Ação anulatória de lançamento fiscal e suas especificidades

Resumo: O escopo do presente trabalho é discutir as principais características da Ação Anulatória de Lançamento Fiscal, bem como os aspectos controversos de tal medida judicial.


Palavras-Chave: Ação anulatória e lançamento fiscal.


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Abstract: The main goal of this issue is to discuss the main features of the Annulment Action Release Fiscal and controversial aspects of such a judicial measure.


Keywords: Action Release and tax assessment.


Sumário: 1. Introdução, 2- Definição de Ação Anulatória de Lançamento Fiscal, 3- Momento da propositura da ação, 4- Ação Anulatória e autolançamento, 5- Do prazo prescricional, 6- Conclusão.


1 – Introdução


Em contraponto aos processos exacionais, que têm como objetivo a veiculação de uma norma individual e concreta que efetive, no plano fático, a obrigação tributária, encontramos na legislação e na práxis pátria, alguns tipos de processos judiciais, instaurados pelos contribuintes, que visam obstar o desenvolvimento do ciclo de posivitação do Direito Tributário.


Mais especificamente, no âmbito do processo repressivo, deparamo-nos com a ação anulatória de lançamento fiscal, que, conforme Cleide Previtalli Caís “pode ser promovida pelo contribuinte contra o Poder Público tendo como pressuposto a preexistência de uma lançamento fiscal cuja anulação se pretenda pela procedência da ação descontituindo-o”.[1]


Embora seja um tipo de ação comumente empregada no dia-a-dia forense pelos causídicos, tal ação sofreu algumas mudanças, nos últimos tempos, em seu conceito e na forma de sua utilização.


O objetivo deste trabalho é apenas e tão-somente submeter ao crivo dos leitores uma pequena síntese do problema, apontando posições de alguns respeitáveis juristas sobre o tema, com o intuito de esboçar um posicionamento tímido sobre o assunto.


2- Definição de Ação Anulatória de Lançamento Fiscal


Primeiramente, insta ressaltar que a ação anulatória em matéria tributária é uma modalidade processual antiexacional que sucede a constituição da obrigação tributária. Tal ação tem como objetivo primeiro a produção de uma norma concreta e individual que desconstitua a eficácia da anterior norma tributária (o lançamento efetuado pelo Fisco). Desta forma, o Estado-Juiz ao julgar o pleito do contribuinte, emite uma sentença que possui eficácia desconstitutiva da obrigação tributária.


Embora a carga principal da sentença da ação anulatória seja desconstitutiva, uma vez que a sentença funciona como veículo introdutor de uma norma que leva a extinção da obrigação tributária, também possui carga declaratória, eis que ao julgar a questão, o Estado-juiz além de desconstituir a normal individual e concreta já produzida, proíbe o Fisco de, em condições fáticas e jurídicas idênticas, efetuar o lançamento novos tributos.


Dessa forma, a sentença judicial produzirá efeitos não só sobre a obrigação anteriormente posta, mas também sobre todas as situações futuras, que se enquadrem no mesmo lineamento enfrentado pela Judiciário.


Em síntese, a sentença da ação anulatória retroage ao passado, reformando o débito anteriormente constituído, além de constituir novo fato jurídico, eis que extingue a obrigação posta e, em conseqüência de tais fatos, regula conduta das partes litigantes em situações futuras.


3- Momento da propositura da ação


Conforme expusemos no item anterior, a ação anulatória é processo antiexacional que sucede a constituição da obrigação tributária.


Assim, diferentemente da ação declaratória (que visa a edição de norma individual e concreta que elimine a incerteza quanto à existência de um vinculo jurídico), a ação anulatória pressupõe o lançamento tributário. Logo, o termo inicial para propositura de tal instrumento antiexacional é a notificação da constituição do crédito tributário.


A questão que se coloca nesse trabalho é, até que momento poderá ser proposta tal ação? Entendiam os tribunais, com fundamento nos artigos 5º e 16 da Lei de Execuções, que a ação anulatória somente poderia ser proposta até o ajuizamento da execução fiscal. Após, faleceria ao contribuinte interesse de agir, devendo, assim, alegar, por meio de Embargos à Execução toda matéria útil à sua defesa.


Contudo, tal entendimento encontra-se superado, eis que, conforme dispõe o art. 585, §1ª, IV do Código de Processo Civil, a propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução.


Nesse sentido, ensina o Professor Araken de Assis “a ação anulatória é cabível antes, durante e no curso da execução fiscal. Na pendência desta – já se realçou – não induz litispendência e, supervenientemente à extinção do processo executivo, não afronta a autoridade da coisa julgada”[2]. Ademais, já ficou consolidado no Egrégio Superior Tribunal de Justiça que:


“IPTU. AÇÃO ANULATÓRIA AJUIZADA NO CURSO DA EXECUÇÃO FISCAL. POSSIBILIDADE. 1. Esta Corte possui entendimento pacífico no sentido de que a ação executiva em curso não impede a propositura de ação desconstitutiva pelo executado. Precedentes: REsp 937.416/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 16.6.2008; AgRg no Ag 774.671/RJ, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJ de 1.3.2007.2. Agravo regimental não-provido.” (AgRg no REsp 866.054/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/12/2008, DJe 03/02/2009)


Nesse ínterim, insta ressaltar que a ação anulatória é prejudicial à execução fiscal, visto que, quando for julgada procedente, será criada uma norma individual e concreta, que se projetará em direção ao passado, indo ao tempo da constituição da obrigação tributária para ali encontrar seu fundamento.


Dessa forma, proposta a ação anulatória após o ajuizamento da execução fiscal, aquela passa a exercer perante esta inegável influência prejudicial a recomendar o simultaneus processus, como expediente apto a evitar decisões inconciliáveis. Logo, o juízo único é o que guarda a mais significativa competência funcional para verificar a verossimilhança do alegado na ação de conhecimento e permitir prossiga o processo satisfativo ou se suspenda o mesmo.


Quanto à possibilidade de conexão entre a ação anulatória e a execução fiscal, ressalte-se ainda que o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que pode haver conexão da ação anulatória não só com os Embargos à Execução, quando existentes, mas também com a própria execução fiscal, ainda que sem embargos, hipótese em que, a ação anulatória pode passar a fazer vezes dos embargos, suspendendo a execução fiscal quando garantido o juízo.


Nesses casos, reunidos os efeitos no Juízo da execução fiscal, este terá competência não apenas para processar o processo executivo, mas também para processar e julgar a ação anulatória.


4- Ação Anulatória e autolançamento


Como é notório, o lançamento tributário, previsto no art. 142 do Código Tributário Nacional não representa a única forma de se constituir norma individual e concreta que instaure a obrigações tributárias. No sistema legislativo pátrio, o contribuinte é dotado do mesmo poder constitutivo de créditos tributários que o Estado-Fisco, eis que a lei dá competência ao contribuinte para constituir o fato jurídico e a obrigação tributária.


Assim, no chamado lançamento por homologação, cabe ao administrado individualizar o evento tributário, constituindo-o como fato jurídico e estruturar “denotativamente, todos os elementos integrantes da relação jurídica do tributo”[3]. Graças a esse procedimento do administrado, é que se torna possível o recolhimento do tributo devido, sem qualquer interferência do Estado-Administração.


Logo, a constituição do crédito é efetuada pelo administrado, sendo a “homologação”, apenas uma providencia de cunho meramente fiscalizatório, cujo objetivo maior é zelar pelos interesses da Administração Pública.


Feitas tais considerações, devemos recordar que as ações anulatórias de débito fiscal reportam-se têm por objetivo desconstituir a norma constitutiva da obrigação tributária, gênero do qual são espécies o lançamento tributário e o autolançamento.


Aliás, insta ressaltar que o artigo 156 do Código Tributário Nacional, quando se refere ao veículo introdutor da norma da obrigação tributária, não fez qualquer distinção entre as obrigações constituídas por lançamento ou autolançamento. Dessa forma, não há óbice legal para que a ação anulatória pode ser proposta para anular atos praticados pelo próprio contribuinte.


Nesse ponto ressalte-se que a praxis tem demonstrado a predominância quase que absoluta de tributos construídos a partir de documentos, informes e livros dos contribuintes. Considerando, portanto, que em grande parte dos casos a norma individual e concreta da obrigação tributária é constituída pelo próprio administrado, deve o interprete repensar a finalidade da ação anulatória, não só como processo antiexacional de anulação de ato administrativo (lançamento), mas sim, também como a possibilidade de anulação do tributo constituído pelo próprio contribuinte.


No nosso entender, a ação anulatória prescindirá da existência de qualquer ato homologatório por parte dos agentes da administração pública, eis que, conforme expusemos acima, a norma individual e concreta instituidora da obrigação tributário é criada exclusivamente pelo administrado, cabendo ao Estado-Fisco a simples fiscalização do ato já prático (perfeito e acabado, diga-se de passagem).


No sentido de que o crédito tributário é constituído pelo próprio administrado, sem participação do Estado-Administração, colaciona-se o seguinte julgado:


“TRIBUTÁRIO. ICMS. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECLARAÇÃO DO CONTRIBUINTE DESACOMPANHADA DO PAGAMENTO. PRAZO PRESCRICIONAL. VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO. 1. A entrega da declaração, seja DCTF, GIA, ou outra dessa natureza, constitui o crédito tributário, sem a necessidade de qualquer outro tipo de providência por parte do Fisco. Precedentes. 2. Em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação declarado e não pago, o Fisco dispõe de cinco anos para a cobrança do crédito, contados do dia seguinte ao vencimento da exação ou da entrega da declaração pelo contribuinte, o que for posterior. Só a partir desse momento, o crédito torna-se constituído e exigível pela Fazenda pública. 3. Na hipótese dos autos, deve ser reconhecida a prescrição, pois o crédito tributário venceu em 25.09.89 e a citação da recorrente somente ocorreu em 31.10.95. 4. Recurso especial provido.” (REsp 1127224/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 17/08/2010)


Logo, negar ao contribuinte a possibilidade ingressar com ação anulatória a fim de questionar, por exemplo, a inconstitucionalidade de lei que fixa a regra-matriz de incidência de certo tributo, padece de fundamento jurídico, isso sem falar na gritante afronta ao princípio da ampla defesa.


5- Do prazo prescricional


Firmou-se, em nossa jurisprudência o entendimento de que o prazo prescricional para propositura da ação anulatória do lançamento é qüinqüenal nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/32, contado a partir da notificação fiscal do ato administrativo do lançamento. Nesse sentido:


“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. IPTU, TIP E TCLLP. AÇÃO ANULATÓRIA. PRESCRIÇÃO. DECRETO 20.910/32. 1. Esta Corte já se pronunciou no sentido de que o prazo prescricional adotado na ação declaratória de nulidade de lançamentos tributários é qüinqüenal, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/32, contado a partir da notificação fiscal do ato administrativo do lançamento. Precedentes: REsp 894.981/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 18.6.2008; REsp 892.828/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ de 11.6.2007. 2. Na espécie, constatado o decurso de cinco anos entre a notificação do lançamento e o ajuizamento da ação, há de se reconhecer a prescrição em relação aos lançamentos referentes ao exercício de 1999 e anteriores. 3. Agravo regimental não provido.” (AgRg nos EDcl no REsp 975.651/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/04/2009, DJe 15/05/2009)


Todavia, não podemos esquecer de duas exceções à regra geral acima esboçada.


A primeira exceção está prevista no artigo 169 do Código Tributário Nacional, eis que quando a ação anulatória for precedida de decisão administrativa que denegar a restituição do indébito, o prazo prescricional para a propositura de ação anulatório no âmbito judicial será de dois anos.


A segunda exceção tem por base a tese esboçada no item anterior do presente trabalho. Isto é, quando a ação anulatória tiver por objeto a norma individual e concreta emitida pelo próprio contribuinte, qual será o termo inicial do lustro prescricional?


Para responder tal pergunta, temos que ter em mente o momento em que se perfectibiliza a constituição da obrigação tributária pelo próprio contribuinte. No chamado lançamento por homologação, cabe ao administrado individualizar o evento tributário, constituindo-o como fato jurídico e estruturar denotativamente, todos os elementos integrantes da relação jurídica do tributo. Após, deve o contribuinte enviar ao Estado-Fisco o suporte físico no qual está estrutura a norma individual e concreta da constituição do crédito (que poderá ser representado por DCTF, GIA, GFIP, dentre outras). Entregue o “suporte-físico” da obrigação tributária constituída por autolançamento, tem-se por perfeita e acabada a constituição do crédito tributário.


Ora, se a entrega da declaração é o termo inicial para propositura de execução fiscal por parte do Estado Fisco (a fim de que seja emitida providência judicial no sentido de que a norma individual e concreta que efetive no plano fático), tal marco temporal deve ser utilizado também como termo inicial do prazo prescricional para propositura de ação anulatória.


Em suma, a ação anulatória poderá ter três termos iniciais para cômputo do prazo prescricional: 1- a notificação do lançamento tributário; 2- data da ciência da notificação da decisão administrativa que denegar a restituição do indébito; 3- data da entrega das declarações constitutivas de crédito tributário ( DCTF, GFIP, GIA, dentre outras), nos casos de tributos constituídos por lançamento por homologação.


6- Conclusão


Feitas essas considerações, percebe-se que a ação anulatória não é um simples processo antiexacional, que sucede a constituição da obrigação tributária.


É um instrumento valioso no dia-a-dia do causídico, que permite ao aplicador do Direito não só questionar ato administrativo de constituição de crédito editado pelo Estado-Fisco, mas também o crédito constituído pelo próprio contribuinte.


Ademais, tal ação possibilita amplo espectro de atuações, eis que pode ser proposta antes da execução fiscal, durante ou até mesmo após o encerramento do processo executivo.


Nesse ponto, não podemos de deixar de levar em conta as preocupações que assombram os advogados tributaristas sobre eventuais efeitos que a execução fiscal já em curso geraria em detrimento do contribuinte.


Contudo, lembramos que o sistema não fecha ao sujeito passivo da administração tributária a possibilidade de obter provimento extravagante que venha a suspender a exigibilidade da obrigação tributária. Encontramos, assim, na literalidade do art. 151 do Código Tributário Nacional, três diferentes formas de suspensão da exigibilidade da obrigação tributária: tutela cautelar, tutela antecipada e o depósito de montante integral da dívida, todos fadados a suspender a exigibilidade do crédito.


Dessa forma, mesmo a propositura tardia da ação anulatória resguarda, sim, direitos dos administrados, sendo, em suma, uma forte garantia ao contribuinte do exercício do seu direito de ampla defesa na esfera tributária.


 


Referências bibliográficas

AVILA, Alexandre Rossato da Silva, Curso de Direito Tributário. 4ªed. Verbo Jurídico, Porto Alegre, 2008.

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008.

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. ver., ampl. E atual. São Paulo: Brasil, 2009.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 27. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006.

MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributário. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

PAULSEN, Leandro. Direito Processual Tributário. 4 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.


Notas:

[1] CAIS, Cleide Previtalli. Processo Tributário, 6 ed. São Paulo, Revista do Tribunais, 2008.

[2] ASSIS, Araken citado por PAULSEN, Leandro. Direito Processual Tributário. 4 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

[3] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002.

Informações Sobre o Autor

Priscila Prado Garcia

Procuradora da Fazenda Nacional, Especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Especialista em Direito Tributário pelo IBET, mestranda em Direito Penal Econômico Internacional pela Universidade de Granada


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Equipe Âmbito Jurídico

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