Sumário: I. Considerações iniciais. II. Patrocínio público não se confunde com o pacto administrativo para prestar serviços ou adquirir bens inadequação da ação de improbidade administrativa. III. Descaracterizados os atos de improbidade administrativa a ação é inadequada. IV. Conclusao.
I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A ação de improbidade administrativa objetiva combater a prática de atos imorais e lesivos ao patrimônio público, não se direcionando para todo e qualquer questionamento.
Constata-se uma total desatenção do intérprete da Lei nº 8.429/92, quando altera o escopo do combate à improbidade administrativa, para possibilitar a utilização de demandas contra bens não tutelados pela citada lei.
Não é demais repetir que o grande causador dessa polêmica foi o legislador infraconstitucional que promulgou a Lei no 8.429/92 com um caráter aberto, deixando de definir qual seria o núcleo do ato ímprobo.
Essa grave falha legislativa é responsável pelo manejo indevido de inúmeras ações de improbidade administrativa.
Uma delas é a que questiona contrato de patrocínio de ente público com particular, ao argumento de que não foi observado o processo de licitação, causando portanto o referido pacto prejuízo ao erário.
Esse questionamento é utilizado pelo Ministério Público através de um grande equívoco, tendo em conta que a Lei nº 8.666/93 não é direcionada para a contratação pública que tenha por finalidade a celebração de patrocínio do poder público para evento promovido pelo particular.
O despacho judicial que admite a ação de improbidade administrativa e nele identifica indícios de prática de irregularidades, está longe de abrigar conclusão certeira, eis que proferido no limiar da demanda, quando o contencioso começa a ganhar forma.
E tanto é assim, que o artigo 17, § 11, da Lei nº 8.429/ 92 permite ao demandado, em qualquer fase do processo, requerer a declaração de inadequação da ação de improbidade, através da utilização de argumentos novos, o que possibilita a extinção do processo sem julgamento do mérito.
Com efeito, a conduta identificada na celebração de contrato de patrocínio público não encontra tipicidade na Lei nº 8.429/92, o que acarreta pelo princípio da economia processual a extinção do processo, evitando a exposição desnecessária das partes e satisfazendo o ideal de justiça.
É lapidar, no particular, a lição do Ministro Celso de Mello, na ED nº 246.564-0 – STF, que acentuou:
“O ordenamento jurídico brasileiro repele práticas incompatíveis com o postulado ético-jurídico da lealdade processual. O processo não pode ser manipulado para viabilizar o abuso de direito, pois essa é uma idéia que se revela frontalmente contrária ao dever de probidade que se impõe à observância das partes. O litigante de má-fé – trate-se de parte pública ou de parte privada – deve ter a sua conduta sumariamente repelida pela atuação jurisdicional dos juízes e dos tribunais, que não podem tolerar o abuso processual como prática descaracterizadora da essência ética do processo.” (STF, Rel. Min. Celso de Mello, Ecl nº 246.564-0, 2ª T., julgado em 19.10.99, RTJ 270/72).
Nas precisas palavras do Des. Rui Stocco, em sede doutrinária, “o direito cessa onde o abuso começa”. (Rui Stocco, “Abuso do Direito e má-fé processual”, RT, 2002, São Paulo, p. 57).
Em sendo assim, o exercício da prerrogativa de acionar encontra limites na esfera jurídica alheia que veda a utilização anormal de direitos.
Ao direito causa repúdio o exercício abusivo do direito de acionar, pois não basta o MP ingressar com a ação de improbidade administrativa, ao argumento que defende com isso o seu interesse ativo de propor tal pleito. E nem tampouco é relevante o argumento de que o indeferimento da inicial cerceia a sua ampla atuação, pois o abuso de direito é verificado quando inexiste a previsão legal do que é imputado ao Réu na ação de improbidade, ou, ainda, na adequação jurídica.
Deve a petição inicial trazer no seu bojo e amparada nas provas carreadas a ela, a demonstração de uma causa justa e legítima, que guarde conexão com os bens tutelados pela Lei nº 8.429/92, comprovando de modo direto e inquestionável a prática de ato ímprobo.
Do contrário, a petição inicial não deverá ter prosseguimento, devendo ser indeferida, para não sobrecarregar o Poder Judiciário, com teses sem a mínima plausibilidade jurídica.
II – PATROCÍNIO PÚBLICO NÃO SE CONFUNDE COM O PACTO ADMINISTRATIVO PARA PRESTAR SERVIÇOS OU ADQUIRIR BENS – INADEQUAÇÃO DA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Quando ocorre patrocínio público a evento particular o Ministério Público geralmente instaura inquérito civil para apurar se houve irregularidade no uso de verbas públicas em eventos relacionados ao objeto do que fora pactuado.
Esse contrato administrativo de patrocínio é firmado entre o poder público e o particular em eventos que divulgam o nome de cidades e de projetos ligados a determinado evento. Pode ser em eventos esportivos, culturais, festivos e etc.
A verba pública é destinada ao interesse público de divulgação (fomento) do evento patrocinado ligado à cidade ou ao ente público que o patrocina.
Não há como confundir a figura jurídica da contratação administrativa, regulada pelo artigo 37, inc. XXI, da Constituição Federal, com a figura jurídica do patrocínio público.
A Lei nº 8.666/93 estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 1º).
Objetiva a Lei nº 8.666/93 garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para o poder público.
A licitação será processada e julgada em conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos, na forma do artigo 3º, da Lei nº 8.666/93.
A regra geral é a contratação pública ser precedida do certame licitatório, sendo exceção à regra a sua dispensa ou inexigibilidade, que são reguladas pelos artigos 24 e 25, respectivamente, da Lei nº 8.666/93.
Cabendo ressaltar que para fins da lei de licitações, define-se obra, serviço, compra, alienações, da seguinte forma:[1]
– Obra: Toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta;
– Serviço: Toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, recuperação, acepção, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnicos-profissionais;
– Compra: Toda aquisição remunerada de bens para fornecimento de uma só vez ou parceladamente;
– Alienação: Toda transferência de domínio de bens e terceiros;
Essas são, em tese, as situações elencadas na Lei nº 8.666/93 que necessitam ser licitadas.
Verificando-se, portanto, que o contrato de patrocínio não se enquadra em nenhuma das taxativas hipóteses elencadas pela Lei nº 8.666/93, tendo em vista que no patrocínio o poder público adere ao projeto feito pelo particular, em troca da divulgação de seu nome com um dos que apoiaram a aludida iniciativa.
Tecnicamente o poder público não poderá licitar o contrato de patrocínio por não ter competição, ele é único e se destina a uma finalidade exclusiva, promovida por particulares.
O poder público não contrata o particular para a feitura do evento, ele adere ao projeto já existente do particular, diferente de contratar determinada empresa para realizar um evento.
A Constituição Federal em seu artigo 37, inc. XXI, estabeleceu a exigência de licitação apenas para as contratações feitas pelo poder público nos casos específicos de obras, serviços, compras e alienações, litteris:
“XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”
Dessa forma, quando o poder público necessita contratar a prestação de serviços com particulares, na forma da Lei nº 8.666/93, promove a licitação para encontrar a melhor e mais adequada contratação, dentro dos padrões de ética e de economicidade.
O interesse público está ligado diretamente na realização do melhor e mais organizado evento, capaz não só de projetar determinada cidade perante a opinião pública, mas também de fomentar o turismo e divulgar a imagem nacional e internacionalmente. Exemplo clássico é quando o Estado patrocina a Corrida de São Silvestre, Maratonas, Fórmula 1, Bailes de Carnaval, etc.
Não se diga que o instituto jurídico da contratação administrativa, a que alude a Lei nº 8.666/93, se confunde com o contrato de patrocínio, pois seria uma verdadeira heresia, vedada até nos meios acadêmicos.
Em sendo assim, destaque-se que o tema não é novo no Poder Judiciário, já merecendo do Supremo Tribunal Federal a melhor interpretação jurídica sobre a participação do município na realização de evento esportivo de grande vulto internacional, quando destacou a desnecessidade de licitação para a celebração de contrato de patrocínio.
Foi na hipótese da Corrida Internacional de São Silvestre, onde o Município de São Paulo foi um dos patrocinadores do evento realizado pela Rede Globo de Televisão, sendo descaracterizado pelo STF ajuste administrativo sujeito à prévia licitação.
Assim ficou ementado o v. acórdão do RE nº 574636/SP, de Relatoria da Min. Carmen Lúcia:
“Recursos Extraordinários. Constitucional e Administrativo. Alegação de contrariedade aos arts. 5º, inc. II, 37, caput, e inc. XXI, e 93, inc. IX, da Constituição da República. Realização de evento esportivo por entidade privada com múltiplo patrocínio: Descaracterização do patrocínio como contratação administrativa sujeita à licitação. A participação de município como um dos patrocinadores de evento esportivo de repercussão internacional não caracteriza a presença do ente público como contratante de ajuste administrativo sujeito à prévia licitação. Ausência de dever do patrocinador público de fazer licitação para condicionar o evento esportivo: objeto não estatal; Inocorrência de pacto administrativo para prestar serviços ou adquirir bens. Acórdão recorrido contrário à Constituição. Recursos Extraordinários interpostos contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo providos. Recurso Extraordinário contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça julgado prejudicado por perda de objeto.” (STF, Rel. Min. Carmen Lúcia, RE nº 574636/SP, 1ª T., julgado em 16.08.2011).
O patrocínio, como forma de promoção de Município, Cidade ou Estado, não se insere no rol taxativo da Lei nº 8.666/93, conforme lição da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no RE nº 574.636/SP, na forma do voto condutor da eminente Ministra Carmen Lúcia:
“Diversamente do que afirmado pelo Tribunal a quo, não se trata de contratação da Recorrente TV Globo de São Paulo Ltda., pelo Município a caracterizar ofensa àquele dispositivo constitucional e à Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos).
Na espécie vertente, trata-se de patrocínio do Município e, frise-se não apenas dele – para a realização da 1ª Maratona de São Paulo.
O art. 37, inc. XXI, da Constituição dispõe que contratações de obras, serviços, compras e alienações pelos entes estatais submetem-se a prévio processo de licitação na busca da proposta mais vantajosa aos interesses públicos, nos termos da lei (Lei nº 8.666/93).
Na espécie vertente, não se está diante de qualquer dessas hipóteses. A recorrente idealizou, projetou e executou o evento esportivo denominado 1ª Maratona de São Paulo.
O Município de São Paulo, representado por seu Secretário, com poderes delegados pelo Prefeito, patrocinou o evento como forma de promoção da cidade de São Paulo. Realce-se sequer foi o único patrocinador, conforme consta dos autos.”
No contrato de patrocínio, o ente público não estabelece as condições legais de como e quando ocorrerá o evento patrocinado, apenas ele adere ao projeto da iniciativa privada, objetivando divulgar o seu apoio em prol da melhor visibilidade da Cidade, Município ou Estado, além da qualidade do mesmo.
Em não havendo a contratação administrativa para aquisição de bens e serviços, como já aduzido alhures, o Contrato de Patrocínio foge do escopo da regra licitatória, como decidido pelo STF, no voto da Min. Carmen Lúcia, litteris:
“O Município de São Paulo concluiu haver interesse no patrocínio porque a 1ª Maratona de São Paulo divulgaria o nome do Município tanto nacional quanto internacionalmente.
Considerou ele ser o patrocínio do evento oportunidade para promover São Paulo, tal como ocorre com outros grandes municípios em todo o mundo, por exemplo Nova York, Chicago, Boston, Berlim, Paris, Tóquio e tantos outros que realizam maratonas, constantes de seus respectivos calendários oficiais de atividades esportivas, atraindo milhares de turistas, movimentando, desse modo, a economia local.
Na espécie, não é de se aplicar a exigência constitucional porque, reitere-se, não houve contratação administrativa para aquisição de bens ou serviços.
De tudo se tem, então, ter havido ofensa, na espécie, ao art. 37, caput e inc. XXI, da Constituição da República, pois este não exige licitação como condição para a participação de ente da Administração Pública como patrocinadora de eventos de interesse da sociedade.”
Outro exemplo expressivo, são os que pertinem aos grandes Bailes de Carnaval, como os Desfiles da Escolas de Samba e dos Blocos de Rua que são parte inequívoca da memória cultural e efetiva do Município do Rio de Janeiro, sendo, portanto, imperioso o fortalecimento da maior festa popular do planeta. Sem patrocínio do poder público e da iniciativa privada, simplesmente o projeto de Bailes de Salão não existiria, pois a renda obtida com a venda de ingressos não é suficiente para fazer frente à contratação de grandes músicos e de estruturas mínimas capazes de garantir a projeção internacional do evento e do Município do Rio de Janeiro.
Nem em tese há como se licitar esse tipo de evento, em face da singularidade do mesmo e da realização privada que é a característica principal desses acontecimentos empresariais.
O Município do Rio de Janeiro investe no patrocínio do Carnaval para ser considerado perante o mundo globalizado como um dos representantes da maior festa popular mundial. Como licitar tal evento?
Essa característica especifica de adesão ao projeto privado já existente, retira qualquer discussão jurídica acerca de que esses contratos de patrocínio envolvessem aquisição de bens ou serviço.
De outra parte, o Tribunal de Contas da União – TCU já teve a oportunidade de decidir que o contrato de patrocínio pode ser ajustado diretamente, sem a necessidade da licitação, quando do julgamento do processo TCU/TC001.786/1998-9:
“(…) 14. com relação aos contratos de patrocínio, esses, face as suas características peculiares, podem ser celebrados sem a necessidade de um procedimento licitatório prévio. Tais contratos podem ser ajustados diretamente, com base no Art. 25, caput, da Lei 8.666/93, que estabelece a inexigibilidade de licitação quando constatada a inviabilidade de competição, ou então, com base no inciso III, do mesmo artigo, quando o patrocínio envolver a contratação de profissional de qualquer setor artístico. 15. É o que ocorre, por exemplo, no patrocínio de uma equipe esportiva, ou de um evento cultural. Nesses casos, não existe possibilidade de fixação de critérios objetivos de seleção, motivo pelo qual a lei atribui ao administrador a prerrogativa de escolher, justificadamente, aquele que melhor possa atender aos interesses da administração.”
Em outro precedente (processo n.º 000.925/97-7), o TCU, pelo voto do Ministro Adhemar Guisi, teceu os seguintes comentários sobre a modalidade de contrato de cota de patrocínio:
“(…) 7. É despiciendo comentar da inadequação de ser realizado procedimento licitatório quando adotada a decisão de oferecer patrocínio a alguma entidade ou evento. A decisão de patrocinar é personalíssima, adotada exatamente em função da expectativa de sucesso que possa vir a ser alcançada pela respectiva entidade ou evento, trazendo uma maior veiculação do nome do patrocinador. Assim, fica caracterizada a inviabilidade de competição, que conduz à inexigibilidade prevista no caput do artigo 25 do Estatuto das Licitações e Contratos.
Portanto, não há que se falar, nem em tese, na violação ao artigo 11, da Lei n.º 8.429/92, quando o ente público opta por patrocinar determinado evento privado porquanto a lei não exige a obrigatoriedade de licitação para a liberação de cota de patrocínio. E nem poderia, como já exaustivamente defendido pelo STF e pelo TCU, pois a cota de patrocínio não é contratação pública e sim representa uma adesão ao projeto já existente, de responsabilidade do particular.
Reconhecendo que patrocínio público em evento esportivo sem licitação não caracteriza o dolo e nem dano ao erário, a 5ª Turma do STJ, pelo HC n.º 207494, declarou ausência de justa causa para a ação penal:[2]
“(…) 3. Patrocínio de evento esportivo. Dispensa de licitação. Art. 89, caput, da Lei nº 8.666/1993. Ausência de comprovação do dolo específico de fraudar o procedimento licitatório e de efetivo dano ao erário. Ausência de justa causa para a ação penal. 4. Ordem não conhecida. Habeas Corpus concedido de ofício. (…)
3. Para a caracterização do crime previsto no art. 89 da Lei n.º 8.666/1993 é imprescindível a comprovação do dolo específico de fraudar a licitação, bem como de efetivo prejuízo ao erário. Precedentes da Corte Especial e do Supremo Tribunal Federal.
4. Mostra-se incongruente exigir, para a configuração do ato de improbidade administrativa, previsto no art. 10, inciso VIII, da Lei n.º 8.429/1992, a comprovação de dano ao patrimônio público, conforme jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, e não para o crime de dispensa irregular de licitação. É dizer, a mesma conduta não pode ser irrelevante para o direito administrativo e, ao mesmo tempo, relevante para o direito penal, sob pena de ofensa ao princípio da subsidiariedade, segundo o qual a intervenção penal só deve ocorrer quando os demais ramos do direito não forem suficientes para a resolução da questão conflituosa.
5. Não sendo demonstrada a intenção do réu de burlar o procedimento licitatório a fim de obter vantagem em detrimento do erário, tampouco constatado prejuízo aos cofres públicos, não há que se falar em crime de dispensa irregular de licitação.
6. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido de ofício para extinguir a ação penal movida contra o paciente, ante a patente falta de justa causa de prosseguir.”
Ausente o dolo, em decorrência de que a dispensa de licitação para os contratos de patrocínio não se confundem com contratação pública de prestação de serviços, e o prejuízo ao erário, não há que se falar em adequação da ação de improbidade administrativa para a presente situação jurídica.
Esses fatos são suficientes, data venia, para a configuração da inadequação da ação de improbidade administrativa, que na forma do artigo 17, § 11, da Lei n.º 8.429/92 pode se arguida em qualquer fase processual.
III. DESCARACTERIZADOS OS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA A AÇÃO É INADEQUADA
Como já pacificado pelo STF, STJ e TCU, o contrato de patrocínio não se submete aos cânones da Lei n.º 8.666/93 por não ser contratação de serviços e sim uma adesão a projeto executado e projetado por terceiros, que trará retorno imediato aos interesses públicos diretos e indiretos, com a divulgação do nome do ente público perante a coletividade.
Em sendo assim, não há que se falar também em violação ao princípio da moralidade, pois o poder público cumpre o seu papel institucional de promover e fomentar seu nome, quando patrocina inúmeros eventos culturais/carnavalescos ou esportivos, realizados na cidade como forma de atrair turistas e a população para mesmos.
De ressaltar, que é praxe do poder público federal, estadual e municipal patrocinar eventos esportivos e culturais que tragam benefício para o interesse público, sem que com isso se tenha violado princípios da Lei de Improbidade Administrativa ou de licitações.
Em sendo assim, não se violam os princípios da moralidade e muito menos da impessoalidade quando o poder público opta por patrocinar determinado evento privado que vai divulgar o Estado, a Cidade, ou o Município perante a coletividade.
Esse tipo de pacto se insere no rol do discricionarismo do agente público competente, não violando disposições da Lei no 8.666/93, bem como não trazendo prejuízo ao erário e muito menos enriquecimento ilícito ao particular/terceiro.
Isso porque, a contrapartida é a difusão do nome do patrocinador na mídia e em todas as divulgações do evento.
Não sendo o pacto do patrocínio uma contratação de serviços e sim, divulgação do ente público ligado ao evento, não há como subsumir-se a conduta do agente público nos tipos descritos nos artigos 9o (enriquecimento ilícito), 10 (prejuízo ao erário) ou 11 (violação dos bons princípios da Administração Pública).
A única hipótese que poderia, em tese, subsumir a conduta do agente público ao escopo da Lei no 8.429/92 seria o pagamento do patrocínio sem que fosse realizado o evento, ou não divulgado o nome do patrocinador, que no caso seria o ente de direito público.
Como se sabe, a caracterização do ato de improbidade administrativa está ligado ao elemento subjetivo da conduta do agente público.
Não havendo vedação legal para ele aderir ao contrato de patrocínio, fica caracterizada a sua boa-fé, antítese da má-fé e, via de consequência, inapropriada é a utilização da ação de improbidade administrativa.
Ausente o elemento subjetivo do tipo e dano ao erário, a ação de improbidade administrativa deve ser trancada, segundo orientação do STJ,[3] verbis:
“Agravo regimental no Recurso Especial. AÇÃO Civil Pública. Improbidade Administrativa. Rejeição da inicial. possibilidade. Elemento subjetivo e dano ao erário não caracterizados.
– Demonstrado claramente pelo Tribunal de origem, em confirmação da sentença e com base no exame aprofundado das provas e dos fatos, a efetiva ausência de elemento subjetivo desfavorável aos réus e de dano ao erário, é possível a rejeição da petição inicial.
Agravo regimental improvido.”
“Administrativo e Processual Civil. Ação Civil Pública. Improbidade administrativa. Rejeição da inicial. Art. 11 da Lei 8.429/1992. Ausência de indícios de atos de improbidade. Não configuração do elemento subjetivo.
1. A caracterização do ato de improbidade por ofensa a princípios da administração pública (art. 11 da Lei 8.249/1992) exige a demonstração do dolo lato sensu ou genérico. Ausente o elemento subjetivo, inviável a condenação na hipótese.
2. Agravo regimental não provido.”
Da mesma forma, ausente o mínimo indício de ato de improbidade administrativa, deve a ação ser rejeitada consoante lição do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,[4] no seguinte julgado:
“Agravo Regimental em Agravo em Recurso Especial. Administrativo. Ação Civil Pública. Imputação de Ato de Improbidade Administrativa (art. 11 da LIA). Rejeição da petição inicial. Art. 17, § 8o. da Lei 8.429/92. Extinção do processo. Ausência de mínimos indícios de ato de improbidade. Análise de matéria fático-probatória. Súmula 7/STJ. Agravo Regimental Desprovido.
1. As instâncias ordinárias, soberanas na análise probatória, entenderam inexistentes os pressupostos da Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa, ante a ausência de demonstração concreta da prática de qualquer ato passível de enquadramento no art. 11 da referida Lei; rever essa conclusão encontra óbice na Súmula 7/STJ, segundo a qual a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Precedentes.
2. Segundo a orientação desta Corte a inicial da Ação de Improbidade pode ser rejeitada (art. 17, § 8o. da Lei 8.492/92), sempre que, do cotejo da documentação apresentada, não emergirem indícios da prática do ato ímprobo. Esse tipo de ação, por integrar iniciativa de natureza sancionatória, tem o seu procedimento referenciado pelo rol de exigências que são próprias do Processo Penal contemporâneo, aplicável em todas as ações de Direito Sancionador. Agravo Regimental desprovido.”
Não devem ter processamento ações de improbidade administrativa manejadas contra agentes públicos responsáveis pela adesão a evento particular, através da cota de patrocínio.
O Ministério Público não possui critério objetivo para invadir a discricionariedade do agente público e evitar que a população seja agraciada com determinado evento, que só irá engrandecer o nome da Cidade, Município ou Estado.
IV – CONCLUSÃO
O presente tema surge da necessidade de que a doutrina especializada, apesar de fecunda, não tem se desenvolvido sobre o mesmo, que é de alta relevância.
Insistimos que a Ação de Improbidade Administrativa deve ter uma filtragem para não ser utilizada para prejudicar ou atacar atos lícitos, praticados em prol da coletividade.
Na atualidade, em face do rigor da interpretação do Ministério Público, e na utilização demasiada da ação de improbidade administrativa, grandes intelectuais, empresários, comunicadores, pensam duas vezes antes de aceitarem a missão de servirem à coletividade através da carreira política ou pública, pois sabem que todos os atos que praticarem, até os probos, podem ser questionados perante a Lei no 8.429/92,em face do seu caráter amplo e aberto.
O direito sancionador exige tipos fechados, justamente para não possibilitar a utilização de instrumentos legais de forma ampla, geral e irrestrita.
Somos favoráveis ao equilíbrio entre a acusação e a repressão à prática de atos ilícitos, pois para o homem de bem o “simples” manejo da ação de improbidade administrativa contra ele, mesmo que seja absolvido no futuro, trata-se de uma condenação moral.
Portanto, não há que se confundir o contrato de patrocínio (adesão) com o escopo das Leis nos 8.666/93 e 8.429/92.
Advogado no Rio de Janeiro-RJ. Autor de inúmeras Obras Jurídicas. Vice Presidente do Instituto Ibero-Americano de Direito Público (Capítulo Brasileiro) – IADP; Membro da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social; Membro do IFA – International Fiscal Association; Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social; Co-Coordenador da Revista Ibero-Americana de Direito Público – RIADP (Órgão de Divulgação Oficial do IADP).
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