Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar o processo de constituição das cooperativas de crédito em face da moderna teoria constitucional. Visando atingir o objetivo proposto a pesquisa aborda o tema sob três perspectivas. Nesta seara, considerando as cooperativas como grupos sociais organizados, cuja evolução permitiu a esta modalidade societária o seu reconhecimento na Constituição brasileira, o texto aborda a recepção normativa adotada pelo Estado demonstrando o tratamento constitucional proporcionado às sociedades cooperativas, destacando o posicionamento das cooperativas de crédito, consideradas como instituições financeiras, no âmbito do Sistema Financeiro Nacional. Na seqüência, a segunda perspectiva tem por escopo verificar as características peculiares das sociedades cooperativas, destacando o ramo de crédito, assim como apresentar a evolução legislativa das cooperativas de crédito, destacando, em especial, o procedimento de autorização junto ao Banco Central do Brasil. Na terceira etapa é desenvolvida a questão referente ao problema da presente pesquisa no que diz respeito a independência de autorização na criação e vedação da interferência estatal ao funcionamento das cooperativas determinadas no art. 5º, inc. XVIII da Constituição Federal, uma vez que, as cooperativas de crédito são dependentes de autorização estatal para atuarem como instituições financeiras. Conclui-se que não há conflito entre o mandamento infraconstitucional e o mandamento constitucional, uma vez que a necessidade de autorização por parte do Estado se refere à cooperativa de crédito enquanto integrante do Sistema Financeiro Nacional, permanecendo a sua constituição de acordo com a previsão constitucional. Assim, em conformidade com o que dispõe o Banco Central do Brasil acerca do presente tema, a constituição das sociedades cooperativas de crédito se dá com a aprovação do ato constitutivo em assembléia geral de fundação, ocorrendo a formalização do pedido de autorização apenas depois de constituída a cooperativa, atendendo, assim, o mandamento constitucional.
Palavras-Chave: cooperativas de crédito, intervenção do Estado, Sistema Financeiro Nacional
Abstract: The present work has as its objective to analyze the constitution process of credit cooperatives, taking into account the constitutional commandment. Seeking to reach the proposed objective, the research approaches the theme under three perspectives. In this field, considering the cooperatives as organized social groups, whose evolution allowed to this social modality its recognition in Brazilian Constitution, the text approaches the normative reception adopted by the State, showing the constitutional treatment proportionated to the cooperative societies, detaching the positioning of the credit cooperatives, considered as financial institutions, in the extent of the National Financial System. In the sequence, the second perspective has as its main goal to verify the peculiar characteristics of the cooperative societies, detaching the credit branch, as well as presenting the legislative evolution of the credit cooperatives, highlighting especially the authorization procedure close to the Central Bank of Brazil. In the third stage, it is developed the subject related to the problem of the present research, in the field that consider the independence of authorization in the creation and prohibition of the state interference in the operation of the cooperatives mentioned in the 5th article, XVIII inc. of the Federal Constitution, once the credit cooperatives are dependent of a state authorization to act as financial institutions. It can be concluded that there is no conflict between the infraconstitutional commandment and the constitutional commandment, once the need of authorization on the part of the State refers to the credit cooperative while member of the National Financial System, remaining its constitution in agreement with the constitutional forecast. Thus, in accordance to what is disposed by the Central Bank of Brazil concerning the present subject, the constitution of the credit cooperative societies happens with the approval of the constituent action in general assembly of foundation, occurring the formalization of the authorization request just after having constituted the cooperative, assisting, in this way, the constitutional commandment.
Key-Words: credit cooperatives, intervention of the State, National Financial System
Sumário – Considerações Iniciais. 1 A Constituição Federal de 1988 e o tratamento constitucional dado às cooperativas. 2 Processo de Constituição das Cooperativas de Crédito. 3 O processo de constituição das cooperativas de crédito e o mandamento constitucional. Considerações Finais.
Considerações Iniciais
O presente estudo tem por objetivo analisar o processo de constituição das cooperativas de crédito, considerando a possibilidade de conflito entre o texto constitucional e a lei da reforma bancária, uma vez que a constituição determina a livre constituição de cooperativas, sem a necessidade de autorização do Estado, enquanto que a lei referida submete as cooperativas de crédito a pedido de autorização de funcionamento ao Banco Central do Brasil.
Dessa forma, o problema a ser solucionado por meio da pesquisa relaciona-se com a existência ou não de conflito legal quanto a necessidade de autorização prévia por parte do Banco Central do Brasil para as cooperativas de crédito atuarem como instituições financeiras, captadoras de depósito à vista, em face da vedação da interferência estatal em seu funcionamento, conforme prevê o art. 5º inc. XVIII da Constituição Federal. Nesse sentido, considerando, a missão constitucional de apoiar e incentivar o cooperativismo imposta pelo texto magno ao Estado, importa analisar, de forma crítica, se a sistemática de criação e constituição das cooperativas de crédito, prevista pela lei 4.595/64, foi recepcionada pela nova ordem constitucional.
Buscando atingir os objetivos propostos, o tema será abordado sob três perspectivas. A primeira terá como objetivo analisar o tratamento constitucional dispensado ao cooperativismo no Brasil. Na seqüência, a segunda perspectiva tem por escopo verificar as características peculiares das sociedades cooperativas, destacando o ramo de crédito, assim como apresentar a evolução legislativa das cooperativas de crédito, destacando, em especial, o procedimento de autorização junto ao Banco Central do Brasil. Por fim, será abordada a organização do Sistema Financeiro Nacional e as competências do Banco Central do Brasil nos processos de constituição e de autorização para as cooperativas de crédito atuarem como instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional.
Por conseguinte, será abordado o tratamento constitucional dispensado ao cooperativismo, assim como a evolução constitucional dispensada ao longo da evolução do Estado brasileiro. Dessa forma, considerando as cooperativas como grupos sociais organizados, cuja evolução permitiu a esta modalidade societária o seu reconhecimento na Constituição brasileira, a pesquisa contempla a recepção normativa adotada pelo Estado, destacando o posicionamento das cooperativas de crédito, consideradas como instituições financeiras, no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.
Em um segundo momento, dentro da segunda perspectiva, serão analisadas, também, as características das sociedades cooperativas de forma geral, o processo de constituição e os principais elementos que diferenciam as sociedades cooperativas das demais sociedades tradicionais, empresárias ou simples.
Da mesma forma, será apresentada a evolução histórica dos normativos pertinentes ao cooperativismo de crédito no Brasil. Neste sentido, se buscará alcançar uma abordagem do ponto de vista normativo, apontando os avanços conquistados ao longo da trajetória do cooperativismo no Brasil.
Destarte, caberá verificar as peculiaridades das cooperativas do ramo crédito, destacando, ainda, o procedimento de constituição das cooperativas de crédito, sua participação na composição do Sistema Financeiro Nacional, de acordo com as leis que regulam a matéria e com os normativos do Banco Central do Brasil.
Do mesmo modo, será analisada a relação do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil, como representantes do poder estatal no processo de constituição das cooperativas de crédito, uma vez que estas instituições carecem de parecer favorável ao seu projeto de constituição e de autorização para seu funcionamento, ambos concedidos pelo Banco Central do Brasil.
Por iguais razões, será também estudada a organização do Sistema Financeiro Nacional e as competências do Banco Central do Brasil e do Conselho Monetário Nacional nos processos de constituição e de autorização para as cooperativas de crédito atuarem como instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional.
Nesse aspecto, caberá localizar a posição das cooperativas de crédito no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, pois além de serem disciplinadas pela Resolução CMN nº 3.442, de 2007, estão sujeitas a legislação e normas do Sistema Financeiro Nacional devendo também observar a Lei do Cooperativismo – Lei n° 5.764/71. Dessa forma, torna-se importante esclarecer o disciplinamento jurídico dispensado às instituições financeiras e caracterizar os órgãos integrantes deste sistema cuja principal função é dispor sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias.
Da mesma forma, será abordada, segundo as determinações do Banco Central do Brasil, a forma de constituição das cooperativas de crédito no Sistema Financeiro Nacional, elencando os procedimentos e requisitos necessários para a concretização deste ato, além de destacar seus objetivos e responsabilidades frente à sociedade civil buscando analisar de forma crítica o processo de criação das cooperativas de crédito, em função da necessidade de autorização prévia do Banco Central do Brasil e do Conselho Monetário Nacional para atuarem como instituições financeiras, captadoras de depósito à vista, em face da vedação da interferência estatal em sua criação, prevista pela Constituição Federal.
Finalizando será então enfrentada a questão referente a necessidade de autorização prévia por parte do Banco Central do Brasil para atuarem como instituições financeiras, captadoras de depósito à vista, em face da vedação da interferência estatal em seu funcionamento previsto na Constituição Federal. Com base nesta análise se buscará, então, esclarecer o problema da presente pesquisa qual seja, se a sistemática de criação e constituição das cooperativas, prevista pela lei, obedece o mandamento constitucional.
1 A Constituição Federal de 1988 e o tratamento constitucional dado às cooperativas.
Inicialmente, cumpre referir que a história da humanidade demonstra, desde o início da civilização, a existência do espírito de cooperação entre os homens para o atingimento do bem comum. Conforme Alves e Milani, (2003, p. 1), nas mais remotas passagens da Antiguidade entre os babilônios, entre gregos e romanos, bem como no Egito, já existiam manifestações de auxílio mútuo as quais poderiam ser consideradas como formas iniciais de cooperativismo. O desenvolvimento do cooperativismo na história recente encontrou ambiente propício para sua alavancagem em meados do século XIX no período da Revolução Industrial quando o desequilíbrio na distribuição de renda e a destinação das riquezas fizeram com que emergissem condições sócio-econômicas favoráveis ao surgimento das sociedades cooperativas na época.
Em função do exposto é que surge, em 28 de outubro de 1844, na pequena cidade de Rochdale, distrito de Lancashire, Inglaterra, a Rochdale Society of Equitable Pioneers[1], uma associação fundada por 28 tecelões cujo objetivo era melhorar a precária situação econômica de seus fundadores, mediante a colaboração de todos por meio da aquisição comum de bens de consumo, da fabricação de artigos, compra e arrendamento de áreas de terra. Iniciava-se, assim, uma nova forma de organização econômico-social.
Nesse aspecto, ressalta Reis Junior (2006, p.28) que os rochdalianos através do espírito de solidariedade humana e igualdade social proporcionaram grande mudança na sociedade da época demonstrando a possibilidade de modificação das condições de dependência social entre os que dispõem apenas a força de trabalho e aqueles que controlam os meios de produção. Por tais razões, o pioneirismo de Rochdale proporcionou ao mundo a implementação de um novo modelo organizacional, que se espalhou por diversos países, entre eles o Brasil.
No entanto, é oportuno esclarecer que as sociedades cooperativas brasileiras, segundo Perius (2001, p. 15), têm seu histórico no ordenamento jurídico brasileiro dividido em três fases: a primeira, considerada fase de constituição prevaleceu no período de 1903 a 1938; a segunda, denominada fase intervencionista, caracterizada pela absoluta tutela do Estado, predominou entre os anos de 1938 a 1988 e a terceira fase conhecida como autogestionária teve início com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Nesse breve período, inúmeras foram as alterações ocorridas nos normativos que regulamentavam as sociedades cooperativas, bem como muitos foram os cenários econômicos e sociais que conduziram tais mudanças. Entretanto, considerando a legislação atual pode-se afirmar que a Constituição Federal de 1988, conforme preceitua Tavares (2006, p. 231), foi incisiva para a categoria do cooperativismo ao apoiar e incentivar a forma associativa.
Nesse contexto, destacam Alves e Milani (2003, p. 15) que no período anterior à atual Constituição as cooperativas, independentemente de seu objeto, necessitavam da autorização do poder público para sua constituição e funcionamento. Assim, qualquer tipo de sociedade cooperativa, deveria submeter à apreciação do órgão competente, dentro de um período determinado, requerimento juntamente com quatro vias do ato constitutivo, o estatuto, lista nominativa além de outros documentos cuja análise levaria à sua aprovação ou não por parte do Estado. Esta dependência se estendia também às reformas dos seus estatutos, às negociações com não-cooperados e à participação em sociedades não-cooperativas. Nesse sentido ressaltam:
“A cooperativa era totalmente tutelada pelo Estado, o que não acontece hoje em dia. A Constituição Federal de 1988, a primeira a tratar desse tema, pregou a política de estímulo ao desenvolvimento do cooperativismo, com a inexigibilidade de autorização para a criação das sociedades cooperativas, e a proibição de qualquer interferência estatal em seu funcionamento (inciso XVIII, art. 5°).”
Dessa forma, a Carta Magna de 1988 representou para as sociedades cooperativas um avanço no tocante à sua liberdade, sendo o marco divisor de um cooperativismo não mais tutelado pelo Estado. Por sua vez, a partir da promulgação da Constituição Federal teve início o período de liberalização que garantiu a estas entidades a autonomia e autogestão de suas sociedades e reservou ao Estado o papel de estimular e incentivar esta forma de organização associativa. A Constituição Federal em seu art. 174, § 2° estabelece expressamente esta intenção ao dispor: “A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo”.
Nesse lanço, ressaltam também os autores, que dentre as matérias que caracterizam a proteção constitucional está o fato de a Constituição Federal ter previsto em seu texto, tratamento diferenciado no tocante a tributação a que estão sujeitas as cooperativas de crédito.
O mandamento constitucional ao propor estímulo e incentivo às sociedades cooperativas estabeleceu regime tributário diferenciado a essas entidades julgando fundamental a questão para o seu efetivo crescimento. Sendo consideradas como uma forma societária especial tornaram-se merecedoras de incentivo e adequado tratamento tributário, assim estabelecido no art. 146, inc. III, alínea c, que determinou à lei complementar o dever de instituir normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre : “c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.”
Além disso, cabe destacar também a singularidade deste modelo societário, em função de suas características específicas, como o fato de serem sociedades de pessoas constituídas para prestarem serviços aos seus associados e a não distribuição de lucros, afastando esse modelo de sociedade dos tipos de empresas capitalistas comuns. Nesse diapasão, Tavares (2006, p. 231) refere:
“[…] não se pode pretender estar prestando apoio e estímulo ao submeter a cooperativa a um sistema fiscal mais gravoso do que o previsto para as empresas comerciais. O conjunto de leis haverá de ser mais benigno do que o originário.”
Destarte, esclarece Tavares (2006, p. 232) que “foram as cooperativas consideradas pela Constituição como entidades que merecem o estímulo estatal, o que certamente origina-se da peculiar estruturação dessas entidades.” Sob esse aspecto, resta clara então, a preocupação constitucional com a necessidade da existência de normas e princípios próprios que venham a reger as cooperativas.
Outro fato relevante na esfera constitucional encontra-se no texto do art. 146, inc. III, alínea c, ao ser reconhecido o ato cooperativo. Nesse sentido Reis Júnior (2006, p. 56) esclarece que, no cooperativismo existem duas relações jurídicas intrinsecamente ligadas entre si que qualificam o princípio da “dupla qualidade”. Nesses termos, explica o autor, existe a relação societária, onde os cooperados praticam atos na qualidade de sócios, e existe também a relação de serviços onde os cooperados são usuários dos serviços da cooperativa na qualidade de clientes. Esta relação dá origem ao ato cooperativo.
Ainda sob esse aspecto, na lição de Perius (2001, p. 86) o ato cooperativo se refere aos negócios-fim das sociedades cooperativas, ou seja, aqueles que se relacionam diretamente com os objetivos sociais sendo, portanto atos destituídos de natureza comercial, uma vez que não visam lucro e não provêm de intermediação comercial.
Nesse sentido, Alves e Milani (2003, p. 92) esclarecem:
“…a sociedade cooperativa é com relação aos seus cooperados, essencialmente antiespeculativa. Os resultados positivos obtidos nas operações realizadas entre a cooperativa e os seus associados são “sobras” e não lucros. Tais operações são definidas como atos cooperativos e não configuram relação contratual.”
Seguindo esse propósito, o ato cooperativo pode ser caracterizado como ato sem fins lucrativos. Dessa forma, pressupõe-se então, a não existência de lucro. Assim, onde não existe lucro, não há especulação e por conseqüência não há tributação. Embora o cooperativismo seja apoiado e estimulado no âmbito tributário, não existe, contudo, privilégios fiscais em relação a todas as espécies de tributo, bem como não existe a imunidade tributária a estas entidades. Nesse sentido, explicita Velloso (2007, p. 69) que o alcance do preceito de lei complementar é limitado ao ato cooperativo e não à integralidade da tributação das cooperativas, assim, as demais obrigações tributárias referentes às sociedades cooperativas não fazem parte das regras da lei complementar.
A par disso, Alves e Milani (2003, p. 93) dispõem que somente será tributável a renda advinda de atos não cooperativos, ou seja, aqueles provenientes de operações realizadas com terceiros ou não associados. O lucro proveniente dessas operações, não poderá ser distribuído entre os cooperados, deverá ser contabilizado em separado para incidência dos tributos cabíveis e o resultado líquido, levado ao Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social – FATES, em conformidade com o art. 87 [2] da Lei n° Lei 5.764/71.
Todavia, entre todas as matérias ligadas ao cooperativismo no âmbito constitucional, a que mais interessa ao presente estudo encontra-se elencada no art. 5º, inc. XVIII. Cinge-se de fundamental importância o dispositivo citado, à medida que versa sobre a liberação da constituição das cooperativas de qualquer tipo de autorização estatal: “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento.”
Nesse aspecto, Piva (2009, 112) destaca que criação e autorização tratam-se de questões distintas, sendo vedada a exigência de autorização para a criação, sendo que qualquer interferência arbitrária poderia ter como conseqüências: “a) ocorrência de crime de abuso de autoridade (Lei 4.898/1965); b) ocorrência de crime de responsabilidade (Lei 1.079/1950); c) direito de indenização por danos patrimoniais e morais porventura ocorridos.”
A partir do referido mandamento, cabe então analisar a constitucionalidade da exigência de autorização prévia, por parte do Banco Central, para a constituição das cooperativas de crédito. Sob esse aspecto, verifica-se que, com base no avanço legal, tais sociedades gozam de ampla liberdade no que diz respeito à sua criação e funcionamento. Nesse sentido, ressalta Pereira (2006, p. 107) que a autonomia cooperativa destacada na regra inscrita no art. 5º, inc. XVIII, diz respeito à autonomia organizacional, subentendidos dessa forma os atos de criação, elaboração dos atos constitutivos e administração da cooperativa. Ainda entende o autor:
“Essa autonomia significa que a organização da cooperativa independe de autorização estatal, mas deve atender às prescrições da lei que regule a espécie. Equivale dizer que todos são livres para organizarem-se em cooperativa, instituída nos termos da lei, imunes à interferência estatal, na criação e na sua administração.” (PEREIRA, 2006, p.108).
Vale lembrar que segundo o autor, o princípio da autonomia cooperativa está inserido no direito de liberdade de associação. Direito este, que pode ser exercido por todos sem depender de homologação ou licença do Estado. Ainda nesse sentido, esclarece o autor que o constituinte de 1988 concedeu ao segmento cooperativo uma definição política para o setor estabelecendo disciplina legal específica em função das peculiaridades desta modalidade de associação, considerando as características especiais elencadas no novo Código Civil.
Por fim, com o intuito de atingir os principais objetivos governamentais de ampliação do crédito produtivo e de serviços financeiros visando geração de renda, trabalho e inclusão social, a Constituição Federal recepcionou a inserção das cooperativas de crédito no Sistema Financeiro Nacional, a saber:
“Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.”
Dessa forma, conclui-se que a Constituição Federal embasada nos Princípios Gerais da Atividade Econômica reservou especial atenção as sociedades cooperativas cabendo ao Estado como um todo apoiar e estimular o desenvolvimento econômico em todas as suas formas, nesse contexto, cabe então analisar o processo de constituição deste tipo societário considerando suas particularidades.
2 Processo de Constituição das Cooperativas de Crédito
Cumpre analisar a partir de então, os normativos responsáveis pela regência das cooperativas de crédito desde o seu surgimento no Brasil até a atualidade para que seja possível reconhecer o tratamento jurídico dispensado a esta modalidade de instituição no âmbito do sistema jurídico nacional. Com base nos dados expostos por Pinheiro (2007, p. 52-63) discorrerá então o texto acerca da cronologia das normas sobre as cooperativas no Brasil.
A fase de constituição do cooperativismo teve início com o Decreto do Poder Legislativo 979, de 06 de janeiro de 1903 que permitia aos sindicatos a organização de caixas rurais de crédito agrícola e também cooperativas de produção e de consumo. Concedia a permissão, mas não detalhava o assunto. A seguir, em 05 de janeiro de 1907, com a edição do Decreto do Poder Legislativo 1.637, as cooperativas de crédito receberam norma disciplinar de funcionamento, podendo organizar-se sob forma de sociedades anônimas, sociedades em nome coletivo ou comandita, desde que regendo-se pela leis específicas.
Em 31 de dezembro de 1925, a Lei 4.984 excluiu a exigência de expedição de carta patente e de pagamento de cotas de fiscalização às cooperativas dos sistemas raiffeisen e luzzatti, além de atribuir ao Ministério da Agricultura a incumbência de fiscalização deste tipo societário. No ano seguinte, em 02 de junho de 1926 o Decreto 17.339 aprovou o regulamento destinado a reger a fiscalização gratuita da organização e funcionamento das caixas rurais raiffeisen e do banco luzzatti. A tarefa de fiscalização das cooperativas de crédito foi passada ao Serviço de Inspeção e Fomento Agrícolas, órgão do então Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
Por meio de Instruções Complementares do Decreto 17.339, em 20 de fevereiro de 1929, foram estabelecidos procedimentos de fiscalização, definidas características das caixas rurais raffeisen e dos bancos populares luzatti, além de regras a serem observadas pelas federações de ambos sistemas.
Com o Decreto do Poder Legislativo 22.239, de 19 de dezembro de 1932, ocorreram reformas nas disposições do Decreto 1.637 naquilo que se referia à definição de cooperativas de crédito, a saber:
“[…] tem por objetivo principal proporcionar a seus associados crédito e moeda, por meio da mutualidade e da economia, mediante uma taxa módica de juros, auxiliando de modo particular o pequeno trabalhador em qualquer ordem de atividade na qual ele se manifeste, seja agrícola, industrial, ou comercial, ou profissional, e, acessoriamente, podendo fazer, com pessoas estranhas à sociedade, operações de crédito passivo e outros serviços conexos ou auxiliares do crédito (art.30).”
Também ficou estabelecido a partir de então, a dependência de autorização do governo para sua constituição às cooperativas que realizassem operações de crédito real, com emissão de letras hipotecárias, operações de crédito de caráter mercantil e seguros de vida onde os benefícios dependessem de sorteio ou cálculo de mortalidade.
Por sua vez, o Decreto 22.239 foi revogado pelo Decreto 24.647 em 10 de julho de 1934. A partir daí, todas as cooperativas de crédito passaram a necessitar de autorização do governo para que pudessem se constituir. Além disso, o decreto então vigente, estabeleceu que tais sociedades seriam formadas por pessoas de mesma profissão ou profissões afins, com exceção daquelas formadas por industriais, comerciantes e capitalistas que poderiam se constituir com pessoas de profissões distintas.
Com o Decreto-Lei 581, de 1° de agosto de 1938, houve a revogação do Decreto 24.647 e o revigoramento do Decreto 22.239. Ocorreram alterações também no âmbito dos agentes fiscalizadores, passando a ser incumbência do Ministério da Fazenda a fiscalização das cooperativas de crédito urbanas e as de crédito rural permaneceram sob a fiscalização do Ministério da Agricultura. Em 1941, o Decreto 6.980 regulamentou o Decreto-Lei 581 através da aprovação do regulamento para a fiscalização das sociedades cooperativas. E, em 1942, o Decreto-Lei 5.154 veio dispor sobre a intervenção nas sociedades cooperativas.
Desse modo, o Decreto 22.239 assim como o Decreto-Lei 581 foram revogados pelo Decreto-Lei 5.893, em 19 de outubro de 1943, o qual incumbiu o retorno da tarefa de fiscalização de todas as cooperativas ao Ministério da Agricultura. Proporcionou o fomento do cooperativismo e o crédito através da criação da Caixa de Crédito Cooperativo e sofreu alterações em seus dispositivos através do Decreto-Lei 6.274.
Em 02 de fevereiro de 1945, foi criada a Superintendência da Moeda e do Crédito – SUMOC através do Decreto-Lei 7.293 que atribuía a ela a função de fiscalização de bancos e casas bancárias, sociedades de crédito, financiamento e investimento, além das cooperativas de crédito. Coube também entre as funções atribuídas o processamento dos pedidos de autorização para funcionamento, bem como, aumento de capital, entre outros.
Ainda em 1945, o Decreto-Lei 8.401 veio revogar os Decretos-Leis 5.893 e 6.274 e mais uma vez o Decreto 22.239, em conjunto com o Decreto-Lei 581 foram revigorados. Assim, manteve-se com o Serviço de Economia Rural do Ministério da Agricultura a fiscalização das cooperativas em geral. Já em 1951 a Caixa de Crédito Cooperativo foi transformada no Banco Nacional de Crédito Cooperativo que tinha como objetivo amparar e oferecer assistência às sociedades em questão, através da Lei 1.412, o BNCC teve seu regulamento aprovado ainda no mesmo ano.
Posteriormente, o Decreto 41.872, de 1957 veio estabelecer à Superintendência da Moeda e do Crédito – SUMOC que caberia às cooperativas sujeitarem-se ao este órgão no que diz respeito às normas gerais reguladoras da moeda e do crédito baixadas pelo governo. Em 1958, o Decreto 43.552, veio reafirmar a atribuição do Serviço de Economia Rural do Ministério da Agricultura na fiscalização das cooperativas e no ano seguinte foi criado o Conselho Nacional do Cooperativismo.
No entanto, o Ministério da Agricultura com a Portaria 1.098 de 1961 veio reafirmar a sujeição à prévia autorização do governo por parte das cooperativas de crédito para sua constituição abrindo exceção apenas as caixas rurais raiffeisen, as cooperativas de crédito agrícolas, as mistas com seção de crédito agrícola, as centrais de crédito agrícola e as cooperativas de crédito mútuo.
Contudo, em 31 de dezembro de 1964 a Lei 4.595 equiparou as cooperativas de crédito às demais instituições financeiras e incumbiu ao Banco Central do Brasil as atribuições que eram de competência do Ministério da Agricultura no que dizia respeito a autorização de funcionamento e fiscalização das sociedades cooperativas de crédito de qualquer modalidade.
No ano seguinte, o Conselho Monetário Nacional, por meio da Resolução 11, vedou às cooperativas de crédito o uso da expressão “banco” em sua nomenclatura. Além disso, voltou a autorizar a constituição e funcionamento de cooperativas de crédito desde que se enquadrassem como cooperativas de crédito de produção rural com objetivo de operar em crédito ou como cooperativas de crédito que tivessem seu quadro social formado unicamente por empregados de determinada empresa ou entidade pública ou privada.
A Resolução 15, de 28 de janeiro de 1966, por sua vez, veio autorizar as cooperativas de crédito e as seções de crédito de cooperativas mistas a captarem depósitos à vista apenas de seus associados e ainda estabeleceu vedação da não distribuição de sobras apuradas entre os associados. No mesmo ano, a Resolução 27 estabeleceu, para as sociedades em questão, o dever de recebimento de depósitos apenas de pessoas físicas, funcionários da própria cooperativa e de instituições de caridade, religiosas, científicas, educativas e culturais, beneficentes ou recreativas dentre as quais participariam apenas associados ou funcionários da própria cooperativa.
Conforme Pinheiro (2007, p. 58) ainda em 1966, o Decreto-Lei 59 revogou definitivamente o Decreto 22.239 e o Decreto-Lei 5.154 e definiu que as atividades creditórias destas sociedades somente poderiam ser exercidas por entidades constituídas com a finalidade exclusiva de concessão de crédito. E ainda estabelece o autor a respeito do presente decreto:
“Estabelece que as seções de crédito existentes podem passar a constituir cooperativas de crédito autônomas, cujo registro está assegurado, desde que cumpridas as exigências do Banco Central do Brasil (§ 4°), ou limitar-se a fazer adiantamentos aos associados, por meio de títulos de crédito acompanhados de documento que assegure a entrega da respectiva produção, vedado o recebimento de depósitos até mesmo de associados” (§ 2°).
Em continuidade ao histórico traçado aos regulamentos próprios das sociedades cooperativas que apresentam como objeto a concessão de crédito, em 1967, o Decreto-Lei 59 foi regulamentado através do Decreto 60.597 e, em 1968, a Resolução 99 trouxe o disciplinamento acerca da autorização para funcionamento de cooperativas de crédito rural.
Seguindo, a então vigente Lei 5.764 revogou o Decreto-Lei 59 e o Decreto 60.597 e passou dessa forma a instituir o regime jurídico vigente das cooperativas, definindo-as como sociedades de pessoas, de natureza civil. A manutenção da fiscalização e controle das cooperativas de crédito e das seções de créditos das cooperativas agrícolas mistas permaneceu com o Banco Central do Brasil.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 a Lei 5.764 foi derrogada pelo art. 5° na parte em que referenciava a condição de prévia aprovação do governo para o funcionamento das sociedades cooperativas. Entretanto, as cooperativas de crédito continuaram dependendo de prévia autorização para funcionar por força da disposição do art.192 do mandamento constitucional. E, em 1990, o Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC)[3] foi extinto.
As Resoluções 11, 27 e 99 foram revogadas pela Resolução 1.914 de 1992 que vedou a constituição das cooperativas de crédito do tipo luzzatti, sociedades estas que têm como característica a não restrição de associados, além de estabelecer as cooperativas de economia e crédito mútuo e as cooperativas de crédito rural, os tipos básicos para concessão de autorização para funcionamento.
Por outro lado, em 1995, foi permitido pela Resolução 2.193 a constituição de bancos cooperativos, bancos comerciais controlados por cooperativas de crédito. Em 1999, a Resolução 2.608 revogou a Resolução 1.914 e instituiu às cooperativas centrais a atribuição de supervisionar e auditar as cooperativas singulares filiadas. Além disso, também estabeleceu limitação mínima de patrimônio líquido ajustado às entidades estudadas.
Dando seguimento ao histórico pertinente às sociedades cooperativas, no ano de 2000 foi através da Resolução 2.771 que ocorreu a revogação da Resolução 2.608 e ficou determinada a redução dos limites mínimos ao patrimônio líquido, desde que fossem adotados os limites de patrimônio líquido ponderado pelo grau de risco do passivo, do ativo e das contas de compensação. No mesmo ano, foi permitida a constituição de banco múltiplos cooperativos através da Resolução 2.788.
Recentemente, com a promulgação da Lei 10.406, o Novo Código Civil, em 10 de janeiro de 2002, foram estabelecidas as características básicas das sociedades cooperativas, remetendo à lei específica, Lei 5.764 de 1971, a regulamentação do tipo jurídico desta modalidade de sociedade. Ainda no ano de 2002, a Resolução 3.058 ampliou o público constitutivo para as sociedades cooperativas permitindo que fossem constituídas cooperativas de crédito mútuo formadas por aqueles responsáveis por negócios de natureza industrial, comercial ou de prestação de serviços, ou seja, microempreendedores, empresários e microempresários, além de se estender a possibilidade de constituição às atividades rurais que apresentassem receita bruta anual no momento da associação, igual ou inferior ao limite estabelecido pela legislação vigente para as pequenas empresas.
Em 2003, foi editada a Resolução 3.106 que revogou as Resoluções 2.771 e 3.058 e representou um marco na legislação cooperativa. Por este normativo foi possibilitada a livre admissão de associados em localidades que possuíam menos de cem mil habitantes, bem como a transformação de cooperativas existentes em cooperativas de livre admissão desde que em localidades que apresentassem menos de 750 mil habitantes. Além disso, trouxe em seu bojo a adesão obrigatória ao fundo garantidor de crédito às cooperativas, com exceção daquelas que não captassem depósito, e a filiação compulsória à cooperativa central de crédito que apresentasse regularidade no cumprimento de suas atribuições de supervisão junto às filiadas, além de três anos de funcionamento e enquadramento nos limites operacionais e patrimônio de referência.
Vale lembrar ainda que tal resolução permitia, no caso de fusão ou incorporação, que fosse preservado o público-alvo no caso de cooperativas com quadros sociais distintos, além disso também possibilitou a continuidade de operacionalização das cooperativas com livre admissão de associados, sociedades do tipo luzzatti, não sujeitando-as ao regramento das novas cooperativas dessa modalidade, exceto se houvesse ampliação da área de atuação ou novas instalações. Nas palavras de Figueiredo (2007, p.60) em seu histórico acerca dos normativos pertinentes às cooperativas de crédito esclarece ainda que a Resolução 3.106 :
“Estabelece a necessidade de projeto prévio à constituição de qualquer cooperativa de crédito, devendo constar, do projeto, dentre outros pontos, a descrição do sistema de controles internos, estimativa do número de pessoas que preenchem as condições de associação e do crescimento do quadro de associados nos três anos seguintes de funcionamento, descrição dos serviços a serem prestados, da política de crédito e das tecnologias e sistemas empregados no atendimento aos associados.”
Em 2003, por meio da Resolução 3.140 foi permitida a constituição de cooperativas de crédito de empresários que participassem de empresas vinculadas a um mesmo sindicato patronal ou a associação patronal cujo funcionamento mínimo deveria ser de três anos, quando da constituição da cooperativa. Também neste ano, foi autorizada às entidades cooperativas a constituição de correspondentes no país, através da Resolução 3.156.
Por sua vez, a Circular 3.226 favoreceu as cooperativas de crédito no âmbito dos serviços bancários ao dispor sobre a prestação de serviços por parte dos bancos comercias, múltiplos e Caixa Econômica Federal para estas sociedades, no que referia-se à compensação de cheques e acesso a sistema de liquidação de pagamentos e transferências bancárias. Complementarmente, em 2004 a Resolução 3.188 autorizou aos bancos cooperativos o recebimento de depósitos de poupança rural.
Ainda, no ano de 2005, a Resolução 3.321 revogou as Resoluções 3.106 e 3.140 e restabeleceu de forma geral as diretrizes dos dispositivos revogados. Permitiu que as cooperativas de livre admissão fossem constituídas em localidades com até trezentos mil habitantes, além de ampliar as possibilidades de constituição de cooperativas com quadro social segmentado. Outrossim, ampliou tanto para as cooperativas singulares quanta às centrais, o limitador de diversificação de risco, além de expandir a possibilidade de instalação de postos de atendimento eletrônico.
Já em 2006, a Circular 3.314 dispôs sobre a constituição dos fundos de reserva, a destinação das sobras e a compensação das perdas, além de modificações quanto ao capital social. Em continuidade, a Carta Circular 3.224 trouxe disposições acerca do Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (FATES) para as cooperativas de crédito.
Em seguida, com o intuito de fortalecer a estrutura patrimonial das cooperativas singulares de crédito, a Resolução 3.346 regulamentou o Programa de Capitalização de Cooperativas de Crédito o qual propunha por meio de financiamentos aos associados a aquisição de quotas-partes.
Em meados do ano de 2007, a Resolução 3.442 veio revogar e Resolução 3.321 e trouxe avanços normativos, entre eles a ampliação da área de atuação para transformação de cooperativas de crédito de livre admissão para até um milhão e quinhentos mil habitantes. Dentre outras disposições estabeleceu a previsão de constituição de órgão de auditoria cooperativa formada por cooperativas centrais de crédito e confederações, além de aperfeiçoar a relação entre bancos cooperativos e cooperativas singulares. Finalmente em abril de 2007 a Carta-Circular 3.274 dispôs sobre a constituição de fundos de amparo referidos no art.28 § 1°, da Lei 5.764 de 1971.
Nessa esteira, com base nas informações anteriormente relacionadas é possível perceber o avanço sofrido pelos normativos que regem as cooperativas de crédito desde o seu surgimento no Brasil. Desde logo percebe-se as muitas alterações ocorridas neste espaço de tempo, porém há de se ter clareza que a partir da Constituição Federal de 1988 essas sociedades passaram a receber incentivos ate então, nunca propostos por outra constituição. Dentre outros, talvez este seja o fator mais relevante para explicar o aumento do cooperativismo de crédito no meio social na atualidade.
Por seu turno, cabe destacar os aspectos mais importantes no processo de constituição das cooperativas de crédito.
Em primeiro lugar, cabe ressaltar que o estatuto social de uma cooperativa representa a lei interna, o seu ordenamento, no entanto, as cooperativas de crédito em função de seu objeto, regem-se não só pelo seu estatuto social, pelo fato de também serem instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, sujeitam-se a Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964, também denominada Lei da Reforma Bancária. Além disso, são regidas também pela Lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971, a qual institui o regime jurídico das sociedades cooperativas; sujeitam-se ainda, aos atos normativos baixados pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil, em especial a Resolução 3.442, de 28.2.2007, que dispõe sobre a constituição e o funcionamento de cooperativas de crédito.
Nesse passo, para que se entenda o processo de constituição de uma cooperativa de crédito é preciso inicialmente conhecer as fases que o englobam. Assim, a partir de então, será analisado o caminho a ser percorrido por este tipo societário, desde os procedimentos necessários para a obtenção de manifestação favorável por parte do Banco Central do Brasil ao projeto de constituição de cooperativa de crédito até a concessão da autorização de funcionamento.
De acordo com os normativos do Banco Central do Brasil[4] o processo de constituição de uma cooperativa de crédito apresenta duas fases. A primeira fase do processo ocorre mediante a manifestação favorável do Banco Central do Brasil ao projeto de constituição da sociedade cooperativa. Esta manifestação exige a observância de requisitos e procedimentos que serão fundamentais para a obtenção da autorização do ato de constituição. Nesta primeira etapa, ainda não existe ato societário ou deliberações a serem analisadas, existe apenas o projeto de constituição. A segunda fase, diz respeito à autorização em si, ou seja, nesta etapa o ato de constituição da cooperativa de crédito é submetido à aprovação por parte do Banco Central do Brasil.
Para conseguir a autorização definitiva de funcionamento as cooperativas de crédito sujeitam-se a algumas condições. Em conformidade com o art. 14 da Lei 5.764[5] de 16 de dezembro de 1971, as sociedades cooperativas se constituem por meio de deliberação da assembléia geral dos fundadores e este ato fica subordinado ao Banco Central do Brasil conforme determina o art. 2° Resolução 3.442[6] de 2007.
Desse modo, havendo interesse na implantação de uma cooperativa de crédito, deverá ser apresentada solicitação acompanhada de projeto elaborado em conformidade com as determinações estipuladas pelo BACEN ao Deorf[7] que jurisdicionará a futura sede da instituição, previamente a realização do ato societário. Na solicitação, deverá constar a identificação do grupo organizador e a indicação de responsável, tecnicamente qualificado pela condução do projeto no Banco Central do Brasil, tudo conforme determina a Circular 3.201/03 em seu art. 1º, caput[8].
Vale ressaltar que o projeto de constituição de cooperativa singular de crédito deve respeitar o preenchimento dos preceitos indicados no art. 3° da Resolução 3.442 de 2007. No artigo mencionado estão elencadas as informações necessárias ao estudo de viabilidade e plano de negócios da futura instituição. Os requisitos presentes neste dispositivo serão alvo de análise por parte Banco Central do Brasil.
A par disso, após a análise dos elementos relacionados ao projeto, será então formulada a proposta de conclusão do pleito onde serão destacados os aspectos mais relevantes para a viabilidade do empreendimento. Nesta análise, constarão fatores que serviram de embasamento para a conclusão. Dentre os aspectos analisados serão levados em consideração as razões e motivações para a constituição da cooperativa, a suficiência de estrutura técnica e financeira à iniciativa, à existência de estrutura organizacional e de controles internos, bem como plano de capacitação de dirigentes, existência de aspectos relacionados à governança corporativa, viabilidade das metas de crescimento do quadro de associados e as condições de viabilidade econômico-financeira. Como conclusão, a análise destacará os pontos fortes e os pontos fracos detectados na análise em questão.
Por conseguinte, a manifestação do Banco Central do Brasil acerca do projeto de constituição de cooperativa de crédito é realizada por meio de correspondência ao grupo organizador ou a cooperativa central, se for o caso. Sendo desfavorável a manifestação referente ao projeto, poderão os interessados, interpor recurso à decisão proferida; sendo favorável a manifestação, o processo fica aguardando as providências referentes ao ato de constituição e o encaminhamento dos documentos para instrução da fase seguinte que será a autorização de funcionamento.
Conforme já mencionado anteriormente, de acordo com o art. 55 da Lei 4.595 de 1964 e arts. 17 e 18, § 9° da Lei 5.764 de 1971 o funcionamento das cooperativas de crédito é dependente de prévia e expressa autorização do Banco Central do Brasil. Vale lembrar então, que a autorização referida somente é concedida àqueles empreendimentos, sejam eles cooperativas singulares de crédito ou cooperativas centrais de crédito, que obedecerem aos propósitos da Lei 5.764, de 1971, combinados com a Resolução 3.442 em sua constituição.
Neste passo, após a concessão de parecer favorável por parte do Banco Central do Brasil, a sociedade cooperativa de acordo com o caput do art.7° da Resolução 3.442 de 2007[9] terá prazo de noventa dias contados da data de recebimento da comunicação para formalizar então, o pedido de autorização de funcionamento.
Ademais, segundo regramento disposto pelo Banco Central do Brasil a respeito do ato constitutivo das cooperativas de crédito torna-se primordial esclarecer que no caso em questão, a cooperativa se constitui por deliberação da assembléia geral de seus fundadores independentemente de autorização.
Dessa forma, em conformidade com o art. 15 da Lei 5.764 de 1971[10], o ato constitutivo obrigatoriamente deverá ser composto com os dados referentes à denominação da entidade, da sede e do objeto de funcionamento. Além disso, sobre os associados fundadores, deverão estar presentes informações como nome, nacionalidade, idade, estado civil, profissão e residência, e, também, sobre estes, deverão ser informados dados sobre o valor e o número das quotas-parte de cada um, bem como a qualificação destes associados, juntamente com o número do CPF e o documento de identidade.
Além disso, seguindo o regramento do dispositivo mencionado, no ato constitutivo deverão estar presentes ainda, sob pena de nulidade, a aprovação do estatuto da sociedade e a identificação dos associados eleitos que irão compor os órgãos de administração, fiscalização e outros. O ato constitutivo deverá conter ainda, visto de advogado de acordo com o previsto no art. 1º, § 2º da Lei. 8.906/94[11].
Dando seguimento ao processo de autorização de funcionamento de cooperativa de crédito e de acordo com que prevê o art. 17 da Lei 5.764 de 1971[12], após a realização do ato constitutivo, a sociedade cooperativa de crédito deverá requerer ao Banco Central do Brasil, no prazo máximo de trinta dias, a autorização para funcionamento.
Conforme dispõe o art. 18, § 6° da lei 5.764 de 1971[13], após a obtenção da autorização para funcionamento, os responsáveis pela cooperativa de crédito deverão providenciar o arquivamento da documentação pertinente na Junta Comercial do Estado onde a sociedade estiver sediada. E, após o registro a cooperativa adquirirá personalidade jurídica e estará apta ao funcionamento.
Dessa forma, conforme exposição acerca do processo de constituição das cooperativas de crédito em conformidade com o regramento ditado pelo Banco Central do Brasil resta clara a interferência do Estado no processo de autorização de funcionamento das sociedades cooperativas de crédito para que atuem como instituições financeiras no Sistema Financeiro Nacional. Porém nesse contexto destaque-se que não existe dependência nenhuma quanto a sua constituição, a qual se dá por meio de deliberação da assembléia geral dos fundadores.
3 O processo de constituição das cooperativas de crédito e o mandamento constitucional
Inicialmente cabe destacar que as cooperativas de crédito como membros integrantes de um sistema integrado de instituições, recebem tratamento diferenciado das demais instituições desde sua constituição, em função de suas peculiaridades. Com o objetivo de demonstrar o meio em que está inserido este tipo societário e, qual seu papel diante das demais entidades financeiras seguirá o presente texto.
Assim, merece destaque o fato de a Constituição de 1988 em seu texto disciplinar dois grandes sistemas financeiros. Conforme Figueiredo (2006, p. 290), o primeiro encontra-se elencado no Título VI, Capítulo II – Das Finanças Públicas e rege o disciplinamento e organização das receitas e despesas públicas. Por sua vez, o segundo sistema financeiro vincula-se ao setor privado e encontra-se regulado no art. 192 da Carta Magna, a seguir transcrito:
“Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram”.
Desse modo, cabe destacar que, as cooperativas de crédito em função de seu objeto fazem parte de um sistema integrado de normas e instituições que tem como objetivo o desenvolvimento do país. Todavia, para que se compreenda melhor esta relação se torna necessário esclarecer e delimitar o ambiente onde as cooperativas de crédito estão inseridas. Desde já, para que esse objetivo seja alcançado se faz necessário entender os propósitos e a composição do Sistema Financeiro Nacional, bem como expor o desenvolvimento histórico que demonstra as transformações pelas quais tal sistema passou até chegar a atual configuração.
Antes de 1964, destaca Oliveira (2006, p. 186), o quadro institucional do Sistema Financeiro Nacional era composto de bancos de desenvolvimento, nacionais ou estaduais, além de bancos comerciais, cooperativas de crédito, financiadoras e de capitalização, distribuidoras e bolsa de valores. Nessa época a Superintendência da Moeda e do Crédito exercia a função de Banco Central por meio do Banco do Brasil que atuava cumulativamente como banco comercial e banco do governo.
Com a reforma bancária, introduzida no Brasil por força da Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1968, foram criados o Banco Central do Brasil, o Conselho Monetário Nacional, o Banco Nacional de Habitação e a Comissão de Valores Mobiliários, além de bancos de investimento e empresas corretoras de valores. Em 1986, afirma Oliveira (2006, p. 187), o Banco do Brasil era, ao lado do Banco Central, do Conselho Monetário Nacional e da Comissão de Valores Mobiliários, considerado autoridade monetária, vindo a perder essa prerrogativa após o Plano Cruzado[14]. Nesse contexto, segundo Pinheiro (2007, p. 41), houveram mudanças também no que diz respeito às cooperativas de crédito, com alterações na Lei n° 4.595/64 quando a partir de então as cooperativas de crédito equipararam-se às demais instituições financeiras.
Depois dessas transformações o Sistema Financeiro Nacional passou a apresentar sua configuração dividida em dois subsistemas: o subsistema da intermediação financeira, onde enquadram-se as instituições bancárias, não-bancárias, os bancos de desenvolvimento e de investimento; e o subsistema normativo onde se enquadram todas as autoridades monetárias.
Na visão de Figueiredo (2006, p. 289), pode se entender atualmente como Sistema Financeiro Nacional, todo o ordenamento jurídico inerente que objetiva reger e regular instituições de crédito, públicas ou privadas. Além destas, sujeitam-se também a este regramento todas as entidades congêneres que atuam na economia popular, como entes de previdência privada, de capitalização e seguradoras.
Por sua vez, o Sistema Financeiro Nacional encontra-se regulado pela Lei n° 4.595/64 que dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias e a criação do Conselho Monetário Nacional. Embora não sendo norma materialmente constitucional, destaca Figueiredo (2006, p. 291) o constituinte positivou tal sistema na Constituição Federal de 1988 ao estabelecer os objetivos a serem observados por todas as entidades que o integram.
Vale lembrar que dentre os propósitos elencados no art. 192 da Constituição Federal de 1988, quais sejam, a promoção do desenvolvimento equilibrado do país e subserviência aos interesses da coletividade, encontram-se englobados também pelos objetivos fundamentais da República conforme incisos do art. 3° da Constituição Brasileira. Assim, em última análise, toda a atuação das entidades financeiras e congêneres deverão atender às políticas públicas estabelecidas pelo legislador, a fim de que seja alcançado o lucro, fim maior de toda entidade empresarial, conciliado com a persecução dos interesses da coletividade e o atingimento do desenvolvimento racional e sustentável da Nação.
A par disso, destaca-se que as cooperativas de crédito são instituições presentes neste sistema organizado cujos objetivos refletem diretamente no desenvolvimento nacional. Segundo Schneider, (1999, p. 413), o Estado encontrou nas cooperativas um modo eficiente de solucionar os problemas da estrutura econômica do país. Nesse sentido, para melhor definir a posição das cooperativas de crédito dentro do Sistema Financeiro Nacional torna-se necessário entender a composição desse sistema. Assim, ressalta-se que o art. 1° da Lei n° 4.595/64, conhecida também por Lei da Reforma Bancária, prevê expressamente que o Sistema Financeiro Nacional será constituído pelo Conselho Monetário Nacional, Banco Central do Brasil, Banco do Brasil S.A., Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e pelas demais instituições financeiras públicas e privadas.
Conforme Figueiredo (2006, p. 292), o Sistema Financeiro pode ser estruturado em órgãos normativos, entidades supervisoras e operadores. Dessa forma, os órgãos normativos são os responsáveis por estabelecer e disciplinar as políticas públicas referentes ao Sistema Financeiro Nacional. Fazem parte desta categoria o Conselho Monetário Nacional – CMN, o Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP e o Conselho de Gestão de Previdência Complementar – CGPC.
De resto, cabe as entidades supervisoras estabelecer a realização e a execução das atividades de regulação estatal do Sistema Financeiro Nacional. Nessa classe encontram-se presentes o Banco Central do Brasil – BACEN, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, o Instituto de Resseguros do Brasil – IRB e a Secretaria de Previdência Complementar – SPC.
Por sua vez, as entidades classificadas como operadores têm como característica comum o fato de todas serem entidades privadas que atuam no Sistema Financeiro Nacional. Destacam-se dentre estas as bolsas de valores, bolsas de mercadorias e futuros, sociedades seguradoras, sociedades de capitalização, entidades abertas de previdência complementar, entidades fechadas de previdência complementar e as instituições financeiras captadoras de depósitos à vista.
Ressalte-se aqui que as cooperativas de crédito classificam-se como instituições captadoras de depósitos à vista, assim como os bancos múltiplos, os bancos comerciais, e a Caixa Econômica Federal.
Atuam ainda na qualidade de operadores as agências de fomento, as associações de poupança e empréstimo, os bancos de desenvolvimento e investimento, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), as companhias hipotecárias, as cooperativas centrais de crédito, bem como as sociedades de crédito, financiamento e investimento de crédito imobiliário e de crédito ao microempreendedor. Por fim, consideram-se ainda operadores, as sociedades de arrendamento mercantil, corretoras de câmbio, corretoras de valores e títulos mobiliários, de crédito imobiliário e distribuidoras de títulos e valores mobiliários.
Dessa forma, conforme exposto, resta concluída a apresentação da constituição do Sistema Financeiro Nacional e demonstrada a posição das cooperativas de créditos em seu contexto. Cabe, assim, analisar a partir de então, a função dos órgãos governamentais que se vinculam diretamente ao processo constituição das cooperativas de crédito.
Constitucionalmente não é permitido ao Estado seu irrestrito intervencionismo para estabelecer monopólio sobre qualquer atividade econômica, entretanto conforme pensamento de Tavares (2006, p. 279) não se pode concluir que a Constituição brasileira “tenha estabelecido uma economia de mercado pura, o que aliás, não se encontrará em nenhum outro país.”
Nesse aspecto, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 174, estabeleceu que caberia ao Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercer as funções de fiscalização, planejamento e incentivo. O Estado, nesse caso, apresenta-se na seara econômica através da intervenção indireta, ordenando e coordenando com vistas à manutenção de seus fundamentos, à realização de seus objetivos, no respeito e execução de seus demais princípios e principalmente o pleno desenvolvimento nacional.
Por seu turno, o Conselho Monetário Nacional, explica Oliveira (2006, p. 187), é órgão do Poder Executivo, representando o Estado como agente normativo, enquanto o Banco Central é autarquia e representa o Estado como agente regulador. O Conselho Monetário tem como função operacionalizar as diretrizes políticas do governo Federal, dando-lhe agilidade e dinamismo no que diz respeito à atuação em matéria econômico-financeira.
Outrossim, em conformidade com o 2° art. da Lei de Reforma Bancária a finalidade do Conselho é formular a política da moeda e do crédito, objetivando o progresso econômico e social do país. Ainda segundo Oliveira (2006, p. 189), compete também ao Conselho Monetário Nacional disciplinar as demais instituições do sistema em conformidade com as diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República, ainda que alguns atos dependam de autorização ou homologação pelo Poder Legislativo.
De mesma sorte, o Conselho Monetário Nacional foi criado pela Lei n° 4.595/64 e considerado conforme art. 16, VII, da Lei n° 9.649/98, órgão máximo do Sistema Financeiro Nacional, integrante do Ministério da Fazenda, presidido pelo ministro da pasta. Suas competências normativas encontram-se reguladas na Lei n° 4.595/64, lei básica do mercado financeiro, na Lei n° 4.728/65, lei do mercado de capitais e, mais recentemente, na Lei n° 6.385/76, lei reguladora do mercado de valores mobiliários.
Vale lembrar que a competência do Conselho Monetário Nacional foi estabelecida pela Lei n° 6.045/74 que alterou o art. 4° da Lei 4.595/64. Do resultado desta alteração advieram as incumbências do Conselho, entre elas estabelecer as diretrizes gerais das políticas monetária, cambial e creditícia, regular as condições de constituição, de funcionamento e de fiscalização das instituições financeiras, e disciplinar os instrumentos de política monetária e cambial.
Trazendo a baila às incumbências cabíveis ao Conselho Monetário Nacional e sua relação com as cooperativas de crédito pode-se esclarecer conforme preceitua Oliveira (2006, p. 204), que estas instituições no setor creditício têm como finalidade proporcionar a seus associados empréstimos a juros módicos, subordinando-se, entretanto, na parte normativa, ao Conselho Monetário Nacional e, na parte executiva, ao Banco Central do Brasil, conforme art. 8° do Decreto- Lei n° 59, de 21 de novembro de 1966.
Diante do exposto, e seguindo os objetivos propostos no presente estudo, serão expostas algumas considerações acerca do Banco Central do Brasil. Conforme já mencionado anteriormente, assim como o Conselho Monetário Nacional, o Banco Central do Brasil também foi criado pela Lei n° 4.595/64. No entendimento de Figueiredo (2006, p. 294), o Banco Central é uma autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda. E expõe ainda:
“Atualmente, é o principal executor das orientações do Conselho Monetário Nacional, sendo entidade responsável por garantir o poder de compra da moeda nacional. Suas principais missões institucionais são: zelar pela adequada liquidez da economia: manter as reservas internacionais em nível adequado; estimular a formação de poupança; zelar pela estabilidade e promover o permanente aperfeiçoamento do sistema financeiro.”
Também nesse aspecto, Oliveira (2006, p. 192), ressalta que é competência do Banco Central cumprir e fazer cumprir as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional, através de resoluções, circulares e de instruções, bem como por meio da legislação em vigor a que está atribuído. No que diz respeito a constituição das cooperativas de crédito a relação do Banco Central do Brasil com tal processo é essencial, uma vez que o parecer favorável ao projeto de constituição e a posterior autorização de funcionamento das entidades em questão sujeitam-se exclusivamente `a aceitação ou recusa por parte do Banco Central do Brasil conforme prevê a Resolução 3.442 de 28 de fevereiro de 2007.
Por fim, é inegável a atuação do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil frente às cooperativas de crédito como representantes do poder estatal em seu processo de constituição.
Nesta seara, visando apresentar de maneira objetiva o modo como se desenvolve o processo de constituição das cooperativas de crédito frente ao Banco Central do Brasil, em primeiro plano, conforme já destacado, anteriormente vale lembrar que as cooperativas de modo geral encontram abrigo no art. 5°, inciso VXIII, no que diz respeito à política de estímulo ao desenvolvimento do cooperativismo através da inexigibilidade de autorização estatal para a criação deste modelo societário. Ao tratar dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, a Constituição Federal de 1988 declarou apoio e estímulo ao cooperativismo e outras formas de associativismo em seu art. 174 §2°.
Nesse diapasão, o estímulo e o incentivo proporcionados pelo mandamento constitucional refletiram-se em adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades em questão. Por sua vez, o art. 192 da Constituição Federal, reservou abrigo às cooperativas de crédito agregando-as ao Sistema Financeiro Nacional, incluindo-as ao grupo das demais instituições financeiras caracterizadas como captadoras de depósito á vista.
Entretanto, conforme Pinheiro (2007, p. 41), sob essa ótica, cabe ressaltar que as cooperativas já possuíam legislação pertinente, como a Lei 5.764/71 que definiu o regramento à Política Nacional do Cooperativismo, instituindo o regime jurídico vigente das sociedades cooperativas e, ainda, a Lei da Reforma Bancária em 31 de dezembro de 1964 que também veio regular às cooperativas de crédito equiparando-as às demais instituições financeiras. Por sua vez, este diploma legal trouxe consigo uma mudança importante no aspecto da criação das cooperativas de crédito com a transferência para o Banco Central do Brasil das atribuições acometidas até então, ao Ministério da Agricultura no que diz respeito à autorização de funcionamento e fiscalização das cooperativas de crédito de qualquer modalidade.
Nesse aspecto, conforme preceitua Domingues (2002, p.40), as cooperativas de crédito, em função de seu objeto, qual seja a socialização do crédito para promoção do desenvolvimento coletivo, tem seu regramento dependente de órgãos governamentais, no caso o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil para proceder a regulamentação quanto à autorização de funcionamento, uma vez que são consideradas instituições financeiras.
Assim, no caso em tela, as cooperativas de crédito como as demais entidades classificadas como operadores, também integrantes do Sistema Financeiro Nacional sujeitam-se a intervenção estatal em sua atividade, pois cabe ao Estado zelar pelo bom funcionamento do sistema econômico e primar pela promoção do desenvolvimento equilibrado do país.Dessa forma, as cooperativas de crédito, mesmo sendo consideradas como sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, constituídas com o intuito de prestação de serviços aos seus associados, são reguladas pelos normativos mencionados em função da sua condição de instituição financeira e não pelo fato de serem cooperativas.
Assim, é possível concluir pela não existência de conflito entre os mandamentos infraconstitucionais e o mandamento constitucional, uma vez que a necessidade de autorização de funcionamento por parte do Estado se refere à cooperativa de crédito enquanto integrante do Sistema Financeiro Nacional. Quanto ao ato constitutivo da cooperativa de crédito, este permanece de acordo com a previsão constitucional. Nesse sentido, destaque-se que as cooperativas que possuam diferentes objetos de atuação e as cooperativas de crédito, obedecem ao mesmo regramento, ou seja, independência de autorização para a sua criação conforme descreve o art. 5º, inc. XVIII da Constituição Federal.
Finalmente, conforme dispõe o Banco Central do Brasil sobre a constituição das sociedades cooperativas de crédito esta se concretiza com a aprovação do ato constitutivo em assembléia geral de fundação, ocorrendo a formalização do pedido de autorização apenas depois de constituída a cooperativa, atendendo, assim, o mandamento constitucional. Destarte, conclui-se que não existem normas conflitantes nesta seara e a necessidade de autorização por parte do Estado referente às cooperativas de crédito é prevista em função da participação e qualificação enquanto membro integrante do Sistema Financeiro Nacional.
Considerações Finais
No caso do Estado brasileiro, a Constituição Federal prestou a esta forma de organização amparo e incentivo antes jamais propostos por nenhuma Constituição, além de lhe conceder o direito à livre criação e a proibição de interferência estatal em seu funcionamento. Nesse contexto, destaque-se que o advento da Constituição Federal deu início a fase autogestionária para o cooperativismo brasileiro.
Em linhas gerais, o cooperativismo recebeu então, tratamento específico, conforme explicitou a Carta Magna, ao reconhecer o ato cooperativo e conceder tratamento tributário diferenciado a este modelo societário. Porém, dentre as inovações trazidas no texto constitucional que se referiam as cooperativas, a que mais se destacou foi sem dúvida o disposto no artigo 5º, inc. XVIII, que versa sobre a liberação da constituição das cooperativas de qualquer tipo de autorização estatal.
Contudo, restaram dúvidas quanto a questão da constitucionalidade da exigência de autorização prévia, por parte do Banco Central, para a constituição das cooperativas de crédito, uma vez que o dispositivo constitucional refere-se a generalidade das sociedades cooperativas.
Dessa forma, pelo exposto – elencadas as particularidades desse modelo societário, caracterizado como sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, sem fins lucrativos e não sujeitas à falência, com o objetivo de propiciar crédito e prestar serviços aos associados e, por este motivo, equiparadas às instituições financeiras captadoras de depósito à vista – tornou-se possível estabelecer um entendimento acerca do processo de constituição das cooperativas de crédito.
Assim, caracterizadas como instituições financeiras, as cooperativas de crédito ficaram sujeitas a Lei da Reforma Bancária, a legislação específica que define a Política Nacional de Cooperativismo além dos atos normativos expedidos pelo Conselho Monetário Nacional e Banco Central do Brasil.
Nesse passo, pode-se concluir que o fator de maior importância nessa questão, diz respeito ao objeto da cooperativa, ou seja, qual sua área de atuação. Sob esse enfoque fica evidenciado que a diferença entre o gênero das sociedades cooperativas e a espécie, cooperativas de crédito, vai além da prestação de serviços, estando relacionado diretamente com o seu objeto qual seja, propiciar crédito aos seus associados.
Dessa forma, visando alcançar o entendimento acerca da existência ou não do conflito entre as normas infraconstitucionais e o texto constitucional, pode-se concluir pela não existência de conflito entre tais mandamentos, eis que a necessidade de autorização de funcionamento por parte do Estado se refere à cooperativa de crédito enquanto instituição financeira integrante do Sistema Financeiro Nacional.
Nesse aspecto, quanto ao problema da presente pesquisa tornou-se possível a conclusão acerca de que a necessidade de autorização prévia do Banco Central do Brasil e do Conselho Monetário Nacional não desrespeita o mandamento constitucional. Nessa esteira, mesmo sendo consideradas como sociedades de pessoas, constituídas com o intuito de prestação de serviços aos seus associados, dentre outras características que lhe são peculiares, tal condição não exime a sociedade do tratamento pertinente às instituições financeiras.
No caso presente, conclui-se que a regulação a esse tipo societário vincula-se em função da sua condição de instituição financeira e não pelo fato de ser cooperativa. Nesse prisma, destaque-se, ainda, que, quanto ao ato constitutivo da cooperativa de crédito, este permanece de acordo com a previsão constitucional, pois a criação dessas sociedades cooperativas independe de autorização estatal. Dessa forma, o tratamento dado as cooperativas que possuam diferentes objetos de atuação e as cooperativas de crédito, obedecem ao mesmo regramento, ou seja, independência de autorização para a sua criação conforme descreve o art. 5º, inc. XVIII da Constituição Federal.
Diante tudo o que foi exposto, não resta dúvida acerca do que dispõe o Banco Central do Brasil sobre a constituição das sociedades cooperativas de crédito. A efetivação da constituição da cooperativa de crédito se dá com a aprovação do ato constitutivo em assembléia geral de fundação. Nesse sentido, conclui-se que não existem normas conflitantes nesta seara e a necessidade de autorização por parte do Estado referente às cooperativas de crédito é prevista em função da participação e qualificação enquanto membro integrante do Sistema Financeiro Nacional.
Mestre em Direito. Especialista em Direito Processual. Especialista em Docência do Ensino Superior. Professor de Direito Constitucional na UNISC – Universidade de Santa Cruz do Sul.
Bacharel em Direito
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