Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar as discussões doutrinárias, jurídicas e legislativas da possibilidade da ampliação da competência da Justiça Militar da União (JMU) para exercer o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas, em razão do artigo 124 da Proposta de Emenda à Constituição número 358 do ano de 2005. Inicialmente será relatado o histórico da Justiça Militar da União, que atualmente trata apenas de matéria criminal bem como será traçado um panorama da mesma na atualidade. Procurar-se-á elencar a estrutura vigente da Justiça Militar da União, bem como as alterações e reformas que ela sofreria com o advento da PEC nº 358/05, concluindo-se, por fim, que a melhor solução a ser adotada seria a aprovação da alteração da atual competência.
Palavras-chave: Direito penal; Direito penal militar; Justiça Militar da União; Ampliação da competência; PEC n. 358/05
Abstract: This study aims to examine the doctrinal discussions, legal and legislative the possibility of expanding the jurisdiction of the Military Courts Union (JMU) to exercise jurisdictional control over the disciplinary sanctions applied to members of the armed forces, because of Article 124 of proposed Amendment to the Constitution number 358 of 2005. Initially will be reported the history of the Military Justice, which currently comes to criminal matters only and will be traced a panorama of the same today. Find-It will list the current structure of the Military Justice, as well as the changes and reforms that she would suffer with the advent of the PEC 358/05, concluding finally that the best solution to be adopted would be approval of the amendment of the current competence.
Keywords: criminal law; military criminal law; The Military Justice; Expansion of competence; PEC No. 358/05
Sumário: Introdução. 1. Justiça Militar da União. 1.1. Histórico. 1.2. A JMU na atualidade. 2. Estrutura da Justiça Militar da União. 2.1. Órgãos da Justiça Militar da União. 2.1.1. Superior Tribunal Militar. 2.1.2 Auditoria de Correição. 2.1.3. Conselhos de Justiça. 2.1.3.1. Conselho Especial de Justiça. 2.1.3.2. Conselho Permanente de Justiça. 2.1.4. Juízes-Auditores. 2.1.5. Serviços Auxiliares. 3. Punições Disciplinares. 3.1. Controle Jurisdicional das Punições Disciplinares Aplicadas aos Membros das Forças Armadas. 3.2. Meios de Impugnação. 3.2.1. Habeas Corpus. 3.2.1.1. Competência para apreciação da ação. 3.2.2. Mandato de Segurança. 3.2.2.1. Da Competência. 3.2.2.2. Ações Ordinárias. 3.3. Da Proposta de Emenda à Constituição n. 358/2005. 4. Análise da Reforma na JMU. 4.1. Da reforma da Lei de Organização da JMU. 4.2. Da atuação do Juiz-Auditor. 4.3. Das Decisões do STM em relação a matéria cível. 4.4. Da melhoria da prestação jurisdicional. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Acha-se em andamento no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição número 358 do ano de 2005 do Senado Federal. Tal proposta, que trata de diversos assuntos, entre um deles, o alargamento de competência da Justiça Militar da União, no sentido de aprovar as alterações que dizem respeito a Justiça Militar da União, recebeu parecer favorável para sua alteração. Se tal mudança for efetivada, o artigo 124 da Constituição Federal de 1988, terá sua competência ampliada para que haja, também, o controle jurisdicional das punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas.
Tendo em vista que essa alteração vai atribuir competência de natureza cível para a Justiça Castrense, estruturada há mais de 200 anos, apenas para o julgamento de crimes militares, é inequívoco que se faz necessária uma reestruturação jurídica visto que tal justiça é considerada uma justiça especializada.
O presente trabalho inicia analisando o histórico da Justiça Militar da União, bem como demonstrando sua evolução ao passar dos anos, considerada a mais antiga justiça do mundo. Logo após, buscou-se evidenciar como a Justiça Castrense é na atualidade e sua previsão constitucional. Em seguida, foi descrita toda a organização estrutural da Justiça Militar da União, trazendo os órgãos que dela fazem parte bem como seus serviços auxiliares, esboçando uma ideia sobre a composição dos Conselhos de Justiça, bem como sobre as competências do Juiz-Auditor.
Após, averiguou-se o primeiro obstáculo no que diz respeito ao significado da expressão controle jurisdicional das punições disciplinares aplicada aos membros das Forças Armadas a ser posta no artigo 124 da Carta Magna. Tal artigo, alterado pela PEC número 358 do ano de 2005, passa a ampliar a competência da Justiça Militar da União a fim de que a mesma julgue as ações contra atos disciplinares dos membros das Forças Armadas.
Logo, passa-se a demonstrar as mudanças que deverão ocorrer na lei orgânica da Justiça Militar da União, legislação hoje existente sobre o assunto no que diz respeito a alteração prevista na Proposta de Emenda Constitucional número 358/2005, a fim de que a Justiça Castrense passe a ter competência para julgar as ações que dizem respeito as punições disciplinares dos membros das Forças Armadas, tal competência pertencente hoje a Justiça Federal.
Por fim, buscou-se verificar os impasses da competência para julgar as punições disciplinares dos militares das Forças Armadas não ser da Justiça Militar da União, mas sim da Justiça Federal sendo apresentados alguns pontos para reflexão sobre o tema, bem como a melhor solução a ser adotada, qual seja, a alteração da atual competência evitando, assim, problemas decorrentes de uma justiça não especializada e sobrecarregada que hoje julga o assunto.
O estudo feito se deu por meio da dogmática instrumental, e o método utilizado na pesquisa foi o dedutivo, dando enfoque na doutrina, jurisprudência e na legislação sobre o tema relativo aos institutos da pesquisa.
1. JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO
1.1.Histórico
A Justiça Militar é considerada a justiça mais antiga, existindo desde o princípio da humanidade. Não sendo de hoje seu prenúncio ao passo que nos Códigos Sumerianos já existiam previsões de penalidades para aqueles que cometessem falhas nos campos de guerra.
Já no que se refere a Justiça Militar no Brasil, essa, foi trazida pela família real portuguesa ao chegar em terras brasileiras. Um dos grandes erros sobre a origem da Justiça Militar no Brasil, é a afirmação de que ela surgiu no período da Ditadura Militar, período entre os anos de 1964 a 1984. A sua história, no nosso país, inicia-se em 1808.
Tendo como base em sua formação e seguindo como exemplo pátrio devido a colonização, a construção da Justiça Militar no Brasil possui laços próximos com a de Portugal, conforme Roth[1], o modelo de Justiça Castrense utilizado no Brasil era idêntico ao de Portugal, nessa ocasião foi representada por um corpo militar uniformizado com a finalidade de proteção e defesa da família real, e logo após, das instituições criadas na ex-colônias.
Como instituição, sua criação foi em consequência da criação do Conselho Supremo Militar e de Justiça, atualmente conhecido como Superior Tribunal Militar (STM), instituído pelo alvará de 1º de abril de 1808. O Conselho Supremo Militar e de Justiça acumulava duas funções, quais sejam, uma de caráter administrativo e a outra, referente aos aspectos judiciais. Hoje, o Superior Tribunal Militar é considerado o tribunal existente mais antigo do Brasil.
Em que pese existir desde 1808, a Justiça Militar só foi inserida de fato na estrutura do Poder Judiciário com a Constituição de 1934. E foi com a Constituição de 1946, que o órgão máximo da Justiça Militar da União passou a ser denominado como Superior Tribunal Militar, nome usado até os dias de hoje.
Já a Constituição atual, de 1988, não alterou muito as disposições sobre a Justiça Militar da União, sendo ela prevista na atual carta Magna nos artigos 92, VI, 122, 123 e 124, mantendo a sua competência para processar e julgar os crimes militares assim definidos em lei.
Diante do que foi exposto, verifica-se que a Justiça Militar no Brasil, sofreu desde sua instituição efetiva, numerosas modificações, que alteravam, sua forma de atuação a cada nova constituição, passando sempre por alterações em mudanças de acordo com a política que o país vivia no momento.
1.2. A JMU na atualidade
Atualmente a Justiça Militar da União vem disciplinada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu título IV, capítulo III, que trata do Poder Judiciário incluindo como um dos seus órgãos os Tribunais e os Juízes Militares.
Já os artigos 122 a 124 da Carta Magna, tratam sobre a Justiça Castrense especificamente, onde estão previstos os órgãos da Justiça Militar, o Superior Tribunal Militar e os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei.
Importante que se diga, ainda, que o Superior Tribunal Militar é ao mesmo tempo um dos tribunais superiores, conforme previsto na Constituição Federal, com a competência e prerrogativas que lhes são peculiares, e também um tribunal de apelação, servindo como órgão jurisdicional de segundo grau da Justiça Militar da União.
O artigo 124 da Constituição Federal prevê que à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei, sendo que o seu parágrafo único dispõe que a lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da Justiça Militar.
Com efeito, a Lei nº 8.457, de 04 de setembro de 1992, trata da organização da Justiça Militar e regula o funcionamento dos seus serviços auxiliares. Tal lei divide o território nacional em 12 (doze) Circunscrições Judiciárias Militares, fixando a abrangência territorial das mesmas. Distribuídas pelas Circunscrições Judiciárias Militares, existem 19 (dezenove) Auditorias Militares que lhes correspondem e que funcionam como órgãos jurisdicionais de primeira instância, acrescidas da Auditoria de Correição, com sede na Capital Federal, Brasília, e com jurisdição em todo o território nacional.
Apesar de já ter sido vista como um tribunal de exceção e correlacionada à ditadura militar, a Justiça Militar ainda guarda justificativa e importância para continuar sobrevivendo.
Nesse sentido, afirma Alexandre de Moraes:[2]
“As justiças especializadas no Brasil não podem ser consideradas justiças de exceção, pois são devidamente constituídas e organizadas pela própria Constituição Federal e demais leis de organização judiciária. Portanto, a proibição de existência de tribunais de exceção não abrange a justiça especializada, que é atribuição e divisão da atividade jurisdicional do Estado entre vários órgãos do Poder Judiciário.”
A Justiça Militar não é uma “justiça dos militares”, uma vez que não se trata de um ramo do Poder Judiciário criado para favorecer um determinado segmento profissional. Prova disso é que o Direito Penal Militar, em muitos de seus institutos, é extremamente mais gravoso do que o Direito Penal Comum.
A Justiça Castrense é, na realidade, um órgão jurisdicional que possui não só a competência, mas também o conhecimento técnico específico para aplicar o Direito Penal Militar aos casos concretos, levando em consideração o contexto da vida na caserna e a importância dos bens jurídicos tutelados, em especial a defesa da integridade das instituições militares, cuja importância para a manutenção da soberania nacional e defesa dos poderes constitucionalmente constituídos é indiscutível.
Entre os motivos de sobrevivência da Justiça Militar, estão as peculiaridades das instituições militares, seus princípios e valores, que exigem do Poder Judiciário um ramo especializado para processar e julgar as ações relativas à sua competência.
2. ESTRUTURA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO
2.1 Orgãos da Justiça Militar da União
Na esfera Federal, os juízes militares, chamados de juízes-auditores, são a primeira instancia de julgamento da Justiça Militar, já no que se refere a segunda instancia, esta fica a cargo do Superior Tribunal Militar, cuja sede fica em Brasília, Distrito Federal.
A Constituição Federal elenca, no seu artigo 122, os órgãos componentes da Justiça Militar, quais sejam: o Superior Tribunal Militar, os Tribunais e os Juízes Militares instituídos por lei.
É possível perceber a Constituição remeteu ao legislador infraconstitucional o trabalho de detalhar como seria a Organização Judiciária Militar Federal. Atualmente, com relação à Justiça Militar Federal, vigora a Lei nº. 8.457, de 4 de setembro de 1992, que disciplina a Justiça Militar na esfera da União.
Trata a Lei nº. 8.457, de 4 de setembro de 1992, em seu artigo 1º., sobre os órgãos da Justiça Castrense, nestes termos:
“Art. 1º São órgãos da Justiça Militar:
I – o Superior Tribunal Militar;
II – a Auditoria de Correição;
III – os Conselhos de Justiça;
IV – os Juízes-Auditores e Juízes-Auditores Substitutos.”
2.1.1 Superior Tribunal Militar
Conforme previsto no artigo 123 da Constituição Federal, o Superior Tribunal Militar (STM), é composto por 15 (quinze) ministros vitalícios, sendo 3 (três) dentre oficiais-generais da Marinha, 3 (três) dentre oficiais generais da Aeronáutica, 4 (quatro) dentre oficiais-generais do Exército todos do posto mais elevado da carreira, e 5 (cinco) dentre civis.
Nota-se que a Corte da Justiça Militar da União é organizada sob a forma de escabinado, quer dizer, um colegiado misto, composto por juízes togados (civis) e juízes leigos (militares). Conforme prevê a Lei de Organização Judiciária Militar (Lei n. 8.457/1992), os ministros militares permanecem na ativa, porém em quadros especiais, entretanto, a partir de sua nomeação não se submetem mais aos regulamentos disciplinares, mas sim a uma legislação específica.
Já os ministros civis, de acordo com o artigo 123, parágrafo único da Carta Magna, devem ser brasileiros com idade superior a 35 (trinta e cinco) anos e inferior a 65 (sessenta e cinco) anos de idade, sendo 3 (três) dentre advogados e 2 (dois) por escolha paritária, dentre os Juízes-Auditores e membros do Ministério Público Militar (MPM).
Todos os ministros do Superior Tribunal Militar são nomeados pelo Presidente da República, conforma artigo 84, XIV da Constituição Federal, após a aprovação do Senado Federal como bem prevê o artigo 52, III, a da Carta Magna.
O Superior Tribunal Militar tem sede na Capital Federal e jurisdição em todo o território nacional, com atribuições previstas no artigo 6º, da Lei nº. 8.457/1992. O seu regimento interno disciplina o procedimento e julgamento dos feitos que estão sob sua competência.
2.1.2 Auditoria de Correição
De acordo com o artigo 13 da Lei nº. 8.457/1992, a Auditoria de Correição é um órgão da Justiça Militar da União de fiscalização e orientação com jurisdição em todo o território nacional. É composta por 01 (um) Juiz-Auditor Corregedor, 01 (um) Diretor de Secretaria e auxiliares.
A nomeação para o cargo de Juiz-Auditor Corregedor é feita mediante escolha do Superior Tribunal Militar, em escrutínio secreto, dentre Juízes-Auditores situados no primeiro terço da classe. Suas atribuições estão previstas no artigo 14, da Lei 8.457/1992.
2.1.3 Conselhos de Justiça
Tal como no Superior Tribunal Militar, os Conselhos de Justiça são estruturados sob a forma de escabinato. Os Conselhos de Justiça são constituídos por 04 (quatro) Juízes Militares que são sorteados dentre oficiais de carreira com vitaliciedade assegurada, e por 01 (um) Juiz-Auditor. Nos termos dos artigos 27 e 28 da Lei nº. 8.457/1992, são os Conselhos de Justiça que julgam, em primeira instância, as causas submetidas à Justiça Militar da União.
Os Conselhos de Justiça são divididos em dois tipos: o Conselho Especial de Justiça e o Conselho Permanente de Justiça.
2.1.3.1 Conselhos Especial de Justiça
O Conselho Especial de Justiça terá que ser formado toda vez que figurar no processo criminal réu que obtenha a qualidade de oficial das Forças Armadas, à exceção dos oficiais-generais que são processados e julgador originariamente pelo Superior Tribunal Militar, sendo que os Juízes Militares dos Conselhos Especiais serão da mesma Força Armada (Marinha, Exército ou Aeronáutica) que o oficial acusado.
O Conselho Especial será constituído para cada processo, e dissolvido após conclusão dos seus trabalhos, reunindo-se, novamente, se ocorrer nulidade do processo ou do julgamento, ou alguma diligência determinada pela instância superior.
A composição dos Conselhos Especiais de Justiça é formada pelo Juiz-Auditor e 4 (quatro) Juízes militares, sob a presidência, dentre estes, de um oficial-general ou oficial superior, de posto mais elevado que o dos demais juízes, ou de maior antiguidade, no caso de igualdade de posto.
Conforme prescrito no artigo 20 da Lei nº. 8.457, de 4 de setembro de 1992, os juízes militares que formarão o Conselho Especial serão sorteados pelo Juiz-Auditor, em audiência pública, na presença do Ministério Público Militar, do Diretor de Secretaria, e do acusado, quando preso.
2.1.3.2 Conselhos Permanente de Justiça
Os Conselhos Permanentes de Justiça são formados para processar e julgar acusados que não sejam oficiais das Forças Armadas, nos crimes militares, exceto pedidos de habeas corpus, habeas data e mandado de segurança, de competência originária do Superior Tribunal Militar.
Assim sendo, incluem-se também os acusados civis na competência dos Conselhos Permanentes de Justiça.
Segundo o artigo 16 da Lei nº. 8.457, de 4 de setembro de 1992, a composição, os Conselhos Permanentes são constituídos pelo Juiz-Auditor, por 01 (um) oficial superior, que funcionará como presidente, e 3 (três) oficiais de posto até capitão-tenente ou capitão.
O Conselho Permanente de Justiça será formado mediante sorteio realizado pelo Juiz-Auditor, em audiência pública, na presença do Ministério Público Militar e do Diretor de Secretaria. Funcionará durante 3 (três) meses consecutivos, coincidindo com os trimestres do ano civil, podendo esse prazo de sua jurisdição ser prorrogado somente nos casos previstos em lei.
Para cada Força Armada (Marinha, Exército e Aeronáutica) é constituído, no respectivo trimestre, um Conselho Permanente, sendo o sorteio é realizado entre os dias cinco e dez do último mês do trimestre anterior.
2.1.4 Juízes-Auditores
Igualmente com previsão na Lei nº. 8.457, de 4 de setembro de 1992, em seu artigo 15, os Juízes-Auditores são juízes togados que atuam conjunta ou separadamente com os Juízes Militares dos Conselhos de Justiça. Suas atribuições estão definidas no artigo 30 da Lei nº. 8.457/1992.
Em cada Auditoria Militar haverá 01 (um) Juiz-Auditor e 01 (um) Juiz-Auditor substituto. O ingresso na carreira da Magistratura da Justiça Militar dar-se-á no cargo de Juiz-Auditor Substituto, mediante concurso público de provas e títulos, na forma do artigo 93, I, da Constituição Federal.
2.1.5 Serviços Auxiliares
Os Serviços Auxiliares da Justiça Militar da União são executados pela Secretaria do Superior Tribunal Militar e pelas Secretarias das Auditorias Militares. São aplicados aos seus servidores os dispositivos pertinentes da Lei nº. 8.457/1992, bem como a Lei nº. 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
A investidura no cargo efetivo depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, conforme determina o artigo 37, II, da Constituição Federal.
De acordo com os artigos 75 e 76 da Lei nº. 8.457, de 4 de setembro de 1992, as atribuições da Secretaria do Superior Tribunal Militar serão definidas em ato próprio, baixado pelo Tribunal, e às Secretarias das Auditorias incumbe a realização dos serviços de apoio aos respectivos juízos, nos termos das leis processuais, atos e provimentos do Superior Tribunal Militar e Auditoria de Correição, bem como portarias e despachos dos Juízes-Auditores, aos quais estejam diretamente subordinados.
3. PUNIÇÕES DISCIPLINARES
3.1 Controle Jurisdicional das Punições Disciplinares Aplicadas aos Membros das Forças Armadas
Previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, o princípio fundamental da inafastabilidade da jurisdição tem a seguinte redação:
“Art. 5º …
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito;”
O objetivo do referido princípio é garantir aos cidadãos, observados os princípios do contraditório e ampla defesa, a apreciação, pelo judiciário, de ato que porventura tenha causado lesão ou violação a direito.
O controle jurisdicional das punições disciplinares aplicadas aos membros da Forças Armadas, em que pese de haver uma restrição constitucional prevista no artigo 124, parágrafo segundo da Carta Magna, dispondo que não caberá habeas corpus no que tange as punições disciplinares militares, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, no HC 70648-7/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, D.J. de 04/03/94, que esse princípio não impede o exame de alguns pressupostos de legalidade dessas transgressões, tais como a hierarquia, o poder disciplinar, o ato ligado a função e a pena.
Vale recordar que o que diz no Estatuto dos Militares, Lei 6.880/80 em seu artigo 51, parágrafo terceiro: “O militar só poderá recorrer do judiciário após esgotados todos os recursos administrativos”, foi derrogado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, conforme decisão proferida pelo próprio Superior Tribunal Militar no HC 2001.01.033671-0/RJ, Rel. Min.Sergio Xavier Ferrola, D.J de 01/12/2001:
“HABEAS CORPUS. OFICIAL DE MARINHA. RECURSO AO JUDICIÁRIO. EXAURIMENTO DA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE. PARTICIPAÇÃO PRÉVIA À AUTORIDADE SUPERIOR. OBRIGATORIEDADE. AMEAÇA À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO DO PACIENTE-IMPETRANTE POR ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. INEXISTÊNCIA NO CASO CONCRETO. 1. artigo 51, § 3º, primeira parte, da Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares), foi derrogado pela Carta Magna de 1988, ante o Princípio Constitucional da inarredabilidade ou inafastabilidade do controle judicial ou jurisdicional do ato ilegal ou eivado de abuso de poder. "A possibilidade de exigir exaustão dos recursos administrativos para o ingresso em juízo contra a Administração foi abolida na atual Constituição, salvo a hipótese prevista no seu art. 217, § 1º, relativa à justiça desportiva" (HELY LOPES MEIRELLES). 2. Entretanto, se está revogada a primeira parte, o mesmo não se pode dizer da segunda parte do referido § 3º do artigo 51 do Estatuto dos Militares, que estabelece a obrigatoriedade de participação prévia à autoridade superior de que o militar recorreu ao Judiciário. Isto, porque, "participar" significa informar, comunicar. Não, pedir autorização. 3. "In casu", o Paciente-Impetrante ajuizou Mandado de Segurança contra autoridades do Comando da Marinha, alegando ofensa a direito líquido e certo. No entanto, deixou de comunicar tal providência à autoridade competente, nos termos preconizados pela lei. 4. Na hipótese dos autos, não restou comprovada qualquer ameaça à liberdade de locomoção do Paciente-Impetrante, por ilegalidade ou abuso de poder. Conhecida e denegada a Ordem, por falta de amparo legal. Decisão unânime.” (STM – HC: 33671 RJ 2001.01.033671-0, Relator: SERGIO XAVIER FEROLLA, Data de Julgamento: 06/12/2001, Data de Publicação: Data da Publicação: 25/02/2002 Vol: 02202-02 Veículo: DJ) (grifo nosso)
O controle jurisdicional dos atos administrativos, o que inclui os atos disciplinares, é considerado um verdadeiro controle judicial de legalidade e faz parte da atividade administrativa do Estado.
Dessa forma, em conformidade com o entendimento tanto da doutrina majoritária quanto da jurisprudência, é permitido ao Poder Judiciário exercer o controle jurisdicional sobre os atos administrativos, sempre que estes extrapolem os parâmetros estabelecidos em lei.
Resumindo, é autorizado ao Poder Judiciário examinar os processos disciplinares a fim de verificar se aquela sanção que foi imposta goza de legitimidade e se essa apuração atendeu ao devido procedimento previsto na legislação.
Tal verificação serve para conhecer as razões da punição e saber se as formalidades procedimentais essenciais foram atendidas, se foi dada oportunidade de defesa ao acusado e a contenção do colegiado processante e da autoridade julgadora nos limites de sua competência funcional, isto sem afetar o discricionarismo da Administração quanto à escolha da sanção aplicável dentre as previstas na lei ou regulamento do serviço, a graduação quantitativa da sanção e a conveniência ou oportunidade de sua imposição[3].
Dessa maneira, qualquer militar que se sentir prejudicado em razão de alguma punição disciplinar tem o direito de questionar judicialmente o ato da autoridade administrativa, valendo-se, ou de Mandato de Segurança ou de Habeas Corpus, a depender do caso.
Atualmente, a definição do órgão jurisdicional competente para processar e julgar o habeas corpus em caso de prisão disciplinar de militar, relativa as Forças Armadas, salvo alguma punições emanadas dos Comandantes da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, que estariam adstritos ao controle jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça, por força do artigo 105, inciso I, alínea c, da Constituição Federal, as demais, inclusive as perpetradas por oficial-general, devem submeter-se ao crivo da Justiça Federal de primeira instância, conforme preceito constitucional indicado anteriormente.
Logo, atualmente, o Superior Tribunal Militar não tem competência para processar e julgar habeas corpus em que se discute prisão disciplinar imposta aos membros das Forças Armadas, uma vez que por se tratar de matéria administrativa, compete ao juízo ordinário federal conhecer do pedido.
Após futura aprovação da PEC número 358/05, o controle jurisdicional das punições disciplinares impostas aos membros das Forças Armadas, será competência da Justiça Castrense. Conforme já demostrado, essa justiça especializada terá um aumento de competência e passará a conhecer das ações de impugnação de punições disciplinares, demandas estas de natureza cível.
Os instrumentos de controle judicial para enfrentarem as omissões e os atos administrativos considerados ilegais são: a ação popular, o mandado de injunção, o habeas data, o mandado de segurança e o habeas corpus. Quando se trata de punições disciplinares cabe apenas analisarmos os dois últimos mecanismos de controle acima citados.
Alguns autores também preveem o procedimento ordinário, sumário ou especial para que o titular do direito lesado ou ameaçado possa se valer a fim de obter a anulação do ato administrativo ilegal. Um exemplo seriam as ações ordinárias para suspensão ou anulação de atos punitivos.
3.2.1 Habeas Corpus
No que diz respeito ao direito administrativo militar, há a possibilidade de o servidor ter sua prisão administrativa decretada por uma autoridade militar sem que seja necessária qualquer autorização judicial.
O artigo. 5º, inciso LXI, CF, postula que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. (grifo nosso).
A possibilidade de haver uma prisão sem autorização por parte do Poder Judiciário não quer dizer que o militar tenha perdido seus direitos e garantis de cidadão assegurados pela Carta Magna, mas sim que o Estado concedeu uma viabilidade de cerceamento de liberdade por meio de um ato de uma autoridade diversa da judiciária nos casos em que estejam expressamente previstos em lei como crime propriamente militar ou transgressão militar.
Contudo, o aplicador da punição deve respeitar irrestritamente todas as condições do ato, sob pena de estar praticando conduta ilegítima ou ilegal, a qual pode ser impugnada judicialmente através da ação constitucional chamada habeas corpus.
A CF/88 determina no inciso LXVIII do artigo. 5º que “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
Porém, na própria Constituição Federal, em seu art. 142, §2º, está prevista uma limitação: não é cabível “em relação a punições disciplinares militares”. O dispositivo causa diversas controvérsias, que só foram pacificadas a medida que os tribunais superiores foram consubstanciando acórdãos em relação ao tema.
Assim, o memorável Supremo Tribunal Federal firmou entendimento consoante o qual não caberá habeas corpus nas transgressões disciplinares militares, desde que estejam presentes os pressupostos de legalidade no processo de aplicação da transgressão disciplinar.
O ato deverá revestir-se dos requisitos formais previstos em lei como, por exemplo, a existência da hierarquia certa; a existência do poder disciplinar, que legitima a punição; se o ato administrativo está coesivo com a função da autoridade e, finalmente, se a pena ao transgressor pode ser aplicada e está prevista nos regulamentos disciplinares.
Dessarte, verifica-se que a vedação prevista no art. 142, §2º não é absoluta, conforme posicionamento do distinto STF:
“Não há que se falar em violação ao art. 142, § 2º, da CF, se a concessão de habeas corpus, impetrado contra punição disciplinar militar, volta-se tão-somente para os pressupostos de sua legalidade, excluindo a apreciação de questões referentes ao mérito. (RE 338.840, Rel. Min.
Ellen Gracie, DJ 12/09/03)
O sentido da restrição dele quanto às punições disciplinares militares (artigo 142, § 20º, da Constituição Federal). (…) O entendimento relativo ao § 2º do artigo 153 da Emenda Constitucional nº 1/69, segundo o qual o princípio, de que nas transgressões disciplinares não cabia habeas corpus, não impedia que se examinasse, nele, a ocorrência dos quatro pressupostos de legalidade dessas transgressões (a hierarquia, o poder disciplinar, o ato ligado à função e a pena susceptível de ser aplicada disciplinarmente), continua válido para o disposto no § 2º do artigo 142 da atual Constituição que é apenas mais restritivo quanto ao âmbito dessas transgressões disciplinares, pois a limita às de natureza militar.” (HC 70.648, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 04/03/94).
A jurisprudência do Superior Tribunal Militar (STM) acompanha a doutrina nesse sentido:
“No controle das punições disciplinares pelo Poder Judiciário admite-se apenas o exame da legalidade do ato punitivo. Constatado nos autos que a prisão foi imposta de conformidade com as formalidades essenciais previstas no Regulamento Disciplinar do Exército, descabe tornar o ato sem efeito em sede de habeas corpus. (HC 2001.01.033623-0/RS, Relator Ministro José Júlio Pedrosa.);
HC concedido para a análise de seus aspectos formais: fundamentação do despacho da prisão disciplinar e competência da autoridade que a determinou. Se o ato de autoridade administrativa se revela perfeito, a ordem não pode ser concedida, por lhe faltar amparo legal. Denegada a ordem. Unânime. (HC 2001.01.033592-7/RS, Relator Ministro Aldo da Silva Fagundes).
HABEAS CORPUS. PUNIÇÃO DISCIPLINAR. CABIMENTO.
I – A regra, de que não cabe habeas corpus contra a prisão de natureza disciplinar, não é absoluta. O que não pode ser apreciado, através do remédio heróico, é a infração disciplinar em seu conteúdo específico, ou seja, a justiça ou injustiça da punição. Todavia, não se excluem da apreciação judicial a legalidade do ato, o conhecimento e a verificação da competência da autoridade coatora, conforme magistério jurisprudencial.
II – Na espécie, estão demonstradas a legalidade do ato e a competência da autoridade coatora para aplicar a punição da natureza disciplinar.
III – Pedido de Ordem conhecido e denegado por falta de amparo legal.
IV – Decisão uniforme.
(STM/ HC 2005.01.034065-3 UF: PA Decisão: 23/08/2005. Min Rel. SERGIO ERNESTO ALVES
CONFORTO).
HABEAS CORPUS. PUNIÇÃO DISCIPLINAR.
Disposição contida no § 2º do art. 142 da CF não impede a apreciação da legalidade da punição disciplinar, vedando apenas o exame do mérito da sanção. Punição disciplinar aplicada por autoridade competente. Inexistência de qualquer vício no procedimento que determinou imposição da reprimenda. Descaracterizada a ocorrência de constrangimento ilegal. Ordem denegada. Decisão unânime.” (STM/HC 2005.01.034061-0 UF: AM 09/08/2005 Mil Rel ANTONIO APPARÍCIO IGNACIO DOMINGUES)
Em seus julgados, o Tribunal Regional Federal da 4ª região também dá o devido respaldo à relativização do preceito previsto no artigo 142 §2º da CF/88:
“RECURSO DE “HABEAS CORPUS”. MILITAR. PENA DISCIPLINAR. ARTIGO 142, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ADMISSIBILIDADE EXCEPCIONAL. CONTRADITÓRIO E AMPLA EFESA. OFENSA NÃO-CARACTERIZADA.
1. A vedação de impetração de habeas corpus em relação a punições disciplinares militares diz respeito ao mérito do ato administrativo, e não quanto ao aspecto da legalidade de apreciação pelo Poder Judiciário.
2. Pena de dez dias de prisão rigorosa aplicada a militar que falta a cerimônia para a qual estava escalado, faz uso indevido de viatura, negligencia suas funções e abastece automóvel particular em bomba exclusiva para o abastecimento de viaturas oficiais que não importa em ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, mormente ante o princípio constitucional de que as Forças Armadas são organizadas com base na hierarquia e na disciplina.
3. Recurso e remessa oficial providos. Ordem denegada
(RSE nº. 2002.71.00.055392-0 – Sétima Turma – TRF 4ª Região, Rel. Des. Fed. José Luiz B. Germano da Silva, Data do Julgamento 24-07-2003).
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR.
1. Embora não caiba habeas corpus para controle do mérito da punição disciplinar militar (ar. 142, § 2º – CF), o writ pode ser manejado para o controle dos pressupostos de legalidade do ato punitivo, inclusive no que se relaciona com o devido processo legal.
2. Tendo o militar punido produzido a sua defesa, em conformidade com a legislação disciplinar regente da espécie, não é cabível a concessão de habeas corpus á conta da inobservância do direito de defesa.
3. Remessa provida. Cassação da ordem.” (RSE nº. 1997.01.000285709, Terceira Turma, TRF/1ªR, rel. Des. Federal Antônio Ezequiel, DJU 03-11-2000).
Verifica-se, assim, que na ausência dos pressupostos, o cerceamento da liberdade torna-se ilegal, devendo a ordem ser concebida conforme previsão no artigo 5º, LXIII, CF: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
Por outro lado, ao punir o seu subordinado, se o responsável pela administração tinha legitimidade para tal e seguiu todos os requisitos do processo de aplicação de punição e de ato punitivo disciplinar propriamente dito, não há porque se falar em concessão da ordem de habeas corpus.
Constata-se que o constituinte originário entendeu ser necessário, levando em consideração a relevância das atribuições constitucionais peculiares dos militares, preservar o regime excepcional que decorre dos princípios basilares das Forças Armadas, quais sejam, o princípio da hierarquia e da disciplina a que se submetem os combatentes na vida na caserna.
Entretanto, tal privilégio não suprimiu o direito subjetivo de provocar a prestação da tutela jurisdicional por parte do Estado, independentemente da existência de direito material e, da mesma forma, sem repelir da apreciação do judiciário os casos de ilegalidade, devendo a prisão disciplinar ilegal ser relaxada de imediato pela autoridade judiciária.
3.2.1.1 Competência para apreciação da ação
De acordo com Decreto-lei 1.002 de 21 de outubro de 1969, Código de Processo Penal Militar, em seu o artigo 469, compete ao Superior Tribunal Militar o conhecimento do pedido de habeas corpus em relação a matéria criminal, impetrado contra os órgãos da Justiça Militar. Nessas hipóteses, a autoridade coatora será o juiz-auditor, assim sendo, só aquele tribunal superior poderia absorver tal competência.
Em contrapartida, o artigo 10, inciso VIII da Lei nº 5.010 de 1966, que organiza a Justiça Federal de 1ª instância, precisa que os habeas corpus impetrados contra a coação advinda de autoridade federal, na qual se incluem as punições disciplinares militares reputadas ilegais, são de competência da Justiça Federal. Neste ponto está uma das previsões que a Proposta de Emenda à Constitução número 358 de ano 2005 visa alterar, quando se tratar de autoridade for militar, com a entrada em vigor de tal proposta, a competência passaria a ser da JMU.
Conforme se sabe, a PEC 358/05 traz a proposta de que a Justiça Militar da União seja a responsável por realizar o controle judicial das punições que forem aplicadas aos membros das Forças Armadas. Por consequência, ainda não há fundamentação legal que respalde a competência dos Conselhos de Justiça para julgamento de habeas corpus. Tal competência, hoje, é dos Juízes Federais, conforme o artigo 109, VII da CF de 1988 e artigo 10, IX da Lei 50.10/66.
Atualmente, em matéria penal militar, os pedidos de Habeas Corpus são interpostos no Superior Tribunal de Militar, ao passo que as que tratam de atos disciplinares emanados de agentes administrativos das Forças Armadas, que são autoridades federais, são de competência da Justiça Federal Comum.
Com a mudança prevista na PEC 358/05, tal competência passará a ser da JMU, o que acarretará também algumas objeções. Como exemplo de um óbice é o pequeno número de Auditorias Militares no território brasileiro, são apensas 7 (sete), o que causaria prejuízo a celeridade hoje muito presente na Justiça Castrense.
3.2.2 Mandado de Segurança
Consagrada no artigo 5º, LXIX da Constituição Federal, o Mandado de Segurança é uma ação constitucional, que visa à proteção do direito líquido e certo do interessado contra ato do Poder Público. Tal ação, possui natureza cível e é regulada pela Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009.
Seus pressupostos específicos são: o ato de autoridade, ilegalidade ou abuso de poder, lesão ou ameaça de lesão e direito líquido e certo não amparado por Habeas Corpus ou Habeas Data.
A renomada Di Pietro[4] define como ato de autoridade todo aquele que for praticado por pessoa investida de parcela de poder público. Este ato pode emanar do Estado, por meio de seus agentes e órgãos ou pessoas jurídicas que exerçam funções delegadas. Como agentes públicos que são, os militares no exercício do Poder Disciplinar podem ser considerados autoridades coatoras e, por assim dizer, legitimados passivos a terem seus atos atacados por mandado de segurança.
Cabe mencionar que a ameaça de lesão ou a lesão propriamente dita que trata o texto constitucional permite deduzir a existência de mandado de segurança tanto na sua forma repressiva como também preventiva.
A principal característica do mandado de segurança é a necessária existência de direito líquido e certo. Atualmente, o entendimento dominante é o que segundo o qual o direito líquido e certo é aquele que pode ser comprovado de plano, ou seja, “aquele que permite ao autor da ação exibir desde logo os elementos de prova que conduzem à certeza e à liquidez dos fatos que amparam o direito”.[5]
No que diz respeito às situações possíveis de ensejar a impugnação judicial do ato disciplinar via mandado de segurança, vale trazer à cotejo parte da obra de Roth[6] que menciona o Mandado de Segurança 20.999/DF, o qual o relator é o Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal. É possível se perceber com clareza o alcance e as aplicações de tal instituto:
“É preciso evoluir cada vez mais no sentido da completa justiciabilidade da atividade estatal e fortalecer o postulado da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito
conseqüencial, a interdição de seu exercício abusivo. O mandado de segurança desempenha, nesse contexto, uma função instrumental do maior relevo. A impugnação judicial de ato disciplinar, mediante a utilização desse writ constitucional, legitima-se em face de três situações possíveis. As decorrentes (1) da incompetência da autoridade, (2) da inobservância das formalidades essenciais e (3) da ilegalidade da sanção disciplinar. A pertinência jurídica do Mandado de Segurança, em tais hipóteses justifica a admissibilidade do controle jurisdicional sobre a legalidade dos atos punitivos emanados da administração pública no concreto exercício do seu poder disciplinar. O que os Juízes e Tribunais somente não podem examinar, nesse tema, até mesmo como natural decorrência do princípio da separação de poderes, são a conveniência, a utilidade, a oportunidade e a necessidade da punição disciplinar, isso não significa, porém, a impossibilidade de o judiciário verificar se existe, ou não, causa legítima que autorize a imposição da sanção disciplinar. O que se lhe veda, nesse âmbito, é, tão-somente, o exame do mérito da decisão administrativa, por tratar-se de elemento temático inerente ao poder discricionário da Administração Pública.
2 – A nova Constituição do Brasil instituiu, em favor dos indiciados em processo administrativo, a garantia do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recurso a ela inerentes (art. 5º, LV). O legislador constituinte consagrou, em norma fundamental, um direito do servidor público oponível ao poder estatal. A explícita constitucionalização dessa garantia de ordem jurídica, na esfera do procedimento administrativo disciplinar, representa um fator de clara limitação dos poderes da administração pública e de correspondente intensificação do grau de proteção jurisdicional dispensada aos direitos dos agentes públicos.”
Desta maneira, o ato ilegal sujeito à impugnação através do remédio constitucional mandado de segurança é aquele emitido por autoridade incompetente, com a não observação das formalidades previstas em lei e cuja sanção é ilegal, seja por não estar prevista nos regulamentos disciplinares da marinha, exército ou aeronáutica, ou por extrapolar os limites que ali foram estabelecidos. Cuida-se de uma proteção ao militar que foi punido e uma limitação ao poder disciplinar da autoridade administrativa.
3.2.2.1 Da Competência
O artigo 109, inciso VIII da Constituição Federal de 1988 e o artigo 10, inciso IX da Lei 5.010 de 1966, dispõem que estão sujeitos à jurisdição da Justiça Federal os mandados de segurança contra ato de autoridade federal.
Sem dúvida, em se tratando de atos disciplinares que foram emanados pela autoridade federal militar, após a futura aprovação da PEC nº 358/2005, tal competência deverá ser atribuída ao Juiz-Auditor ou aos Conselhos de Justiça. O que faz com que se tenha mais um aspecto a ser disciplinado por uma possível nova ou alterada Lei de Organização Judiciária Militar da União.
Importante ressaltar que, diferente do ocorre no Habeas Corpus que trata de matéria criminal, o mandado de segurança ocupa-se de matéria cível. Hoje, apenas o Superior Tribunal Militar tem competência para processar e julgar os mandados de segurança, conforme o que estabelece o artigo 6, inciso I, d da Lei 8.457/1992, mas somente quando a autoridade coatora for órgão da própria justiça militar.
3.2.2.2 Ações Ordinárias
O ilustre Presidente do Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul, defende a ampliação das possibilidades de ações de impugnações de atos disciplinares. Ele considera que o controle jurisdicional das punições disciplinares não envolve apenas Habeas Corpus e Mandados de Segurança; há também, a hipótese das ações ordinárias para suspensão ou anulação de atos punitivos, entendendo, todavia, que não se pode julgar pedidos referentes a indenizações, reformas, etc[7]. (SOUZA, 2005 apud TESSER, 2005, p.37).
Consoante o já demonstrado, para se pleitear a declaração de nulidade de punição disciplinar, deve o militar lançar mão do mandado de segurança, a fim de que a autoridade judiciária possa avaliar os aspectos extrínsecos do ato que efetivou a punição. Tratando-se de eventual constrangimento da liberdade de locomoção, o meio processual é habeas corpus[8]
Entretanto, possível verificar que as mencionadas ações tramitam pelo rito sumaríssimo e podem ter a suas respectivas pretensões concedidas liminarmente sem ouvir a outra parte por meio da comprovação da fumaça do bom direito e do perigo na demora. Tais características obstam a utilização dessas ações em todo o leque de possibilidades que envolvem a impugnação de punições disciplinares.
Por exemplo, quando se trata de mandado de segurança, existe a necessidade de que seja comprovado de plano o direito e a pretensão deduzida pelo militar. Desse jeito, quando os fatos a serem contraditados não estiverem suficientemente comprovados de plano, será afastado, em tese, o cabimento dessa ação constitucional.
Além do mais, a dilação probatória necessária à comprovação dessas hipóteses é incompatível com o exíguo prazo característico do rito sumaríssimo. Isto posto, se nota que a maior complexidade da instrução probatória com a necessidade de coleta de vários tipos de prova, por exemplo, só encontraria respaldo no rito ordinário.
Destacando essa peculiaridade que tende a obstaculizar a utilização do Mandado de Segurança e de Habeas Corpus, Tesser [9], leciona que:
“O controle jurisdicional da sanção disciplinar, submetido à cognição sumária que antecipa os efeitos da tutela de mérito, somente poderá declarar o eventual vício de legalidade, diante de uma matéria probatória, consistente e pré-constituída, capaz por si só de ilidir a presunção de legitimidade e os preceitos de hierarquia e disciplina do qual se reveste a manifestação sancionadora dessa espécie.”
Defronte dessas circunstâncias, que tornam descabível tanto o Habeas Corpus quanto o Mandado de Segurança, o militar não pode ficar impossibilitado de questionar a impugnação de atos disciplinares proferidos por seus comandantes. Para essa finalidade, o Código de Processo Civil prevê as ações ordinárias, para genericamente atingir as hipóteses não albergadas pelas citadas ações constitucionais. A análise mais detalhada de tais ações e suas hipóteses foge do objetivo do presente trabalho.
3.3 Da Proposta de Emenda à Constitucão n° 358/2005
A proposta de emenda à Constituição de número 358 do ano 2005, que se encontra em tramitação e trata da chamada “reforma do judiciário” visa alterar os artigos 21, 22, 29, 48, 93, 95, 96, 98, 102, 103-B, 104, 105, 107, 111-A, 114, 115, 120, 123, 124, 125, 128, 129, 130-A e 134 da Constituição Federal de 1988. Bem como acrescentando-se ainda ao texto constitucional os artigos: 97-A, 105-A, 111-B e 116-A.
A alteração prevista na proposta de emenda constitucional 358/2005, sobre o tema referente em análise, o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas, confere nova redação ao artigo 124 da Constituição Federal, que passará a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 124. À Justiça Militar da União compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei, bem como exercer o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas”. (grifo nosso)
Razoável que se faça a seguinte interpretação a respeito da alteração acima mencionada: a Justiça Militar da União passará a exercer o controle jurisdicional dos atos administrativos que dizem respeito a aplicação de punições disciplinares aos membros das Forças Armada.
O ponto principal da alteração da redação do artigo 124 da Carta Magna, diz respeito à ampliação da competência da Justiça Militar da União para que venha a exercer controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas.
Atualmente, a JMU tem competência apenas para processar e julgar os crimes militares definidos em lei, com a ampliação dessa competência a Justiça Militar da União passará a resolver os conflitos de competência com a Justiça Federal, em torno do controle jurisdicional sobre as punições disciplinares.
A proposta de alteração da emenda constitucional 358/2005, traz também construção jurisprudencial e doutrinária no sentido de que as sanções disciplinares constituem atos administrativos discricionários, e estão sujeitos ao controle jurisdicional quanto à análise da legalidade[10].
Via de regra, o Judiciário não pode se pronunciar a respeito da conveniência e oportunidade dos atos praticados pela autoridade competente no exercício do poder disciplinar, insto é, em relação ao mérito administrativo[11] .
Esse saber vem sendo flexibilizado pela doutrina e jurisprudência, possibilitando ao Judiciário adentrar no mérito administrativo, através da análise da razoabilidade e proporcionalidade dos atos administrativos, instrumento eficaz de controle dos atos do Poder Público[12] .
Importante relembrar que a competência da Justiça Militar estadual foi alterada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, com o acréscimo do § 5º ao artigo 125 da Constituição Federal, que apresenta a seguinte redação:
“Art. 125. …
§ 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares.”
A alteração prevista no artigo acima, teve como objetivo concentrar, na Justiça Castrense estadual, a competência para dirimir os conflitos envolvendo infrações disciplinares praticadas por policiais militares. Relevante também se faz o fato de o juiz de direito passar a decidir singularmente, prestigiando-se, assim, o magistrado de carreira, o que não ocorreu ainda na Justiça Militar da União.
4. ANALISE DA REFORMA NA JMU
4.1 Da reforma da Lei de Organização da JMU
É visível a necessidade de reformulações jurídicas e administrativas no âmbito da Justiça Militar da União, com o propósito de compatibilizá-la com a nova competência na esfera cível que ora se avizinha. Tais medidas são urgentes em decorrência da natureza jurídica do preceito constitucional emendado que, por se tratar de norma processual, goza de aplicabilidade imediata.
A necessidade de tais modificações é entendimento incontestável entre os operadores do direito militar, tanto do Poder Judiciário, quanto do Ministério Público Militar. Sobre o tema, aduz o subprocuradorgeral da Justiça Militar, Soares (2006, on line):
“As alterações previstas pela PEC 358/05, no entanto, deverão vir acompanhadas de uma revisão urgente na lei de organização judiciária, a revisão se torna indispensável não apenas para prever a competência dos órgãos que farão esse controle, como também para ampliar a presença da Justiça Militar de 1º grau, ampliando o acesso à sociedade, em especial aos membros das Forças Armadas, para que possam reclamar seus direitos.”
Por outro lado, Ferreira[13], Ministro do STM, em palestra proferida em seminário de direito militar, em Curitiba/PR, no mês de setembro de 2006, ressalta as dificuldades que serão encontradas após a promulgação da emenda:
“PEC 358/2005 não define se o controle jurisdicional das punições disciplinares será apreciado singularmente pelo Juiz-Auditor, como na Justiça Militar estadual, ou pelos Conselhos de Justiça.
Tal omissão causará dificuldades após a promulgação da Emenda, sobretudo porque as normas constitucionais que tratam da matéria são de eficácia plena e aplicabilidade imediata, e a Lei nº 8.457/92 atribui aos Conselhos de Justiça uma competência eminentemente criminal (art.s 27 e 28), não dando azo a uma interpretação extensiva.
O veículo para regulamentação do novo preceito constitucional do art 124 é a legislação infraconstitucional. Portanto, a Lei de Organização Judiciária Militar da União e o Regimento Interno do STM também devem sofrer reformas. Dentre as alterações propugnadas por grande parcela da doutrina e pelos operadores desse ramo especial do direito, destacam-se as relativas à competência monocrática do Juiz auditor; a nova forma de constituição e competência dos conselhos de justiça; o julgamento dos recursos pelo STM.
Além desses, há algumas questões fundamentais que carecem de regulamentação e de posicionamentos doutrinários sólidos: a questão das custas e a participação do MPM nas demandas cíveis”.
As reformulações de âmbito administrativo na Justiça Militar da União, tem o objetivo de torna-la compatível com a sua nova competência cível que está sendo proposta. Tais modificações poderão ser realizadas por meio da legislação infraconstitucional, conforme permite o parágrafo único do artigo 124, da Constituição Federal,in verbis abaixo:
“Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.
Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da Justiça Militar.” (grifo nosso)
Levando em conta que a Lei nº. 8.457/92, que organiza a Justiça Militar da União e regula o funcionamento de seus serviços auxiliares, foi criada somente para regular a atuação criminal da Justiça Militar, necessário uma reforma no texto dessa Lei Orgânica, assim como no Regimento Interno do Superior Tribunal Militar com a finalidade de que se dê efetividade a nova competência da Justiça Militar Castrense.
Conforme dispõe o artigo 96, I, a e II, d, da Constituição Federal, cabe ao Superior Tribunal Militar elaborar ou modificar seu Regimento Interno, bem como a iniciativa de Lei para modificar a Lei de Organização da Justiça Militar da União.
Em contrapartida, o instrumento normativo de atuação da Justiça Militar em relação a sua competência cível deverá ser o Código de Processo Civil, juntamente com o Código Civil e toda a legislação administrativa militar aplicável ao caso concreto.
4.2 Da Atuação Monocrática do Juiz-Auditor
A Justiça Militar da União, possui competência estritamente criminal e tem como característica sua composição em órgãos colegiados, quais sejam, os Conselhos de Justiça, e pelos Juízes-Auditores.
Entre os Conselhos de Justiça, temos os Conselhos Especiais e Conselhos Permanentes que são constituídos, conforme o artigo 18 da lei 8.457/92, entre oficiais de carreira das Forças Armadas. A lei não lhes exige qualquer tipo de conhecimento jurídico para eles, até porque as tarefas relativas à praxe forense dos juízos militares são efetivamente conduzidas pelo juiz-auditor. Cabe-lhes apenas o uso de suas experiências de vida na caserna para posicionarem-se ante as demandas de natureza criminal, mormente, escudados na própria consciência e livremente avaliando os fatos que lhes são apresentados, já que a fundamentação da sentença é feita pelo juiz-auditor.
O surgimento da competência cível no âmbito da Justiça Militar da União com a iminência da promulgação da emenda constitucional referente ao PEC nº 358/05 deverá determinar uma alteração do panorama presente até agora.
O artigo 30 da lei 8.457/92, que organiza essa justiça especializada, define a competência do Juiz- Auditor e em nenhum de seus 24 (vinte e quatro) incisos está prevista a sua competência para julgamentos monocráticos. Com a reformulação da JMU proposta pela PEC nº 358/2005 tal condição há de ser modificada.
A reforma em pauta constitui-se basicamente na ampliação da competência da Justiça Militar da União para receber ações de natureza cível.
Notoriamente, em se tratando de ações de impugnação de punições disciplinares aplicadas por Comandantes no exercício de seu poder disciplinar, haverá uma natural incompatibilidade hierárquica com a formação dos conselhos de justiça, segundo o artigo 16, a), da lei 8.457/92. Considerando-se o julgamento dessas ações cíveis pelos conselhos de justiça, estar-se-ia diante de uma inequívoca relativização da hierarquia (o que é inaceitável em razão da lógica organizacional das Forças Armadas, estabelecida pela própria CF/88), com oficiais julgando atos de superiores hierárquicos.
Ainda, a lei de organização judiciária militar, lei nº. 8.457/92, prevê que os Conselhos de Justiça se destinam a julgar os “crimes militares”, assim a participação desses órgãos no julgamento de ações cíveis, estaria ampliando essa competência para o julgamento de atos de autoridades, o que não está previsto na lei.
Em virtude da particularidade das funções desenvolvidas pelos militares nada mais sensato que estes sejam julgados, nos crimes militares, por pessoas que conhecem o dia-a-dia da atividade militar, o que leva a existência dos chamados Conselhos de Justiça, que são órgãos colegiados formados por civis e militares. O civil que compõe o Conselho de Justiça é o auditor militar que foi provido no cargo por meio de concurso de provas e títulos, e os militares são oficiais da Força a qual pertence o acusado, que exercem suas funções junto às auditorias por um período de três meses, sendo que cada Conselho possui um juiz auditor militar e quatro oficiais, sendo presidido pelo militar de maior patente.
Tais características não se repetem nas ações cíveis que visam à impugnação de atos disciplinares. Nessas hipóteses, basicamente serão analisadas questões relacionadas à legalidade das punições disciplinares impostas, já que o mérito administrativo (impregnado de assuntos eminentemente ligados à vida militar) é intocável pelo judiciário.
No tempo em que não houver alteração na Lei de Organização Judiciária Militar da União (Lei n. 8.457/92), o Superior Tribunal Militar deverá regulamentar a matéria tão logo seja promulgada a Emenda, e deverá levar em consideração alguns aspectos relevantes. Tanto é assim que a própria EC nº 45 que reformulou a Justiça Militar Estadual, acrescentando o §4º ao artigo 125 da Constituição Federal, atribuindo competência para o julgamento das ações contra atos disciplinares apenas ao juiz singular. Já a PEC nº 358/2005 não prevê essa divisão.
O reportado comando constitucional trazido pela EC nº 45 já foi operacionalizado pela Justiça Militar do Estado de São Paulo com a propositura da nova Lei de Organização Judiciária Militar Estadual, por meio do envio do anteprojeto de lei, via TJ/SP, o qual se constitui hoje no PLC nº47/2005. As propostas são exatamente no sentido de regulamentar a competência monocrática do juiz de direito do juízo militar:
“DO JUIZ DE DIREITO DO JUÍZO MILITAR
Art. 20. Compete aos Juízes de Direito do Juízo Militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, bem como presidir os Conselhos de Justiça”.
“Uma das inovações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45 foi também a de modificar a condição da participação do Juiz na 1ª Instância, uma vez que esta, até o advento dessa alteração constitucional, estava restrita à atuação como Juiz Auditor, integrante do Conselho de Justiça.
A partir da entrada em vigor do novo texto constitucional essa participação passou a ter uma considerável ampliação, deixando o Juiz de atuar simplesmente como Auditor e transformando-se efetivamente em Juiz de Direito, com competência para processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, além de passarem a presidir os Conselhos de Justiça, que ficaram com a atribuição de processar e julgar os demais crimes militares”. (JUSTIFICATIVA DO PLC Nº47)
Sobre o tema disserta Jorge César de Assis:
“Que o objetivo do constituinte derivado é de fácil percepção, pois não seria crível que o Conselho, formado muitas vezes por oficiais de menor posto ou antiguidade que o Comandante Militar apontado como autoridade coatora, pudesse julgar tais processos, o que não ocorre em relação ao Juiz de Direito, protegido pelas garantias da magistratura que a própria Constituição lhe estabelece.”
Diante disso, a doutrina vem defendendo a tese de que o legislador infraconstitucional deve atribuir apenas ao Juiz-Auditor as causas que envolvam matéria civil, até mesmo em consonância com o Princípio da Simetria, o qual deve estar presente na Justiça Militar Federal e Estadual.
Do demonstrado, percebe-se que a competência cível certamente restará atribuída ao juiz auditor como órgão monocrático, o que fatalmente deverá implicar reformulação da organização da JMU, consoante preconiza a própria carta maior.
4.3 Das Decisões do STM em relação a Matéria Cível
No que se refere à segunda instância, isto é, quanto ao Superior Tribunal Militar, também surge a mesma discussão quanto à participação dos Ministros militares na apreciação de recursos em matéria cível.
Nos Tribunais Militares Estaduais, a discussão também permanece, pois, a Emenda Constitucional nº. 45/2004 nada disse a respeito do julgamento das matérias cíveis. Deixou a cargo de norma infraconstitucional decidir a questão. Vimos que a Constituição Federal expressamente prevê o julgamento das ações contra atos disciplinares pelos Juízes de Direito monocraticamente, ou seja, sem a participação de militares.
Segundo Eliezer Pereira Martins, que também defende a não participação dos Juízes Militares em segundo grau de jurisdição, diz que:
“A regra do § 4º do artigo 125 da Constituição da República afasta dos juízes militares, inclusive na 2ª instância, a competência para julgar as denominadas “ações judiciais contra atos disciplinares militares”, eis que não teria sentido privar o juiz militar desta atribuição em primeiro grau de jurisdição, admitindo-se que juiz da mesma classe julgasse a matéria em sede recursal. O legislador constituinte derivado promoveu uma “reserva à toga”, no respeitante às “ações judiciais contra atos disciplinares militares”.
E continua:
“Não é de se esperar que os juízes militares decidam a matéria cível, que não lhes é familiar, tampouco afeta, e, ademais, de profunda complexidade técnica, muito além da matéria penal e processual penal. Para tanto, considera que a melhor técnica indica a necessidade de que nos Tribunais de Justiça Militar dos Estados que os criaram, seja instituída uma Câmara Cível, integrada por juízes togados, para, em nível recursal, conhecer das “ações judiciais contra atos disciplinares militares”, sob pena de vulneração do “espírito da reforma” no respeitante à modificação de competência jurisdicional promovida na matéria”.
De fato, pensamos que esses mesmos argumentos denotam que é mais indicado que somente os Juízes togados, tanto em nível de primeiro ou segundo graus de jurisdição, possam ter competência para apreciar as demandas cíveis na Justiça Castrense.
Na Justiça Militar da União poderia ser pensado, como solução, a criação de Turma, composta somente de Ministros togados, conforme autoriza inclusive o próprio Regimento Interno do Superior Tribunal Militar, que em seu art. 2º §1º, prevê a divisão do plenário daquela Corte em turmas, nestes termos:
“Art. 2º O Tribunal, com sede na Capital Federal e jurisdição em todo o território nacional, compõe-se de quinze Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo três Oficiais-Generais da Marinha, quatro Oficiais-Generais do Exército e três Oficiais-Generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e cinco civis.
§ 1º O Plenário poderá ser dividido em turmas, sendo a competência de cada uma fixada em Emenda Regimental.”
Essa solução, a ser feita através de emenda regimental, facilitaria a tomada de medidas que visem reunir apenas os ministros civis para o julgamento dos recursos em matéria cível.
4.4 Da Melhoria da Prestação Jurisdicional
Não é de hoje que alguns doutrinadores já defendiam o aumento da competência da Justiça Militar como forma de melhoria na prestação jurisdicional, conforme se verifica na obra Direito Administrativo Militar, de autoria de Antônio Pereira Duarte:
“A nosso ver, a competência para processar e julgar as ações propostas pelos servidores militares, colimando algum direito previsto nas leis militares ou a anulação de algum ato administrativo que considere ilegal, deveria ser afeta à Justiça Militar.
Embora seja uma Justiça especializada no processamento e julgamento dos crimes militares, entendemos que não haveria dificuldade para a ampliação de tal competência, uma vez que os juízes auditores já são conhecedores das leis administrativas militares, que, aliás, integram o programa das disciplinas exigidas nos concursos de ingresso em tal carreira da magistratura.
Estribamos nossa posição no fato de que a Justiça Comum Federal vive, presentemente, assoberbada de feitos de toda ordem, inclusive os atinentes às pretensões dos servidores militares, tendo, por conseguinte, enorme dificuldade para a entrega oportuna da jurisdição reclamada, sendo certo que muitos processos levam até mais de 4 (quatro) anos para atingir a sua plena composição.
Não estamos aqui a expender qualquer consideração crítica sobre a atuação da Justiça Comum Federal; muito pelo contrário, pois, a nível das condições oferecidas, pode-se dizer que tal Justiça equipara-se a de um Primeiro mundo, especialmente no que concerne aos juízes que a compõe, todos de cultura jurídica vasta e bem preparados para a nobre função.
O que tem ocorrido de forma até reiterada, é que quase todos os juízes federais estão, individualmente, atuando com a sobrecarga de uma média de 10 a 15 mil processos, o que evidentemente é tarefa sobre-humana, inviabilizando qualquer prestação jurisdicional mais rápida.
No âmbito da Justiça Militar, ao contrário, com a atuação monocrática dos juízes-auditores em tais feitos administrativos contenciosos não haveria prejuízo algum para o regular funcionamento da Justiça castrense, além do desafogamento que geraria na Justiça Comum Federal, possibilitando, ademais, o deslinde mais rápido e oportuno de questões de tal natureza.
A sugestão não é nova, pois muitos são os que defendem tal idéia; que até porque, além do grande número de leis militares vigentes, a vida castrense se pauta dentro de uma realidade sociocultural bem distinta dos demais servidores, de tal maneira que faz imprescindível o conhecimento e a convivência com tal contexto, a fim de que a decisão judicial seja o reflexo mais condizente de tal realidade.”
A Proposta de Emenda Constitucional nº. 358/2005 é menos ampla e não ampliará a competência da Justiça Militar Federal nos moldes acima sugerido. Propõe-se atribuir somente o conhecimento das ações para impugnação de punições disciplinares. No entanto, a alteração representará um progresso no meio jurídico, uma vez que, valendo-se dos ensinamentos acima mencionados, podemos concluir que a matéria será decidida por quem está mais familiarizado com as peculiaridades da vida militar e sua legislação específica. Ademais, a modificação vai diminuir a quantidade de processos na Justiça Federal Comum, atualmente abarrotada de feitos de toda ordem.
Assim, Eliezer Pereira Martins quando trata sobre a alteração de competência operada no âmbito da Justiça Militar estadual, entendimento aplicável também para a Justiça Militar Federal:
“A alteração promovida pelo § 4º do artigo 125 é deveras bem-vinda. Inconcebível que a matéria disciplinar militar, especializada e peculiar, continuasse afeta a Magistrados cujo conhecimento militar se resumia ao que viam nos “desfiles de 7 de setembro”. No Estado de São Paulo, tanto nas varas da Fazenda Pública da Capital, como nas diversas comarcas do interior, raras eram as decisões sobre matéria disciplinar militar postas em sede de bom direito. Surpreendidos com ações que veiculavam matéria disciplinar militar, no mais das vezes, os magistrados da justiça comum estadual “metiam os pés pelas mãos”, eis que atribuíam um “rigorismo hollywoodiano”, dado que hiperbólico, à legislação e preceitos militares, fazendo perecer os direitos dos jurisdicionados.
Agora, a matéria disciplinar militar posta em juízo será analisada por magistrados afeiçoados à matéria militar que, pelo conhecimento da vida castrense moldada no convívio com a realidade das forças militares estaduais e, pela experiência judicante, por certo saberão aplicar os elementos de eqüidade necessários ao “bom direito” em sede militar.”
Finalmente, cabe enfatizar que haverá necessidade de atualização dos operadores da Justiça Militar no que diz respeito à matéria cível, com a finalidade de que a prestação jurisdicional seja a mais apropriada possível.
Nesse seguimento, Jorge César de Assis quando trata do tema:
“Não resta a menor dúvida de que os operadores da Justiça Militar (juízes, advogados e membros do Ministério Público) terão que se atualizar no campo do Direito Civil e Direito Processual Civil, para que a prestação jurisdicional seja a mais adequada possível, em tempo razoável, já que com a duplicação de competência, a tão propalada e reconhecida celeridade processual será coisa do passado”.
Outro aspecto positivo da concentração de competência na Justiça Castrense da União para julgar, além dos crimes militares, também as ações judiciais relativas às punições disciplinares, se deve ao fato de que muitas vezes esses assuntos guardam conexão, proporcionando uma atuação mais eficiente do Poder Judiciário.
CONCLUSÃO
Como visto durante o decorrer do presente trabalho, foram feitas breves considerações acerca do controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas, tema de grande importância para os operadores do direito que atuam frente a Justiça Militar da União.
Dessa maneira, qualquer integrante das Forças Armadas que se sentir prejudicado em virtude de punição disciplinar, tem o direito de questionar judicialmente o ato da autoridade administrativa.
Mais um ponto crucial diz respeito à definição do órgão jurisdicional competente para processar e julgar o habeas corpus em caso de prisão disciplinar de militar. No momento atual, no que concerne aos Forças Armadas, salvo eventuais punições disciplinares emanadas dos Comandantes da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, que estariam adstritos ao controle jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça, de acordo com o que preconiza o artigo 105, inciso I, alínea c, da Constituição Federal, devem submeter-se ao crivo da Justiça Federal de primeira instância, conforme preceito constitucional indicado anteriormente.
Por tanto, o Superior Tribunal Militar atualmente não tem competência para processar e julgar habeas corpus em que se discute prisão disciplinar imposta aos integrantes das Forças Armadas, em razão de se tratar de matéria administrativa, compete ao juízo ordinário federal conhecer do pedido.
A questão principal da alteração da redação do artigo 124 da Constituição Federal prevista pela PEC nº 358/2005 refere-se à ampliação da competência da Justiça Militar da União, atualmente restrita apenas ao processamento e julgamento de crimes militares definidos em lei, que passará a exercer também o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas.
Essa ampliação de competência da Justiça Militar da União deverá resolver freqüentes conflitos de competência com a Justiça Federal, acerca do controle jurisdicional sobre as punições disciplinares.
Mais um aspecto benéfico da concentração de competência na Justiça Castrense da União para julgar, além dos crimes militares, também as ações judiciais relativas às punições disciplinares, se deve ao fato de que muitas vezes esses assuntos terem conexão, proporcionando, assim, uma atuação mais eficiente do Poder Judiciário.
Em síntese, consideramos que a nova redação do artigo 124 da Constituição Federal, prevista pela PEC nº 358/2005, resultará no aprimoramento do controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas.
Advogada formada pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB; Pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal Militar pela Faculdade UnYLeya
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