Afeto registrado

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Mais uma vez o pioneirismo é do Rio Grande do Sul.

A Corregedoria Geral da Justiça, por meio do Provimento 6/4 de 17/2/2004, acrescentou um parágrafo ao art. 215 da Consolidação Normativa Notarial Registral, nos seguintes termos:

As pessoas plenamente capazes, independente da identidade ou posição de sexo, que vivam uma relação de fato duradoura, em comunhão afetiva, com ou sem compromisso patrimonial, poderão registrar documentos que digam respeito a tal relação. As pessoas que pretendam constituir uma união afetiva na forma anteriormente referida também poderão registrar os documentos que a isso digam respeito.

Essa inserção até nem seria necessária, uma vez que não existe qualquer vedação ao registro de documentos que digam respeito à união afetiva entre pessoas do mesmo sexo.

A resistência dos Tabelionatos decorria do fato de ser admitido pela Lei de Registros Públicos somente o registro de escritos particulares autorizados em lei. A negativa de lavrar ato registral tinha por fundamento ausência de lei reconhecendo a validade do objeto do contrato.

A negativa, às claras, encobria postura preconceituosa e discriminatória, já que não há ilicitude ou ilegalidade nas uniões que agora são nominadas de homoafetivas.

Assim, em boa hora adveio a explicitação correcional, impondo o dever de levar a efeito o registro do ato constitutivo das uniões, bem como dos documentos que lhe digam respeito.

A providência, no entanto, tem seqüelas outras e, daí, ter sido tão festejada.

A omissão do Estado havia levado as organizações de defesa da livre orientação sexual a proceder ao registro das uniões estáveis homossexuais em livro próprio da entidade. O fato de tais registros carecerem de reconhecimento jurídico não impediu que uma infinidade de casais buscasse consolidar suas uniões.

Resgata assim o Estado do Rio Grande do Sul sua função registral e certificatória dos atos e contratos firmados pelos cidadãos, garantindo o direito fundamental à obtenção de certidões, o qual tem assento constitucional (CF, art. 5º, inc. XXXIV, b).

Não bastasse isso, o fato de um provimento do Poder Judiciário chamar de união estável a relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo é um importante marco na luta pela visibilidade do afeto que – como qualquer outro – não deve ter vergonha de dizer seu nome.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Maria Berenice Dias

 

Advogada, Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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