Introdução
A demora na prestação jurisdicional, bem como os graves efeitos do
tempo sempre foram obstáculos a uma prestação jurisdicional eficaz e ágil. Daí
a importância do estudo das medidas processuais cautelares e de antecipação de
tutela. As quais visam a impedir que estes efeitos maléficos do tempo venham a
frustrar a prestação jurisdicional.
Neste singelo estudo, faremos um breve apanhado dos principais
aspectos e características dos dois institutos, mostrando seus pontos de
semelhança e distinção, bem como seus requisitos e aplicação.
Desde já, é de se salientar que
este singelo trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto. Trata-se de simples estudo, reunindo nossos
apontamentos e observações pessoais sobre os institutos questão.
Tutela cautelar
Ao iniciar-se o estudo do tema, primeiramente torna-se necessário
estabelecer o conceito de tutela cautelar. Para este mister, recorreremos a
abalizada doutrina do mestre José Frederico Marques[1]
que, com precisão, conceitua:
“Tutela cautelar é o conjunto de medidas de ordem processual destinadas a
garantir o resultado final do processo de conhecimento, ou do processo
executivo.”
Do conceito acima expresso, extraímos a principal
característica da tutela cautelar, qual seja, sua acessoriedade ao processo de
conhecimento e execução. Embora seja um processo autônomo, tem por pressuposto
um processo de conhecimento ou execução, sendo sua existência diretamente
subordinada à daqueles.
Seu objetivo é assegurar a efetividade do processo de conhecimento ou
execução. De modo a impedir que a prestação jurisdicional se torne inócua pelo
decurso do tempo. Sua função primordial é de garantia.
A característica marcante da tutela cautelar é que a mesma em
princípio não tem cunho satisfativo. Ponto este de capital importância para
diferenciação da tutela antecipada. Como bem adverte Ernane Fidélis dos Santos[2], “o processo cautelar não se presta nunca à
antecipação da prestação jurisdicional definitiva.” Ressalvando-se alguns
casos em que o perigo de lesão está diretamente ligado ao reconhecimento do
direito, sendo que a tutela cautelar implica em verdadeiro provimento
satisfativo. Como exemplo, o caso dos alimentos provisionais.
Em conclusão, podemos afirmar que a tutela cautelar tem como objetivo
maior assegurar a eficácia do processo principal, garantindo-lhe a efetividade
do resultado, impedindo que os efeitos do tempo torne o mesmo completamente
inócuo. Sua função, no magistério de Carnelutti, citado por Humberto Theodoro
Júnior[3] é
“ “auxiliar e subsidiária” de servir à
“tutela do processo principal”, onde será protegido o direito e eliminado o
litígio.”
Requisitos
Para concessão da tutela cautelar, torna-se necessária a satisfação de
certos requisitos. Somente após verificada a existência dos mesmos é que se
admitirá a concessão da medida.
O primeiro deles é a possibilidade
de ocorrência de lesão grave ou de difícil reparação, em decorrência do “periculum in mora”. Ou
seja, o risco concreto e possível de o processo principal se tornar ineficaz
devido a sua demora . Bastando que no
contexto do processo a possibilidade de ocorrência dano se apresente. O que
pode ocorrer nos casos de perecimento do objeto, destruição, desvio ou
adulteração de provas e coisas, mutação de pessoas, bens ou qualquer outro ato
que coloque em risco a tutela jurisdicional requerida.
O segundo requisito da tutela cautelar é o chamado “fumus boni iuris”. Ou seja a “fumaça de bom direito”, que se
constitui na plausibilidade do direito
material invocado pela parte. É a demonstração pela parte, superficialmente, da
existência, in tese, de seu
Direito. Cabendo aqui esclarecer que não
é necessária a demonstração concreta da existência real do direito invocado, o
que é feito no processo principal. Neste sentido doutrina Humberto Theodoro
Júnior[4]:
“Para a ação cautelar, não é
preciso demonstrar-se cabalmente a
existência do direito material em risco, mesmo porque esse, freqüentemente, é
litigioso e só terá sua comprovação e declaração no processo principal.”
Pela análise dos requisitos para concessão da tutela cautelar,
ressalta-se, mais uma vez, o caráter de acessoriedade e garantia da mesma.
Delimitando-se o instituto como um instrumento processual de garantia e
cautela. Autônomo como fenômeno processual, mas completamente acessório e
dependente do processo principal, tal como se depreende do art. 796 do CPC.
Tutela antecipada
Atendendo aos reclamos de efetividade e presteza do processo, o
instituto da tutela antecipada foi introduzido no Direito Pátrio pela Lei
8.952, de 13 de Dezembro de 1994, a
qual deu nova redação ao art. 273 do
CPC, modificando-o totalmente.
Um bom conceito de tutela antecipada nos é dado por Pedro Barbosa
Ribeiro[5],
qual seja:
“O ato pelo qual o Juiz, ante a prova inequívoca
dos fatos articulados pelo autor, na peça exordial, e ante à verossimilhança
dos fundamentos jurídicos do pedido, concede o adiantamento da tutela
jurisdicional pedida, desde que haja fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação; ou que fique caracterizado, pelo comportamento do réu, o abuso
do direito de defesa ou de seu manifesto propósito procrastinatório.”
Analisando o conceito em tela, bem como as disposições do art. 273 do
CPC, de imediato extraímos as principais características do instituto.
A primeira característica marcante é que a antecipação de tutela,
diferentemente da tutela cautelar, não tem cunho de acessoriedade ou garantia,
nem é pleiteada em autos apartados. È tutela efetiva de mérito, satisfativa do
direito pleiteado, desde que preenchidos seus requisitos de admissibilidade. No
dizer de Humberto Theodoro Júnior[6], “há antecipação de tutela porque o juiz se
adianta para, antes do momento reservado
ao normal julgamento do mérito, conceder à parte um provimento que, de
ordinário, somente deveria ocorrer depois de exaurida a apreciação de toda a
controvérsia e prolatada a sentença
definitiva.”
O Juiz, acatando o pedido, antecipa a parte requerente, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela de mérito. Diferentemente do
julgamento antecipado da lide, que põe fim ao processo com uma sentença, na
tutela antecipada o juiz não profere uma
sentença, simplesmente defere a parte o adiantamento da tutela requerida. O
processo continuará até final sentença, podendo em seu curso ser revogada a medida, a qual se reveste do caráter de
provisoriedade (§ 4o do Art. 273 do CPC).
Outro
ponto que certamente tem causado divergências é quanto ao momento de concessão
da tutela antecipada. Alguns doutrinadores afirmam que a mesma poderá ser
concedida liminarmente, sem oitiva do réu, outros discordam desta
possibilidade. Analisando os requisitos legais da concessão da medida,
obrigatoriamente ficamos ao lado daqueles que negam a possibilidade de
concessão liminar, sem oitiva do réu. Basta esclarecer que a lei fala em prova
inequívoca. Ora, se a prova é inequívoca, obrigatoriamente, para se revestir
desta característica, tem que ser submetida ao contraditório. Exemplificando,
não basta que o autor seja detentor de um documento público que comprove seu
direito, o réu também poderá apresentar em juízo outro documento que anule
aquele. Portanto para que a prova seja inequívoca, entendemos que
obrigatoriamente terá que ser submetida ao contraditório.
Somos da
opinião de que a tutela antecipada poderá ser concedida em qualquer fase do
processo, mas somente após prévia oitiva do réu. Ernane Fidélis dos Santos[7]
cita dois renomados juristas com o
entendimento semelhante ao nosso:
“Calmon de Passos entende que a prova inequívoca
nasce apenas em razão do que se produz nos próprios autos, não sendo, portanto,
possível a antecipação antes do esgotamento da instrução, a não ser que esta se
dispense. (….)
Sérgio Bremudes parece entender que a tutela pode
dar-se liminarmente, mas nunca sem ouvir antes o réu, julgando ferido o
princípio do contraditório se assim não for feito.(….)”
Ponto
que deve ser abordado também nestas breves considerações, é a existência de
certo temor em alguns juizes em deferir a medida. Para tanto argumentam que o §
2o do art. 273, veda a concessão em caso de perigo de
irreversibilidade. De plano, o juiz obrigatoriamente terá que analisar a
possibilidade de dano irreversível. Devendo esta análise se basear nas provas e
na existência de um perigo concreto, e não em mera possibilidade de dano.
Ademais a tutela antecipada é provisória, podendo ser modificada ou cancelada
no curso do processo caso ocorra o perigo de dano irreversível após a
concessão. Daí não concordarmos com esta posição restritiva de aplicação de tão
importante instituto.
Concluindo,
resta analisar a natureza jurídica do instituto da tutela antecipada. Tal ato
seria uma sentença, despacho ou decisão interlocutória? Tal questionamento, em
princípio simples, causa sérias dificuldades ao aplicador do Direito.
Analisando o § 2o do Art. 162 do CPC, somos enfáticos em afirmar que
o ato pelo qual o juiz concede a tutela antecipada é decisão interlocutória.
Posto que no curso do processo, o juiz decide uma questão incidente,
consistente no adiantamento ou não dos efeitos da tutela requerida. Ademais, é de se frisar que
tal decisão não põe fim ao processo, portanto em hipótese alguma poderá ser
considerada sentença. Daí afirmarmos que o recurso cabível da decisão que
antecipa ou não a tutela é o agravo de
instrumento.
Requisitos.
Os
requisitos necessários à concessão da tutela antecipada, vêm expressos no art.
273 e seus incisos. Diferentemente da tutela cautelar, que exige a ocorrência
do “fumus boni iuris” e “periculum in
mora” para sua concessão, na tutela antecipada os requisitos são diversos.
Tendo em vista que o provimento antecipatório tem cunho satisfativo e não de
mera garantia ou acautelamento.
O
primeiro requisito, o encontramos no “caput” do art. 273, qual seja a existência de prova inequívoca. Entendemos
no caso, que a prova em questão deverá ser documental. A qual espelharia
irrefutavelmente o direito do requerente da medida. Outro ponto controvertido,
conforme exposto acima, é que tal prova, para se revestir da qualidade de
“inequívoca”, obrigatoriamente terá que ser submetida ao contraditório.
Seguindo,
o dispositivo legal fala em verossimilhança
da alegação. Ou seja, a parte obrigatoriamente deverá demonstrar que seu
pleito é verdadeiro, ou muito próximo da verdade. Que suas alegações se aproximam da verdade e do Direito. A lei
no caso não exige a prova absoluta da verdade, posto que esta será apurada no
decorrer da instrução processual. O que exige sim é a demonstração de um grau
de probabilidade da verdade.
Outro
requisito, encontramos no inciso I do art. 273, ou seja, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. A parte deverá demonstrar que a concessão da
medida se presta a evitar um dano irreparável, ou que a reparação se torne
muito difícil. Obrigatoriamente deverá provar, no caso concreto, a real
possibilidade ou grande probabilidade de ocorrência do dano, justificando assim
a concessão da medida.
O inciso
II do artigo em questão fala também na caracterização do abuso do direito de defesa
ou manifesto propósito protelatório. Lógico concluir que pelo princípio da ampla
defesa e contraditório, constitucionalmente consagrados, o réu tem o direito de
se defender amplamente, utilizando-se dos recursos legais. Entretanto tal
direito é limitado pelos procedimentos legais. A partir do momento que o réu
extrapola os limites e requisitos impostos pela lei, seu pretenso direito passa
a configurar um verdadeiro abuso, o qual coloca em risco toda a atividade
jurisdicional. Bem como, quando começa a utilizar-se de procedimentos
protelatórios, que em nada elucidam a questão, com o único fito de retardar o
provimento jurisdicional. Nestes casos, presentes os requisitos do “caput” do
art. 273 poderá se conceder a tutela antecipada.
Por
derradeiro, poderíamos arrolar também como requisito para concessão da tutela
antecipada, a não existência de perigo de
irreversibilidade da medida. O § 2o do art. 273 é taxativo ao
afirmar que não se concederá a tutela antecipada quando houver perigo de
irreversibilidade do provimento antecipado. Entendemos que ao analisar o
pedido, o juiz necessariamente tem que verificar sobre a possibilidade de
irreversibilidade da medida. Havendo este perigo, não há que se deferir a
tutela antecipada. Portanto, a não existência de perigo de irreversibilidade se
caracteriza como um verdadeiro requisito à concessão da medida.
Presentes
os requisitos, somos da opinião que o juiz deverá obrigatoriamente deferir a
medida. Embora a lei use a expressão “poderá”, entendemos que se trata de um
poder-dever do juiz. Presentes os requisitos, logicamente teremos um direito da
parte, e não de mera faculdade do magistrado. Comungamos com a opinião do
ilustre professor José Marcos Rodrigues Vieira[8],
para o qual: “Poder, faculdade de
exercício, corporificada em Poder estatal, é poder-dever. Quando o juiz puder,
deverá antecipar a tutela. Nem poderia ser outra a conclusão, se encarado o
problema do ângulo da finalidade do dispositivo legal.”
Conclusão
A
morosidade do processo, bem como sua excessiva formalidade sempre foram o maior
obstáculo a uma Justiça ágil e eficiente. Sendo que a maior crítica feita à Justiça
como um todo, nos dias de hoje, é exatamente a extrema demora na prestação
jurisdicional. Fato que tem levado a sérios estudos e reformas legislativas,
com o fito de agilizar os procedimentos processuais, tornando a Justiça ágil e
mais eficiente.
É de se ressaltar que a demora na prestação jurisdicional equivale a
uma situação de verdadeira injustiça. Sendo que muitas vezes a demora na
solução da lide aniquila o próprio direito das partes. Problema este, já
apontado pelo Prof. Humberto Theodoro Júnior[9]:
“A demora na resposta
jurisdicional muitas vezes invalida toda eficácia prática da tutela e quase
sempre representa uma grave injustiça para quem depende da justiça estatal.”
Neste contexto é que se torna de extrema
importância a implementação de mecanismos processuais que acelerem a prestação
jurisdicional. Quando se fala em efetividade do processo, imediatamente nos vem
a mente a existência de um processo célere, ágil, que assegure as partes a
pronta prestação jurisdicional. Sem, contudo, abrir-se mão das garantias
constitucionais e processuais.
É de se
concluir então que os efeitos do tempo na relação processual estão diretamente
relacionados á idéia de efetividade do processo. Um processo moroso e ineficaz,
coloca em risco a prestação jurisdicional, tolhendo o próprio direito das
partes, o qual no curso da relação processual poderá vir a perecer. Neste
contexto é que surge a importância dos institutos da tutela cautelar e
antecipatória. Institutos diversos, mas com um ponto de semelhança, qual seja, garantir
a efetividade da prestação jurisdicional.
Notas:
[1] MARQUES,
José Frederico. Manual de Direito
Processual Civil. Vol. IV . Ed. Millennium. 1998. 2a Ed. P. 461
[2] SANTOS,
Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. Vol. 2. Ed. Saraiva.
1997. 5a Ed. P. 297
[3] JÚNOR.
Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil Vol. II. Ed.
Forense. 3a Ed. 1987. P. 1.105
[4] JÚNIOR,
Humberto Theodoro. Curso de Direito
Processual Civil. Vol. II . Ed. Forense. 3a Ed. 1987. P. 1116
[5] RIBEIRO,
Pedro Barbosa. In Revista do Instituto de
Pesquisas e Estudos – Divisão Jurídica. Instituição Toledo de Ensino – Bauru-SP. Abril
a Julho de 1999. N. 25. P. 243
[6] JÚNIOR,
Humberto Theodoro. O Processo Civil
Brasileiro no Liminar do Novo Século. Ed. Forense.
1a Ed. 1999 – P. 81
[7] SANTOS.
Ernane Fidélis dos. Manual de Direito
Processual Civil. Vol. 1. Ed.
Saraiva. 5a Ed.. 1997. P. 330
[8]VIEIRA,
José Marcos Rodrigues, Tutela
Antecipatória, publicado no site
oficial da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais
[9] JÚNIOR,
Humberto Theodoro. O Processo Civil
Brasileiro no Limiar do Novo Século. Ed. Forense. 1999.1a Ed. P. 83
Advogado militante no Estado de Minas Gerais, Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo CAD/UGF
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