Sumário: 1.
Introdução – 2. Direito, linguagem e método – 3. Incidência e aplicação das
normas jurídicas – 4. “Criação de normas” como processo de positivação e como
processo de interpretação – 5. Ato de cumprimento como modalidade de norma
geral e concreta que documenta o “pagamento” – 7. Normas individuais e
concretas nos “deveres instrumentais” – 8. Sujeitos competentes para editar
normas individuais e concretas – 9.
A publicidade da norma individual e concreta – 10.
Direito e efetividade – 11. Últimos esclarecimentos.
“O direito existe para se realizar. A
realização do direito é a vida e a verdade do direito; ela é o próprio direito.
O que não passa à realidade, o que não existe senão nas leis e sobre o papel,
não é mais do que um fantasma de direito, não são senão palavras. Ao contrário,
o que se realiza como direito é o direito…” (IHERING,
Rudolph von. L’Esprit du droit romain,
trad. franc., III, 16; apud
A. Casteinha Neves. Metodologoa
jurídica:
problemas fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 25).
1. Introdução.
Temos enfatizado a
necessidade do diálogo para a construção do conhecimento científico. O diálogo
como abertura ao entendimento, em que as pretensões de validade de cada
proposição são postas em jogo, sob o crivo da argumentação, entre actantes
livres e abertos sinceramente ao entendimento. Sem diálogo não há ciência,
porque as proposições que um sujeito venha de emitir não podem ser refutadas no
processo de verificação de sua pertinência. No monólogo não há ouvinte, ou
quando o há, é ele passivo, inerte, dessubstancializando a sua individualidade,
comportando-se como um theorós, assistindo a um espetáculo sagrado[1].
A sacralidade das proposições quebra o diálogo, inibe o conhecimento
científico, porque implica a passividade do ouvinte, seu assujeitamento ao
dito, como dogmatização dos pontos de partida. Ante a fala do oráculo, há dois
caminhos apenas: a adesão ou a rejeição. A adesão pressupõe a fé impudica no
dito, a impossibilidade do questionamento diante da autoridade do oráculo, que
fala de modo infalível. A fé pressupõe a infalibilidade e a adesão integral.
Numa só palavra: a inquestionabilidade.
Dissemos que só há
ciência no diálogo, na busca sincera de entendimento. Uma das formas mais sutis
de fugir ao diálogo é impossibilitar o entendimento através de um discurso
hermético, cerrado nele mesmo, em que a cada questionamento de suas proposições
se oponha justamente o fato de não as ter compreendido o interlocutor.
Proposições assim são inverificáveis, porque resvalam para o sacro, o poético,
o alquímico. Escapam à obrigação de fundamentar, condição indispensável ao
diálogo. Não por outra razão, Habermas, criticando a desconstrução de Derrida e
a linguagem cifrada de Heidegger, assevera que as afirmações assim construídas
fogem para o esotérico ou para a fusão do lógico com o retórico, de modo que
“… em todos esses casos produz-se sempre uma simbiose de incompatibilidades,
um amálgama que resiste, em seu núcleo, à análise científica ‘normal’. O
obstáculo é apenas deslocado para um outro local, quando trocamos o sistema de
referência e não tratamos mais aqueles discursos como ciência ou filosofia, mas
como literatura.”. E abespinhado, arremata: “… quando a argumentação já está
perdida, permitem sempre recorrer a um último argumento: que o oponente
entendeu mal o sentido do jogo de linguagem no seu todo, que em seu modo
de responder cometeu um erro categorial”[2].
É dizer, torna-se impossível submeter as proposições a um teste de
falseabilidade, porque os seus críticos ou interlocutores não as compreendem,
entendem mal etc.
Na ciência
jurídica, como não poderia deixar de ser, ocorre o mesmo, ainda mais pelas
dificuldades de estabelecer com clareza o seu objeto de estudo. Não por essa
razão, bastas vezes o discurso jurídico é monológico, com a construção de
teorias fechadas em si mesmas, herméticas, encasteladas no recurso retórico do sistema
de referência, que seria incomunicável com outros sistemas de referências,
de modo que as suas proposições fiquem a salvo de qualquer verificação de
consistência ou refutação. Alfredo Augusto Becker, com sua percepção e verve
acurada, forte nas lições de Jean Guitton, chamava a atenção para a
sacralização do discurso jurídico, afirmando que “Muitos juristas pensam que
suas conclusões serão tanto mais verossímeis quanto mais difícil de se
compreender for a linguagem e que se deveriam empregar termos difíceis e
legíveis apenas pelo privilegiado círculo de iniciados. É verdade que a
obscuridade da linguagem produz um efeito quase religioso. Entretanto, nada
assegura que uma página obscura tenha a profundidade por acréscimo. A
obscuridade intelectual de um homem é uma impotência, embora os fatos provem
que ela é adorada por certos homens os quais escolhem aquele intelecto obscuro
para sacerdote de uma religião que tem sua raiz precisamente numa fragilidade.
E aquele homem de intelecto confuso e impotente torna-se profeta, adquire
prestígio, discípulos e igreja” [3].
A sacralização do discurso da ciência jurídica, desse modo, é obstáculo
intransponível ao diálogo, porque as proposições construídas por aquele
discurso já não são mais ciência, porém religião secularizada ou ciência
sacralizada.
Levar a sério uma
teoria implica em duvidar dos seus postulados, colocando-os sob o crivo de um
teste de falseabilidade. É pela verificação da pertinência explicativa de sua
base empírica que estabelecemos o diálogo, em que a pretensão de verdade das
proposições é chamada a se fundamentar por meio da argumentação sincera e
aberta. Quando Tácio Lacerda Gama[4]
buscou enfrentar as críticas teóricas que fiz ao realismo lingüístico de Paulo
de Barros Carvalho, partiu justamente do pressuposto de que o crítico não havia
compreendido a teoria carvalhiana, ou que teria confundido as suas premissas e
quejandos. Pior: assevera que se fez crítica às conclusões sem que se
analisassem os fundamentos, desconsiderando retoricamente as longas análises
que fiz dos fundamentos da teoria carvalhiana, hoje compiladas e ampliadas em
livro[5].
Noutras palavras, sacralizou o discurso da teoria carvalhiana, imunizando-o
contra qualquer crítica, colocando-o a salvo de qualquer refutação. Se há
crítica, é porque houve incompreensão[6],
ou porque se refletiu pouco e sem vagar sobre o método proposto[7],
ou porque se realizam falácias de ambigüidade[8],
ou mesmo por inconformismo[9],
ou ainda por equívoco[10].
Nossa tarefa aqui,
mais uma vez, é analisar as refutações feitas por um discípulo de Paulo de
Barros Carvalho às minhas críticas, tratando a teoria carvalhiana como discurso
com pretensões científicas, e não como discurso sacralizado e monológico. Com
isso, ingressamos no plano habermasiano do discurso, em que os interlocutores
põem à margem qualquer autoridade ou meio de coação, abrindo-se fraternal e
sinceramente ao diálogo. Aqui não se pode validamente invocar oráculos,
vertidos através de profetas credenciados. O discurso se desdogmatiza e se abre
ao contradiscurso.
2. Direito,
linguagem e método.
O sujeito analisa o
objeto, sob os mais facetados ângulos, podendo eleger um, ou alguns, como
centro do seu interesse, colocando entre parêntesis o resto. O objeto é o todo,
posto seja global, complexo e multidimensional. O todo objetal pode ser
dividido metodicamente em várias e finitas partes. O todo não se reduz às
partes, nem elas àquele, de modo que as propriedades ou qualidades do todo,
enquanto todo objetal, não são encontradas nas partes – se elas estiverem
isoladas umas das outras, ainda que o isolamento seja apenas metódico, para
fins cognitivos. Isolar a parte do todo implica perder de vista a qualidade
multidimensional do todo, ou seja, as suas múltiplas dimensões (biológicas,
sociais, psíquicas, afetivas etc.).
O todo, posto que é
global e multidimensional, é complexo. Complexo, como ensina Edgar Morin[11],
significa o que foi tecido junto. De fato, diz-nos Morin, “… há
complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo
(como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o
mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo
entre o objeto do conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as
partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade
e a multiplicidade”[12].
Quando nos aproximamos do Direito, tomando-o como objeto, vemo-lo como parte do
todo social, psíquico, econômico, histórico, cultural etc., nada obstante seja
ele, também, decomponível em múltiplas partes, que poderemos, apenas por
método, reduzi-las a três: fato, valor e norma. Posso, ao decompor o todo em
partes, dar prevalência ao estudo apenas das normas jurídicas, ou apenas dos
fatos relevantes para o direito (sub specie normae), ou ainda
circunscrito à dimensão axiológica. Essas partes, nada obstante possam ser
tematizadas, estudadas isoladamente através de um processo de especialização,
não se despregam de suas relações dialéticas entre si e delas com o todo
objetal. Porque formam elas o complexo que é o Direito, aquilo que
está tecido junto. A fragmentação em parcelas dissolve o conhecimento
conseqüente do objeto, ou seja, do todo. Nas palavras de Morin, “O conhecimento
especializado é uma forma particular de abstração. A especialização ‘abs-trai’,
em outras palavras, extrai um objeto de seu contexto e de seu conjunto,
introduz o objeto no setor conceptual abstrato que é o da disciplina compartimentada,
cujas fronteiras fragmentam arbitrariamente a sistematicidade (relação da parte
com o todo) e a multidimensionalidade dos fenômenos…”[13].
Noutras palavras, a hiperespecialização provoca um autofechamento e um
alheamento do todo, sem permitir a sua integração na problemática global ou na
concepção de conjunto do qual ela só considera uma espécie ou uma parte.
Como denuncia
Morin, até meados do século XX, a maioria das ciências era construída sob o
princípio da redução, que limitava o conhecimento do todo ao conhecimento de
suas partes, “… como se a organização do todo não produzisse qualidades ou
propriedades novas em relação às partes consideradas isoladamente”[14].
A especialização significou a fragmentação do objeto, a idolatria da redução de
complexidades, a abstração excessiva e a formalização compulsiva. Cortam-se as
partes do todo, privilegiando o parcial, o unidimensional, reduzindo os
problemas a pedaços estanques. Por isso, diz candentemente Morin: “Como nossa
educação nos ensinou a separar, compartimentar, isolar e, não, a unir os
conhecimentos, o conjunto desses constitui um quebra-cabeças ininteligível”[15].
Quando, por exemplo, reduzimos o Direito às normas jurídicas, parcializamos o
todo, mutilando a racionalidade do objeto. Quando radicalizamos o processo de
parcialização e reduzimos o Direito às normas jurídicas escritas e documentais,
expedidas pela autoridade competente, fazemos uma hiperespecialização,
reduzindo-o em complexidade de tal forma e em tal intensidade, que já não
podemos vê-lo, nem com lupa potente, porque privado de sua
multidimensionalidade e globalidade. O Direito passa a ser apenas um pedaço de
papel com tinta esparramada, desumanizado, sem musculatura e sem alma.
Essa
compartimentalização é decantada por Tácio Lacerda Gama, que assevera: “Segundo
o pensamento do Prof. Paulo de Barros Carvalho, antes de empreender um estudo,
deve-se definir o que se pretende estudar. Donde se pode concluir que quem
quer, a um só tempo, investigar um pouco de tudo, acaba por não conhecer nada.
Daí a imperiosa necessidade de delimitar o objeto de estudos uniforme,
homogêneo, passível de ser compreendido por uma só metodologia. Por isso, e só
por isso, adota-se o conceito restrito de direito positivo como conjunto de
normas positivadas em determinadas circunstâncias de espaço e de tempo…”. E
arremata: “Pode-se, então, afirmar que definir o objeto ‘direito’ nesses moldes
é estratégia metodológica de redução de complexidades. Em meio às muitas
facetas do fenômeno normativo, o estudioso volta as suas atenções para o dado
jurídico (norma), abstraindo todos os demais fenômenos que não possuam tal
natureza. Construir o sentido das normas jurídicas será a atividade primordial
do jurista. A ele cabe analisar a linguagem do direito positivo. Além ou fora
dele, não se pode falar em fatos jurídicos em sentido estrito, tampouco em
relações jurídicas”[16].
Portanto, a própria teoria carvalhiana tem a exata percepção de que a sua opção
metodológica é redutora, decompondo o todo em partes, incisivamente limitando-o
à linguagem escrita, competente e documental. Todavia, essa visão redutora não
limita a reflexão jurídica a uma parte que compõe o todo objetal: na
verdade, suprime o todo, tomando a parte pelo todo. A norma jurídica não
seria uma parte do direito: seria, na teoria carvalhiana, todo o direito. Tudo
o mais (as outras partes) seria objeto integral de outros saberes, sem relevo
para a ciência jurídica. Em uma palavra: o direito é reduzido a um formalismo
exacerbado ou a um logicismo formalista[17].
Na verdade, como
assere Morin, “O parcelamento e a compartimentação dos saberes impedem
apreender ‘o que está tecido juntos’”. E segue: “Não deveria o novo século se
emancipar do controle da racionalidade mutilada e mutiladora, a fim de que a
mente humana pudesse, enfim, controlá-la?”. Concluindo, então: “Trata-se de
entender o pensamento que separa e que reduz, no lugar do pensamento que
distingue e une. Não se trata de abandonar o conhecimento das partes pelo
conhecimento das totalidades, nem da análise pela síntese; é preciso
conjugá-las”[18].
Noutras palavras, ainda que se estude e analise as partes, não se pode
seccioná-las do todo, mutilando o objeto estudado. O pôr entre parêntesis de
Husserl não significa o cortar em fatias, como se o sujeito pudesse ser o açougueiro
do objeto, mutilando-o em partes autônomas e independentes. Conjugam-se a
análise das partes e a síntese do todo: o conhecimento não prescinde da
complexidade, da conjugação do que “está tecido junto”. Reduzir
complexidades não é criar novo objeto, globalizando e totalizando o que é
apenas parcial e fragmentário. No dizer lapidar de Miguel Reale: “… tudo
está em se saber distinguir sem separar”[19].
Aqui reside a grande limitação metodológica da teoria carvalhiana, que suprime
do direito os fatos e os valores, bem como a linguagem que não seja a escrita e
documental, emitida por autoridade competente.
Toda a análise que
fizemos até agora é ainda insuficiente para demonstrar as limitações do
reducionismo da teoria carvalhiana. De fato, quando procedemos à análise do
todo (objeto), estávamos pressupondo sempre a relação sujeito-objeto, nos
moldes das teorias do conhecimento construídas com assento subjetivista. Como é
cediço, durante a história do conhecimento humano, a verdade sempre foi vista
como correspondência entre as representações do sujeito cognoscente e as coisas
conhecidas. Plantão, Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Hume,
Russell, Carnap, primeiro Wittgenstein etc., em que pese as diversas escolas e
correntes de pensamento, tomavam a verdade como correspondência, chegando aos
extremos da abordagem da filosofia analítica da linguagem, de haver por
científica apenas as proposições protocolares (Schlick, Carnap) ou atômicas
(Wittgenstein), que empiricamente pudessem ser comprovadas. De outra banda,
seguindo as pegadas de Descartes (Kant entre eles), não faltaram os que vissem
a verdade como adequação do sujeito do pensamento ao objeto pensado. O objeto
mesmo ficou do lado de fora do conhecimento, como nomenon, sendo a
verdade uma propriedade exclusivamente mental e, portanto, eminentemente
subjetiva. O sujeito passou, sobretudo em Kant, a construir o objeto através de
suas representações, do poder nomotético do espírito.
Entretanto, ambas
as concepções, com suas inúmeras vertentes, tomam o sujeito como apto a
conhecer, per se, o objeto, desvinculando-o do mundo da vida. Toma-se o
sujeito e o objeto transcendentalmente, para além da experiência, do sujeito e
do objeto aqui e agora, hic et nunc.
O giro
lingüístico não consistiu, como muitos pensam e repetem acriticamente, em
trazer para a filosofia as preocupações com o estudo da linguagem. Tampouco em
fazê-la o único labor do filósofo e do cientista – como procede a teoria
carvalhiana em relação ao direito -, mas sobretudo em trazer o outro
para o diálogo que somos nós como seres situados. A filosofia analítica, por
exemplo, concentrou seus esforços em estudar a estrutura da linguagem,
contribuindo decisivamente para a inovação da lógica com a sua formalização
simbólica. Porém, o paradigma teórico era o mesmo da relação sujeito-objeto.
O que o giro
lingüístico introduz de novidade na filosofia é justamente a percepção de que o
conhecimento e a linguagem têm sentido apenas no diálogo, e que a relação
sujeito-objeto não pode ser vista apenas limitada a essa díade, sendo triádica,
sujeito-objeto-comunidade. Manfredo Araújo de Oliveira traz preciosa lição
sobre o tema: “O pressuposto básico dessa concepção é de que a linguagem se
radica num acordo prévio a respeito de um sistema de normas e convenções
sociais. Insiste-se, portanto, aqui, acima de tudo, no caráter prático e
intersubjetivo da linguagem humana. A linguagem passa a ser entendida, em
primeiro lugar, como ação e mais precisamente como ação social, que, por essa
razão, não pode ser explicada como produto de um único sujeito. Ela é a
mediação necessária no processo intersubjetivo de comunicação de tal modo que o
ponto de referência de toda a filosofia é, agora, a comunidade de sujeitos em
interação, sua práxis comum, realizada de acordo com regras determinadas e
originadas a partir do uso das palavras nas comunidades específicas”[20].
Assim, o giro lingüístico se dá com a inflexão da filosofia para o estudo da
linguagem como mediadora e constitutiva do conhecimento intersubjetivamente
válido. O sujeito e o objeto se relacionam na comunicação com os outros
partícipes do discurso.
Aqui radica um
outro ponto importante da crítica que tenho feito à teoria carvalhiana. É que
ela não apenas reduz o direito à norma jurídica escrita, como reduz também a
construção de sentido do texto legal, que seria para ela o máximo labor do
jurista, a uma atividade eminentemente subjetiva (individual). A redução de
complexidade procedida pela teoria carvalhiana reduz o todo (objeto) à norma e
a norma à significação construída por um sujeito psicologizado, seja ele o
juiz ou o administrador. Esse ponto será objeto de nossa reflexão mais adiante.
3. Incidência e
aplicação da norma jurídica.
A incidência,
sempre o afirmou Pontes de Miranda, ocorre no mundo do pensamento. Nem decorre
dos fatos mesmos, posto que os fatos, enquanto fatos, não estão do lado de
dentro do mundo jurídico, nem decorre da vontade de alguém, do aplicador da
norma. Não decorre a incidência da faticidade, porque a norma não é objeto
real; também da vontade de alguém, porque não é ela objeto mental, dependente
da psique de um sujeito determinado. A norma incide no terceiro mundo, o mundo
do pensamento, onde se encontram situados, epistemologicamente, os objetos
culturais (a linguagem, inclusive).
Quando Tácio
Lacerda Gama, com espeque na teoria carvalhiana, afirma que a incidência requer
as operações lógicas de subsunção e imputação, sacando dessa premissa que
apenas haveria incidência na aplicação, porque “I. não há operações lógicas
fora da linguagem; II. a linguagem não atua per se, requer sujeitos
emissores e receptores que a produzam; III. o direito, em semelhança a todos os
demais objetos culturais, existe pelo e para o homem, e só atua regulando os
comportamentos sociais por meio de sua participação”[21],
não percebeu o divórcio que havia entre as suas premissas e a conclusão, ainda
mais se tomarmos em conta que, para a teoria carvalhiana, o direito é reduzido
à linguagem escrita e documental, sendo a única missão do jurista estudá-la.
Não há operações lógicas fora da linguagem, é certo, mas não se limitam elas à
linguagem escrita, como pressupõem os arautos da teoria carvalhiana. Ademais,
se o direito, por opção metódica de redução de complexidade, é limitado à
linguagem escrita e documental – e apenas a ela –, como compatibilizar esse
postulado com a afirmação de que o direito regula comportamentos sociais, sendo
feito pelo homem e para o homem? Regular comportamentos sociais não é o mesmo
que escrever sobre ele, como o faz um cronista ou historiador, mas prescrever
condutas, conformando-as. Logo, interferindo na zona material da conduta
humana, para além do texto escrito e documentado. É justamente aí, no
simbolismo comum à comunidade do discurso, que a norma ganha em objetivação
conceptual e, através da incidência, em objetivação social, no mundo do
pensamento. O sentido institucionalizado, que é a norma jurídica, é
vinculativo porque é construção intersubjetiva: não fosse assim, a
prescritividade seria apenas uma função sintática da linguagem, sem qualquer
relevo pragmático.
A questão, a saber,
seria o que é o mundo de pensamento. Karl Popper, na esteira de Frege, percebeu
nitidamente a insuficiência da dualidade mundo material/mundo mental sobre a
qual se ergueu a filosofia. Para ele, há que se falar em três mundos: o
primeiro é o mundo material, ou mundo dos estados materiais; o segundo é o
mundo mental, ou mundo dos estados mentais; e o terceiro é o mundo dos
inteligíveis ou das idéias no sentido
objetivo. No seu próprio dizer, “… é o mundo de objetos de pensamentos
possíveis: o mundo das teorias em si mesmas e de suas relações lógicas, dos
argumentos em si mesmos, e das situações de problema em si mesmas”[22].
Os três mundos têm realidade objetiva, não havendo apenas um mundo mental
subjetivo de experiências pessoais, ou um mundo objetivo fora do sujeito que o
apreende. Para Popper, “… o terceiro mundo, ou antes, os objetos pertencentes
a ele, as Formas ou Idéias objetivas que Platão descobriu, tem sido na maioria
das vezes confundidos com idéias subjetivas ou processos de pensamento; isto é,
com estados mentais, com objetos pertencentes ao segundo mundo e não ao
terceiro”[23].
Para Popper, é
fundamental a distinção entre pensamento subjetivo e pensamento em sentido
objetivo. Enquanto o primeiro se constitui em um estado de espírito ou de
consciência ou de disposição para reagir de uma determinada pessoa (plano da
psique), o pensamento em sentido objetivo é totalmente independente de qualquer
alegação de conhecer que alguém faça; é também independente da crença ou
disposição de qualquer pessoa para concordar, ou para afirmar ou mesmo para
agir. O pensamento, no sentido objetivo, é pensamento sem pensador, é
conhecimento sem sujeito que conheça. Uma cousa é o ato de pensar; outra, bem
diversa, o seu resultado: o pensamento[24].
Frege bem o dizia: “Por pensamento
entendo não o ato subjetivo de pensar, mas o seu conteúdo objetivo”[25].
Por essa razão,
Popper foi crítico da abordagem subjetiva do conhecimento, como é exemplo a
afirmação de que o livro nada seria sem o leitor, de que se não fosse lido e
entendido seria apenas um papel com sinais pretos espargidos. Refutava esse
entendimento, jocosamente, afirmando que um ninho de vespa não deixava de sê-lo
mesmo depois de ter sido abandonado, ainda que nunca voltasse a ser usado por
outras vespas[26].
Outro exemplo seria o de um livro complexo de logaritmos, incômodo para o uso.
Ainda que seus teoremas nunca viessem a ser examinados, conteria conhecimento objetivo, verdadeiro ou
falso, útil ou inútil. O que faz com que um livro seja um livro é a sua
possibilidade ou potencialidade de ser entendido, seu caráter disposicional de ser compreendido ou interpretado, ou
desatendido ou mal interpretado. E esta potencialidade ou disposição pode
existir sem jamais haver sido efetivada ou realizada. Assim, o conteúdo do
livro, para pertencer ao terceiro mundo do conhecimento objetivo, em princípio
ou virtualmente, deve ser capaz de ser apreendido, ou decifrado, ou entendido[27].
O mesmo deve ser dito das leis, por exemplo. Seu conteúdo, as normas, deve ter
essa potencialidade de ser decifrada, compreendida e atendida pela comunidade.
A linguagem faz
parte do mundo do pensamento (terceiro mundo ou mundo 3), que é autônomo em
relação ao sujeito pensante. O mundo do pensamento interage com o mundo mental
e com o mundo objetivo, mas com eles não se confunde. Embora seja produto da
atividade humana, a ela não se reduz, sendo autônomo. Afirma Popper: “sugiro
que é possível aceitar a realidade ou (como se pode chamar) a autonomia do
terceiro mundo e ao mesmo tempo admitir que o terceiro mundo tem origem como
produto da atividade humana”[28].
Por isso, Popper
coloca a interpretação no terceiro
mundo, porque mesmo o ato subjetivo ou estado disposicional de compreensão só
pode ser compreendido, por sua vez, através de suas conexões com o terceiro
mundo[29].
É dizer, o produto da interpretação se descola do sujeito cognoscente, passando
a ser algo pensado, comunicável e, por isso mesmo, objetivável. Essa
significação intersubjetiva, para além do sujeito que pensa, é (existe) no mundo do pensamento[30].
4. “Criação das
normas” como processo de positivação e como processo de interpretação.
Tácio Lacerda Gama
faz a distinção, segundo ele com base no pensamento de Paulo de Barros
Carvalho, entre (a) norma como documento normativo (texto de direito positivo)
e (b) norma como significação. Outrossim, divide a norma como significação em
duas espécies: (b.1) norma como produto de interpretação autêntica e (b.2)
norma como produto de interpretação não-autêntica[31].
Para ele, no caso dos textos de direito positivo, a competência para a sua
criação “…será daquele sujeito prescrito como competente pelo próprio sistema
de direito positivo…”. Doutra banda, ainda segundo ele, “…tomando a norma
jurídica como significação construída na mente do intérprete, pouco importa
o sujeito competente. Isto porque, nesta acepção, criar normas significa
interpretar, atribuir sentido aos textos do direito positivo…”[32].
Adiante, no mesmo local, faz considerações preciosas: “… Reservar a uma
seleta classe de sujeitos, ditos competentes, o papel exclusivo da construção
de sentido das normas jurídicas é negar o direito como sistema comunicacional. Se
não cabe a todos a faculdade de interpretar normas, como pode o direito atuar
como instrumento de regulação social? Conseguiriam os cidadãos cumprir condutas
que estão impedidos de conhecer? Nem Kafka conseguiria engendrar esse
paradoxo”[33].
Ora, sendo a norma jurídica a significação construída na mente do intérprete,
portanto construída através de um ato de vontade (não de conhecimento) por cada
um sujeito individualmente, como poderia o direito regrar a atividade humana em
sociedade, se cada intérprete tem a faculdade de construir a “sua” norma? Onde
tudo é tudo, nada é nada (Pasqualini). Se todos constroem significações e todas
elas são válidas, como saber qual a norma (entre tantas normas criadas pelos
diversos intérpretes) é aplicável e deve ser seguida? Como construir um sentido
comum que permita aos cidadãos saberem a fronteira entre o lícito e o ilícito?
Em resumo: como se dá o salto da construção individual da norma para a sua
percussão social? Essa pergunta é fundamental para o direito e não há, na
teoria carvalhiana, resposta possível, sem abrir mão de todos os seus
postulados.
Essa aporia fica
ainda mais evidente e irrespondível quando Tácio Gama busca explicar a
distinção entre a norma produzida por uma interpretação autêntica
daquela produzida por uma interpretação não-autêntica. Segundo ele, a
interpretação não-autêntica teria como resultado “a criação de significação
intra-subjetiva da norma ou a produção de textos de dogmática jurídica”, ao
passo que a interpretação autêntica seria “um ato de vontade, cujo produto é a
criação de linguagem de direito positivo”[34].
Ora, se a interpretação não-autêntica cria uma norma intra-subjetiva, apenas na
mente do intérprete, como poderia ser ela vinculante para outras pessoas? Ou
seja, poderia ser ela uma norma heterônoma, com eficácia erga omnes? Se
a resposta for positiva, o passo seguinte seria a teoria carvalhiana demonstrar
como a norma criada na mente de um sujeito cognoscente passa a vincular também
outras pessoas. E, além disso, teria que explicar como essa norma, criada
individualmente a partir de um documento normativo, se sobreporia à norma
individualmente criada por um outro intérprete, a partir daquele mesmo texto.
Ou, ainda, explicar como poderiam conviver validamente diversas normas criadas
por diversos intérpretes, a partir de um mesmo texto positivo, sem dissolver a
própria prescritividade ínsita ao direito. Em resumo: como poderia conviver
o sentido com o contra-sentido e os múltiplos-sentidos contraditórios e
contrários, sem gerar a absurdidade do sem-sentido normativo? No entanto,
para Tácio Gama, na interpretação não-autêntica, assim como na autêntica, em
ambos os casos “… as normas jurídicas valem para todos”[35].
Nesse ponto, os textos da dogmática jurídica (que criariam normas através de
interpretação não autêntica) passam a ter função prescritiva, não sendo mais
linguagem descritiva (doutrina) sobre a linguagem-objeto (norma jurídica
prescritiva), fugindo assim às premissas tomadas em todo o corpo da obra de
Paulo de Barros Carvalho[36].
A confusão teórica ressalta.
Quando chamei a
atenção para o problema dos destinatários das normas, reputado por Tácio
Lacerda Gama “uma questão insólita”[37],
deveu-se ao fato de ter Paulo de Barros Carvalho adotado as lições de Bobbio
para proceder a distinção entre as normas gerais, individuais, abstratas e
concretas, que tem como critério justamente os seus destinatários. Havia
sublinhado que Guastini usava a mesma classificação, embora através da eleição
de outros critérios, mais apropriados ao cerne da tese segundo a qual a norma
jurídica é criação do intérprete[38].
Se for criação individual do intérprete, intra-subjetivamente, como se falar em
norma geral, se a generalidade implica justamente pluralidade de destinatários?
Logo, a questão dos destinatários das normas jurídicas não é insólita, mas
crucial no seio da classificação adotada por Paulo de Barros Carvalho. Insólito
é o que é inabitual, infreqüente, incomum. Se há algo aqui insólito é
justamente a afirmação de que a norma criada intra-subjetivamente por um
sujeito psicologizado possa ser vinculante e valer, per saltum, para
todos, como afirmara Tácio Gama.
Outro ponto
relevante na afirmação de que todos criam, intra-subjetivamente, a norma
jurídica, é a negação da tese fundamental da teoria carvalhiana de que toda
norma jurídica há de ser documentada. De fato, sem relato em linguagem
competente, insiste a teoria carvalhiana, não há norma nem fato jurídico. Pois
bem, a norma criada pelo sujeito, em sua interpretação não-autêntica, poderia
ser reputada norma jurídica dentro do sistema de referência carvalhiano?
Dá-nos categórica resposta Tácio Lacerda Gama: “… Uma vez aceita a premissa
de que o direito é um conjunto de normas, que se manifestam em linguagem, não
dá para conceber que acontecimentos sociais, destituídos de uma linguagem
competente, promovam qualquer tipo de alteração a esse conjunto”[39].
Para o realismo lingüístico, sem a emissão de linguagem competente não há falar
em norma jurídica, razão pela qual a norma criada pelo intérprete,
intra-subjetivamente, não poderia ser havida por “norma jurídica”, muito menos
válida para todos. Sobraria, portanto, dentro da lógica da teoria carvalhiana,
a norma produzida por interpretação autêntica, em linguagem competente, com a
emissão de um texto de direito positivo, expedido justamente por aquela
“seleta classe de sujeitos, ditos competentes”, na expressão muito bem cunhada
por Tácio Lacerda Gama.
A redução de
complexidades levada a cabo pela teoria carvalhiana implica a mutilação do
direito, a perda da sua dimensão intersubjetiva e social. Se a única linguagem
possível é a documental e escrita, é evidente que apenas aquela “seleta classe
de sujeitos competentes” poderia válida e vinculativamente editar normas
jurídicas, reduzindo o direito àquele produzido pelas repartições públicas
(juiz, administrador e legislador), em atos formais de ponência de normas.
Aplicar o direito, desse modo, seria reduzi-lo à linguagem escrita e documental
dos tribunais e da burocracia estatal. O próprio particular, para criar normas
individuais e concretas válidas, teria de comunicá-las ao poder público,
consumando o processo de positivação[40].
Esse labirinto kafkiano transpassa toda a construção da teoria carvalhiana,
razão pela qual a denominei de realismo lingüístico.
5. Ato de
cumprimento como modalidade de norma individual e concreta.
É fundamental, para
a teoria carvalhiana, o postulado segundo o qual a norma geral e abstrata
apenas incide através da edição de uma norma individual e concreta, consumando
o processo de positivação do direito. Assim, não se transitaria livremente do
mundo do dever-ser para o mundo do ser, pois “… Normas não tocam nas
condutas, da mesma forma que condutas não tocam nas normas. Todo e qualquer ato
de cumprimento, para que seja jurídico, deverá ser introduzido no sistema de
direito positivo por meio de linguagem competente, de norma, portanto. Quando
alguém simplesmente cumpre uma conduta, sem produzir qualquer norma que a
relate, esse cumprimento, embora socialmente relevante, não interessa à
dogmática jurídica, pois não integra o seu objeto de estudos: o conjunto de
normas”[41].
Ou seja, ainda que o intérprete crie a norma jurídica através da interpretação
não autêntica e venha a cumpri-la, tal atividade seria sem qualquer interesse
para a dogmática jurídica, porque o seu objeto de estudo limita-se, por redução
de complexidades, ao conjunto de normas jurídicas expedidas em linguagem
competente. Mais uma vez observa-se a impossibilidade, no seio da teoria
carvalhiana, de se dar relevo à norma criada pela chamada interpretação não
autêntica, nada obstante o esforço de Tácio Gama em demonstrar o contrário.
A separação entre o
mundo do ser e do dever-ser é absolutizada pela teoria carvalhiana, concebidos
como mundos intocáveis, separados por um fosso intransponível. Ademais, pela
redução do direito a uma de suas partes (norma jurídica), todo o direito passa
a ser o conjunto de normas jurídicas, tomando a parte pelo todo, no sentido que
antes explicitamos. Assim, os atos materiais de cumprimento passam a
reivindicar o revestimento em norma jurídica, mercê da homogeneidade do campo
objetal da dogmática. Aliás, para o autoproclamado construtivismo jurídico,
até os atos de cumprimento são normas jurídicas, ou não teriam relevo
para o direito.
A distinção entre
ser e dever-ser, embora amiúde enfatizada, não é tematizada na obra de Paulo de
Barros Carvalho, não se sabendo ao certo o que ele compreende por “dever-ser”:
se ele o tomaria como um conceito lógico ou como um conceito ontológico. Sendo
um conceito lógico, o dever-ser se reduziria a uma função sintática do
enunciado normativo, na qualidade de functor, servindo de conectivo
interproposicional ou intraproposicional, nesse caso qualificado pelos modais
deônticos (obrigatório, proibido ou permitido). Parece-nos ser nesse sentido
que a teoria carvalhiana o emprega, até mesmo por reduzir o direito à norma jurídica
escrita e documental. A linguagem, nessa sua dimensão gráfica e documental, não
toca nunca a realidade social, ou seja, o plano das condutas humanas, porque é
uma realidade estática, morta, em estado dicionário, para usar uma bela
expressão cunhada por João Cabral de Melo Neto. Nesse sentido lógico, não há
possibilidade formal de se transitar do domínio do ser (lógica apofântica) para
o do dever-ser (lógica deôntica), sendo um irredutível ao outro[42].
Do ponto de vista
ontológico, há o domínio do ser e o do dever-ser: aquele afeto às ciências
naturais, como objeto real; esse às ciências normativas, como idealidade. As
normas são tomadas como formações intersubjetivas de significados. Não
há, é preciso que se sublinhe, oposição objetal entre ser e dever-ser: o ser
opõe-se ao não-ser, sendo conceitos irredutíveis. Já o dever-ser,
ontologicamente, não tem oposto. Porém, possui graus. De fato, podemos observar
o dever-ser do ponto de vista suprapositivo ou do ponto de vista positivo.
Na suprapositividade, o dever-ser é tomado como idealidade, sem relação com uma
realidade qualquer, hic et nunc; já o dever-ser positivo é uma ordem
normativa concreta, que se relaciona com o real, requerendo efetividade. Nesse
sentido, “… o dever-ser destina-se a interferir no ser, dirige-se para a
existência ou para a realidade. Por isso, se o ser está de tal modo determinado
que não pode deixar de ser como é, carece de sentido postular um dever-ser”[43].
O dever-ser abstrato, idealizado, sem preocupações concretas é dever-ser que
pode incidir sobre o dever-ser concreto, positivo, impregnado de realidade. Um
exemplo cunhado por Lourival Vilanova melhor dilucidará esse ponto: o Estado
positivo (a República Federativa do Brasil, v.g.) é um dever-ser
positivo, um sistema normativo concreto. Quando sobre ele estabelecemos o
postulado ético-político da justiça (dever-ser suprapositivo), esse postulado
investe-se logicamente em forma de dever-ser ante o “ser” do Estado positivo.
“A um dever-ser de ordem primeira, superpõe-se o dever-ser de ordem segunda. Só
o ser é simplesmente ser”[44].
O dever-ser
positivo deseja realizar-se, ou não teria sentido existir. Embora haja uma
contraposição lógica entre ser e dever-ser, ontologicamente não absorvem toda a
complexidade do campo de objetos possíveis. Enquanto os objetos reais se
enquadram no domínio do ser, e os normativos (ética pura, p. ex.) no do
dever-ser, os objetos ideais (os números, as relações matemáticas etc.) e os
culturais (jurídicos, econômicos, históricos, éticos etc.) não se acomodam naquela
redução lógica. No caso dos objetos culturais, o que os difere dos objetos
naturais é o sentido que lhes imprime direção. Os fatos humanos não são
tomados como um dado, em relações sucessivas de causalidade. São compreendidos
pelo seu sentido, pelos fins a que tendem. Sem os fins, sem o sentido, são pura
facticidade aleatória, impossível de serem estudados como objetos de
conhecimento estranhos aos limites daquelas relações causais[45].
O direito é objeto
cultural, formado pela intersecção dos dois mundos: ser e dever-ser, realidade
e pura idealidade. A incomunicabilidade lógica entre ser e dever-ser é superada
na conjugação de ambos no objeto cultural, formando o todo objetal. Nas
palavras precisas de Lourival Vilanova: “Mas, a irredutibilidade lógica dos
dois conceitos deixa aberta a possibilidade de uma relação no objeto. Há
objetos que representam síntese de ser e dever-ser…”[46].
E adiante, no que de perto nos interessa: “O dever-ser não deriva, logicamente,
do ser. Não há derivação lógica que conduza deste àquele. Mas, quando o dever-ser
é positivo, quando o dever-ser é o de uma ordem normativa em vigor, a validade
depende do ser. Se o dever-ser não for possível de realizar-se, se o ser
não oferecer possibilidade de corresponder ao dever-ser, este deixa de valer.
Só o dever-ser ideal – pensado, por exemplo, na ética pura – é indiferente à
efetividade no plano do ser. Mas esse dever-ser ideal é supra-positivo.
Interessa-nos o dever-ser positivo, ao qual pertence o direito e o Estado. De
sorte que o dever-ser exige um poder-ser, ou requer possibilidade objetiva por
parte do ser”[47].
A grande
dificuldade teórica do realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho está,
justamente, na mutilação do todo, na redução do direito à sua dimensão
documental, tomando o dever-ser como conceito lógico, suprapositivo. O processo
de positivação do direito, na teoria carvalhiana, é apenas uma derivação
formal, uma justaposição de papéis escritos com timbre oficial, autuados em uma
repartição pública. Os fatos, a realidade “lá fora” pulsando viva, as
significações normativas intersubjetivamente vividas, não seriam direito, não
teriam interesse para o jurista, porque ele estaria muito ocupado decifrando os
textos positivos, construindo intra-subjetivamente a norma, sem perceber que a
norma que realmente conta é aquela institucionalizada no simbolismo jurídico,
na vida social, nos homens encarnados. A interpretação pessoal é só o início do
processo de socialização da norma; a significação que não ultrapassa os limites
da subjetividade (euidade) e, pelo diálogo, ingressa na relação eu-tu, não pode
ser reputada norma, porque não possui a qualidade mínima de vinculabilidade. A
norma só vincula porque transcende o eu e incide na aventura que somos nós. É
na fusão de horizontes do sentido institucionalizado que encontramos a norma,
ali onde ela não mais depende do arbítrio do sujeito psicologizado, porque o
seu sentido é público, intersubjetivamente controlado.
O direito, na
teoria de Paulo de Barros Carvalho, não toca a realidade, apenas fazendo a ela
menção, dada a sua natureza lógico-formal. Trata-se, como dito, de um dever-ser
suprapositivo, situado nos chamados sistemas proposicionais nomológicos, porque
não teria denotação existencial. A realidade, para o dever-ser suprapositivo, é
algo estranho à sua constituição, podendo ser ela até referida, mas não
influenciada. Já para uma visão substantiva do direito, como dever-ser
positivo, inclui-se ele entre os objetos do sistema nomoempírico prescritivo,
por não apenas ser aberto aos dados da experiência e ser por eles
condicionados, mas sobretudo porque tem a função de influenciar a zona material
da conduta humana. Não por outra razão, assevera Marcelo Neves: “Por incluir-se
entre os sistemas nomoempíricos prescritivos, o ordenamento jurídico constitui
uma conexão de sentido histórica. O contexto fáctico-ideológico condiciona-o,
portanto, não só nos atos de produção jurídica, mas também nos momentos de
interpretação e aplicação normativas. Assim sendo, as normas jurídicas,
enquanto conteúdos significativos de vontades individuais ou grupais, não
transcendem em caráter absoluto a sua base real-ideológica”. E, em conclusão,
acresce lapidarmente: “… mesmo o estudo parcial do Direito na perspectiva
normativa, ou seja, a partir do ordenamento jurídico, tem que levar em conta as
relações reais e ideológicas, sob pena de se ter uma falsa compreensão das
estruturas de significação normativa”[48].
Olhar o direito apenas como enunciado, ensimesmado, frustra a sua função
social, fá-lo insípido e inodoro, além de subserviente às tiranias. É forma que
engole qualquer conteúdo, porque o dever-ser nunca toca as instâncias do ser.
6. A norma individual e concreta que
documenta o “pagamento”.
Voltemos agora ao
problema do ato de cumprimento. Para Tácio Lacerda Gama, todo ato de
cumprimento de normas jurídicas é, também ele, uma norma jurídica. Em suas
palavras: “… Quando se efetua um pagamento, quando se realiza uma
compensação, ou mesmo quando alguém se beneficia de uma anistia, aquele
documento que atesta a extinção do vínculo obrigacional passa a integrar o
sistema do direito positivo”[49].
Se alguém vai a uma loja, compra um par de sandálias e não recebe nenhum
documento provando que pagou o preço avençado, o pagamento realizado não seria
um ato de cumprimento da obrigação. Se uma pessoa, diante do sinal vermelho no
trânsito, pára o seu veículo, também a observância da norma geral e abstrata
(Código de Trânsito), que determina parar diante do semáforo vermelho, não
seria fato juridicamente relevante. O mesmo se diga de inúmeros atos da vida
social, cujo sentido é apenas compreendido se os observarmos como cumprimento
de normas jurídicas postas pelo ordenamento. Em todas essas situações,
estaríamos diante de fatos sociais, porque não foram eles relatados em linguagem
escrita e documental por uma autoridade competente.
Assevera Tácio Gama
que “… O direito não se contenta com meras condutas, por isso exige linguagem
adequada para criar e extinguir relações. Fosse diferente, qual seria a
necessidade de manter uma escrituração fiscal? Para que seria exigida a
conservação dos comprovantes de pagamento por um dado período de tempo?”[50].
As perguntas, mais uma vez, tomam a parte pelo todo. O fato de muitos
fatos jurídicos necessitarem de documentação, não implica que todos os fatos
jurídicos também necessitem. A premissa não conduz à conclusão, senão por
indução: transforma o particular e contigente em geral e necessário. É inegável
que o direito, para prestigiar o valor segurança, exige formalidade de muitos
dos atos subordinados à normatividade, embora nem sempre a cartularidade seja
constitutiva do ato jurídico. Se a propriedade de bens imóveis apenas pode
existir mediante a escritura pública do negócio jurídico de compra e venda, o
mesmo não ocorre com a aquisição de bens móveis de certo valor. E os exemplos
poderiam ser multiplicados aos milhares.
Todavia, vamos nos
manter, apenas por método, dentro do sistema de referência da teoria
carvalhiana, concentrando-nos sobre os exemplos e as argumentações
desenvolvidas por Tácio Lacerda Gama. Segundo ele, defendendo a posição de
Paulo de Barros Carvalho, não há qualquer dúvida sobre a natureza normativa do
comprovante de pagamento, sendo ele irrelevante para o direito se não houver
relato em linguagem competente. Para demonstrar a sua natureza normativa, Tácio
Gama arrisca uma formalização lógica da norma individual e concreta do
pagamento, assim averbada: “… Com a norma de pagamento, não há mudança da
estrutura lógica, mas das suas variáveis. Vejamos: D[F à Rj (Sa . Sp)], deve ser (D),
diante do pagamento efetuado da quantia X (F), se instaure a relação jurídica
(Rj), entre aquele que efetuou o pagamento (Sa) e aquele que o recebeu (Sp),
tendo como objeto a permissão de não pagar a quantia X”[51].
A que ponto chega o logicismo…
Ora, a formalização
empregada apenas adorna a construção normativa, que pode ser simplificada
assim: “diante do pagamento da quantia X é permitido ao devedor não pagar a
quantia X”. Dizer que a norma que relata o pagamento teria como conseqüente a
permissão de não pagar o que já foi pago é uma absurdidade lógica, um
contra-sentido deôntico. Permite-se que não se pague o que já foi pago e que,
até mesmo por estar pago (fato relatado no antecedente da norma), não
reivindicaria a permissão de não pagar (conseqüente). Na verdade, o fato
jurídico do pagamento tem por efeito a extinção da obrigação que existia, e não
a concessão de uma permissão para não fazer o que já foi feito. Nada
obstante isso, assere Tácio Gama: “…O significado jurídico do recibo de pagamento
é permitir que o contribuinte não pague mais, pois o pagamento previsto pela
obrigação tributária já foi cumprido”[52].
Ora, o recibo de pagamento apenas atesta, certifica, que houve pagamento do
valor devido, razão pela qual restou extinta, pelo pagamento (não pelo recibo),
a obrigação. Não se dá uma permissão de não pagar, porque após o pagamento
não há mais o que pagar. Permissão para não pagar ocorreria se, havendo o
débito, fosse conferido ao devedor o direito de não cumprir a obrigação que
possuía para com o credor. Caso típico da remissão, por exemplo (art.172 do
CTN): havia a obrigação não paga e o credor concedeu o perdão, permitindo o
não-pagamento e, com isso, liberando o devedor da dívida que havia. O
pagamento, por evidente, nunca poderia gerar um efeito símile, por
impossibilidade deôntica: o dever-ser requer sempre o poder-ser, a
possibilidade de atendimento. Como atender à permissão de não pagar uma
obrigação, partindo justamente da inexistência mesma da obrigação já paga?
Logicamente, uma obrigação já paga é uma não-obrigação, o que reduziria a norma
do pagamento à permissão de não pagar a não-obrigação[53].
Uma coisa é o
pagamento, fato jurídico extintivo da obrigação; outra, o ato jurídico stricto
sensu de quitação. O pagamento pode ser provado por recibo, sem que
expresse ele quitação. Se o contribuinte vai ao banco de posse do Darf e paga o
valor nele especificado, a autenticação do banco prova o depósito do dinheiro,
porém não é documento de quitação. A quitação supõe declaração de conhecimento
explícita do credor, afirmando que recebeu o pagamento e liberando o devedor[54].
Mas a declaração não precisa ser escrita: pode ser rádio-difundida, oral
perante testemunhas, gravada em vídeo etc. A nota fiscal pode provar o
pagamento, como o recibo do caixa de um supermercado, mas são eles simples
meios de prova, nada mais. E são inúmeros os fatos relevantes para o direito,
os negócios jurídicos, em que a formalização do pagamento não apenas não é
necessária, como lhes é estranho o ato de quitação. Pontes de Miranda disse-o
bem: “O devedor tem de cumprir a prestação. Não é acertado dizer-se (e é o que
se encontra em muitos tratados) que o devedor só é obrigado a adimplir contra a
outorga de quitação. O que em verdade se passa é que o devedor, que tem de
solver a dívida, tem direito à quitação e desse direito lhe nasce o direito de
retenção da prestação. Pode dar-se que os usos do tráfico pré-excluam tal
exigibilidade, ou por ser de importe mínimo a prestação, ou porque se trate de
negócio jurídico à vista, ou de prestação de serviço imediatamente anterior ou
imediatamente posterior ao pagamento. Tal o que se passa com o comércio de
retalho, ordinariamente, e com os bondes, ônibus e lotações”[55].
Apenas uma visão reducionista do direito pode afastar do mundo jurídico esse
conjunto infinito de fatos que se subsumem a inúmeras normas jurídicas, as
quais regram toda a convivência dos homens em sociedade.
Pergunta-se, então:
para que serve a prova da conduta? A prova do ato jurídico, como já
demonstrado, serve para proteger o interessado em caso de litígio, ou seja,
quando as pretensões de validade passam a ser questionadas, ingressando no
plano do discurso, para usarmos a teoria da Habermas. Nem sempre, todavia, a
prova é documental, podendo ser testemunhal ou pericial. Há provas inclusive
indiretas. Poder-se-ia refutar, apenas para manter-se firme na tese, que a
prova testemunhal só ingressaria para o direito através do seu relato pela ata
de audiência judicial, reduzida a escrito. Porém, nem esse argumento – apesar
de sua manifesta impropriedade – salvaria a teoria carvalhiana: é que
dificilmente se poderia afirmar que um depoimento testemunhal seria uma norma
individual e concreta.
Seria possível um,
apenas um, impedimento técnico para chamar o recibo de pagamento de norma
jurídica individual e concreta? Mostramos não apenas um, mas vários equívocos
nessa afirmação. O recibo de pagamento é meio de prova do fato jurídico do
pagamento, não sendo sequer um termo de quitação. Por ele, prova-se o ato
extintivo da obrigação, cuja eficácia é prefigurada na norma geral e abstrata,
como aquela do art. 156, inciso I, do CTN. Volto a perguntar: olhando para a
autenticação mecânica de uma máquina do banco, qual a norma individual e
concreta que ela prescreve? Naquele texto, não há mensagem deôntica alguma. E a
que se tenta sacar dele, nos leva àquela norma da permissão de não pagar a
não-obrigação (obrigação já paga).
7. Normas
individuais e concretas nos “deveres instrumentais”.
Na crítica que
formulei à teoria carvalhiana, busquei demonstrar os limites da afirmação da
necessidade, sempre, de uma norma individual e concreta para a aplicação da
norma geral e abstrata. Uma das estratégias utilizadas foi a demonstração de
que os deveres instrumentais (obrigações acessórias), no direito tributário,
não nasciam de uma norma individual e concreta, como incisivamente requer o
realismo lingüístico[56].
Bastaria pensar no dever de se submeter à fiscalização do fisco: qual a norma
individual e concreta que o faria nascer? Se todo “fato-relação” é conseqüente
de uma norma individual e concreta, então todo dever instrumental do
contribuinte deveria ser proveniente de uma delas. Tácio Lacerda Gama, nada
obstante, não responde a objeção feita. Prefere afirmar que as normas jurídicas
“… oscilam, por isso, na prescrição do dever ou do seu descumprimento para
estabelecer o conteúdo das normas individuais e concretas”. E arremata, logo em
seguida: “… Diante das normas jurídicas que determinem o dever de manter à
disposição do agente fiscal os livros contábeis, por exemplo, somente a norma
que prescreve a sanção pelo descumprimento será positivada. Nestes casos, a
conduta lícita não ingressa no sistema do direito positivo”[57].
Licitude e
ilicitude são conceitos do mundo jurídico. Uma conduta apenas pode ser reputada
lícita ou ilícita se for adjetivada por uma norma jurídica anterior. A
afirmação de que uma conduta lícita não ingressa no sistema do direito positivo
é insustentável: é supor um fato que seja lícito sem ser jurídico. Se existe um
dever de dar publicidade dos livros contábeis ao fisco, é de se perguntar de
qual norma individual e concreta ele provém. Se não existir essa norma
individual, como se poderia, no seio da teoria carvalhiana, falar em efeitos
jurídicos, ou seja, em dever a ser observado? Tácio Gama, como Paulo de Barros
Carvalho, deslocaram a resposta para o cumprimento ou descumprimento do dever
instrumental, negando-se a explicar de onde ele provém. Afinal, para cumprir ou
descumprir um dever é preciso que ele exista. A questão que se põe, a secas, é:
de onde vem esse dever instrumental? Respondo eu: da incidência da norma geral
e abstrata sobre o seu suporte fáctico, no plano do pensamento. Para o realismo
lingüístico refutar essa minha afirmação, haveria de demonstrar a existência de
uma norma individual e concreta. Debalde, ela não existe. Essa a razão pela
qual, assevera Tácio Gama: “…Porém, quando for possível cumprir a conduta
lícita de diversas formas, como no dever de disponibilizar a escrituração
fiscal, ensina Paulo de Barros Carvalho, apenas na hipótese de descumprimento,
existirão conseqüências jurídicas, demandando, por isso, a edição de normas
individuais e concretas”[58].
Ora, a conduta lícita é a observância do dever; sendo lícita, como não seria
jurídica? E o dever mesmo, nasce de que norma individual e concreta? Até mesmo
a licitude, na teoria carvalhiana, é mutilada das entranhas do direito,
passando a ser conceito sociológico, psicológico ou ético, não se sabe. Ensina
Tácio Lacerda Gama: “… Se as condutas lícitas são juridicamente
irrelevantes (sic), pelo fato de somente a conduta ilícita
interessar ao direito, é descabido falar em fatos jurídicos ou em relações
nesses casos. Haveria, no máximo, subsunção psicológica e uma imputação de
deveres morais, mas não a incidência normativa no em sentido técnico
estabelecido acima. Sem a norma individual e concreta não há incidência,
pois não há subsunção, tampouco imputação em linguagem do direito positivo. Por
isso, é equivocado falar que, em alguns deveres instrumentais, há fato jurídico
sem linguagem. Nestes casos, o que há é uma certa incompreensão das
estratégias normativas utilizadas para regrar as condutas sociais. Nada mais”[59].
Como o dever de dar publicidade aos livros contábeis não está prescrito por uma
norma individual e concreta, seria ele, para a teoria carvalhiana, um dever de
natureza moral, decorrente da subsunção psicológica da norma jurídica.
Agora, restariam algumas perguntas relevantes: sendo moral esse dever
instrumental, como o seu descumprimento poderia ser reputado juridicamente
ilícito? Do descumprimento de deveres morais nascem sanções jurídicas?
As palavras falam
por si sós. São públicas e partilhadas. Compete ao leitor fazer um juízo de
valor sobre a possibilidade lógica da existência de “fatos lícitos sem relevo
para o direito”, “incidência psicológica da norma”, “deveres instrumentais de
natureza moral, porque não relatados em linguagem competente” e quejandos.
8. Sujeitos
competentes para editar normas individuais e concretas.
Façamos aqui um simples
teste empírico, bem comezinho. Pegue, o caro leitor, uma nota fiscal qualquer.
Passe os olhos sobre o texto nela expresso, indicando a empresa, o número de
série da nota, a discriminação dos bens vendidos, seu preço e o total a ser
pago. Imagine que a nota discrimine também o valor do tributo a ser entregue
aos cofres públicos. O conteúdo da nota fiscal documenta uma operação de venda,
que realiza o suporte fáctico de uma norma jurídica tributária. Observando esse
documento, pergunta-se: o dever do comerciante emitir a nota fiscal está
prescrito nela mesma ou é decorrente de uma norma jurídica anterior? Poderia a
nota fiscal prescrever o dever do empresário emiti-la? Sendo ainda mais
preciso: poderia o empresário ter o dever instrumental de expedir uma nota
fiscal, sendo que este dever seria previsto na própria nota fiscal que ele
expediu?
Para Tácio Lacerda
Gama, a nota fiscal ou escrituração em livro próprio “… São relatos em
linguagem competente que documentam o seguinte: dado o fato de ter sido realizada
uma operação mercantil tributada (Fj), deve ser a obrigação de expedir
este documento do sujeito Sp para com o sujeito Sa. Com isso, comprova-se o
cumprimento de um dever instrumental, embora não se possa afirmar a
constituição da obrigação tributária principal. Aqui, é o sujeito passivo quem
constitui a norma tributária individual e concreta que documenta a incidência
do dever instrumental”[60].
A norma jurídica
prescreve condutas ou discrimina competências. Ela não tem a função de declarar
ou documentar a ocorrência de um fato ou conjunto de fatos, porque lhe faltaria
a prescritividade que lhe é inerente. Quando a norma descreve um fato,
conotativa (norma geral e abstrata) ou denotativamente (norma individual e
concreta), a descrição apenas arma o arquétipo sobre a qual incidirá e será
aplicada, para deflagrar os efeitos nela prescritos. Porém, a proposição
completa, composta de descritor e prescritor, tem natureza deôntica,
qualificada pelo functor interproposicional. Quando se afirma que é o sujeito
passivo quem constitui a norma tributária individual e concreta, que documenta
a incidência do dever instrumental de emitir nota fiscal, termina por se
encobrir duas questões: (a) que a existência anterior do dever instrumental (de
onde ele provém?) é pressuposto do seu cumprimento pela emissão da nota fiscal;
e (b) que a nota fiscal mesma não pode conter, por impossibilidade lógica, a
norma que determina a sua própria emissão.
Imagine uma nota
fiscal prescrevendo a seguinte norma: “dado o fato de ter sido realizada uma
operação mercantil tributada (Fj), deve ser expedida a nota fiscal”. Essa norma
jurídica está contida realmente na nota fiscal ou lhe antecede, predisposta na
legislação tributária? É evidente que, diante da ausência de uma norma individual
e concreta que estabeleça o dever instrumental de expedição de nota fiscal, a
única saída da teoria carvalhiana foi imaginar essa norma dentro da própria
nota fiscal. Com isso, mais uma vez estabeleceu um contra-sentido deôntico: o
dever de expedir notas fiscais já expedidas.
9. A publicidade da norma individual e
concreta.
Para a teoria
carvalhiana, nunca é demais lembrar, o processo de positivação do direito exige
sempre a edição de uma norma individual e concreta, é dizer, que haja relato em
linguagem competente, escrita e documental. Entre outros exemplos que expus,
demonstrando a existência de fatos jurídicos sem revestimento em linguagem
escrita, no direito tributário, constava o lançamento por homologação tácita,
decorrente da omissão do fisco em se manifestar expressamente, no prazo de
cinco anos, sobre a sua concordância, ou não, com o pagamento efetuado pelo
contribuinte do tributo, que ele próprio quantificou em sua escrita[61].
Refutando o exemplo
dado, assere Tácio Lacerda Gama: “… Existiria aqui o tão procurado fato
jurídico sem linguagem? É evidente que não, pois, para o direito, não haverá
homologação tácita sem que haja relato em linguagem apropriada”[62].
Noutras palavras, a homologação tácita, para ser jurídica, tem que ser…
expressa! A afirmação já destruiria, por si só, o argumento.
Poder-se-ia dizer,
tentando salvar essa argumentação fustigada, que a omissão do fisco teria que
ser relatada, retrospectivamente, em linguagem competente, pelo menos
posteriormente aos cinco anos (§ 4° do art. 150 do CTN), para que viesse a ter
relevo para o direito. Ora, na mais absoluta maioria dos casos, vencidos os
cinco anos sem que o fisco atue, não há relato posterior em linguagem
competente. Nessa hipótese de homologação tácita, não estaríamos diante de um
fato jurídico sem linguagem competente? Se a resposta for pela negativa, como
afirma Tácio Gama, então a homologação tácita não seria fato jurídico, sendo
talvez produto daquela “incidência psicológica” que geraria deveres morais.
Paulo de Barros
Carvalho, em nenhum dos seus escritos, sustentou a necessidade de um relato
posterior, em linguagem competente, da homologação tácita. Escrevendo sobre o
tema, o professor paulista destacou que o prazo fixado pela legislação, para
que o fisco exercesse as suas prerrogativas homologatórias, findo o qual o
pagamento antecipado seria tido por homologado por força de um comportamento
omissivo do titular do direito subjetivo ao tributo, era uma garantia da
firmeza e segurança das relações jurídicas. Desse modo, o silêncio do Fisco,
durante esse trato de tempo, faz surgir a homologação tácita ou ficta. Razão
pela qual, para Paulo de Barros Carvalho, o prazo de cinco anos para o fisco se
manifestar, expressa ou tacitamente, não seria nem decadencial nem tampouco
prescricional, “… pois entendo existir, para a Fazenda, o direito de exercer
tacitamente seus deveres homologatórios, manifestando, quando assim consultar
seus interesses, a faculdade de manter-se quieta, omitindo-se”[63].
Noutras palavras, o fisco tem o direito ao silêncio, à omissão, ao manter-se
inerte, em razão do próprio permissivo legal. Por isso mesmo, “… o fato
jurídico da homologação tácita consubstancia a própria realização do direito de
homologar, se bem que por meio de um comportamento omissivo”[64].
Com essa percepção clara do ordenamento jurídico, não exige Paulo de Barros
Carvalho o relato em linguagem competente desse comportamento omissivo do
fisco, até mesmo porque a sua exigência feriria o quod plerumque accidit.
Se o fato jurídico
da homologação tácita é o exercício do direito do fisco ficar quieto,
omitir-se, então não resta dúvida da existência de fatos jurídicos sem
linguagem escrita e documental. Para obviar a minha crítica, não restou outra
saída a Tácio Lacerda Gama que não a sustentação da necessidade de um relato
posterior desse fato jurídico omissivo. Nada obstante, não apontou a quem
caberia relatar essa omissão em linguagem competente, nem a oportunidade
própria para fazê-lo.
Afirma ainda Tácio
Gama, que as informações feitas ao fisco (DCTF, GFIP, v.g.) seriam
normas individuais e concretas produzidas pelo contribuinte. Pensemos em duas
hipóteses simples: (a) o contribuinte não informou o fisco sobre sua escrita
fiscal, passando o prazo de cinco anos, contado do exercício seguinte àquele em
que ocorreu o fato jurídico tributário, sem que houvesse lançamento de ofício;
e (b) o contribuinte informou o fisco, efetuou o pagamento a menor do que os
valores que declarou, e passou o prazo de cinco anos sem atuação do fisco[65].
Na primeira hipótese, não houve manifestação do contribuinte nem do fisco,
passando em branco o prazo para a realização do lançamento de ofício e
lavratura do auto de infração; e, na segunda hipótese, houve a manifestação do
contribuinte, tendo efetuado pagamento a menor do que o devido, também restando
inerte o fisco no prazo que possuía para lançar de ofício e lavrar o auto de
infração. Pergunta-se: qual a diferença, nas duas hipóteses, em relação à
inércia do fisco? Resposta: na primeira, houve decadência do direito de lançar;
na segunda, houve homologação tácita, iniciando-se, a partir daí o prazo
prescricional. Em ambas as hipóteses, o silêncio do fisco gerou efeitos
jurídicos. Passados esses outros cinco anos sem propositura da execução fiscal
(prazo prescricional), o silêncio e o tempo consumiram a possibilidade do fisco
lançar e executar, respectivamente. A linguagem atestando a ocorrência de tais
fatos (omissões sucessivas do fisco) é mero acidente de percurso. Raramente
ocorre, ao contrário do afirmado por Tácio Gama. Nesses casos, contudo, a
teoria carvalhiana afasta a presença de fenômenos jurídicos.
10. Direito e
efetividade.
Um dos aspectos
mais intrigantes da teoria carvalhiana está situado na relação existente entre
as condutas prescritas nas normas jurídicas e o seu cumprimento, ou não, no
plano da realidade. Se tomarmos como pressuposto que os “fatos”, no seio dessa
teoria, são os conteúdos dos enunciados protocolares e denotativos, a questão é
de fácil desate: bastaria que um sujeito competente enunciasse a ocorrência de
eventos e, apenas pela própria enunciação, estariam constituídos os fatos
jurídicos. Porém, mesmo os fatos jurídicos constituídos através das normas
individuais e concretas têm efeitos prescritos (os fatos-efeitos), que também
são constituídos pelos enunciados. O puncto saliens seria então saber
qual o ponto de contato entre os efeitos prescritos por uma norma individual e
concreta e a realidade empírica. Se tomarmos como exemplo uma medida liminar,
concedida pelo juiz, em razão da probabilidade de ocorrência de um dano
irreparável para o contribuinte, determinando a liberação de um caminhão
carregado de peixes, retido pelo fisco, veremos que a ordem expedida se exaure
como conteúdo do provimento judicial. Para que a liberação ocorra licitamente,
será necessário que a ordem seja reproduzida em um mandado judicial e ele seja
entregue, por um oficial de justiça, para que o agente público libere a carga.
A liberação da carga de peixes, no plano da realidade, é cumprimento da ordem
judicial emitida. A sua desobediência traria graves conseqüências jurídicas
para o agente público, inclusive de natureza penal.
Para o cumprimento
da norma individual e concreta expedida pelo juiz, no exemplo citado, não basta
o agente público tomar conhecimento do seu conteúdo. A ordem expedida determina
uma ação concreta: a liberação do caminhão com a carga perecível. Noutras
palavras, a proposição mandamental contida no enunciado expedido pelo juiz não
se exaure nela mesma, reivindicando a ocorrência de comportamentos no mundo concreto,
sem os quais a ordem restará frustrada, desobedecida e, desse modo, ineficaz.
Isso nos leva a pensar, ainda que ligeiramente, sobre a pretensão do autor da
ação judicial quando vem a juízo requerer um provimento liminar. Sua pretensão
é de obter uma ordem judicial ou uma solução concreta e efetiva? A ordem, pela
ordem, satisfaria a pretensão do interessado?
Naturalmente que o
incumprimento da ordem judicial, ou mesmo o seu cumprimento tardio, trará
conseqüências jurídicas, inclusive o nascimento do direito ao ressarcimento dos
prejuízos sofridos pela parte interessada e prejudicada. Desse modo, para além
da norma individual e concreta expedida pelo juiz, há o problema do seu
atendimento ou não, que apenas pode ser aferido no plano dos fatos concretos.
Pergunta-se: a observância pelos destinatários da ordem judicial, para além da
linguagem escrita e documental, é havida como fato jurídico lícito ou apenas
como um fato social, estranho ao direito? Ora, para o advogado prático, que
convive com as questões do fórum, ou mesmo para o jurista habituado com as
questões processuais, sobretudo relativas às ações executivas e mandamentais
(especialmente as ligadas às tutelas de urgência satisfativas ou cautelares),
seria desarrazoado excluir do mundo jurídico os efeitos das sentenças ou
decisões interlocutórias, havendo-os por matéria afeta à sociologia. Seria
transformar os operadores do direito (juiz, advogados, promotores públicos
etc.) em sociólogos, ao lado dos processualistas.
Enfrentado o
problema, Eurico M. Diniz de Santi e Paulo César Conrado afirmam que “… A
medida liminar no mandado de segurança funciona como eixo de calibração entre
mundo jurídico e mundo social, entre causalidade jurídica e causalidade
natural, buscando aplacar imediatamente, mediante norma-solução
provisória, a causalidade natural decorrente da eficácia social do ato de
autoridade: o ato jurídico de retenção provoca a eficácia social da retenção
que, por sua vez, provoca o efeito da causalidade natural do perecimento (dos
peixes apreendidos)”[66].
Ora, se a retenção é vista como eficácia social do ato jurídico de retenção,
qual seria o seu efeito jurídico? Um ato jurídico de retenção, que não retém
nada, pode ser tudo, menos um ato jurídico de retenção.
Doutra banda,
Eurico de Santi e Paulo César Conrado asseveram que a liminar seria, nesse caso
analisado, uma norma-solução provisória. Provisória, em que sentido? Em
verdade, parece-nos evidente que a liminar, em casos que tais, dada a sua satisfatividade,
não se reveste do caráter de provisoriedade, ao menos quanto aos seus efeitos
práticos. Imagine-se que o juiz revogasse, dias depois de cumprida, a sua
ordem. Haveria como, no mundo dos fatos, ser ela cumprida, tendo em vista que o
carregamento de peixe havia sido liberado e vendido para os consumidores finais
do supermercado que adquirira a carga? A segunda decisão judicial não poderia
ser cumprida, justamente pela perda de objeto, falecendo-lhe o sentido
operativo, a viabilidade de realização[67].
Embora a sentença (norma-solução definitiva) viesse a julgar inexistente o
direito líquido e certo invocado, a liminar já teria operado efeitos jurídicos
definitivos, pela sua satisfatividade, inerentes a provimentos judiciais dessa
natureza. A tutela da aparência suplanta, em casos que tais, a tutela da
evidência, pela operatividade do direito como processo de adaptação social.
Aqui, a linguagem jurídica se rende à faticidade jurídica[68].
Como já
demonstramos anteriormente, a teoria carvalhiana toma o dever-ser apenas do
ponto de vista sintático, razão pela qual tomará a efetividade da norma também
apenas sintaticamente, como problema lógico-formal. Sintática é a concepção de
efetividade, do ângulo lingüístico, que toma o termo “eficácia” no sentido de
aptidão da norma para produzir efeitos jurídicos, independentemente de sua
produção concreta, na realidade: “… prescinde também da relação para com os
comportamentos de fato ocorridos e não vê nenhuma influência entre obediência a
efetiva da norma e a possibilidade de produção de efeitos”[69].
Já a concepção semântica toma a efetividade como cumprimento e aplicação
concreta da norma, exigindo uma relação entre o seu enunciado com o que sucede
na realidade por ela referida[70].
Porém, para a concepção pragmática, não basta apenas a possibilidade de
produção de efeitos (sintaxe) ou sua observância regular (semântica), mas a
junção de ambas, numa relação metacomplementar das condições de aplicabilidade,
exigibilidade e executoriedade da norma[71].
Uma visão pragmática da efetividade impõe uma profunda relação entre o relato e
o cometimento da norma (entre o seu significado e o resultado prático a que
visa); relação essa que se dá na intimidade do discurso, ou seja, na ação
lingüística, em que alguém dá a entender alguma coisa a outrem, de maneira que
são relevantes não apenas as palavras pronunciadas, “… mas quem pronuncia,
quem ouve e as respectivas reações, conforme certas regras”[72].
É dizer, as reações (a observância ou não da norma) são fundamentais para uma
concepção pragmática do direito, que alcança não apenas as dimensões
locucionária e ilocucionária das proposições prescritivas, mas também a sua
dimensão perlocucionária[73].
A supressão dos
fatos sociais do centro das preocupações jurídicas, na teoria carvalhiana, a
par dos aspectos ideológicos encobertos, não consegue esconder um equívoco
teórico grave: o imaginar que todo fato social seria objeto de interesse
sociológico, o que o excluiria do campo dos objetos jurídicos. Apenas a norma
jurídica, como proposição prescritiva, seria objeto da ciência jurídica; os
fatos sociais, ainda que analisados sub specie normae, seriam objetos
afetos à sociologia.
Lourival Vilanova
demonstrou, de uma vez por todas, o equívoco de uma tal visão reducionista.
Partindo do princípio de que os fatos sociais pressupõem inter-relações,
poderiam ser elas analisadas a partir do seu conteúdo (ético, jurídico,
econômico etc.) ou apenas de sua forma, analisando os múltiplos processos de
relação interindividual. Aqui, importa o quantitativo; ali, o qualitativo[74].
Há um espaço neutro onde ambas as dimensões, forma e conteúdo, se encontram, se
fundem. Como objeto de estudo, podemos tomar os fatos sociais como objetos
reais (forma), observando-os quantitativamente, separando, unindo, catalogando,
deixando entre parêntesis o seu sentido, o seu conteúdo. Podemos também nos
deter, metodicamente, na análise dos conteúdos, como “puros” conteúdos,
suprapositivos, despregados do mundo da vida (ética pura, normativismo puro
etc.)
Se tomamos os fatos
sociais como objetos reais, sem preocupação com o seu sentido ou com os seus
fins, apanhamo-los como objeto da sociologia, porque a sociologia “… trata
como objetos reais. Os fatos sociais são objetos reais. A realidade do fato
social reside em estar no tempo e no espaço e em esgotar-se na forma de existência,
do que a conexão de causalidade é decorrência. A causalidade, como sabemos,
implica a modalidade de ser do objeto”[75].
Porém, os fatos sociais, pela sua própria consistência, são um dado de
natureza bilateral, formado das duas dimensões: há uma dualidade de
constituição do objeto. Por essa razão, o mesmo objeto admite mais de uma forma
de aproximação teórica, sem que isso implique dissolver a sua própria
complexidade: “A sociologia do direito e do Estado e a teoria geral do direito
e do Estado são, simultaneamente, possíveis se nos firmamos no princípio de que
o objeto jurídico-estatal é um objeto dualmente estruturado, tendo por
subestrutura o fato, e por superestrutura as significações e os valores (as
regras do direito são expressões normativas dos valores e significações)”[76].
É justamente na dualidade dos fatos sociais que se encontram e se conjugam ser
e dever-ser, faticidade e idealidade: “… A dualidade em questão não exclui
que existam objetos, um ‘terceiro reino de objetos’, os objetos culturais, que
envolvem, numa síntese, o ser e o dever-ser: assim, o Estado, o direito etc.”[77].
Essa dualidade de ser e dever-ser perpassa toda a obra vilanoviana, alcançando
seus escritos mais recentes. Em seu estupendo livro sobre as estruturas lógicas
do direito positivo, Vilanova volta a afirmar essa dualidade do objeto
jurídico: “O ser e o dever-ser são logicamente separáveis, porque irredutíveis.
Efetividade e validade (validade lógico-formal e validade jurídica) estão
colocadas em dois planos. Mas o ponto de encontro é o homem mesmo e sua
projeção comunitária, a sua existência como intersubjetividade. Levanta-se o
problema de como ser e dever-ser, efetividade (eficacidade) e validade, fato e
norma, idealidade e realidade, sendo diferentes, relacionam-se…”. E arremata:
“A experiência nos dá o Direito como objeto contendo essa dualidade. É um
dado-da-experiência, que se tem de aceitar. Toda teoria redutora (psicologismo,
sociologismo, axiologismo, normativismo) tem forçoso ponto-de-partida nesse
dado da experiência. Há de se começar fenomenologicamente com a descrição dos
componentes do objeto dado. A redução (não em sentido fenomenológico,
claro) de fato-de-conduta à norma ou valor, ou de norma à ocorrência factual,
ou de validade à consciência subjetiva do valor, representam teorizações em
nível de meta-experiência. Mas, sem sair dos limites da experiência, temos
espécies de objetos, porém inter-relacionados”[78].
Em resumo, podemos asseverar: o direito é o todo (fato, valor e norma),
embora possamos, em nível de metaexperiência, decompor o todo em partes, embora
o direito, como objeto mesmo, contenha aquela dualidade de ser e dever-ser, de
faticidade e normatividade, sendo um dado da experiência “que se tem de
aceitar”.
Agora, podemos
regressar ao problema da liminar concedida no mandado de segurança, cujo efeito
principal foi a expedição de uma ordem para a liberação do caminhão, portando
uma carga de peixes. A liberação do caminhão é fato social, com significado
jurídico: fato jurídico, portanto. Nele, encontram-se forma e conteúdo, ser e dever-ser
em efetividade, faticidade e normatividade.O sentido que impregna o ato de
liberação da mercadoria não é social (embora, possa ser também, dada a
dualidade do objeto, a conduta humana); é, na verdade, jurídico. Cumprir a ordem
judicial de liberação é realizar, no ser, o dever-ser da norma individual e
concreta. Com isso, evitamos a afirmação de ser a medida liminar uma “…
norma-solução provisória que protege a eficácia social da norma-solução
definitiva do mandado de segurança (sentença) …”[79],
porque, afinal, se o direito protege a eficácia social da sentença, já a
tomou como relevante para a juridicidade, vale dizer, como eficácia jurídica.
11. Últimos
esclarecimentos.
O texto escrito por
Tácio Lacerda Gama buscou enfrentar alguns dos pontos por mim questionados em
desfavor da teoria carvalhiana. De modo sóbrio e direto, refutou a maioria dos
meus argumentos, em uma tomada de posição franca e serena. Em que pese algumas
tentativas de imunizar a teoria carvalhiana, não se furtou ao diálogo, buscando
demonstrar as razões de sua adesão à teoria de Paulo de Barros Carvalho.
Não é a teoria
carvalhiana, contudo, um corpo teórico monolítico e sem contradições. Há
questões não respondidas e não enfrentadas, inclusive sobre as divergências
explícitas entre os discípulos do professor paulista. Para Tácio Gama, por um
lado, o direito cria direito a partir do próprio direito[80];
para Tárek Moussallem e Eurico Diniz de Santi, por outro lado, o direito é
criado pelo evento (a enunciação): norma não cria norma[81].
Para Paulo de Barros Carvalho e Tárek Moussallem, o sistema jurídico é
fundamentado pela norma fundamental kelseniana; já para Eurico Diniz de Santi,
a norma fundamental é descartada (o produto juridiciza o processo; a
Constituição é Constituição, porque diz que é Constituição)[82].
Essas questões substantivas não são problematizadas, sem embargo das
implicações teóricas que a diversidade desses pontos de vista causam na
coerência interna do autodenominado construtivismo jurídico.
Buscamos enfrentar
todas os argumentos lançados por Tácio Lacerda Gama, sem fugir de nenhuma
questão suscitada. Com esteio em Lourival Vilanova e Tércio Sampaio Ferraz Jr.,
buscamos consolidar a demonstração da redução do direito, operada pela teoria
carvalhiana, ao plano sintático das normas, desvinculando-o do mundo da vida.
Com isso, tomando os atos de cumprimento das normas como fatos sociais,
deixa-se sem explicação o porquê da preocupação do direito com os “efeitos
sociais” das decisões jurídicas. Quando, todavia, resta impossível excluir o
ato de cumprimento do seio das preocupações jurídicas, passa ele a ser tratado
como se norma fosse, numa azáfama de dimensões do objeto jurídico. Não por
outra razão, tenho demonstrado que a teoria carvalhiana tem imensa dificuldade
em acomodar em seu interior a explicação de problemas práticos, sobretudo por
causa da eliminação dos fatos e dos valores do estudo do direito.
Para finalizar, uma
última observação. A amizade entre dois pensadores é construída sobre o mais
absoluto respeito pelas diferenças, sobretudo quando um não toma como tema a
reflexão teórica sobre o pensamento do outro. Kelsen e Cossio foram amigos,
embora divergissem sobre o modo de encararem o direito; a amizade não
significou concordância. O mesmo se diga de Lourival Vilanova e Paulo de Barros
Carvalho. Embora o professor paulista tenha adotado os ensinamentos do
professor pernambucano, ao longo do tempo foi dele incisivamente se afastando,
nada obstante continuasse a citá-lo constantemente em seus escritos. Porém,
Lourival Vilanova, desde a sua obra de 1947[83]
até os seus últimos escritos, nunca abandonou a dualidade do objeto jurídico,
não se perdendo na tentação do logicismo, que tantas vezes expurgou[84].
A sua obra, rediviva, é testemunho de suas lições e de seu pensamento. É aquilo
que os cristãos chamam de memorial, que é mais do que ser memória: é
estar presente. Por isso, as observações de Tácio Gama sobre a amizade
existente entre ambos, Vilanova e Barros Carvalho, nem de longe poderiam
induzir concordância entre os modelos teóricos adotados pelos dois. Não é essa,
portanto, uma objeção que se possa levar a sério, desdourando o nosso diálogo
científico, honesto e transparente.
Aliás, nesse
diálogo, pena que sintamos a ausência de alguns interlocutores importantes, que
contribuiriam para o enriquecimento de todos nós. Porém, democraticamente,
respeitamos o silêncio, que é fato relevante, mesmo sem linguagem escrita e
documental. O silêncio, por vezes bastas, grita mais eloqüentemente do que
qualquer palavra.
Notas:
[1]
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Direito, retórica e comunicação. 2ª ed. São
Paulo: Saraiva, 1997, p.24.
[2] O
discurso filosófico da modernidade. Trad. Luiz Sérgio Repa e Rodnei
Nascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 468.
[3] Carnaval
tributário. 2ª ed., São Paulo: Lejus, 1999, p.108.
[4]
“Obrigação e crédito tributário: anotações à margem da teoria de Paulo de
Barros Carvalho”. Revista tributária e de finanças públicas 50/98-113.
São Paulo: RT, maio-jun. 2003.
[5]
COSTA, Adriano Soares da. Teoria da incidência da norma jurídica:
crítica ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
[6]
“Obrigação e crédito…”, p.112.
[7]
Idem, p. 101.
[8]
Idem, p.105.
[9]
Idem, p.107.
[10] Idem,
p.110.
[11] Os
sete saberes necessários à educação do futuro. Trad. Catarina Eleonora da
Silva e Jeanne Sawaya. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 2002, p.38.
[12]
Idem, ibidem.
[13] Idem,
p.41.
[14]
Idem, p.42.
[15] Idem e
bidem.
[16]
“Obrigação e crédito…”, cit., p.103.
[17]
Impressiona que, em texto datado de 21 de julho de 1998 (ano da publicação de
seu livro sobre os fundamentos jurídicos da incidência), Paulo de Barros
Carvalho tenha incisivamente criticado, como agora fazemos, a visão
reducionista do direito, que o limita às normas jurídicas, reputando-o também
como logicismo formalista ou formalismo exacerbado: “Lembremo-nos de que o
direito é algo extremamente complexo, abrangendo, a um só tempo, (i) uma
linguagem prescritiva, (ii) um substrato sociológico expresso pela vida
comunitária que manifesta seu consentimento em relação àquela linguagem e (iii)
um aspecto axiológico, que é sua dimensão de idealidade, imanente à natureza de
objeto cultural. Nem sempre, todavia, se mantém o isolamento metódico entre
esses três lados do problema do direito. Ora se misturam conceito e valor, como
jusnaturalismo clássico; ora se suprime o dado axiológico e se focaliza apenas
a existencialidade, como no empirismo positivista (positivismo jurídico,
positivismo sociológico etc.); ora, enfim, se cortam o valor e a base
sociológico-histórica, o que dá em conseqüência um formalismo exacerbado, do
tipo kelseniano ou um logicismo formalista, à moda de Schreier” (“O
princípio da territorialidade no regime de tributação da renda mundial
(universalidade)”. Revista de direito tributário. 76/6. São Paulo:
Malheiros, s/d., sem grifos originais).
[18] Os
sete saberes…, cit., p. 45-46.
[19] Teoria
do direito e do estado. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 7. Grifos
originais.
[20] Diálogos
entre razão e fé. São Paulo: Paulinas, 2000, p.24. Grifos apostos.
[21] “Obrigação
e crédito…”, cit., p. 103-104.
[22] Conhecimento objetivo: uma abordagem
evolucionária. São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1975, p.152.
[23] Idem, p. 153-154.
[24] Idem, p. 110-111. Assim também,
VILANOVA, Lourival (O problema do objeto
na teoria geral do estado. Recife: Imprensa Oficial, 1953, p.173): “O
pensar, ralo que é, discorre temporalmente, é subjetivo e variável. O conteúdo
pensado, ao contrário, vale intemporalmente: é objetivo. As operações lógicas
repousam, fundamentalmente, nessa separação abstrata de atos e significações”.
[25] Apud POPPER, Karl. Op. cit., p.111.
[26] Idem, p. 117.
[27] Idem, p.117-118.
[28] Idem, p. 156.
[29] Idem, p.158.
[30]
Vide o meu Teoria da incidência da norma jurídica, cit., passim. É
muito importante a abordagem que Habermas faz da teoria dos três mundos de
Popper, buscando tirá-la de uma concepção ontológica. Para Habermas, é preciso
separar o mundo da vida, no qual atematicamente vivemos em comum e nos
relacionamos, do terceiro mundo de Popper, analisado sob o prisma da teoria da
ação comunicativa. Vide
HABERMAS, Jürgen. Teoría da acción
comunicativa: racionalidad de la acción y racionalización social. 3ª
ed. Madri: Taurus, 2001, p.117 et seq.
Outrossim, há importante contribuição de Edgar Morin sobre o que ele passou a
denominar de noosfera. Vide MORIN, Edgar. O método IV – As
idéias: a sua natureza, vida, habitat e organização. Mem Martins (Portugal):
Publicações Europa-América, 2002, passim.
[31]
“Obrigação e crédito…”, cit., p. 104-105. Essa distinção entre interpretação
autêntica e não autêntica, de índole kelseniana, não existe na obra de Paulo de
Barros Carvalho (Direito tributário: fundamentos jurídicos da
incidência, São Paulo: Saraiva, 1998).
Afirma Tácio Gama ter Barros Carvalho utilizado o signo “norma” em ambas
as acepções, sem contudo demonstrá-lo. Ainda assim, e apenas para argumentar,
tomarei como verdadeira a sua afirmação, sem controvertê-la, até por imaginar
que o seu texto tenha o endosso dos carvalhianos mais chegados.
[32]
“Obrigação e crédito…”, cit., p.104. Grifos originais.
[33]
Idem e bidem. Grifos apostos.
[34]
Idem, p.105.
[35]
Idem, ibidem.
[36]
Não se nega aqui que a dogmática jurídica tenha uma natureza criptonormativa,
decorrendo dos seus enunciados conseqüências pragmáticas para a decisão (nesse
sentido, FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Função social da dogmática jurídica.
São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 89). Todavia, não se pode afirmar, de modo
conseqüente, que as proposições produzidas pela dogmática sejam prescritivas,
porque apagaria o discrímen entre linguagem-objeto e metalinguagem, próprio aos
níveis de linguagem, introduzidas pelos estudos lógicos de Tarsk. Sobre isso,
afirmou Lourival Vilanova (O problema…, cit., p. 140): “… A ciência
natural ou ciência normativa, como ciências, são sistemas de conhecimentos. O
propósito essencial cifra-se em conhecer objetos. Nem a ciência natural nem a
ciência normativa são prescritivas de objetos. A ciência normativa, na
qualidade de ciência, não é atividade ponente de normas. Tem as normas por
objeto…”.
[37]
“Obrigação e crédito…”, cit., p. 105.
[38]
Vide Teoria da incidência da norma jurídica…, cit., passim.
[39]
“Obrigação e crédito…”, cit., p.103. Grifos apostos.
[40]
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos…”, cit., p.
242.
[41] GAMA,
Tácio Lacerda. “Obrigação e crédito…”, cit., p.106.
[42]
Nesse sentido, VILANOVA, Lourival (O problema…, cit., p.139): “… Não
há generalização ou procedimento formal qualquer que permita o pensamento
operar transitando de um domínio lógico ao outro. São dois universos
irredutíveis, o que serve de fundamento objetivo para uma lógica do ser e uma
lógica do dever-ser”.
[43]
Idem, p.144.
[44]
Idem, p. 143-144.
[45]
Idem, 146. Em texto escrito em 21 de julho de 1998, Paulo de Barros Carvalho
escreveu: “O fato social, como processo de relação, é um fenômeno com sentido
e, sem ele (sentido), que imprime direção aos fatos sociais, é impossível
compreendê-los Os fatos jurídicos, quer os previstos nos antecedentes das
normas, quer os prescritos na fórmula relacional dos conseqüentes,
apresentam-se na forma de fenômenos físicos (relações de causa e efeito) mais
o sentido, isto é, o fim jurídico que os permeia” (“O princípio…”, cit.,
RDT 76/6. Grifos originais).
[46]
Ibidem, p.143. Afirmava Paulo de Barros Carvalho: “Repetimos. O direito é fato
da cultura, sendo, como todo objeto cultural, uma síntese entre valor e mundo
natural, admitindo, por esse modo, uma investigação jurídica voltada para os
valores e uma investigação do direito como realidade positivada. Sobremais,
tem ele uma forma de ser específica, o que justifica plenamente um estudo
ontológico dessa entidade” (“O princípio…”, cit., RDT 76/6. Grifos apostos).
[47]
Ibidem, p.144. É Vilanova quem ensina: “… a cultura implica que o dever-ser,
de algum modo, penetre na esfera do ser. Que o dever-ser, sem perder sua
especial constituição normativa, se relacione com o ser. A conseqüência é
clara: se o Estado ou direito é um fato da cultura, a essência do direito não
reside em ser um sistema de normas, mas em ser um sistema de normas em
efetividade, em progressiva realização” (Ibidem, p.207). Vide ainda, sobre a
síntese do ser e do dever-ser no objeto cultural, p.157.
[48] Teoria
da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 20. É de se
estranhar que Paulo de Barros Carvalho tenha adotado a classificação
introduzida por Marcelo Neves (vide Curso de direito tributário. 14ª ed.
São Paulo: Saraiva, p.130 et seq.), e não tenha se dado conta da
contradição com os postulados de sua teoria.
[49]
“Obrigação e crédito…”, cit., p.106-107.
[50]
Idem, p. 107.
[51]
Idem, p.108.
[52]
Idem, ibidem.
[53]
Afirma Lourival Vilanova: “Mas, desde que as normas (significações) têm por
suporte linguagem (linguagem não-apofântica, mas linguagem deôntica),
inserem-se dentro das leis lógicas. A linguagem do direito positivo procura evitar
o sem-sentido. O legislador, ou o juiz ao emitir norma individual,
evitam atropelar categorias-de-significação (ou categorias-de-símbolos) que
dêem construções sem-sentido., ou categorias sintáticas que levem às estruturas
eivadas de contra-sentido, pois nem um nem outras são possíveis de
efetivação ou cumprimento na ordem dos fatos” (As estruturas lógicas e o
sistema do direito positivo. São Paulo: RT, 1977, p. 136. Grifos
originais).
[54]
Ensina Pontes de Miranda: “O pagamento prova-se pelos meios de prova,
não necessariamente pela quitação. Quem deve 5 x e pagou 1 x, mais 2 x, mais 3
x, com os recibos, tem recibos (meio de prova), não tem quitação. Tem direito a
ela, pretensão a ela, ação para a haver – o que é outra coisa que a ter” (Tratado
de direito privado. Campinas:
Bookseller, 2003, t. 24, p. 167).
[55] Tratado…,
cit., p.172.
[56] Teoria
da incidência da norma jurídica, cit., p. 97 et seq.
[57]
“Obrigação e crédito…”, cit., p.109.
[58]
Idem, ibidem.
[59]
Idem, p. 110. Grifos apostos.
[60]
Idem, 110-111. Grifo original.
[61] Teoria
da incidência da norma jurídica, cit., p. 105 et seq.
[62]
“Obrigação e crédito…”, cit. p. 111.
[63]
“Extinção da obrigação tributária, nos casos de lançamento por homologação”. Estudos
em homenagem a Geraldo Ataliba: Direito tributário. São Paulo: Malheiros,
1997, vol. 1, p. 230.
[64]
Idem, ibidem.
[65]
Em ambos exemplos, mencionamos o prazo de cinco anos, passando à margem sobre
os debates surgidos com a recente jurisprudência do STJ. Sobre o tema, vide
PALSEN, Leandro (Direito tributário: Constituição e código tributário à
luz da doutrina e da jurisprudência. 5ª ed., Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003, p. 1026 et seq.) e AMARO, Luciano (Direito tributário
brasileiro. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2001, p.386 et seq.).
[66]
“Mandado de segurança em matéria tributária, definindo e inter-relacionando
conceitos fundamentais: ‘direito líquido e certo’, ‘ato coator’, ‘medida
liminar’, ‘sentença’, ‘periculum in mora’ e ‘fumus boni iuris’”. Revista
dialética de direito tributário (RDDT), 90/54, São Paulo: Dialética,
mar./2003. Grifos originais.
[67]
Cf. VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 2ª ed., São
Paulo: Saraiva, 1989, p. 57.
[68]
Ovídio Baptista da Silva, em livro que está escrevendo, faz profunda análise
teórica sobre a ideologia que se esconde por detrás dessa tomada de posição
formalista. São suas palavras, em crítica ao purismo do direito, adscrita em
cópia de um dos capítulos, gentilmente cedida: “Conserva-se, portanto, o
conceito de ação, não como uma atividade, porém como um dizer, não como
um fazer, o que, de resto, é pressuposto imanente de toda a doutrina. O fazer
será sempre posterius à atividade jurisdicional; será sua conseqüência,
fenômeno externo ao ato jurisdicional, uma vez que a execução é fato,
não ‘direito puro’”. Muito adiante, aduz: “Para o direito, as condutsa são
lícitas ou, ao contrário, serão ilícitas. O agir lícito oposto ao
titular do dever jurídico é sempre uma ‘ação’, posto que, gramaticalmente, o
vocábulo ação é o substantivo do verbo agir. Só posso agir
exercendo ação. Os que não fazem a distinção entre ação de direito material e
ação processual enganam-se na gramática. O erro nem chega a ser jurídico. Com
efeito, ter-se um direito material desprovido de ação é transformá-lo numa
prescrição ética ou, quem sabe, em um cântico religioso. Seria um direito
irrealizável” (Processo e ideologia, capítulo VI, mimeo., sendo
apenas os grifos finais apostos).
[69]
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de
pragmática da comunicação normativa. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1986, p.
119.
[70]
Idem, ibidem, p. 117.
[71]
Idem, ibidem, p. 119-120.
[72]
Idem, ibidem, p. 114-115.
[73]
Cf. COSTA, Adriano Soares da. “Fontes do direito e fato jurídico: resposta a
Tárek Moysés Moussallem”, Revista tributária e de finanças públicas, 50/
esp. 131-135. São Paulo: RT, maio-jun. 2003.
[74]
“… para se proceder a um tratamento físico do fato social, era mister
eliminar o qualitativo do fato social, ou reduzir o qualitativo ao
quantitativo. Em que consiste o aspecto qualitativo dos fatos sociais? Consiste
nos fins que confere sentido aos fatos, consiste nas idéias e nos objetivos que
impelem os indivíduos a relações recíprocas, consiste nos valores éticos,
jurídicos, estéticos, econômicos, religiosos em direção aos quais os fatos de
relação social se diferenciam e se processam” (VILANOVA, Lourival. “O
problema…”, cit., p. 111).
[75]
Idem, ibidem, p. 129.
[76]
Idem, ibidem, p. 132.
[77]
Idem, ibidem, p.159, nota 27.
[78] As
estruturas…, cit., p. 248-249. Grifos originais.
[79] SANTI e
CONRADO, “Mandado de segurança…”, cit., p. 55. Grifos apostos.
[80]
“Obrigação e crédito…”, cit., p. 108.
[81]
TÁREK, Moysés Moussallem (Fontes do direito tributário. São Paulo: Max
Limonad, 2001, p. 150, passim).
[82] Sobre esses aspectos, vide o nosso livro Teoria
da incidência da norma jurídica…, cit., passim.
[83] Sobre
o conceito do direito. Recife: Imprensa Oficial, 1947.
[84] As
estruturas…, cit., p. 251-252.
Advogado. Ex-Juiz de Direito. Professor convidado do Curso de Pós-Graduação em Direito Tributário da FAL – Faculdade de Alagoas. Professor do Centro Universitário de Ciências Jurídicas (CCJUR/Cesmac).
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