Resumo: O presente artigo trata da teoria dos elementos negativos do tipo, suas características, mérito e críticas à sua formulação, sempre com a intenção de verificar a possibilidade de sua aplicação na nossa ordem jurídica.
Sumário: 1- Origem da teoria dos elementos negativos do tipo; 2- Características da teoria dos elementos negativos do tipo: o tipo total de injusto; 3- Mérito e críticas à formulação da teoria dos elementos negativos do tipo e a posição do Código Penal brasileiro; 4– Tratamento do erro nas justificativas putativas pela teoria dos elementos negativos do tipo; 5- Conclusões; 6- Referências Bibliográficas.
1- Origem da teoria dos elementos negativos do tipo
Este trabalho pretende fazer uma breve reflexão da teoria dos elementos negativos do tipo, a qual tem como conteúdo a seguinte idéia: as causas excludentes da ilicitude estão inseridas dentro do tipo penal.
As justificativas[1], segundo a doutrina penal majoritária, não excluem a tipicidade de uma conduta, mas a ilicitude.
Sobre este assunto, existem, como acentua Welzel: “[…] idéias muito confusas na doutrina, porque (desde Adolf Merkel e Frank) se concebe muitas vezes as causas de justificação como ‘características negativas do tipo’, de modo que sua concorrência deve excluir não só a antijuridicidade, como também o tipo […]”[2].
O Código Penal alemão de 1871 em seu parágrafo 59 cuidava do erro de fato[3]. No entanto, o referido diploma não continha nenhuma disposição expressa acerca do erro de fato nas justificativas putativas (justificativas putativas fáticas – como as do nosso art. 20, §1o., do CP – sob a rubrica descriminantes putativas).
Da preocupação em se enquadrar no referido § 59 as justificativas putativas fáticas, surgiu na doutrina penal alemã a denominada teoria dos elementos negativos do tipo, que criou o tipo total de injusto[4]. O tipo total de injusto abrange as causas de justificação como elementos negativos do tipo). Como observa Graf Zu Dohna: “Para fundamentar a subsunção teoricamente defeituosa dessa variante no § 59, se inventou expressamente a teoria das circunstâncias de fato negativas [teoria dos elementos negativos do tipo]”[5].
Faremos agora uma confrontação da teoria dos elementos negativos do tipo com as relações entre tipicidade e a ilicitude (antijuridicidade).
O sistema causal-naturalista, que foi o primeiro momento em que se estudou sistematicamente as categorias da teoria do delito, concebia o tipo como pura descrição objetiva do delito, sem nenhum significado axiológico ou valorativo (Beling foi quem criou essa construção do tipo, que veio do positivismo científico e do naturalismo). Posteriormente, com Mayer, o tipo ganhou novo significado e passou a ser visto como indício ou a ratio cognoscende da ilicitude.
Para Mezger e Sauer a tipicidade passou a ser a ratio essendi da ilicitude, isto é, tipo é a antijuridicidade tipificada. Em outras palavras, a tipicidade está inserida na antijuridicidade. Confrontando-se essa concepção, segundo a qual a antijuridicidade contém a tipicidade, com a teoria dos elementos negativos do tipo, segundo a qual a tipicidade é que abarcaria a ilicitude, verifica-se, como salienta Luiz Flávio Gomes[6] um ponto de conflito e um ponto de convergência. No primeiro caso, a antijuridicidade conteria o tipo; no segundo, o tipo conteria a antijuridicidade. Em ambos, porém, não se idealiza o tipo e a antijuridicidade como elementos autônomos, mas sim como um todo normativo unitário.
2- Características da teoria dos elementos negativos do tipo: o tipo total de injusto
A teoria dos elementos negativos do tipo criou o discutido conceito de tipo total de injusto, que conforme Wessels: “[…] congrega em si todos os elementos fundamentadores e excludentes do injusto, dos quais depende, tanto em sentido positivo como negativo, a qualidade do injusto na conduta”[7].
Esse tipo total de injusto, criado desde Merkel e Frank, diz que do tipo que descreve os fatos proibidos, denominados de tipos provisórios do injusto ou tipos incriminadores, fazem parte também as causas que excluem a ilicitude, como dados negativos do tipo.
O dolo do agente, segundo esta teoria, deve abranger não só os dados materiais do tipo, como também a inexistência de causas justificantes (justificativas) Ex: No homicídio intencional, para o agente atuar dolosamente e com isso realizar um fato típico, ele precisa não só matar alguém, mas também ter a consciência de que estão ausentes todos e quaisquer elementos que configuram as justificativas. Dessa ausência é que advém a denominação: elementos negativos do tipo.
Disto decorre a idéia fundamental defendida por esta teoria: não há dolo quando presente uma justificativa e, também, não há dolo quando existe um erro sobre essa justificativa.
A teoria dos elementos negativos do tipo nega autonomia dentro do sistema da dogmática jurídico-penal às causas excludentes da ilicitude, que, segundo essa teoria, devem estar agregadas ao tipo de delito (tipos provisórios do injusto ou tipos incriminadores) como requisitos negativos. Tomando como exemplo o artigo 121 do CP brasileiro, segundo essa teoria, o tipo total de injusto seria: matar alguém, salvo em legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito e estrito cumprimento de dever legal.
Como afirma Jescheck: “[…] elementos do tipo e pressupostos das causas de justificação se reúnem, por esta via, no tipo total e se situam sistematicamente no mesmo nível”[8].
Também sobre o assunto se manifesta Wessels: “[…] tipos e causas justificantes, dentro desta forma de consideração, não se situam face a face como proibição geral e norma permissiva autônoma; as causas de exclusão do injusto aparecem muito mais como meras limitações à norma proibitiva […]. Em visão sistemática, fundem-se assim tipicidade e antijuridicidade forçosamente em um estágio unitário de valoração (construção bifásica do delito: tipo total de injusto – culpa)”[9].
No Brasil, Miguel Reale Júnior[10] acolhe a teoria dos elementos negativos do tipo. Para este autor toda ação típica é necessariamente antijurídica, e disso tira a conclusão de que as causas de justificação não excluem a ilicitude, mas sim a adequação típica. Na Espanha, Gimbernat Ordeig é partidário da referida teoria. Na Itália, a teoria dos elementos negativos do tipo conta com ampla simpatia, sendo adotada por Pietro Nuvolone, M. Gallo, M. Siniscalco, Maliverni, S. Piacenza, Boscarelli, A. Pagliaro e outros.
3- Críticas à formulação da teoria dos elementos negativos do tipo e a posição do Código Penal brasileiro
A teoria dos elementos negativos do tipo funde numa só fase valorativa a tipicidade e a antijuridicidade, enquanto que a moderna e majoritária doutrina do Direito Penal afirma que a tipicidade e a ilicitude constituem fases distintas e inconfundíveis de valoração do fato punível.
A teoria dos elementos negativos do tipo nega autonomia aos tipos justificadores frente aos tipos provisórios do injusto e isso contraria o direito legislado de muitos países, inclusive o nosso, que prevê os tipos justificadores (causas de exclusão da ilicitude) em tipos penais autônomos (arts. 23, 24 e 25 da Nova Parte Geral do CP – lei 7209/84)[11].
A teoria dos elementos negativos do tipo, como observa Luiz Flávio Gomes: “[…] impede a distinção de diferença de valor entre uma conduta desde o início atípica (porque não proibida) e outra inicialmente típica (normalmente proibida), mas especialmente permitida por causa da intervenção de uma causa de exclusão da ilicitude” [12]. De acordo com essa idéia, para a teoria dos elementos negativos do tipo tanto é atípica a conduta de matar um mosquito como a de matar um ser humano em legítima defesa. No comentário de Welzel: “A doutrina das circunstâncias negativas do fato não tem como obviar essa consequência, que a leva ad absurdum”[13].
É também questionável a idéia defendida pela teoria dos elementos negativos do tipo de que para se punir uma conduta tenha-se que exigir do agente que o seu dolo se estenda à ausência de todas as causas de justificação[14]. Sobre este ponto se pronuncia Munhoz Netto: “Com efeito, pretender que o comportamento só é doloso quando o autor conheça, nem só as características positivas do tipo (v.g., ciência de que está a matar alguém), como ainda a inexistência de qualquer descriminante (v.g., ciência de que não ocorre, nem estado de necessidade, nem legítima defesa, nem estrito cumprimento de dever legal, nem exercício regular de direito) equivale a criar um ‘dolo monstruoso’ […]”[15].
4- Tratamento do erro nas justificativas putativas pela teoria dos elementos negativos do tipo
Vejamos como a teoria dos elementos negativos do tipo trata o assunto do erro nas justificativas putativas.
As justificativas putativas no nosso Código Penal se apresentam de duas maneiras: A) justificativas putativas fátivas (CP, 20 § 1º ). Importante ressaltar que embora a redação do referido §1º dê margens a dúvidas, ele só trata das justificativas putativas fáticas, e não de todas as espécies de justificativas putativas como indica sua rubrica. Exemplo de justificativa putativa fática, também chamada de erro sobre uma situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima (lícita): Uma pessoa que andando de madrugada numa rua escura, visualiza um vulto atrás de si e supondo que seria agredida desfere um pontapé nesse vulto. Depois percebe-se que esse vulto era a mãe da pessoa, que preocupada saiu atrás do filho. Fundamental ressaltar que quando o agente erra sobre uma situação de fato, somente responderá se seu erro for evitável, houver o tipo culposo correspondente e se verificado todos os demais elementos do delito; B) justificativas putativas não fáticas (CP, 21, 2ºp.), onde o agente erra sobre um dos elementos não fáticos que configuram a justificativa. Ex: uma pessoa que acha que pode revidar uma agressão pretérita. Percebe-se que essa pessoa errou sobre um elemento da justificativa legítima defesa que é a agressão atual.
A teoria dos elementos negativos do tipo entende que os requisitos de cada justificativa são elementos negativos do tipo. Afirma que não há dolo quando presente uma causa excludente da ilicitude e, também, não há dolo quando existe um erro sobre essa justificativa. Assim, as justificativas putativas, em qualquer de suas espécies, sempre excluem o dolo. Se o erro sobre a justificativa for inevitável, ficará excluído o dolo e a culpa stricto sensu. Se o erro for evitável há a exclusão do dolo, mas permite a punição por fato culposo, se for previsto em lei o tipo culposo e se preenchido os demais elementos do delito.
5- Conclusões
Por todas as considerações acima expostas, a teoria dos elementos negativos do tipo não pode ser aceita pelo nosso ordenamento jurídico.
Para nós, a ilicitude não contém a tipicidade (teoria da ratio essendi) e não acreditamos ser correta a teoria dos elementos negativos do tipo. Também não pensamos ser a mais correta a teoria da ratio cognoscende sobre a relação que existe entre a tipicidade e a ilicitude. Com efeito, seguindo os ensinamentos do professor Fernando Andrade Fernandes, com apoio em Jorge de Figueiredo Dias, também admitimos a idéia de que a tipicidade não é apenas um indício da ilicitude, mas configura verdadeiro juízo provisório da mesma[16].
Graduado em Direito pela Unesp (Universidade Estadual Paulista). Mestre em Direito Penal pela mesma Instituição. Professor de Direito Penal do Curso de Direito da UNIFAIMI – Mirassol – SP
Procurador de Justiça no Estado do Mato Grosso do Sul; professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Unigran-Dourados, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Campo Grande-MS e da Fundação Escola Superior do Ministério Público; Conselheiro Estadual de Educação; Mestre em Direito Penal pela Unesp – FHDSS – campus de Franca
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