese o meio ambiente.


No mais, todos esses aparatos e demais aspectos tratados neste artigo evidenciam a decisiva tendência ambientalista da Constituição Cidadã, viabilizadora do (real, para uns, ou distante, para outros) Estado de Direito Ambiental brasileiro.


5 Conclusão


Por tudo já explanado, observa-se o quanto complexo é o estudo sobre o Direito Ambiental, particularmente com relação aos tópicos aqui explorados, podendo-se alcançar as seguintes constatações nucleares:


– na análise histórico-constitucional do meio-ambiente, observou-se que a Constituição Federal de 1988 trouxe significante avanço à proteção ambiental, através de uma nova ordem constitucional (art. 225);


–  ficou, por outro lado, evidenciada, com a criação do art. 225, da Carta Maior, a preocupação do constituinte com a tutela do meio ambiente, tornando o mencionado artigo alma de todo o conteúdo ambientalista positivado no Brasil e fonte, entre outros princípios do Direito Ambiental brasileiro, do Princípio do Desenvolvimento Sustentável;


– no estudo dos dispositivos esparsos que tratam sobre a questão ambiental, verificou-se, ante sua sobeja quantidade, que o constituinte não mediu esforços quanto à defesa do meio-ambiente, fato que fez o Brasil possuir um arcabouço legislativo invejável sobre tema. Ademais, constatou-se que tais dispositivos encontrariam sua aplicabilidade, verdadeiramente, através de ações constitucionais direcionadas também para esse fim. Assim, esses mecanismos constitucionais, como o mandado de segurança individual e coletivo, o mandado de injunção, a ação civil pública e a ação popular constitucional, agregaram, de certa maneira, a suas finalidades históricas, a tutela do meio ambiente.


Por fim, ficou assazmente demonstrada a tendência ambientalista da atual Constituição Federal, tendo em vista não só a quantidade de dispositivos que disciplinam a proteção do meio ambiente, como, outrossim, a inserção de uma base principiológica que resguarda esses direitos, fazendo advir uma nova ordem constitucional.


 


Referências

AGUIAR, Arnaldo Ramos de. Direito ao meio ambiente e participação popular. Brasília: IBAMA, 1994.

ANTUNES, Paulo Bessa. Direito ambiental. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.

FREITAS, Vladimir Passos, FREITAS, Gilberto Passos. Crimes contra a natureza.3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.

MACHADO, Carlos Augusto de Alcântara. Mandado de injunção. Um instrumento de efetividade da Constituição. São Paulo: Atlas, 1999.

MATOS, Eduardo Lima de.Autonomia municipal e meio ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

SAMPAIO, Francisco José Marques. Meio ambiente no direito brasileiro atual. Curitiba: Juruá, 1993.


Notas:

[1] Esse pensamento histórico-constitucional foi construído com base no escrito de Antunes (1998:p.39).

Informações Sobre os Autores

Fernando de Azevedo Alves Brito

Advogado. Escritor. Professor Substituto da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e Professor da Faculdade de Tecnologia e Ciências. Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidad Nacional de La Plata. Mestrando em Ciências Ambientais pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Membro da APRODAB.

Álvaro de Azevedo Alves Brito

Advogado. Escritor. Especialista em Direito do Estado pelo Jus Podivm


Equipe Âmbito Jurídico

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