Allan Thiago Barbosa Arakaki[1], Émerson Santiago Pereira[2], Fábio Borini Monteiro[3]
Resumo: O presente artigo aborda como a incorporação de novas tecnologias no setor bancário, como os mobile payments e as fintechs, auxiliou na diminuição da verticalização do segmento bancário, fomentando a concorrência entre operadoras de cartão de crédito. Para tanto, utiliza-se da pesquisa bibliográfica, consistente na doutrina jurídica, em matérias jornalísticas e em relatórios oficiais, bem como é aplicado o método dedutivo, lastreando o estudo no modelo referencial da Análise Econômica do Direito. Aborda-se, de início, a intensa verticalização do mercado bancário, consistente na alta concentração de elos de uma cadeia negocial em torno de um grupo restrito, prejudicando os princípios da livre iniciativa e livre concorrência. Após, adentra-se à concorrência entre as operadoras de cartão de crédito e as máquinas de cartão de crédito. Por fim, trata o corrente artigo de como o mobile payment e as fintechs podem melhorar a competitividade do setor, diminuindo o grau de verticalização do mercado bancário e tornando este mais eficiente.
Palavras-chave: Pagamento móvel; Cartão de crédito; Fintech; Princípio da livre concorrência.
Abstract: This article discusses how the incorporation of new technologies in the banking sector, such as mobile payments and fintechs, has helped to reduce the verticalization of the banking segment, fostering competition between credit card operators. For this, it uses bibliographic research, consistent with legal doctrine, journalistic articles and official reports, as well as the deductive method, supporting the study in the referential model of Economic Analysis of Law. The intense verticalization of the banking market is initially addressed, consisting of the high concentration of links in a business chain around a restricted group, undermining the principles of free enterprise and free competition. Afterwards, competition between credit card operators and credit card machines enters. Finally, the current article deals with how mobile payment and fintechs can improve the sector’s competitiveness, reducing the degree of verticalization of the banking market and making it more efficient.
Keywords: Mobile payment; Credit card; Fintech; Principle of free competition.
Sumário: Introdução; 1. A verticalização do mercado bancário; 2 A concorrência entre as operadoras de cartão de crédito; 3 Mobile Payments e fintechs: inovação tecnológica e a livre concorrência no mercado das operadoras de cartão de crédito; Conclusão. Referências.
Introdução
O decurso do tempo e a adoção de uma postura absenteísta do Estado, reminiscência do Estado liberal, durante bom tempo na história econômica brasileira, potencializou a formação de estruturas dominantes em diversos segmentos, entre os quais o mercado bancário. Neste, as instituições financeiras atavicamente impuseram verdadeira verticalização, mediante dominação do setor, subjugando potenciais e efetivos concorrentes, o que conduziu à formação de verdadeiros feudos sobre os quais reinaram longamente.
A partir da necessidade de se diminuir o grau de verticalização, o que é prejudicial à livre concorrência e ao consumidor, somada à incorporação de novas tecnologias às transações financeiras, abriu-se espaço para uma postura mais firme do Estado. Para tanto, emergiram como imprescindíveis a maior atuação dos papéis regulatório (Banco Central) e fiscalizatório (CADE, Secretaria Nacional do Consumidor, Ministério Público, etc) do ente estatal como instrumentos de proteção à livre iniciativa e livre concorrência.
Imbuído desse contexto, o corrente artigo tem por objetivo delinear como a incorporação de novas tecnologias no setor do mercado bancário, como mobile payments e fintechs, aliada à sobrevinda de uma atuação mais proeminente dos órgãos regulatório e fiscalizatórios, auxiliou na diminuição da verticalização do segmento, fomentando a concorrência entre operadoras de cartão de crédito. Utiliza-se para tal desiderato a pesquisa bibliográfica, além da aplicação do método dedutivo.
A fim de cumprir com a pretensão deste trabalho, de início, aborda-se a verticalização existente dentro do mercado bancário e sua intensidade, o que prejudica a efetividade, sobretudo, do princípio da livre concorrência. Contextualizado o leitor nesse panorama, adentra-se à questão da concorrência entre as operadoras de cartão de crédito e a importância fundamental da atuação estatal, consistente nos poderes fiscalizatório e regulatório, a fim de permitir mais concorrentes dentro do setor.
Imerso em tal contexto, são abordados como o mobile payments e as fintechs, oriundos da incorporação da tecnologia ao mercado de pagamento, servem para melhorar a competitividade do setor, permitindo mais opções ao consumidor e, com isso, concretizando o princípio da livre concorrência, sem prejuízo de uma atuação cada vez mais proeminente do Estado para resguardar aquele.
O modelo referencial empregado se refere à Análise Econômica do Direito ou Law and Economics, visto que o trabalho demonstra como a postura do Estado, dentro de um mercado hermético, como o bancário, por intermédio de sua atuação regulatória e fiscalizatória para coibir práticas anticoncorrenciais, garantiu maior fluidez ao princípio da livre concorrência, trazendo vantagens ao consumidor.
De um cenário caracterizado por duopólios, seja no caso dos cartões, seja em relação às máquinas de cartão, para um contexto em que se ceifou a restrição de mercado, garantiu-se com isso o ingresso de novos concorrentes naquele. Referida mudança de horizonte implicou melhorias ao consumidor, trazendo-lhe propostas economicamente mais vantajosas pela competitividade inserida no setor, o que verbera maior efetividade do princípio da livre concorrência.
Considerando que a Análise Econômica do Direito, portanto, implica uma leitura conjugada e harmônica do Direito com a Economia, atentando-se para os efeitos que determinada decisão ou ato jurídico implicará nos elos econômicos, é justificável a opção pelo referencial teórico colacionado e que é trabalhado neste artigo.
1 A VERTICALIZAÇÃO DO MERCADO BANCÁRIO
Conforme escrito anteriormente, a Análise Econômica do Direito pode ser traduzida como “a aplicação da teoria econômica para o exame de formação, estruturação e impacto da aplicação de normas e instituições jurídicas.” (RIBEIRO; GALESKI, 2009, p. 53). Centraliza no seu estudo “os problemas relativos à eficiência do Direito, os custos dos instrumentos jurídicos na persecução de seus fins e as consequências econômicas das intervenções jurídicas.” (RIBEIRO; GALESKI, 2009, p. 67).
Premido dessa concepção, ao se abordar a respeito da verticalização do mercado bancário, expressão concernente à centralização de elos de uma cadeia negocial em um grupo restrito, latente sua identidade como falha de mercado, noção esta importada da Economia para o Direito. Por ela, entende-se “quando mecanismos de mercado, não regulados pelo Estado e deixados livremente ao seu próprio funcionamento, originam resultados econômicos ineficientes ou indesejáveis socialmente.” (GONÇALVES; RIBEIRO, 2013, p. 84).
A existência da verticalização do mercado bancário não é segredo nenhum e se trata, portanto, de verdadeira falha de mercado: “O mecanismo de mercado pressupõe grande número de produtores e consumidores, de modo que o preço […] se fixe a partir de um sem-número de transações independentes. Contraria esse mecanismo a circunstância de um produtor (ou um grupo de produtores) ou um consumidor (ou um grupo de consumidores) ter condições, por seu ato, influir na própria formação do preço, dando origem, no primeiro caso, aos monopólios ou oligopólios e, no segundo, aos monopsônios ou oligopsônios.” (SCHOUERI, 2005, p. 75).
De fato, a concentração de diversos negócios, dentro de um mesmo segmento, nas mãos de determinada instituição ou de poucas delas, dificulta o surgimento de concorrentes, bem como a sobrevivência destes. A respeito do assunto, interessante o apontamento, apresentado no Relatório do Grupo de Trabalho da Comissão de Assuntos Econômicos, de lavra do Senado Federal:
“Um aspecto particularmente relevante na estrutura do mercado financeiro é que, associado à grande concentração, temos um elevado grau de verticalização dos conglomerados financeiros, que atuam nos mais diversos segmentos, tais como seguros, emissões de cartões de crédito e débito, bandeiras, credenciadoras (máquinas dos cartões), vale alimentação, além do mercado bancário.” (BRASIL, 2018a, p. 19).
A relação de verticalização, além de ser extremamente lucrativa e interessante àqueles que dominam toda a cadeia de um segmento, impondo a política de lucro e da qualidade de serviço que desejam, dificulta o surgimento de concorrentes, os quais, ainda que queiram se insurgir e participar da mesma atividade, não possuem meios econômicos para fazer uma concorrência de igual porte no cenário apresentado.
Nessa linha de raciocínio, demonstrando a força do mercado bancário e a verticalização nele existente, o Relatório de Estabilidade Financeira do Banco Central (2018a), no segundo semestre, apontou que os cinco maiores bancos (Itaú-Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o Santander) conseguem reunir 83,8% dos depósitos totais em todo o País e 84,8% do mercado de crédito.
Com efeito, a título meramente exemplificativo, citem-se os spreads bancários. Estes tratam justamente da diferença de juros praticada pela instituição financeira quando esta empresta o dinheiro de quando ela o recebe para aplicações, remunerando o investidor mediante frutos civis. Em outras palavras, referem-se à “diferença entre as taxas que os bancos cobram pelos empréstimos que fazem e as taxas que eles pagam na captação de recursos juntos aos seus clientes.” (DIEESE, 2019, p.2).
No caso dos spreads bancários brasileiros, analisando os dados de 2019, observa-se que eles são o segundo maior do mundo, alcançando 32%, consoante informações do próprio Banco Mundial (2019), ficando atrás somente de Madagascar, cuja taxa é de 36%. Aliás, a respeito do assunto, Benjamin Tabak relaciona: “Os empréstimos do BNDES são fonte importante para empresas domésticas, pois os financiamentos bancários usuais são caros em virtude dos altos spreads bancários praticados no Brasil.” (TABAK, 2015, p. 338-9).
A questão da alta dos spreads bancários viabiliza e endossa a prática de altos juros pelo mercado bancário, o que, na visão das instituições financeiras, justifica-se em virtude da dificuldade de recuperação do crédito e nos custos da operação. Isso porque, segundo dados do Banco Mundial, no Brasil, são recuperáveis US$ 0,13 a cada US$ 1 emprestado ao passo que a média mundial é de US$ 0,34 a cada US$ 1. (BALASSIANO; VIDAL, 2019).
Evidentemente, os spreads bancários exorbitantes levam em consideração o risco envolvido na transação, tanto é verdade que o advento da Lei Complementar nº 166/2019, modificando a sistemática do funcionamento dos cadastros positivos de crédito, veio ao encontro do anseio comum para, dentre outros objetivos, tentar conter a abusividade de valores praticados em relação ao consumidor.
De fato, sob a nova roupagem do cadastro positivo, diversamente de quando instituído pela Lei nº 12.414/2011, cuja inclusão era então facultativa do consumidor, agora, passou a ser automática, possibilitando às empresas e instituições verificar o histórico de adimplemento (art. 4º, I, da Lei Complementar nº 166/2019). Essa ferramenta, ao permitir que as instituições financeiras tenham acesso ao histórico de adimplência do potencial consumidor que deseja o empréstimo, diminui o risco de se ter a dificuldade de recuperação de crédito.
É cediço também que, muito embora as instituições financeiras pugnem pela prática de spreads altos sob o fundamento do risco e da dificuldade de recuperação de crédito, não é só nesse ponto que reside a alta daqueles, uma vez que, ainda que se leve em conta tal argumento, o segmento financeiro continua obtendo lucro considerável e em margem fecunda.
Na linha do Relatório de Estabilidade Financeira do Banco Central (2019), os bancos mantiveram aumento da lucratividade no setor, inclusive, durante o primeiro semestre de 2019, apesar de apresentarem sinais de desaceleração. Para se comparar, o mesmo documento que alude aos lucros bancários, no caso das grandes instituições financeiras, ao abordar os bancos de menor porte, advertiu:
“Não obstante os bancos de menor porte sinalizarem recuperação dos negócios, e apesar da melhora no ambiente econômico, aqueles que compõem os segmentos mais afetados pelo período de recessão estão passando por processos de adequação de negócios.” (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2019, p. 31).
Ora, tal dinâmica de verticalização, perceptível não só no mercado de cartões e de máquinas de cartão de crédito, mas em todo segmento bancário, traz claro prejuízo à concorrência, bem como ao consumidor em razão da posição confortável que desenvolve para aqueles que possuem todo o domínio de uma área em seu poder. Estes, dada a sua posição, podem impor propostas, o lucro, bem como a qualidade que desejarem em não havendo competição no segmento ou sendo ela pífia.
Evidentemente, na linha do Law and Economics, não se pode olvidar que o consumidor tende a realizar a escolha mais racional: “o método econômico aplicado ao comportamento humano implica que os indivíduos normalmente agem de forma racional, buscando melhorar o seu bem-estar e avaliando as suas escolhas através de uma avaliação custo/benefício.” (CARVALHO; MATTOS, 2008, p.4).
Em um mercado extremamente verticalizado, em que há um número muito restrito de concorrentes, ainda que se considere que o consumidor se dirija pela escolha mais racional economicamente, o fato é que não há propostas muito interessantes para ele, o qual acaba por virar refém dos que detém o domínio da cadeia negocial. Tal fenômeno evidentemente contraria o princípio da livre concorrência e exige a atuação do Estado para corrigir a falha de mercado.
Nesse diapasão, não se pode olvidar que a Constituição Cidadã concebeu a ideia da função social da propriedade (art. 170, III, da CF/88) e expressamente determinou a vedação do abuso do poder econômico, da eliminação da concorrência e do aumento arbitrário dos lucros (Art. 170, §4º, da CF/88), o que leva a apontar que não encontram eco as práticas decorrentes que contrariem a tônica constitucional.
Sucede, entretanto, que o Direito não consegue – e nem é seu papel – antever a dinâmica dos fatos em um exercício de futurologia, de sorte que o próprio mercado se organiza segundo sua lógica interna. Por vezes, de fato, prevalece o dissenso às disposições regulatórias e, em outras, omitem-se práticas aparentemente benéficas, mas que olvidam a intenção nefasta de domínio de mercado, cenários como tais possibilitam a perpetração de abusos decorrentes da verticalização.
2 A Concorrência entre as Operadoras de Cartão de Crédito
A verticalização do mercado bancário é sentida com ênfase na concorrência entre as operadoras de cartão de crédito. Até meados de 2010, o cenário se resumia a um verdadeiro duopólio, oscilante entre a exclusividade das bandeiras Visa e, de outro lado, a Mastercard, cada qual com sua credenciadora (PEREZ; BRUSCHI, 2018, p. 11), responsáveis ambas por praticamente todo o segmento.
O próprio relatório sobre a indústria de cartões de pagamentos equacionou o problema do duopólio no quadrante de outrora: “Essas conclusões apontam importantes falhas de mercado, podendo se destacar a falta de contestabilidade na atividade de credenciamento e o significativo poder de mercado das credenciadoras Visanet e Redecard, que é reforçado pela existência de barreiras à entrada, de caráter tanto contratual quanto econômico em virtude, principalmente, do alto grau de verticalização existente nessa atividade e da falta de interoperabilidade na prestação de serviço de rede.” (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2008, p. 9).
O mercado de cartão de crédito então era dominado apenas por duas grandes empresas supramencionadas, com movimentos financeiros robustos. Nesse galgar, o mesmo relatório, elaborado pelo Banco Central, pelas Secretarias de Acompanhamento Econômico e de Direito Econômico, apontou que a quantidade de transações com cartões cresceu, no lapso de 2002 a 2007, de 275 milhões para 2 bilhões, ficando 90% desse farto e lucrativo mercado nas mãos do duopólio. (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2008).
Se o mercado do cartão de crédito era conhecido pelo duopólio, de igual maneira, vigia o mesmo em relação ao setor das máquinas de cartão, em que havia duas apenas: a Visanet, pertencente aos bancos Bradesco, Banco do Brasil, Banco Nacional e o Banco Real, e que aceitava apenas cartões Visa; e a Redecard, pertencente ao Citibank, Itaú e Unibanco, aceitando apenas cartões Mastercad. (GARREL, 2019).
Nesse meio de intensa verticalização, novamente o consumidor era prejudicado, posto que ou o dono do estabelecimento aceitava apenas um dos cartões ou então aquele tinha que adquirir duas máquinas de cartão, onerando-o. Enfim, nítido o efeito da verticalização intensa ao mercado tanto de cartões de crédito como de máquinas de cartão e o prejuízo reinante.
Mediante a atuação conjunta do Banco Central, do CADE e da Secretaria de Acompanhamento Econômico, ligada ao Ministério da Fazenda, bem como da Secretaria de Direito Econômico, ligada ao Ministério da Justiça, formulou-se o Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos, apontando para a extrema verticalização do setor e a necessidade da adoção de providências para o rompimento do duopólio. (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2008).
Cabível ainda destacar que, com a função regulatória do Banco Central, colmatando a lacuna outrora existente, sem prejuízo da função fiscalizatória dos demais órgãos, sobretudo, do CADE, propiciou-se a ruptura do cenário existente e a diminuição do grau de verticalização. Victor Rufino (2019) destaca a respeito:
“Desde 2009, quando o CADE e o Banco Central levaram ao fim definitivo a pergunta: ‘vai pagar com Visa ou Master?’, os órgãos têm sido proativos na adoção de medidas pró-competitivas no setor. Os resultados são expressivos: com a quebra da exclusividade credenciadora/bandeira, a taxa cobrada pelos cartões caiu 20% segundo a ABRECS (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços).”
Destacando que a aquisição de status de instituição autônoma pelo Banco Central e pelo CADE foram essenciais na conjuntura do mercado econômico e seu controle pelo Estado, Maílson de Nóbrega resume: “A construção de instituições econômicas fortes criou restrições ao exercício do populismo econômico.” (NÓBREGA, 2005, p. 271).
Sob esse aspecto, de acordo com a Análise Econômica do Direito, a atuação estatal se justificou em virtude de uma clara falha de mercado, qual seja, verticalização do mercado bancário. Além disso, teve por norte propiciar a eficiência de Kaldor-Hicks, e não na perspectiva de Pareto, posto que nesta se busca melhorar a situação ou utilidade, porém, sem prejudicar a de outro. (GONÇALVES; RIBEIRO, 2013).
Ora, se a atuação estatal visou à quebra de um duopólio, ecoa óbvio que houve prejuízo econômico, cujo grau foi variável, àqueles que detinham o domínio da cadeia negocial, o que afasta, portanto, o critério de eficiência de Pareto, aproximando-se à eficiência de Kaldor-Hicks. Nesta se entende que “as normas devem ser desenhadas de maneira a gerarem o máximo de bem-estar para o maior número de pessoas.” (SZTAJN, 2005, p. 76).
Pois bem, a atuação estatal regulatória e fiscalizatória traduz exatamente a ideia de procurar garantir maior bem-estar ao maior número de pessoas, consumidores e potenciais concorrentes, justificando eventual prejuízo assimilado por um grupo menor, daí a sua correlação com a definição de eficiência de Kaldor-Hicks. De fato, um dos efeitos do rompimento do duopólio foi a diminuição da participação do mercado da Rede e da Cielo, vindo a cair a 73,6% em 2018, enquanto em 2015, paralelamente, estavam em 85,2%, segundo dados do Banco Central (2018b, p. 22).
Com a atuação do Banco Central, permitiu-se maior concorrência ao setor não só em relação aos cartões disponibilizados, mas também quanto ao ingresso de novas máquinas de cartão, oxigenando este segmento. Assim sendo, possibilitou-se um acirramento na disputa pela clientela, inclusive, quanto ao setor das máquinas de cartão, trazendo ofertas e propostas vantajosas com o objetivo de ser melhor aceito no mercado.
A redução do avanço da Rede e da Cielo sobre o mercado de cartão de crédito, por meio da atuação regulatória, fiscalizatória, franqueou um cenário de melhoria para aqueles que desejavam nele ingressar e participar, bem como ao consumidor. Seguindo tal linha, vieram outros concorrentes, como a GetNet, Elavon e a Vero, fomentando competitividade ao segmento, conforme rememora Kawamoto (2019).
De igual maneira, ao quebrar o duopólio das máquinas de cartão, propiciou-se o ingresso de novos concorrentes no mercado, causando queda nos lucros dos antigos dominadores do setor. Nesse eito, sobrevieram ao consumidor propostas mais competitivas e tendentes a ser mais vantajosas a ele, cuja opção tende a se direcionar pela escolha mais racional e que traduza em maior eficiência econômica ou bem-estar para si.
A título meramente exemplificativo, cite-se a PagSeguro Uol que amealhou notável fatia do mercado, por meio da venda do maquinário, mediante a cobrança de uma taxa, enquanto as tradicionais Cielo e a Rede ofereciam apenas o aluguel da máquina, cuja vantagem seria para empresas com grande capital. (VALLE, 2017). Esse ponto demonstra, com clareza solar, o benefício que a concorrência traz ao segmento ao estimular a competitividade.
Conforme frisado, a verticalização de determinado segmento negocial é perniciosa, pois ofusca a efetividade do princípio da livre iniciativa e concorrência, bem como prejudica o consumidor. De fato, uma das dimensões albergadas pela livre iniciativa é o livre comércio e mercado, compreendido com a possibilidade de o indivíduo explorar a atividade econômica livremente (art. 170, parágrafo único, da CF), isto é, liberdade de empresa (GRAU, 2018), a qual é afetada quando um concorrente não consegue ingressar pelo hermetismo do mercado.
Some-se a isso que a carga de efetividade do princípio da livre concorrência é, de igual maneira, afetada substancialmente quando há uma verticalização muito intensa de uma determinada cadeia, porquanto, além de seu fechamento, aqueles que ingressam nela não conseguem sobreviver pela voracidade da competição.
Aliás, memorável advertir que o princípio em questão se traduz em três aspectos fundamentais, consoante lição de Eros Grau (2018, p. 200): “b.1) faculdade de conquistar a clientela, desde que não através de concorrência desleal – liberdade privada; b.2.) proibição de formas de atuação que deteriam a concorrência – liberdade privada; b.3) neutralidade do Estado diante do fenômeno concorrencial, em igualdade de condições dos concorrentes – liberdade pública.”
A livre concorrência em um segmento implica o reconhecimento da imprescindibilidade de o mercado possuir potenciais concorrentes em número suficiente que fomente a competitividade. Assim sendo, as empresas ativas não podem formar cartel para equacionar determinado preço a fim de implodir a concorrência e a as empresas dominantes não podem abusar de seu status. (PEREZ; BRUSCHI, 2018, p. 40).
A verticalização do mercado bancário em um patamar alto, dentro da dinâmica da guerra de cartões e das máquinas de cartões, frustra o empresário-concorrente da possibilidade efetiva de conquistar a clientela, haja vista que os detentores da cadeia negocial têm condições de ditar as regras do mercado. Não há como se cogitar, destarte, em concorrência acaso existente um mercado verticalizado em um grau intenso e voraz, tal qual quando da existência do duopólio das máquinas de cartão de crédito.
Digno de nota que a maior fluidez dos princípios da livre iniciativa e livre concorrência atendem o potencial e efetivo consumidor. A livre concorrência não pode ser lida de forma desmedida e muito menos um fim em si mesma (SAAVEDRA, 2013); ao contrário, encontra limites que são delineados pela própria Carta Maior: “a eficácia do princípio da concorrência depende, portanto, desses limites e só se concretiza enquanto realizar o telos constitucional de assegurar a todos a existência digna.” (SAAVEDRA, 2013, p. 1802).
O consumidor, por seu turno, em um quadrante em que haja outras opções, tem melhores ofertas, com preços e valores praticados mais vantajosos em razão da competitividade natural e inerente do próprio mercado liberal. Imerso nesse panorama, o fomento à competitividade em relação às máquinas de cartão de crédito possibilitou, por exemplo, a queda de taxas anteriormente praticadas, a redução do prazo de pagamento aos comerciantes que venderem no crédito, ganhando com isso o consumidor do serviço. (GRADILONE, 2019).
É necessário, contudo, não se romantizar a questão ou olhá-la sob uma lente cândida, uma vez que a simples mudança do cenário do duopólio para um novo universo, franqueando o surgimento da concorrência em relação aos cartões de crédito e às máquinas de cartão não implica, por si só, na distrofia da verticalização do mercado bancário existente. Apenas diminuiu sua voracidade.
Significa dizer que se, sob uma perspectiva, a abertura do mercado polarizado permitiu oxigená-lo com demais entes participantes, sob outra, em outro sentir, intensificou o processo de instituições financeiras que já dominavam ou tinham posição de destaque dentro do mercado para adotar políticas empresariais que pudessem colapsar a concorrência. A propósito, elucidativo o exemplo mencionado no Relatório da CPI de Cartões de Crédito:
“[…] a verticalização também impõe um risco para a indústria, pois aumenta a probabilidade de se distorcer preços e tarifas como forma de prejudicar a concorrência. Nesse caso, os preços e tarifas relevantes deixariam de ser fixados com o objetivo de maximizar a rede, e passariam a se orientar para exclusão de potenciais competidores. Por exemplo, um aumento da tarifa de intercâmbio prejudica o adquirente e favorece o emissor. Ocorre que, quando adquirente e emissor pertencem ao mesmo grupo, um aumento dessa tarifa não traz qualquer impacto para o conglomerado. Mas pode prejudicar a concorrência no mercado de adquirência, ao aumentar os custos para os participantes.” (BRASIL, 2018b, p. 46).
Nessa linha de raciocínio, conseguindo adotar medidas empresariais com aparência vantajosa ao consumidor, porém, deletérias aos concorrentes e impraticáveis, as instituições financeiras dominantes conseguiriam implodir seus concorrentes a curto, médio ou longo prazo, voltando a transformar o segmento em um feudo particular seu, dentro do qual reinariam em absoluto novamente.
Ademais, impende destacar o risco da prática de rent seeking, na linha do que prevê a Análise Econômica do Direito, podendo aquele ser compreendido na prática de cooptação dos poderes do Estado nas mãos de particulares com um alto poder financeiro. Diante desse risco, a autonomia do órgão regulador, como o Banco Central, bem como dos órgãos fiscalizatórios, cujo mister é exercido por vários e não apenas pelo CADE, diminui o risco de tal prática.
Um exemplo que pode ser mencionado a respeito da atuação exitosa do CADE se refere à política empresarial, direcionada aos correntistas do Itaú Unibanco e do Tribanco, praticada pela credenciadora Rede e pelo Itaú, a fim de isentar de cobrança a taxa de antecipação de recebíveis, ou seja, aquela cobrança que é feita em cima do que é vendido a crédito à vista do empresário, o que levou ao CADE a investigar eventual legalidade da manobra. (FURLAN, 2019).
A atuação do órgão foi decisiva para estender a suposta benesse a todos os clientes. (FURLAN, 2019). Sobre o CADE e a livre concorrência, colha-se, por oportuno, a seguinte lição: “O órgão responsável por fiscalizar e coibir práticas que contrariem a livre concorrência é o CADE- Conselho Administrativo de Defesa Econômica – podendo, até mesmo, aplicar sanções de cunho pecuniário para as pessoas que interferirem de forma negativa no mercado.” (FERRER; MOLLICA, 2017, p. 781).
A respeito da importância do munus do órgão fiscalizatório, Victor Rufino (2019) rememora: “A preocupação do Cade passou a ser a potencial combinação de esforços entre credenciadores e seus bancos controladores para dificultar o acesso ao mercado por player independentes. Isso gerou sucessivas ações para garantir um ambiente equalizado em que o processo competitivo fizesse sua parte.”
Cumpre destacar que ao CADE compete resguardar a higidez da ordem econômica (art. 9º, II, da Lei nº 12.529/11), podendo ainda aplicar sanções administrativas por infrações àquela, inclusive, podendo ordenar providências que visem à cessação do ato (art 9º, III, IV, da Lei nº 12.529/11). Assim sendo, cristalina a importância da atuação conjunta do CADE, enquanto órgão fiscalizatório, e do Banco Central no exercício de seu múnus regulatório.
A respeito da função regulatória, colha-se, por oportuno, a seguinte lição: “Entende-se que o legislador não tem condições de prever todas as situações concretas. Defere, assim, ao agente regulador a faculdade de formular decisões que conciliem a perspectiva do crescimento econômico impulsionado pela iniciativa privada com o interesse público.” (FONSECA, 2017, p. 68).
Nesse eito, importante não olvidar que o princípio da livre concorrência não comporta qualquer comportamento competitivo livremente, por si só, o que traduziria a política econômica do mais forte sobre os mais fracos e de dominação sobre concorrentes e clientela. (GÂLVEAS, 2002). Contrariamente a tal concepção, admite sim a competição, a qual, contudo, deve estar alinhada com demais valores e princípios igualmente importantes como a moralidade, a livre iniciativa, a função social da empresa e outros.
Priscila Gonçalves (2019), ao abordar a necessidade de se verificar se determinada prática empresarial representa abuso à competitividade no setor, sintetiza: “A questão que se coloca ao Cade é se descontos condicionados e outras formas de privilegiar os serviços bancários constituem defesa legítima do modelo de negócio tradicional ou ultrapassam os limites do que é concorrencialmente aceitável.”
Em que pese a atuação importante do CADE e do Banco Central, mister não olvidar os demais órgãos igualmente importantes para a diminuição da verticalização do mercado bancário e que tiveram decisões importantes para tanto. Cite-se o Relatório da Indústria de cartões de crédito, dentro do qual se apontou a existência da falha de mercado, sendo fruto da colaboração entre Banco Central, Ministério da Fazenda, por intermédio da Secretaria de Acompanhamento Econômico, e do Ministério da Justiça. (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2008).
Destaque-se ainda a própria Secretaria Nacional do Consumidor, outro órgão que possui poder na aplicação de sanções administrativas pelo descumprimento de normas protetivas ao consumidor (art. 3º, X, do Decreto nº 2.181/97) e é possuidor de relevante atuação dentro do setor tratado. Diferentemente da atuação do CADE, cujo norte é a higidez da ordem econômica, a Secretaria Nacional do Consumidor fiscaliza e sanciona ações que violem direitos consumeristas.
Tal situação demonstra a importância da atuação do órgão, máxime no mercado de cartão e de máquinas de cartão de crédito. A Nota Técnica nº 28/2020, por exemplo, visando resguardar o consumidor dentro da disputa entre os cartões, repele práticas como o desvirtuamento do cartão de crédito consignado, a oferta excessiva e abusiva e por telefone, o direito à informação integral na oferta do crédito. (BRASIL, 2020).
A Secretaria Nacional do Consumidor busca também orientar e conscientizar o consumidor, dando ciência àquele da inteireza das relações de consumo para evitar o endividamento, buscando, por exemplo, informar a vantagem do pagamento da fatura do cartão de forma integral. Tal atuação aponta que o papel do órgão não se restringe apenas ao caráter sancionatório, mas, ao contrário, aborda questões de conscientização e informação.
Enfim, é de se ver que o êxito na atuação paulatina para a diminuição da verticalização decorre de uma comunhão de esforços entre o órgão regulador, Banco Central, o qual preencheu uma lacuna existente, e os órgãos vinculados ao Executivo, como a Secretaria Nacional do Consumidor, e outras entidades, como o próprio CADE, cada um dentro de seu sistema de atribuições.
3 Mobile Payments e Fintechs: Inovação Tecnológica e a Livre Concorrência no Mercado de Operadoras de Cartão de Crédito
A respeito da diminuição da verticalização do mercado bancário e a concorrência das operadoras de cartão de crédito, oportuno destacar que o último fenômeno começou a ter uma posição mais significativa não só com a quebra do duopólio anteriormente existente entre credenciadora e cartão ou entre as máquinas de cartão que oscilavam entre dois polos, mas sim quando “o Bacen reconheceu os arranjos da moeda eletrônica, baseados na criação de um conta digital de pagamento, que permite ao cliente receber pelas suas vendas independentemente de possuir conta bancária.” (GONÇALVES, 2019).
Ao longo do tempo, como é cediço, as variadas inovações tecnológicas foram adaptadas ao processo dentro do mercado bancário, possibilitando o ingresso de novas fórmulas de negócio, com uma roupagem diferenciada, o que culminou em um processo de digitalização das finanças e das relações bancárias:
“[…] a digitalização das finanças na atualidade não é simplesmente um implemento tecnológico capaz de acelerar as trocas econômicas, mas verdadeira parte integrante do capitalismo contemporâneo, sendo a velocidade aspecto definidor das condutas de grandes agentes econômicos – como grandes bancos e fundos de investimentos- na operação do mercado.” (CARVALHO, 2018, p. 212-213).
Nesse universo, imerso no capitalismo contemporâneo, em que se busca cada vez mais o dinamismo, a agilidade e a simplificação de processos, desenvolveram-se o mobile payments, o qual, nas palavras de Lucas Machado (2011, p. 48): “[…] consiste na utilização de dispositivos móveis para o pagamento de uma ampla gama de serviços e bens duráveis e digitais como, por exemplo, tarifa de transporte público (metrô, ônibus e trens), músicas, vídeos na internet, compras no supermercado e etc.”
Em síntese, o mobile payment, nas palavras de Ricardo Abrahão (2015, p. 17), é um processo que “tem como objetivo a compra, pagamento ou transferência de valores remotamente feita pelo dispositivo móvel, sem a necessidade de dinheiro em espécie e sem a necessária participação de instituições bancárias”.
As grandes instituições financeiras sólidas continuam com parcela considerável do mercado de cartões de crédito e de máquina de cartão concentradas em si, contudo, sem prejuízo do importante papel do Banco Central e do CADE, a incorporação de novos procedimentos tecnológicos, diminuiu o grau de intensidade da verticalização, permitindo o surgimento de alternativas como o mobile payment por meio das fintechs.
As fintechs são alternativas às instituições financeiras tradicionais, permitindo a realização de serviços, como pagamento e disponibilização de crédito, aplicações, entre outras modalidades, incorporando maior nível de tecnologia a tais procedimentos. Em outras palavras, “são startups — empresas de tecnologia nascentes com alto potencial de escalabilidade — que desenvolvem produtos ou serviços financeiros.” (FIGO; LEWGOY, 2019, p. 13).
Como alternativa às instituições financeiras tradicionais, conhecidas pelo formalismo e pela universalidade de atuação dentro do mercado bancário, as fintechs buscam algo diverso: atuar em determinado segmento específico, como pagamento, oferta de crédito, aplicações, crowdfunding, bitcoin, seguros e demais setores. Fornece-se, em compensação à especialização do setor, ao usuário melhor otimização de resultados, por meio da tecnologia aplicada, o que garante àquele mais praticidade e menor burocracia.
Os focos, portanto, são diversos. Enquanto a instituição financeira tradicional possui um cenário mais robusto e de maior solidez por atuar em um universo mais amplo e maior no mercado econômico, em diversos setores, as fintechs são focadas em uma linha apenas e, com isso, conseguem se tornar mais competitiva para se inserir no mercado, privilegiando, portanto, a livre concorrência.
Com efeito, tendo em vista que as fintechs são focadas em setor específico e considerando a incorporação de tecnologia de alta ponta ao procedimento que figura como seu objeto, seu custo de operação e funcionamento é menor do que de uma instituição financeira robusta e tradicional. O quadrante delineado lhe possibilita, portanto, fornecer serviços a uma taxa mais competitiva no mercado, além da comodidade – menor burocracia, maior praticidade e dinamismo nas operações, trazida ao usuário. (CAMPOS; RIBEIRO; PUPO, 2018).
As fintechs tiveram boa receptividade no mercado brasileiro, consoante se observa na evolução dos números do mercado financeiro: em agosto de 2018, havia 453 empresas, passando para 604 no início de junho de 2019, o que foi equivalente a um crescimento de 33%. (CANOVA, 2019). Ademais, a perspectiva de exploração do nicho do pagamento digital é fecunda, sobretudo, pela disseminação dele em razão da acessibilidade da tecnologia, sendo que estudos apontam uma estimativa de redução da participação dos pagamentos físicos no Brasil, de 74,6% das transações em 2019, para 68,9% em 2024. (TOBIN; MURRANT, 2020, p. 35).
A alta receptividade nacional na incorporação de instrumentos tecnológicos, como as ideias da fintechs e de mobile payments, é perceptível claramente. A recente crise pandêmica do Coronavírus (COVID-19) transpareceu isso ao permitir que o pagamento do auxílio emergencial, previsto no art. 2º, §9º, da Lei nº 13.982/2020, fosse feito por meio das fintechs, com o intuito de evitar filas e aglomerações de pessoas nas instituições financeiras tradicionais.
Com efeito, diante do panorama instável do Coronavírus (COVID-19) e de sua disseminação pelo mundo, a Organização Mundial da Saúde (2020) recomendou que se evitasse a aglomeração de pessoas e, inclusive, sugeriu a adoção de medidas de isolamento social para conter o avanço da patologia.
A aplicação das medidas sanitárias em questão levou à paralisação do comércio e demais setores econômicos, trazendo grandes dificuldades ao setor produtivo e social. (FMI, 2020). Imerso nesse cenário de recessão, surgiu a necessidade de se realizar o pagamento de auxílios emergenciais, sobretudo, às classes mais desfavorecidas, daí porque se autorizou que o pagamento fosse processado, inclusive, via fintechs para coibir justamente a reunião de pessoas nas portas das instituições financeiras. Enfim, jungiu-se em tal situação a questão da medida sanitária – evitar aglomerações –, necessária na ocasião, à praticidade e dinamismo das fintechs.
Atento ao mercado em crescimento e fértil, a sobrevinda da Lei nº 12.865/2013 foi de grande valia para imprimir maior segurança jurídica à realidade econômica: reconheceu a moeda eletrônica (art. 6º, VI), vedou às instituições de pagamento realizar procedimentos típicos de bancos (art. 6º, §2º), definiu o Sistema de Pagamentos e Transferência de Valores Monetários por meio de Dispositivos Móveis como conjunto de arranjos de pagamento disciplinador da prestação dos serviços de pagamento, tendo por norte a utilização de dispositivo móvel em rede de telefonia móvel (art. 8º, parágrafo único).
Sem prejuízo, referida lei ainda lembrou o papel regulatório do Banco Central, munindo-lhe da função de, observada a diretriz do Conselho Monetário Nacional, disciplinar os arranjos de pagamento, de verificar a constituição, funcionamento e fiscalização das instituições de pagamento, de autorizar a instituição de arranjos de pagamento, bem como de exercer vigilância sobre os arranjos de pagamento e aplicar as sanções cabíveis (art. 9º e incisos).
Munido de tal munus, o Banco Central editou a Resolução nº 4.656/2018 em que disciplinou as operações de empréstimos e financiamentos por meio da plataforma eletrônica, reconhecendo a situação das fintechs de pagamento, no art. 8º, §1º, V, da normativa, bem como, por conseguinte, do mobile payments. O exercício do papel regulatório do órgão incutiu maior segurança jurídica às transações realizadas e permitiu imprimir mais competitividade ao setor com isso.
É possível verificar que a atuação do Banco Central, diante do fenômeno da desconcentração bancária, conduziu-se por diversas ações praticadas pelo órgão, entre as quais a citada Resolução nº 4.656/2018. Podem ainda ser mencionados, dentro desse universo, segundo esclarece Glauber Ferreira (2018), a Circular nº 3.885/18, a Resolução nº 4.639/18, a Resolução nº 4.658/2018, emitidas pela própria instituição.
De fato, a Circular nº 3.885/18, prevendo a figura do subcredenciador, possibilitou a participação destes com volume menor de R$ 500 milhões por ano nas operações de cartão, sem a necessidade de os subcredenciadores fazerem parte da câmara interbancária de pagamentos. Tal medida “visa a redução dos custos operacionais […], facilita a entrada de novos players aos meios de pagamentos e aumenta a capilaridade de subcredenciadores junto aos estabelecimentos comerciais possibilitando a consequente redução dos custos ao consumidor final.” (FERREIRA, 2018, p. 62).
Além disso, a Resolução nº 4.639/18 trouxe a previsão da portabilidade do salário por meio das contas salário, o que foi aprovado anteriormente pelo Conselho Monetário Nacional. Cuida-se de um instrumento eficiente, tendo por objetivo “propiciar maior comodidade ao beneficiário e estimular maior concorrência entre as instituições.” (FERREIRA, 2018, p. 64). Mediante o estímulo da concorrência, o cenário se mostra favorável ao surgimento de novos players, sobretudo, as fintechs, trazendo consigo a tecnologia e a praticidade.
No mesmo panorama, vislumbra-se a Resolução nº 4.658/2018 do Banco Central, que traça, em resumo, diretrizes a respeito da política de segurança cibernética. O ato é uma precaução e traz requisitos mínimos no estabelecimento de uma política de segurança cibernética, máxime considerando a utilização de mobile payments e fintechs nas transações bancárias. A incorporação da tecnologia aos meios de pagamento pressupõe o estabelecimento de um padrão mínimo de segurança a essas transações financeiras.
O fluxo traduzido na agregação de novas opções, como mobile payment, fintechs, ao mercado bancário verticalizado tradicional e que gravitava em torno das instituições financeiras tradicionais, no que concerne às máquinas de cartão de crédito, impingiu maior competitividade ao setor, oxigenando-o.
Esse fenômeno vem ao encontro do desiderato do Poder Público como um todo, seja por meio da política legislativa, seja compreendido no exercício da função regulatória, seja no âmbito da atribuição fiscalizatória do CADE, do Ministério Público Federal, PROCON, Secretaria Nacional do Consumidor, Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, etc.
Novamente, apresenta-se, na perspectiva do Law and Economics, a atuação do Estado a fim de imprimir, por meio da regulação, maior segurança jurídica aos pagamentos móveis, alinhando-se com a ideia da escolha racional, adequação e eficiência, tríade sobre a qual se finca a Análise Econômica do Direito. (RIBEIRO; GALESKI, 2009). De fato, a escolha racional se traduz numa opção mais célere, dinâmica e prática de pagamento fornecida pelas fintechs e pelo mobile payments.
A adequação, por sua vez, se refere ao equilíbrio obtido, em uma perspectiva social, quando vários sujeitos se orientam na ação de seu próprio bem-estar racionalmente. (CARVALHO, 2008). Tal situação é perceptível pelo ingresso das fintechs no mercado bancário, com a proposta de uma atuação mais segmentada e direcionada do que as instituições financeiras tradicionais, surgindo, portanto, um nicho de mercado.
A eficiência, por seu turno, na mesma linha da ideia de Kaldor-Hicks, pode ser observada no dinamismo que o mobile payment e as fintechs trouxeram consigo. Em que pese ter ocorrido uma diminuição da verticalização, obviamente, o mercado bancário continua extremamente acirrado e hostil, sendo que não raras vezes há a utilização de condutas anticoncorrenciais com vistas a eliminar ou tolher a concorrência.
De fato, o controle ex-post das condutas, consoante ensinamentos de Adriana Perez e Cláudia Bruschi (2018), isto é, a possibilidade da realização da fiscalização de eventuais medidas empresariais anticoncorrenciais no âmbito do CADE, é imprescindível para a manutenção da competitividade sadia dentro do segmento bancário a fim de diminuir o grau de verticalização, sobretudo, quanto à guerra das máquinas de cartão de crédito.
De igual maneira, as mesmas autoras apontam para a importância da perene atualização das medidas estruturantes, ou seja, definidoras de diretrizes e de norte, por intermédio do Banco Central, para a atuação das demais entidades. Cabível não olvidar o importante papel desempenhado pelo Estado na regulamentação das atividades econômicas, conforme destacam Gina Pompeu e Rosa Oliveira de Pontes (2018, p. 377):
“[…] em decorrência dos vários movimentos econômicos, políticos e sociais o Estado tem atuado como agente regulador da atividade econômica em maior ou menor grau, sendo certo de que o desafio pela busca do desenvolvimento econômico, com valorização humana, exige compatibilização dos interesses públicos e privados.”
A boa receptividade das fintechs e a ampliação do mobile payments vem delineando a nova dinâmica do mercado financeiro, diminuindo o grau de sua verticalidade, bem como a concentração bancária, pelas vantagens que propõe – dinamismo, tecnologia, melhores condições, praticidade.
Tal sintonia vem sendo amparada pela atuação mais proeminente do CADE, em sua atribuição fiscalizatória, e pelo Banco Central em seu mister regulatório, sem prejuízo do exercício das atribuições dos demais órgãos atuantes no setor econômico, como Ministério Público, PROCON, bem como do próprio cidadão, o qual atualmente sabe que possui direitos e os reivindica.
Enfim, a miscelânea de fatores conjugados pelas fintech e mobile payments – acessibilidade à tecnologia, taxas mais competitivas, praticidade – conflui em uma direção muito benéfica ao consumidor e à livre concorrência, pois insere opções alternativas na guerra das máquinas de cartão de crédito, cuja tendência é, tendo maior nível de competitividade sadia no setor, franquear um mercado com mais alternativas.
Conclusão
A Análise Econômica do Direito pode ser utilizada, com clareza solar, para demonstrar o processo de diminuição da verticalização do mercado bancário e a desconcentração bancária, relacionados aos cartões e às máquinas de cartões de crédito, e as vantagens advindas ao consumidor a partir de uma maior fluidez do princípio da livre concorrência no setor.
Com efeito, sob o prisma do critério de eficiência de Kaldor-Hicks, ecoa nítida a importância econômica da atuação do Estado, pelas funções fiscalizatória e regulatória, rompendo os duopólios até então vigentes e que faziam os consumidores reféns das propostas existentes, permitindo maior fluidez das regras inerentes do próprio mercado.
Nessa dinâmica, ao se quebrar o domínio do setor de cartões e de máquina de cartões, consistente nos duopólios, atuou o Estado para corrigir a falha de mercado gerado pelo próprio mercado e que estava tolhendo a efetividade do princípio da livre concorrência. Ao fazê-lo, permitiu a efetividade regular do princípio da livre concorrência, motivo pelo qual apareceram novos concorrentes, cada qual com sua respectiva proposta ao consumidor.
A incorporação do mobile payments e das inovações tecnológicas, como as fintechs, acrescido às funções regulatórias e fiscalizatórias do Poder Público, foram fundamentais para diminuir o grau de verticalização do mercado bancário, franqueando o delineamento de um panorama mais adequado de solidariedade constitucional (art. 170, in fine, CF/88).
Faz-se mister, entretanto, ter-se extrema cautela, posto que, conforme escrito alhures, algumas medidas empresariais entabuladas, sob o pretexto aparente de imprimir maior competitividade ao setor e à empresa dentro do mercado, podem, na verdade, esconder a intenção nefasta de devastar potenciais e efetivos concorrentes a médio e longo prazo.
De fato, em uma competição de mercado, cada um dos participantes oferece sua proposta ao consumidor, o qual, obviamente, mediante a escolha racional, tende a optar pela opção formulada que lhe seja mais vantajosa economicamente. Sucede, contudo, que há que se tomar cuidado para que não haja a cooptação do Poder Público por interesses de pequenos grupos que tenham interesse em garantir a continuidade da estrutura de predomínio de mercado (rent-seeking).
Ademais, é necessária a atenção às propostas que, pela escolha racional, seriam benéficas ao consumidor, sob a lente econômica, contudo, seriam devastadoras à concorrência e insustentáveis, posto que, nessa situação, haveria nítida prática anticoncorrencial, com o intuito de dilacerar os concorrentes.
Em um mercado bancário com alto grau de competitividade, como no caso do quadro da guerra entre as operadoras de cartão de crédito e entre as máquinas de cartão, é imprescindível a proeminência da função regulatória do Banco Central e fiscalizatória do CADE, bem como da Secretaria Nacional do Consumidor e demais órgãos, a fim de, no primeiro caso, fixar diretrizes e parâmetros e, no segundo caso, reprimir práticas abusivas.
De igual maneira, entretanto, soam como imprescindíveis o aperfeiçoamento da atuação mais efetiva de demais órgãos públicos, como Ministério Público Federal, Congresso Nacional, e uma cidadania participativa. Quanto maior for o nível de fiscalização do mercado existente, sobretudo quando o nível de competitividade for alto, maior o benefício ao consumidor, posto que lhe propicia uma opção negocial melhor pelas regras do livre mercado, sem prejudicar, contudo, a concorrência.
De fato, a atuação mais firme e madura de outros órgãos públicos, cuja incumbência é, de igual forma, a fiscalização do sistema econômico-financeiro, como Ministério Público, Congresso Nacional, é extremamente desejável maior otimização do resultado, buscando coordenação de ações com o CADE e com a Secretaria Nacional do Consumidor. É necessário amadurecer a forma de colaboração dos órgãos fiscalizatórios, buscando otimizar suas atividades e coordená-las.
Muito embora tenha sido decisiva a atuação do Banco Central, do CADE e da Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, sem prejuízo dos demais órgãos fiscalizatórios, há muito ainda por fazer. Isso porque, com a incorporação da tecnologia aos meios de pagamento, em que a praticidade e agilidade são palavras de ordem, as práticas anticoncorrenciais e deletérias à concorrência são praticadas, máxime em um mercado tão lucrativo como o bancário.
Tal situação exige, enfim, a atuação não só atenta dos órgãos fiscalizatórios, mas um olhar conjunto, compartilhado pelo CADE, Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, Congresso Nacional, Ministério Público Federal, permitindo maior integração técnica e agilidade nas apurações. Mediante a integrações dos órgãos e a atuação regulatória do Banco Central é possível vislumbrar a garantia de uma maior efetividade ao princípio da livre concorrência, cuja necessidade de afirmação é constante.
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[1] Mestrando em Direito (UNIMAR). Master em Fundamentos da Responsabilidade Civil (Universitat de Girona). Especialista em Direito Público (UNIDERP) e em Ciências Criminais e Segurança Pública (CERS). Promotor de Justiça (MP/MS). E-mail: allanarakaki@hotmail.com
[2] Mestrando em Direito (UNIMAR). Advogado. E-mail: emerson_santpereira@hotmail.com
[3] Especialista em Direito Público (FAEL). Advogado. E-mail: fabioborini@gmail.com
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