Adoção judicializada – Registro e averbação

INTRODUÇÃO

Esta exposição tem o simples propósito de realizar um levantamento histórico da evolução dos procedimentos registrais concernentes ao instituto da adoção, bem como traçar posicionamento acerca da aplicação das normas específicas previstas no Código Civil (arts. 10 e 1.618 e seguintes) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 47).

LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

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Lei nº 3.071/1916 – Código Civil – CC (arts. 368 e segs. – Escritura Pública)

Decreto nº 4.827/1924 (art. 2º, b, V – averbação)

Decreto nº 18.542/1928 (art. 110 – averbação)

Decreto nº 4.857/1939 (art. 39, §1º, V – averbação)

Lei nº 3.133/1957 (alteração do CC)

Lei nº 4.655/65 (legitimação adotiva)

Lei nº 6.697/1979 (instituiu o Código de Menores)

Constituição Federal de 1988

Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente)

Lei nº 10.406/2002 – Código Civil de 2002 (art. 10, III e arts. 1.618 e segs.)

EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

O instituto da adoção foi incorporado no nosso País, através do Direito Português, aplicável no Período da Monarquia até o advento do Código Civil de 1916. Naqueles tempos, o procedimento era judicializado, uma vez que o artigo 2º, nº 1, da Lei de 22 de setembro de 1828 atribuiu aos juízes de primeira instância a incumbência de confirmar o ânimo dos interessados em audiência.

Outrossim, a consagração do instituto no Brasil se deu com o advento do Código Civil (Lei nº 3.071/1916), através dos artigos  368 e segs. Neste ordenamento, previu-se como forma de constituição do ato a Escritura Pública. Eis a regra prevista no artigo 375, que assim previa: “A adoção far-se-á por escritura pública, em que se não admite condição, nem termo”.

Pelo Código de 1916, admitia-se a dissolução da adoção, a qual tinha o condão de dar filho a quem não tivesse mais condições físicas, mas não caracterizando intuito assistencial.  Naquela época, o adotante deveria ter mais de 50 anos de idade e diferença mínima de 18 anos do adotado.

Formalizada a Escritura Pública, a mesma deveria ser levada ao Registro Público, incumbência atribuída ao Registro Civil das Pessoas Naturais, por meio de ato averbatório, conforme previu o artigo 2º, b, V, do Decreto nº 4.827, de 1924, que reorganizou os Registros Públicos instituídos pelo Código Civil, assim estabelecendo: “Art. 2º No registro civil das pessoas naturaes far-se-ha: …; b) a averbação: … V – das escripturas de adopção e dos actos que a dissolverem (arts. 373 e 375)”.

Observa-se que a averbação era feita no assento primitivo, a partir do qual o Oficial fornecia certidão apenas com os novos elementos, não podendo conter informações sobre o estado anterior do adotado.

No mesmo sentido, o artigo 110 do Decreto nº 18.542/1928 previu a realização de averbação para constituir a adoção. Tal regra previu o que segue:

“No livro de nascimentos serão averbadas as sentenças, que julgarem illegitimos os filhos concebidos na constancia do casamento ou que provarem a filiação legitima, as escripturas de adopção e os actos que a dissolverem, bem como os de reconhecimento judicial ou extrajudicial de filhos illegitimos, salvo si este constar, do proprio assento. (Lei numero 4.827 cit., art. 2º, letra b, II, III e V.)”

No mesmo sentido estabeleceu o artigo 39, §1º, inciso V, do Decreto nº 4.857/1939, que assim dispôs: “Art. 39. …  § 1º Serão averbados no registro: … V. As escrituras de adoção e os atos que a dissolverem.”

Posteriormente, adveio a Lei nº 3.133/1957, para alterar o Código Civil, reduzindo a idade mínima do adotante de 50 anos para 30 anos. Neste momento, em 1957, a adoção passou a apresentar natureza assistencial, pois permitia quem já tivesse filhos naturais realizar adoção, embora não reconhecendo direito hereditário se os adotantes possuíssem filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos. Ademais, foi diminuída a diferença de idade entre o adotante e o adotado de 18 anos para 16 anos.

Já em 1965, foi publicada a Lei nº 4.655, que previu a legitimação adotiva, aplicável aos menores em estado irregular e com até 5 anos de idade, com a finalidade de conferir direitos iguais ao adotado com os demais filhos do adotante. Exigia-se o consentimento dos pais do adotado e se constituía a adoção por decisão judicial.

Em 1979 foi instituído o Código de Menores através da Lei nº 6.697, criadora de duas novas espécies de adoção, a simples e a plena. A adoção simples, prevista nos artigos 27 e 28, aplicava-se a menor em situação irregular e dependia de autorização judicial, mas era realizado através de alvará e escritura, que serviria para averbação no registro de nascimento do menor. Já a adoção plena atribuía a situação de filho ao adotado, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. Sua aplicação era restrita a menores de até sete anos de idade, que também se encontrassem em situação irregular. Excepcionalmente, cabia em favor de menor com mais de sete anos se, à época em que completou essa idade, já estivesse sob a guarda dos adotantes. Poderiam requerer adoção plena casais com mais de cinco anos de casados, desde que um dos cônjuges tivesse mais de trinta anos. A sentença concessiva da adoção plena tinha efeito constitutivo e era inscrita no Registro Civil mediante mandado, do qual não se fornecia certidão, cancelando-se o registro original do menor (origem do artigo 47, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA). Era irrevogável a adoção plena.

Com fundamento em várias premissas do Código de Menores, a Constituição Federal de 1988 (CF) extirpou a classificação doutrinária que havia sobre a filiação, consagrando o princípio da igualdade entre os filhos, por força do que estabeleceu o §6º, do artigo 227, conforme segue: ”Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Ainda, neste desiderato, o artigo 227, §5º, previu que “a adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros”. Desta forma, entre a vigência da Constituição Federal (1988) até a entrada em vigor da Lei nº 8.069 (1990), qualquer adoção se dava por sentença judicial, em virtude da assistência do Poder Público, inclusive de pessoa maior de idade.

Observa-se que tais dispositivos encontram-se inseridos no Capítulo VII, do Título VIII, que trata da família, da criança, do adolescente e do idoso. Verifica-se, contudo, que o caput do artigo 227 (no qual o §5º, que trata da adoção, está inserido) assegura direitos tão-somente às crianças e aos adolescentes, mas não a todos indistintamente (maiores de 18 anos). Caso contrário, isto é, se tal dispositivo fosse aplicável a todos, a redação do caput do artigo 227 deveria apresentar caráter genérico, suprimindo-se a referência às crianças e aos adolescentes, conforme segue: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar (suprimida a expressão “à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade,”) o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, …”. Outrossim, como assim não entendeu o legislador constituinte, conclui-se que a judicialização da adoção deve ser observada somente quando envolver crianças e adolescentes.

Como o texto constitucional trouxe norma de eficácia limitada, não auto-aplicável, fez-se necessária sua regulamentação, o que ocorreu com a publicação da Lei nº 8.069/1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Entende-se por criança a pessoa com até 12 anos de idade e como adolescente até 18 anos (art. 2º, caput). Ainda, o artigo 39 desse diploma legal, que introduziu a subseção referente à adoção, assim estabeleceu: “A adoção da criança e do adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta lei”. Como se vê, a partir do ECA, vigoraram dois tipos de adoção, a Judicial, com origem nesse diploma legal, e a contratual, fundamentada no Código Civil.

Importante destacar que o artigo 47 do ECA prescreveu normas similares às da Lei nº 4.655/65 e da Lei nº 6.697/79 no que se refere a judicialização da adoção, em consonância com o artigo 227 da CF. Este dispositivo prescreveu  que “o vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão”. Já o §2º previu que “O mandado judicial, que será arquivado, cancelará o registro original do adotado”.

Com isso, até o advento da Lei nº 10.406, que instituiu o Código Civil de 2002, estavam consolidados dois entendimentos quanto aos procedimentos registrais realizados para a constituição da adoção, sendo o primeiro relativo aos menores de 18 anos de idade, exigindo o cancelamento do registro primitivo e a realização de um novo na comarca do domicílio dos adotantes, e o segundo, referente às adoções de maiores de idade, exigindo escritura pública e averbação no Registro Civil das Pessoas Naturais. Porém, em virtude da entrada em vigor na novel legislação, muitas indagações têm aflorado, no sentido de se saber se foi ou não revogada a adoção extrajudicial (por Escritura Pública), quais os casos de incidência das normas previstas no CC e se o procedimento registral adotado será o mesmo do até então estabelecido.

Para melhor compreensão da matéria, faz-se necessária a transcrição dos artigos 10, inciso III e 1.623, do CC. O artigo 10 do CC assim estabelece: “Art. 10. Far-se-á averbação em registro público: … III – os atos judiciais ou extrajudiciais de adoção” (grifo nosso).

Já o artigo 1.623 preleciona que a “a adoção obedecerá a processo judicial, observados os requisitos estabelecidos neste Código”. O parágrafo único do mesmo dispositivo prescreve que “a adoção de maiores de dezoito anos dependerá, igualmente, da assistência efetiva do Poder Público e de sentença constitutiva.”

ENFRENTAMENTO DO PROBLEMA

Desta forma, percebe-se que o Código Civil trouxe mais dúvidas do que respostas no que se refere à adoção, as quais precisam ser solucionadas. Porém, primeiramente, relacionar-se-ão as premissas irrefutáveis, conforme segue:

Os filhos originários através da adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibida qualquer designação discriminatória;

A adoção ocorrerá, sempre, por processo judicial (sentença constitutiva) e somente será possível se o adotante for maior de 18 (dezoito) anos e possuir, no mínimo, 16 (dezesseis) anos de diferença do adotado (arts. 1.618, 1.619 e 1.623).

Outrossim, conforme anteriormente explicitado, as dúvidas preponderam, senão vejamos:

a) O Código Civil extinguiu a adoção contratual, extrajudicial, por escritura pública, em virtude da disposição do art. 1.623, ou manteve a possibilidade de formalização de Escritura Pública para a adoção dos maiores de dezoito (18) anos (art. 10, III, do CC)? Salvo melhor juízo, entende-se que é permitida a formalização da Escritura, a qual, no entanto, deverá passar pelo crivo do Poder Judiciário, efetivando-se por sentença constitutiva (art. 1.623, parágrafo único). A título de curiosidade, informa-se sobre a previsão da Escritura Pública para a adoção de maiores de 18 anos no § 3º, do art. 1.623, do Projeto de alteração do Código Civil de 2002, elaborado pelo Deputado Fiúza.

b) Quais os casos de incidência das normas previstas no CC? Primeiramente, esclarece-se que o artigo 47 do ECA deverá continuar sendo aplicado para as adoções de menores de 18 anos de idade, ressalvados os casos a seguir descritos. Assim, o CC será aplicável aos maiores de idade e à adoção prevista no parágrafo único, do artigo 1.626, que apresenta um dos cônjuges ou companheiros como adotante do filho do outro, este já integrante do registro existente, devendo ser averbada no registro primitivo, pois um dos pais verdadeiros já consta do registro do adotado.

Informa-se que a Vara dos Registros Públicos de Porto Alegre e os Juízes das Varas da Infância e da Juventude decidiram manter o procedimento anterior ao CC, sob o argumento de que assim se estará evitando “que os adotados tenham conhecimento de sua situação”. Contudo, não se compreende como será feito o controle da norma prevista no artigo 1.521 do CC.

c) O ato constitutivo da adoção, emanado de decisão judicial, será averbado no assento de nascimento do adotado, conforme prevê o art. 10, III, do CC? Salvo entendimento diverso, entende-se que em todos os casos a sentença constitutiva deveria ser averbada no registro original. No entanto, ainda continua sendo aplicável o artigo 47 do ECA para as adoções de menores. Nos demais casos, entende-se que deverá ser averbada a adoção no assento primitivo.

Pessoalmente, consideramos que o entendimento exposto não tem razão de se estabelecer, pois as certidões do Registro Civil das Pessoas Naturais nada informarão sobre a adoção, salvo por solicitação judicial. Também, no caso de adoção de maiores de 18 anos, não haverá prejuízo algum em manter o registro existente, averbando-se a adoção, porque exige-se o consentimento do adotado. Ademais, o sigilo quanto à adoção foi relativizado quando o adotado contar com mais de 12 (doze) anos de idade, uma vez que o mesmo deverá concordar com o pedido de adoção (art. 1.621 do CC).

CONCLUSÕES

Com isso, conclui-se que o entendimento atual deverá prosperar em parte, senão vejamos:

(i)  a adoção de crianças e de adolescentes ensejará o cancelamento do registro original e o lançamento de um novo, face a exigência do Judiciário Gaúcho, com base no artigo 47 do ECA. Questiona-se, conquanto, como é que os Registradores Civis, os Promotores e os Juízes promoverão o controle das disposições previstas no artigo 1.521, incisos III e V, do CC?

(ii) a adoção de maiores, porque será necessária a concordância do próprio adotado, poderá ser feita por Escritura Pública, e deverá ser averbada no assento primitivo, após a sentença constitutiva;

(iii) as Escrituras lavradas anteriormente à 11 de janeiro de 2003, por não se aplicar o ECA, também deverão ser averbadas no assento original;

(iv) a adoção prevista no parágrafo único, do artigo 1.626, que apresenta um dos cônjuges ou companheiros como adotante do filho do outro, este já integrante do registro existente, deverá ser averbada no registro primitivo, pois um dos pais verdadeiros já consta do registro do adotado.

Este é o nosso entendimento, sub censura.

Sapucaia do Sul / outubro / 2004.

 


 

Informações Sobre os Autores

 

João Pedro Lamana Paiva

 

Registrador e Tabelião de Protesto. Vice-Presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB

 

Tiago Machado Burtet

 

Registrador Substituto

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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