Resumo: A adoção intuitu personae é modalidade de adoção na qual o parente biológico do adotando expressa sua vontade e anuência em relação à pessoa do adotante. É situação comum da realidade brasileira e passou a ser regulada com maior atenção após a promulgação da Lei nº 12.010/09. O escopo desta pesquisa é analisar aspectos gerais de tal modalidade de adoção e as restrições trazidas pela mencionada norma, sendo o estudo pautado em pesquisa bibliográfica.
Palavras-chave: Adoção – Adoção Intuitu Personae – Adoção Dirigida – Afetividade.
Sumário: Introdução. 1. Adoção: conceito e natureza jurídica; 2. Breves linha acerca da adoção intuitu personae; 3. A possibilidade da adoção intuitu personae após a vigência da lei nº 12.010/09. Considerações finais. Referência bibliográficas.
Introdução
A adoção é ato jurídico acompanhado sempre pelo elemento “afetividade”. Visando primordialmente os interesses da criança ou do adolescente, se preocupa o legislador em regular a matéria de forma efetiva e satisfatória, com o objetivo de resguardar o próprio adotando. Entre falhas e acertos, muitas vezes a means legis e até mesmo a means legislatoris sacrificam o interesse da criança, em detrimento de regras que o afeto inevitavelmente vem a burlar.
A adoção dirigia é prática bastante comum no Brasil, mas passa a ser expressamente regulada com o advento da Lei nº 12.010/09, que modifica parcialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente. O legislador passa a vedar tal prática, havendo então poucas exceções na norma vigente.
1. Adoção: conceito e natureza jurídica
A legislação brasileira não traz explicitamente em seu bojo o conceito de adoção, com exceção do Projeto de Lei nº 1.756, apresentado em 20 de agosto de 2003, que conceitua:
“Art. 1º: Para os efeitos desta Lei, a adoção é a inclusão de uma pessoa em uma família distinta da sua natural, de forma irrevogável, gerando vínculos de filiação, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-a de quaisquer laços com pais e parentes biológicos, salvo os impedimentos matrimoniais, mediante decisão judicial irrecorrível.”[1]
O termo é originado do latim adoptio, que significa “ato ou efeito de adotar”.[2] É vínculo jurídico que confere parentesco civil em linha reta de primeiro grau entre adotante e adotado. O ato jurídico solene, pode-se dizer, substitui os laços consanguíneos, fazendo com que prevaleçam os laços afetivos. Em outros termos, é modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural. Ao contrário do que possa ser interpretado, não é uma delegação do poder familiar, pois há a destituição desse poder em relação aos pais biológicos antes de efetivada a adoção. A paternidade não deve ser considerada somente do ponto de vista biológico, uma vez que o afeto é capaz de superar a ausência de vínculo sanguíneo.
Há divergência na doutrina acerca da natureza jurídica do instituto. Não se pode afirmar que a adoção seja um contrato, à luz do Direito das Obrigações e seu entendimento típico acerca dos pactos entre os particulares. Em relação à natureza contratual, o ato solene firma um acordo de vontade entre as partes, que gera, desta forma, efeitos jurídicos extra patrimoniais. Qualificar a adoção como contrato é desmerecer a afetividade entre as partes. As pessoas não se amam simplesmente porque determina uma cláusula estipulada em contrato. Afeto não decorre de estipulação, nem de convenção contratual. A ideia da ficção jurídica implica repudiar os aspectos psicológicos e afetivos do ser humano.
O processo de adoção no Brasil se finda com uma sentença constitutiva emanada do Poder Judiciário, e não com a simples homologação do concurso de vontades das partes envolvidas, não sendo puramente um ato jurídico. Por haver forte participação do Estado no procedimento, pode-se classificar a adoção como instituição de Direito de Família.
Conclui-se, então, que a natureza do instituto é híbrida, pois embora haja a manifestação de vontade das partes, estas não tem liberdade para regularizar seus efeitos, ficando estes pré-determinados pela lei. No momento de formação do ato adotivo dá-se um contrato de Direito de Família; quando intervém o juiz, revela-se a face institucional da adoção, constituída por sentença, que lhe dá solenidade, estrutura e projeta seus efeitos.
2. Breves linha acerca da adoção intuitu personae
Define-se adoção intuitu personae como aquela em que os pais biológicos, ou um deles, ou, ainda, o representante legal do adotando, indica expressamente aquele que vem a ser o adotante. Suely Mitie Kusano a define como:
“A adoção em que o adotante é previamente indicado por manifestação de vontade da mãe ou dos pais biológicos ou, não os havendo, dos responsáveis legais quando apresentado o consentimento exigido […] e, por isso, autorizada a não observância da ordem cronológica do cadastro de adotantes.”[3]
Já Silvana Moreira afirma que “a adoção intuitu personae é a conhecida adoção consensual onde a família biológica […] entrega a criança em adoção a pessoa conhecida”.[4] Em simplórios vocábulos, é a adoção na qual a família biológica entrega a criança ou adolescente não aos cuidados do Estado, para que este cuide dos trâmites da adoção, mas sim, a entrega à pessoa determinada, com o intuito de que a criança seja por tal indivíduo assistida durante sua vida, ou seja, efetivamente adotada. Não é vontade do parente biológico que a criança seja simplesmente adotada, mas que seja adotada por pessoa específica.
Este tipo de adoção é bastante comum quando verificamos a realidade brasileira. Mães entregam seus filhos a determinada pessoa ou permitem que a criança seja acolhida no seio de determinada família. Obviamente, tal pessoa ou família é conhecida do parente biológico e certamente de sua confiança.
A indicação expressa daquele que vem a ser o adotante não implica em ignorar os requisitos legais a serem preenchidos, com exceção do prévio cadastro de postulantes à adoção.
Muitas vezes, essa modalidade de adoção tem início na vida intrauterina do adotando, vez que é possível afirmar que a adoção não é consumada unicamente do ponto de vista jurídico, mas primordialmente do ponto de vista afetivo.
3. A possibilidade da adoção intuitu personae após a vigência da lei nº 12.010/09
Antes da alteração trazida pela apontada Lei, por não haver vedação legal, os juízes deferiam as adoções também denominadas dirigidas, levando em consideração os laços de afeto entre a criança ou adolescente e os pais adotivos. Desta forma, era considerado irrelevante o prévio cadastro e/ou a inclusão da criança na relação de possíveis adotantes. Obviamente, havia análise de compatibilidade entre a criança e a família que a acolhia, bem como dos demais requisitos legais, com exceção do cadastro prévio, como já mencionado. A Lei nº 12.010/09 alterou o Art. 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente e, no que diz respeito ao presente estudo, acrescentou ao dispositivo mencionado o parágrafo 13, que reduz significativamente a possibilidade da adoção intuitu personae. Referido parágrafo prevê como hipóteses permitidas de adoção intuitu personae e, consequentemente, exceções à regra do cadastro prévio: a adoção unilateral; adoção formulada por parente do adotando cujos laços de convivência e afetividade já são verificados e, por fim, adoção postulada por indivíduo que detém tutela ou curatela de maior de três anos de idade, quando também pode ser verificada a presença de laços de convivência e afetividade entre as partes, mediante ausência de má-fé, subtração de criança ou adolescente com fins de inserção em lar substituto ou verificada hipótese de promessa de pagamento ou recompensa.
Considerações finais.
A mudança trazida pela Lei nº 12.010/09 em relação à adoção intuitu personae tem por escopo reduzir as ações contrárias às normas no que versam sobre o instituto da adoção. Entrementes, veda atitudes que são guiadas pelo afeto. Ora, há quem afirme que abrir mão de um filho é abrir mão de um pedaço de si, se não de si próprio. Saber que seu filho será criado por alguém que é de sua confiança garante segurança emocional à mãe e/ou pai biológico(s) que vem a abrir mão de seu filho. Não é uma delegação do poder familiar, mas vem a ser uma delegação da figura que exerceria se aquele filho fosse(m) criar.
Apesar da boa intenção do legislador ao tentar exterminar as obscuridades que maculam a adoção, algo muito maior foi deixado de lado: a afetividade. Numa primeira análise, o estudioso pode ser levado a imaginar que o parágrafo 13 do Art. 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, modificado pela Lei em análise é uma das primeiras tentativas legiferantes em normatizar o afeto. A afirmação é verídica, mas a questão não é tão simplória. A interpretação do dispositivo pode levar o aplicador da lei a excluir a possibilidade da homologação da adoção de fato, por exemplo, modalidade corriqueira de adoção no Brasil. Deve o legislador entender que o Direito caminha de acordo com o amadurecer da sociedade que o cria, mas não é capaz de abarcar todas as situações fáticas, em especial quando se trata de sentimentos, de afeto. Ações podem ser previstas, autorizadas ou vedadas, mas o amor não pode ser regrado, permitido ou proibido. O fato de um indivíduo não estar inserido previamente no cadastro intencional de adoção não o impede de ter laços de afeto com determinada pessoa, considerando-o e amando-o como filho.
Por ser norma recente, nos resta prostrar-nos como meros expectadores do desenrolar jurídico dos fatos e aguardar as decisões judiciais no que concerne, exemplificando, às adoções de fato e ao reconhecimento das adoções após a morte do adotante.
Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (2007); Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco; Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes (RJ); pós-graduanda em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Gama Filho (RJ); pós-graduanda em Direito Penal e Processual Penal Militar pela Universidade Cândido Mendes (RJ); graduanda em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7399915688574739
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