Certamente
por ter estado longos anos em campanha, o presidente Lula da Silva não consegue
se desvencilhar do tom de palanque. A impressão é a de que S. Exª ainda não se
convenceu de que é governo. Aliás, os membros do PT, de modo geral, continuam
como oposição. Uma curiosa oposição porquanto feita contra si mesmos.
Naturalmente, tal coisa provoca fraturas não em tornozelos, braços ou pés, mas
fraturas partidárias.
A
mais grave fratura exposta, porém, ocorreu recentemente em Vitória (ES), entre
os Poderes Executivo e Judiciário. Empolgado pela própria retórica, o
presidente discursou pedindo o fim de uma “Justiça classista, que tem de
lado a classe”. Ele conclamou o controle externo do Poder Judiciário,
explicando que isso não significava “meter a mão na decisão do juiz. É
pelo menos saber como funciona a caixa preta de um judiciário que muitas vezes
se sente intocável”.
Caixa
preta no entendimento popular não é a dos aviões e o termo está carregado de
conotações pejorativas. Fosse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a dizer
uma coisa dessas, no tom e no linguajar com que foi dita, correria sério risco
de ser apeado do poder e, no mínimo seria linchado pela imprensa. Já S. Exª
Lula, pode falar o que quiser, como chamar de alucinado o presidente de
outro país, que tudo é recebido com palmas, risos e vivas.
O
discurso presidencial repercutiu bem na sociedade, que logo identificou o Poder
Judiciário como um todo com o juiz Lalau ou a advogada Georgina. Uma
perigosa generalização, pois apesar dos problemas e distorções existentes no
Judiciário, se fosse seguida a risca a vontade presidencial teria de haver
também sérios controles sobre os Poderes Executivo e Legislativo, que possuem
suas fabulosas “caixas pretas”. Ao final, poderia restar apenas o Poder
Moderador do núcleo de comando petista.
Como
não poderia deixar de ser, as declarações do presidente, ditas com aquela
“eloqüência inocente de porta de fábrica”, cujas palavras são
levada pelo vento sem maiores conseqüência, provocaram também certos efeitos
colaterais no Judiciário. Houve reações como as do presidente do STF
(Supremo Tribunal Federal), ministro Marco
Aurélio Mello , Este disse que “as palavras do
chefe do Poder Executivo atingem o Judiciário como um todo, desservindo à
sociedade brasileira”.
De
fato há algo bastante grave nesse episódio pois ele desserve, na
verdade, a democracia no País. É que a declaração de S. Exª
denota a maior de todas as tentações do poder, ou seja, seu abuso. Uma tentação
na qual caem com facilidade os caudilhos latino-americanos. Haja vista a
ditadura cubana, onde Fidel Castro recentemente mandou para el paredón três
dissidentes e prendeu mais 78. Tentação na qual caiu o presidente venezuelano,
Hugo Chávez, que governa através de uma pseudo democracia, tendo interferido nos
poderes Legislativo e Judiciário para moldá-los à sua imagem e semelhança.
John
Locke, o primeiro filósofo político a propor a distinção entre Legislativo,
Executivo e um terceiro Poder vinculado a este, o Confederativo, relativo aos
tratados de paz e guerra, tinha uma boa razão: evitar a tentação de abusar do
poder que se assenhora daqueles que têm nas mãos os poderes reunidos.
No
“Espírito das Leis” Montesquieu retoma a separação dos Poderes, desta
vez em Executivo, Legislativo o Judiciário e afirma: “É eterna experiência
o fato de ser levado a abusar do poder todo o homem que o tem”.
Como
o PT advoga uma democracia de massas (as caravanas do presidente não seriam um
atestado dessa idéia?) e S. Exª e seus principais ministros têm falado com
certa regularidade que quatro anos é pouco tempo para fazer tudo a que se
propõe, é melhor Judiciário e o Legislativo colocarem suas barbas de
molho. E os parlamentares que reagiram com entusiasmo ao puxão de orelhas que o
presidente deu no Judiciário, deveriam recordar que o Conselho Econômico e
Social poderia ser um instrumento de controle do
Congresso Nacional, caso funcionasse.
Reforma
são necessárias, mas como disse Montesquieu com relação ao despotismo:
“Quando os selvagens da Luisiânia querem colher frutos, cortam a árvore
pelo pé e assim os colhe”. Nossa árvore da democracia é ainda muito tenra. É
preciso ter cuidado com ela.
Socióloga, jornalista e escritora, autora entre outros livros de: “O voto da pobreza e a pobreza do voto: a ética da malandragem (Jorge Zahar Editor) e América Latina: em busca do paraíso perdido (Editora Saraiva).
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