Resumo: O Brasil não possuía um conceito legal acerca do que seria organização criminosa. Assim sendo, era utilizada a Convenção de Palermo para conceituar organização criminosa, objeto deste estudo. Acontece que uma Convenção não passou pelo processo legislativo, assim sendo não poderia criar crimes e impor penas, sendo declarada inconstitucional pelo STF. Após o STF declarar inconstitucional a utilização da Convenção de Palermo, o Brasil legislou criando uma lei sobre a organização criminosa, a lei 12694/12. Esta lei mencionada teve pouca vida útil, pois foi criada uma nova lei sobre organização criminosa, a lei 12850/13, que criou crimes e impôs penas. Além disso, a lei 12850/13 inovou ao trazer técnicas especiais de investigação dentre elas a delação premiada e a infiltração de agentes policiais. Conclui-se que a nova lei é eficaz no combate ao crime organizado, tendo em vista que além dos meios genéricos de prova, que estão expressos no Código de Processo Penal, a lei possui outros meios de obtenção de prova, além de incluir tutela aos delatores e família destes.
Palavras-chave: Organização Criminosa; Lei 12850/13; Delação Premiada; Infiltração de agentes policiais.
Abstract: Brazil does not have a legal concept of what would be criminal organization. Therefore, it was used as the Palermo Convention concept of criminal organization. It turns out that a convention has not gone through the legislative process, could therefore not create crimes and impose penalties, being declared unconstitutional by the Supreme Court. After the Supreme Court declared unconstitutional the use of the Palermo Convention, Brazil legislated creating a law on the criminal organization, the law 12694/12. This aforementioned law had little life, as a new law was introduced on criminal organization, the law 12850/13, which created crimes and imposed penalties. In addition, the law 12850/13 innovated to bring special investigative techniques among them the award-winning tipoff and the infiltration of police officers. It concludes that the new law is effective in combating organized crime, considering that besides the generic forms of evidence, which are expressed in the Code of Criminal Procedure, the law has other means of obtaining evidence, and includes protection for informers and family of these.
Keywords: Criminal organization; Law 12850/13; Awarded denunciation; Infiltration of police officers.
Considerações iniciais
As chamadas associações criminosas sempre foram motivo de preocupação da sociedade, de um modo geral por parte dos governantes, em particular, os quais temiam ataques políticos, já nas primeiras décadas do século XX, ganham nova repercussão no final desse mesmo século XX, passando-se não só a exigir a sua revisão conceitual, mas, fundamentadamente, sua adequação a uma política criminal da pós-modernidade, conforme salienta Bitencourt[1], porque a pós-modernidade é dominada e violentada pela globalização, a qual se reflete diretamente na criminalidade, seja organizada, seja desorganizada.
Cabe atentar para um importante fato que é diferenciar a chamada criminalidade oganizada da criminalidade massificada. Esta compreende assaltos, invasões de domícílios, furtos, estelionatos e outros tipos de crimes contra o patrimônio e também violência contra os mais fracos e oprimidos. Essa criminalidade atinge diretamente toda a coletividade, seja como ofendidos reais, seja com ofendidos potenciais. Esta forma de criminalidade atinge o equilíbrio emocional da população e acabam gerando uma sensação de insegurança.
Por outro lado, criminalidade organizada, conforme salienta Bitencourt é extremamente vaga, abrangente e ao invés de definir um objeto, a criminalidade organizada aponta uma direção.
O conceito de organização criminosa é complexo, assim como a atividade criminosa na sociedade atual, o que leva a criminalidade organizada a ser vista como uma organização de indivíduos com o fito de cometer delitos de elevada desvalorização social e econômica.
Pode-se concluir então que organização criminosa, segundo Nucci[2], é a associação de agentes, com caráter estável e duradouro para praticar crimes, sendo estes agentes organizados de forma hierárquica e com divisão de tarefas, sempre visando um objetivo comum de alcançar qualquer vantagem ilícita.
Nossa legislação não apresentava o que podia ser definido como organização criminosa, a despeito de infrações penais envolvendo mais de três pessoas, sendo abolida inclusive o instituto jurídico do concurso eventual de pessoas. Nem mesmo a Lei 9034/95, a qual salientava acerca da utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, logrou êxito na tentativa de definir o que é organização criminosa.
O referencial normativo anterior, segundo o doutrinador Bitencourt[3], para a delimitação dos casos que envolvessem uma suposta organização criminosa, era a Convenção das Nações Unidas sobre Crime Organizado, também conhecida como Protocolo de Palermo, que define grupo criminoso organizado como: “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”.
Sempre houve controvérsia no ordenamento jurídico brasileiro sobre o termo organizações criminosas, porque não existia conceito legal na legislação pátria. Diante desta inércia do legislador brasileiro, conforme relata Renato Brasileiro[4] e o doutrinador Bitencourt[5], era aplicável o conceito de organização criminosa dado pela Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo, que foi ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 5015/04.
Admitir que um Tratado Internacional pudesse definir o conceito de “organizações criminosas”, é uma evidente afronta ao princípio da legalidade, que dispõe de que somente a Lei pode criar crimes e impor penas, conforme está codificado artigo 5º, XXXIX da nossa Carta Magna. Assim é o entendimento do nosso Pretório Excelso:
“TIPO PENAL – NORMATIZAÇÃO. A existência de tipo penal pressupõe lei em sentido formal e material. LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI Nº 9.613/98 – CRIME ANTECEDENTE. A teor do disposto na Lei nº 9.613/98, há a necessidade de o valor em pecúnia envolvido na lavagem de dinheiro ter decorrido de uma das práticas delituosas nela referidas de modo exaustivo. LAVAGEM DE DINHEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E QUADRILHA. O crime de quadrilha não se confunde com o de organização criminosa, até hoje sem definição na legislação pátria. HC 96007/ SP – SÃO PAULO”
Frente a decisão do STF, o legislador brasileiro se viu na obrigação de legislar sobre o assunto. Assim sendo, foi promulgada e publicada a Lei 12694/12 que trata da formação do juízo colegiado para o julgamento de crimes praticados por organizações criminosas.
Com o advento da Lei 12694/12, passou-se a definir em nosso país, o fenômeno conhecido como “organização criminosa”, em seu artigo 2º, nos seguintes termos: “para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação de 3(três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4(quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”.
Todavia, o conceito legal de organização criminosa de que trata o artigo 2º da Lei 12694/12 teve curta vida útil em vigor, pois foi promulgada e publicada pouco tempo depois a Lei 12850/13, a qual define organização criminosa e dispõe sobre investigação criminal, os meios de obtenção de prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal. Além disso, a Lei 12850/13 trouxe em seu bojo um novo conceito de organização criminosa, que está estabelecida no artigo 1º, §1º da Lei 12850/13.
1. Nova Lei de Organização Criminosa
Para a Lei 12694/12, a organização criminosa não era um tipo penal incriminador, pois não havia cominação de penas, conforme salienta o doutrinador Renato Brasileiro[6]. Por outro lado, a Lei 12850/13 passou a tipificar em seu artigo 2º, caput, a conduta de promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa, cominando a este crime a pena de reclusão de 3(três) a 8(oito) anos, e multa sem prejuízo das demais penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
Acrescenta-se a isto ainda para o fato de que no artigo 1º,§1º da Lei 12850/13, conforme relata Bitencourt[7], são trazidos novos elementos estruturais tipológicos definindo, com precisão, o número mínimo de integrantes de uma organização, que é quatro ou mais pessoas.
Segundo a posição de Bitencourt[8], é possível afirmar com absoluta certeza que o artigo 1º,§1º da Lei 12850/13 revogou o artigo 2º da Lei 12694/12, pois deve ser levado em consideração o artigo 2º,§1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, onde consta que: “a lei posterior revoga a lei anterior quando expressamente o declare, quando seja incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.
Além disso, a Lei 12850/13 define de forma diferenciada a organização criminosa da associação criminosa. Esta última está codificada no artigo 288 do Código Penal e pôs fim à polêmica existente sobre semelhança ou identificação entre organização criminosa e quadrilha ou bando, agora definida como associação criminosa. A diferenciação dos dois crimes se reflete diretamente na punição de um ou outro delito, tanto que a gravidade e complexidade da participação em organização criminosa justifica a cominação de uma pena de três a oito anos, ao passo que associação criminosa possui pena cominada de um a três anos de reclusão.
Luiz Flávio Gomes[9] destaca as diferenças entre organização criminosa da lei 12850/13 e o crime de associação criminosa, que está prevista no artigo 288 do Código Penal pátrio.Uma das diferenças destacadas pelo doutrinador[10] supramencionado é para o fato de que o crime de associação criminosa, prevista no artigo 288 do Código Penal exige três ou mais pessoas, ao passo que o crime organizado exige quatro pessoas. Além disso, a associação criminosa do artigo 288 do Código Penal só relata em “cometer crimes”, enquanto que a lei do crime organizado relata “crimes” e abrange também “infrações penais”, o que significa que o crime organizado da lei 12850/13 abrange tanto crimes, como contravenções penais.Uma última diferença que merece destaque – é que a associação criminosa do artigo 288 do Código Penal não exige estrutura ordenada e nem divisão de tarefas, enquanto o crime organizado da lei 12850/13 possui essa exigência.
A lei 12850/13 trata de uma novatio legis incriminadora, sendo que sua aplicação está restrita aos crimes praticados a partir da entrada em vigor, que se deu em 19 de setembro de 2013, sob pena de ser violado o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, conforme está tipificado no artigo 5º, XL da Constituição Federal.
Por outro lado, como se trata de um crime permanente, na qual a consumação se prolonga no tempo, sendo que o agente pode cessar a prática delituosa a qualquer instante, em uma hipótese de um delito ter sido iniciado antes do dia 19 de setembro de 2013, porém se prolongou até a entrada em vigor da Lei 12850/13, é perfeitamente possível a responsabilidade penal pelo novo tipo penal, conforme está expresso na súmula 711 do STF.
Para se configurar o crime organizado, de acordo com o artigo 1º,§1º da Lei 12850/13, é necessário além de quatro ou mais pessoas, é preciso que estas pessoas estejam organizadas de maneira ordenada, de forma escalonada, permitindo ascenção no âmbito interno, com chefia e chefiados. Além disso, se deve ter partição do trabalho, de modo que cada agente possua a sua função de maneira informal.
O bem jurídico tutelado pela lei 12850/13 é a paz pública, ou seja, o sentimento coletivo de segurança e de confiança na ordem e proteção jurídica, que, ao menos em tese, vem sendo atingido pela societas criminis, conforme salienta Renato Brasileiro[11].
O sujeito passivo da lei da organização criminosa é a sociedade, segundo o posicionamento do doutrinador Nucci[12], porque o bem jurídico tutelado como já foi afirmado é a paz pública. Assevera-se com isso, que se trata de um delito de perigo abstrato pois a mera formação de organização criminosa coloca em risco a segurança da sociedade.
O crime de organização criminosa é grave o suficiente para permitir a decretação da segregação cautelar do réu. Caso haja porte de arma de fogo será considerado causa de aumento, o que torna ainda mais exigível a prisão preventiva. É assim que nossos tribunais vêm entendendo:
“HABEAS CORPUS. SUPOSTA INTEGRAÇÃO A ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. (LEI N. 12.850/2013, ART. 2º, § 2º). PACIENTE PRESO EM FLAGRANTE COM UM GALÃO DE COMBUSTÍVEL NO PORTA MALAS DO AUTOMÓVEL. DEPOIMENTOS QUE INDICARIAM QUE O ACUSADO SERIA INTEGRANTE DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA AUTODENOMINADA "PGC", RESPONSÁVEL POR ATENTADOS VIOLENTOS OCORRIDOS NO ESTADO DE SANTA CATARINA. ALEGADA AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. DISCUSSÕES DE MÉRITO. PLEITO NÃO CONHECIDO NOS PONTOS. PRETENSÃO DE REVOGAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA. ALEGADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL POR PARTE DO JUÍZO. INOCORRÊNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA SEGREGAÇÃO PREVENTIVA. MEDIDA QUE VISA A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA DIANTE DA GRAVIDADE DO CRIME E DA POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO DA CONDUTA. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ARTS. 312 E 313. BONS PREDICADOS QUE NÃO OBSTAM A MANUTENÇÃO DA SEGREGAÇÃO. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. INSUFICIÊNCIA NO CASO CONCRETO. PRISÃO PREVENTIVA QUE NÃO AFRONTA OS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E NÃO CARACTERIZA CUMPRIMENTO ANTECIPADO DE PENA. DESPACHO JUDICIAL FUNDAMENTADO, DEMONSTRANDO A NECESSIDADE DA MEDIDA. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA DO JUIZ DO PROCESSO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA. HC 20140768428/SC, 3ª C., Rel. Ernani Guetten de Almeida, DJ24.11.2014.”
2. Tipos de Organizações Criminosas
Luiji Ferrajoli, citado por Luiz Flávio Gomes[13], relata que existem três tipos de criminalidade organizada.
O primeiro tipo, o doutrinador[14] supramencionado chamou de “Organização Criminosa privada”, que são os grupos de organizações criminosas mais violentos, apelando para ações armadas, como é o exemplo do “PCC”. Este tipo de organização criminosa possui um substancioso poder econômico e a infiltração no aparelho estatal não é profunda.
Uma grande característica desse primeiro tipo de organização criminosa consiste na exploração de miséria, ou seja, consiste no uso dos pequenos delinquentes, que não possuem patrimônio social ou econômico. Este primeiro tipo de organização criminosa, a qual Ferrajoli[15] classificou como “organização criminosa privada” está ligada ao mercado das drogas, explora a mão de obra barata do miserável, do necessitado.
Este tipo de organização criminosa possui células ostensivas organizadas, que fazem o “trabalho” de rua, de entrega, de organização local da distribuição de drogas etc. Inúmeras vezes a polícia combate estas células ostensivas sob a crença de que vai eliminar o crime organizado em sua totalidade.
Outro grupo econômico que Ferrajoli[16] cita é a criminalidade organizada das empresas. Esta segunda modalidade de organização criminosa é uma derivação da primeira e possui como característica o uso das empresas para delinquir e não a violência, possuindo como forte característica nascer fora do Estado, dentro do mundo empresarial, e depois paulatinamente ir se infiltrando no Poder Público, nos parlamentos e no Poder Político, a ponto de alcançar a própria impunidade no ambiente político.
Esta espécie de organização criminosa atua na lavagem de capitais, nos crimes empresariais, como é o exemplo de sonegação de tributos, evasão de divisas, tráfico de armas e até no tráfico de animais ou porte de animais. Estas empresas produzem riquezas, como exemplo: empregos, oportunidades etc., todavia acarretam danos para o meio ambiente e para as pessoas. Um forte exemplo são as empresas de tabaco, que foram agregando aditivos químicos nos seus produtos e, ao mesmo tempo convencendo todos de que não existia prova científica dos malefícios do fumo, sendo que o fumo causa a morte de milhões de pessoas anualmente.
Ferrajoli, citado por Luiz Flávio Gomes[17] relata: “Os mercados e as corporações se enriqueceram, mas deixaram sem vida ou na miséria bilhões de pessoas. Por detrás desses mercados e corporações, acham-se seres humanos vulgares que perderam completamente a noção de ética”.
O doutrinador Luiji Ferrajoli, citado por Luiz Flávio Gomes[18] relata que existe atualmente entre os crimes organizados, os psicopatas os quais também são chamados de canalhas.
O auto infra mencionado relata um exemplo, que é o ex-premier da Itália, Silvio Berlusconi que arquitetou, controlou e geriu de forma ininterrupta várias infrações penais, pelas quais foi condenado definitivamente no ano de 2013.
Em seu governo, Berlusconi manipulou a vontade de milhões de indivíduos para a imposição de sua psicopatia em face de vários imigrantes inocentes. Outros dois grandes psicopatas que marcaram de forma significativa a história mundial foram Stalin e Hitler.
Ou seja: por detrás do crime organizado sempre pode existir um psicopata que manipula a vontade dos indivíduos. Juan Pablo Mello, citado por Luiz Flávio Gomes[19] relata:
“O canalha é aquele que, sabendo captar as crenças e o ponto de satisfação do outro, exercer promessas, ameaças ou expectativas em forma explícita ou implícita, por meio das quais consegue o consentimento e a cumplicidade do outro. Por isso, propõe-se como um líder nato para hipnotizar o neurótico vacilante, que prontamente se converterá religiosamente ao regime do psicopata e suas ambições pessoais. Sem dúvida, o canalha não faz a captação de voluntários repressivamente, mas com seu carisma e capacidade de persuasão atrás de seus pretextos discursivos variáveis. O canalha bem feito não crê em nenhum ordenamento social ou cultural e consegue uma postura de certeza para conseguir sua própria satisfação à custa dos outros”.
Assim, o canalha de nossos dias é o líder de organizações criminosas cuja atitude é introvertida, misteriosa e planejada. Portanto, não é o delinquente comum que rouba o automóvel, mas o administrador do desmanche e do dinheiro aqueles que trabalham para ele ou o delegado de polícia corrupto que manipula o delinquente a partir da autoridade estatal. A pessoa de colarinho branco oculta detrás dos ilícitos é o psicopata que não age, senão faz agir os demais.
Em suma, e para além das figurações, o psicopata ou canalha é aquele que sabe que o outro da lei é um semblante e não detém na manipulação dos outros, nem em seus interesses, ambições ou ações de prazer. Um canalha bem-feito realiza suas ações sem sustentar-se em nenhum ideal e sem impedimentos, isto é, não se situa como sujeito de nenhuma lei ou posicionado como culpado/culpável, mas que avança sem obstáculos nem, inibições para a sua condição absoluta de prazer. É aquele indivíduo que, independentemente de qualquer distinção social, pretende existir por fora de toda lei ou norma, no que crê, exceto quando ocupa um lugar de poder e impõeas regras para os demais.
3. Análise crítica da Lei 12850/13
O artigo 2º da Lei 12850/13 possui quatro condutas tipificadas em seu verbo núcleo do tipo penal que estão no artigo 2º da lei infra mencionada consisitndo em “promover, constituir, financiar, integrar”.
Segundo Renato Brasileiro[20], trata-se de um tipo penal misto alternativo, porque mesmo que o agente delituoso pratique mais de uma ação típica, dentro de um contexto fático, irá responder por crime único, tendo praticado assim um único crime de organização criminosa, tendo incidência o princípio da alternatividade.
Assevera-se com isso que, caso os membros da sociedade criminosa pratiquem os delitos para os quais se uniram, deverão responder pelo crime previsto no artigo 2º, caput, da lei 12850/13, em concurso material de crimes, que está codificado no artigo 69 do Código Penal com os demais ilícitos consumados por eles. Para que os integrantes da organização criminosa respondam pelos crimes perpetrados pela organização criminosa, é imprescindível que tais infrações penais tenham conhecimento de todos os integrantes, sob pena de uma responsabilidade penal objetiva. Portanto, o agente a título de exemplo não poderá responder por homicídio praticado pelos outros integrantes da organização criminosa que se associou se não souber que tal crime seria executado por um dos membros.
Acrescenta-se a isto ainda para o fato de que havendo indícios suficientes de que um servidor público integre uma organização criminosa, o magistrado poderá determinar o seu afastamento cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo de sua remuneração, conforme está tipificado no artigo 2º,§5º da lei 12850/13.
Esta medida em tela poderá ser decretada pelo juiz em qualquer fase da persecução penal, sendo que somente pode recair sobre o agente que tiver aproveitado de suas funções públicas para auxiliar as atividades ilícitas executadas pela organização criminosa. Essa medida se encontra em consonância com as medidas cautelares diversas da prisão, segundo o posicionamento do doutrinador Nucci[21], que foram instituídas pela lei 12403/11, conforme está expresso no artigo 319, VI, do Código de Processo Penal: “suspensão, do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais”.
Por se tratar de um poder geral de cautela por parte do Estado, esse afastamento supramencionado está condicionado, segundo Renato Brasileiro[22], à presença do fumus comissi delicti e também do periculum libertatis, não podendo ser decretada de maneira automática na fase policial ou na fase acusatória.
Acrescenta-se a isto ainda para o fato de que, segundo a posição de Renato Brasileiro[23], devido a presunção de inocência, esse afastamento coativo do servidor público de suas funções não poderá implicar em desconto ou suspensão do subsídio. Porque o afastamento do funcionário não é voluntário, mas sim resultado de uma aplicação de medida cautelar, sendo que a consequência de uma possível condenação, poderá ser a perda do cargo, conforme está estabelecido no artigo 2º, §6º da Lei 12850/13. Por analogia, segundo o doutrinador inframencionad0[24], pode-se utilizar o conteúdo previsto no artigo 147 da lei 8112/90, a qual faz a previsão do afastamento cautelar do funcionário público no processo disciplinar, porém sem prejuízo de sua remuneração.
No que tange aos efeitos da condenação, de acordo com o artigo 2ª,§6º da lei 12850/13, relata que: “a condenação com transito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do cargo, função,emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função ou cargo público pelo prazo de 8(oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena”.
4. Meios de obtenção de prova da Lei 12850/13
Com o surgimento da macro criminalidade, a qual ganhou novos contornos e passou a se salientar de forma estruturada, o direito penal material e o processo penal, que antes eram focados apenas no criminoso individual, em delitos praticados em concurso de pessoas, teve que se adaptar à nova realidade.
Segundo o doutrinador Renato Brasileiro[25], os meios genéricos de obtenção de provas aliado ao fato das pessoas possuírem receio de depor em juízo, principalmente quanto aos ilícitos advindos de organizações criminosas, tornou-se necessária a adoção de novas técnicas especiais de investigação capazes de combater a gravidade dos ilícitos perpetrados pelas organizações criminosas, inclusive para se atingir a eficiência desejada de um Estado atuante.
Urge salientar para o fato de que, apesar de existirem diversas organizações criminosas causando malefícios para a sociedade, não se pode olvidar que existem garantias individuais que necessitam ser respeitadas.
Em se tratando de organizações criminosas, deve ser buscada uma conciliação entre o garantismo dos valores fundamentais do processo penal moderno e a eficácia, a qual deve ser medida não pelo número de condenações e sim ser analisada pela existência de um procedimento que permita um resultado justo em tempo razoável, seja por possibilitar aos órgãos da persecução penal uma atuação eficiente de modo a concretizar o direito de punir que o Estado possui, seja por assegurar ao réu as garantias do devido processo legal. Segundo a posição adotada por Renato Brasileiro[26], não existe antagonismo entre eficiência e garantismo penal.
Um dos meios de obtenção de prova que estão previstos na lei 12850/13 para combater o crime organizado é a interceptação ambiental, que está expresso no artigo 3º, II, da lei 12850/13. Tal dispositivo autoriza a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos. Em relação a “captação”, está relacionado a colheita de dados, que serão feitas por um interlocutor em relação ao outro, geralmente de maneira capciosa, conforme salienta o doutrinador Nucci[27].
No que tange a captação ambiental, trata-se de conversa ocorrida em certo local, possibilitando o contato pessoal entre os interlocutores, ao mesmo tempo em que uma delas colhe por qualquer meio, seja gravação de voz, registro de imagem fotográfica, o que se passa entre ambos. Se a conversa se der em um ambiente privado, devido ao direito constitucional da intimidade, é necessário autorização judicial para que ocorra esta captação, pois em caso de não ter autorização judicial, a consequência será a de ser considerada prova ilícita, devendo ser desentranhada dos autos do processo.
A interceptação ambiental não deixa de ser uma forma de captação ambiental, o que significa que o colóquio acontece em local aberto de forma a permitir o contato entre os indivíduos que mantêm conversa devassada por terceiro. Caso a captação ambiental ocorra em local público, não é preciso autorização do magistrado, segundo a posição defendida por Nucci[28], porque em local público não há intimidade suficiente e qualquer pessoa, mesmo sem meio eletrônico, pode ouvir conversa alheia.
Na revogada lei 9034/95 havia previsão nesse contexto, de se demandar circunstanciada autorização judicial, porém na lei em vigor, a lei 12850/13 não mais existe tal disposição, o que é correto, pois captação ambiental em local público não necessita de autorização judicial, conforme salienta Nucci[29]. Inclusive este é o posicionamento adotado pelo STJ:
“HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 2. NULIDADE DOS ELEMENTOS DE PROVA COLETADOS POR MEIO DE INTERCEPTAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA EM PRESÍDIO. 3. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE INTIMIDADE E PRIVACIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE GARANTIAS ABSOLUTAS. APLICAÇÃO DO POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE. 4. SENTENÇA DE PRONÚNCIA BASEADA EM OUTRAS
PROVAS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO CONCRETO. 5. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no intuito de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente – a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício -, evitando-se prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal. 2. A comunicação – e se está examinando a comunicação entre pessoas presas – merece respeito, devendo ser resguardado o direto fundamental à intimidade. No entanto, na ordem constitucional pátria não existem garantias ou direitos absolutos, que possam ser exercidos a qualquer tempo e sob quaisquer circunstâncias. No plano da realidade concreta, diante de situações de incompatibilidade entre dois ou mais direitos fundamentais, mostra-se imperiosa a efetiva compreensão e aplicação do postulado da proporcionalidade ou razoabilidade. 3. Na espécie – em que, ao que tudo indica, os crimes foram praticados por organização criminosa especializada no tráfico de drogas, contando com a participação e auxílio de agentes penitenciários, motivados os réus pela disputa por pontos de venda de entorpecentes -, a autoridade policial e o Poder Judiciário, embora necessariamente jungidos pelo Direito, devem ter sua atuação menos obstada, sendo necessária exegese que combine os direitos do acusado aos princípios, também constitucionais e fundamentais, da integridade estatal, da promoção do bem de todos e da segurança pública. Precedentes. 4. Além disso, não demonstrou a defesa o efetivo prejuízo decorrente do procedimento adotado pela autoridade policial, pois além de o vaso sanitário em que posicionado o gravador estar fixado no exterior das celas, sendo as conversas desenvolvidas espontaneamente e em voz alta entre os acusados, que não estavam sozinhos no local, o teor das comunicações não foi relevante para a prolação da sentença de pronúncia, que se baseou, notadamente, nos depoimentos das testemunhas e nas interceptações telefônicas. Precedentes. 5. Habeas corpus não conhecido. HC 251132/RS 5ª Turma.”
Outro meio de prova, que está tipificado no artigo 3º, inciso V, da lei 12850/13 é a interceptação de comunicação telefônica e telemática. Interceptação no sentido jurídico significa o ato de imiscuir-se em conversa alheia, seja por meio telefônico ou computadorizado, seja por outras formas abertas conforme menciona Nucci[30].
Denomina-se escuta telefônica a interceptação realizada com o assentimento de um dos interlocutores da conversa. Não se pode considerá-la, pois, autêntica interceptação telefônica, passível do crime que está tipificado no artigo 10 da lei 9296/96. Portanto, deve-se resolver a questão, sendo admitida ou negada a gravação porventura realizada como meio lícito de prova, no âmbito das regras gerais do direito. A interceptação telefônica tem sido usado no combate ao crime organizado, conforme pode ser visto pelo posicionamento do STJ:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. NOVA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ART. 2º DA LEI 12.850/13. NULIDADE DO FLAGRANTE. ALEGAÇÃO PREJUDICADA PELA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. INDÍCIOS DE AUTORIA SUFICIENTES. ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. I – A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso ordinário (v.g.: HC n. 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11/9/2012; RHC n. 121.399/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 1º/8/2014 e RHC n. 117.268/SP, Rel. Ministra Rosa Weber, DJe de 13/5/2014). As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado (v.g.: HC n. 284.176/RJ, Quinta Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJe de 2/9/2014; HC n. 297.931/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 28/8/2014; HC n. 293.528/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 4/9/2014 e HC n. 253.802/MG, Sexta Turma, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/6/2014). II – Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não conhecimento da impetração. Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem de ofício. III – Com a decretação da prisão preventiva do paciente restam prejudicadas as alegações de nulidades da prisão em flagrante, pois a segregação agora decorre de novo título judicial (Precedentes). IV – Para a decretação da custódia cautelar, ou para a negativa de liberdade provisória, exigem-se indícios suficientes de autoria e não a prova cabal desta, o que somente poderá ser verificado em eventual decisum condenatório, após a devida instrução dos autos (Precedentes do STJ). V – A prisão cautelar deve ser considerada exceção, já que, por meio desta medida, priva-se o réu de seu jus libertatis antes do pronunciamento condenatório definitivo, consubstanciado na sentença transitada em julgado. É por isso que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal. A prisão preventiva, portanto, enquanto medida de natureza cautelar, não pode ser utilizada como instrumento de punição antecipada do indiciado ou do réu, nem permite complementação de sua fundamentação pelas instâncias superiores (HC n. 93498/MS, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 18/10/2012). VI – Na hipótese, o decreto prisional encontra-se devidamente fundamentado em dados concretos extraídos dos autos, notadamente a existência de interceptação telefônica que indica que o paciente, em tese, integraria organização criminosa voltada para a prática de diversas infrações penais, tais como homicídios, torturas, aquisições de armas de fogo, roubos, adulteração de chassi, tráfico de drogas, dados que evidenciam a necessidade de se garantir a ordem pública. VII – "A necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa, enquadra-se no conceito de garantia da ordem pública, constituindo fundamentação cautelar idônea e suficiente para a prisão preventiva" (STF – HC n. 95024/SP, Primeira Turma, Rel. Ministra Cármen Lúcia, DJe de 20/2/2009). Habeas corpus não conhecido.”
Delação Premiada na Lei 12850/13
A nova lei de organização criminosa trouxe em seu bojo uma ferramenta que já era usada desde os tempos remotos para combater o crime organizado, que é a delação premiada. Nas palavras de Renato Brasileiro[31], a delação premiada é uma técnica de investigação por meio do qual o coautor e partícipe do delito, além de confessar a prática delituosa, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal, elementos eficazes para concretizar um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida um prêmio legal.
Walter Barbosa Bittar, citado por Nucci[32] relata: “etimologicamente, delação advém do latim delatione, e significa a ação de delatar, denunciar, revelar etc. No entanto, a palavra delação, de modo isolado, pode ter dois significados nas ciências penais, restando necessária uma breve distinção de sentidos da palavra. Num primeiro momento, delação, na sua acepção de denúncia, deve ser entendida no sentido de delatio criminis, ou seja, seria o conhecimento provocado por parte da autoridade policial, de um fato aparentemente criminoso”.
Além disso, simultaneamente em que o réu ou investigado confessa a prática de determinado crime, renunciando ao seu direito constitucional de permanecer em silêncio, assume o compromisso de ser uma fonte de prova para a acusação de fatos ou corréus. A delação premiada não se confunde com confissão, tanto que o STJ possui o posicionamento de admitir a aplicação da confissão concomitantemente com a delação premiada, conforme jurisprudência a seguir:
“HABEAS CORPUS. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NOART. 14 DA LEI N.º 9.807/99. APELAÇÃO. JULGAMENTO QUE NEGOU A INCIDÊNCIA DO BENEFÍCIO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. IMPOSSIBILIDADE DE AVERIGUAÇÃO DA INCIDÊNCIA DA MINORANTE NA VIA ESTREITA DO WRIT. 1. Ao contrário do que afirma o acórdão ora vergastado, não há impossibilidade de aplicação simultânea da atenuante da confissão, na 2.ª fase de individualização da pena, com a da delação premiada, na 3.ª etapa, por se revestir, no caso do art. 14 da Lei 9.807/99, de causa de diminuição de pena. 2. Também ao contrário do que afirma o acórdão ora objurgado, preenchidos os requisitos da delação premiada, previstos no art. 14 da Lei n.º 9.807/99, sua incidência é obrigatória. 3. As premissas oferecidas pelo acórdão guerreado – inacumulabilidade da delação premiada com a confissão espontânea, discricionariedade do órgão julgador quanto à aplicação do referido benefício, bem assim necessidade da delação ser efetuada antes da prisão – não são aptas a subsidiar o indeferimento do benefício previsto no art. 14 da Lei n.º 9.807/99, razão pela qual, ante a impossibilidade de valorar os elementos colhidos durante a fase policial, bem como aqueles obtidos durante a instrução processual, na estreita via do habeas corpus, é o caso de se determinar seja procedida nova análise do pleito pelo Tribunal de Justiça estadual. 4. Ordem denegada. Habeas corpus concedido, de ofício, para, mantida a condenação, determinar seja rejulgada a apelação defensiva, com a efetiva análise do pedido de aplicação do benefício previsto no art. 14, da Lei n.º 9.807/99, afastados os óbices anteriormente levantados pela Corte estadual, decidindo como entender de direito. HC nº 84609, 5ª Turma.”
Os pontos positivos do instituto jurídico da delação premiada, segundo Nucci[33] seria de que no mundo criminoso, não se pode falar em ética ou em valores moralmente elevados, pois a natureza da prática de condutas rompem com as normas vigentes, ferindo bens jurídicos que fazem parte da tutela do Estado. Acrescenta ainda o autor infra mencionado para o fato de que não existe lesão à proporcionalidade na aplicação da pena, pois esta é regida, basicamente, pela culpabilidade(juízo de censura, reprovação social), que é flexível, pois acusados mais culpáveis devem receber penas mais rígidas. O delator, ao colaborar com o Estado, demonstra menor reprovabilidade social, portanto, pode receber pena mais branda.
Assevera-se com isto, que a ineficiência atual da delação premiada é condizente com o elevado índice de impunidade reinante no mundo do crime, conquanto ocorre em face da falta de agilidade do Estado em dar efetiva tutela ao réu colaborador.
Esta foi uma das causas de que o legislador inovou na nova lei da organização criminosa, porque além de possuir previsão normativa sobre a colaboração premiada, aquela não se descuidou dos direitos e garantias fundamentais do colaborador, pois está codificado no artigo 4º,§15 da lei 12850/13 que é preciso a presença do defensor em todos os atos da negociação, confirmação e execução da colaboração, constando no artigo 5º da lei supramencionada inúmeros direitos do delator.
Conforme está estabelecido no artigo 4º da lei 12850/13, o magistrado poderá, a pedido das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 a pena privativa de liberdade ou substituí-la por pena restritiva de direitos, desde que a colaboração tenha sido efetiva e voluntária.
A medida da delação eficiente vai ser verificada pelo preenchimento de outros requisitos, conforme menciona Nucci[34]. Em relação a voluntariedade, significa agir livre de qualquer coação física ou moral. A lei 12850/13 em seu artigo 4º, caput, possui previsão em relação a colaboração efetiva e voluntária com a investigação e com o processo criminal. O artigo 4º, §7º da lei mencionada também possui previsão normativa de que incumbe ao juiz analisar sua voluntariedade, podendo, para tanto, escutar sigilosamente o colaborador, na presença de seu defensor.
Em decorrência da delação, é imprescindível a obtenção de algum resultado prático positivo, sendo que este resultado não teria sido concretizado se não fosse as declarações do delator, pois restituir de volta a vantagem auferida pela organização criminosa, restituindo às vítimas o que lhes foi tomado, é uma medida importante. Muitas vezes, o crime organizado contra o Estado, invadindo os cofres públicos, causando severo dano para a saúde financeira do Estado, representa enorme perda para a sociedade, conforme é o posicionamento do STF:
“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E CONTRIBUIÇÃO PARA O TRÁFICO. AUSÊNCIA DE PRELIMINAR DE REPERCUSSÃO GERAL. ARTIGO 543-A, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL C.C. ART. 327, § 1º, DO RISTF. 1. A repercussão geral é requisito de admissibilidade do apelo extremo, por isso que o recurso extraordinário é inadmissível quando não apresentar preliminar formal de transcendência geral ou quando esta não for suficientemente fundamentada. (Questão de Ordem no AI n. 664.567, Relator o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 6.9.07). 2. A jurisprudência do Supremo fixou entendimento no sentido de ser necessário que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral nos termos previstos em lei, conforme assentado no julgamento da Questão de Ordem no AI n. 664.567, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6.9.07: “II. Recurso extraordinário: repercussão geral: juízo de admissibilidade: competência. 1 . Inclui-se no âmbito do juízo de admissibilidade – seja na origem, seja no Supremo Tribunal – verificar se o recorrente, em preliminar do recurso extraordinário, desenvolveu fundamentação especificamente voltada para a demonstração, no caso concreto, da existência de repercussão geral (C.Pr.Civil, art. 543-A, § 2º; RISTF, art. 327). 2. Cuida-se de requisito formal, ônus do recorrente, que, se dele não se desincumbir, impede a análise da efetiva existência da repercussão geral, esta sim sujeita “à apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal” (Art. 543-A, § 2º).” 3. In casu, o acórdão recorrido assentou: “TRÁFICO DE ENTORPECENTES, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E CONTRIBUIÇÃO PARA O TRÁFICO. Inépcia da denúncia. Nulidade. Não é inepta a denúncia que preenche todos os requisitos essenciais relacionados no art. 41 do Código de Processo Penal, eis que, sucintamente como se requer, contém a exposição circunstanciada dos fatos e a identificação e qualificação da denunciada, permitindo-lhe o exercício da mais ampla defesa, que efetivamente ocorreu. Preliminar que se rejeita. Prova. Restando demonstrado que todos os acusados associaram-se para o tráfico de substâncias entorpecentes, cabendo a cada um deles o exercício de tarefas específicas que possibilitava a mercancia no atacado, distribuindo a droga para revendedores em vários Estados da Federação, caracterizada está a prática concomitante dos crimes de tráfico e de associação para o tráfico, cumulação perfeitamente possível e que normalmente acontece. Delação premiada. Perdão judicial. Embora não caracterizada objetivamente a delação premiada, até mesmo porque a reconhecidamente preciosa colaboração da ré não foi assim tão eficaz, não permitindo a plena identificação dos autores e partícipes dos delitos apurados nestes volumosos autos, restando vários deles ainda nas sombras do anonimato ou de referências vagas, como apelidos e descrição física, a autorizar o perdão judicial, incide a causa de redução da pena do art. 14 da Lei nº 9.807/99, sendo irrelevantes a hediondez do crime de tráfico de entorpecentes e a retratação da ré em Juízo, que em nada prejudicou os trabalhos investigatórios. Pena privativa de liberdade. Em se tratando de quadrilha com estrutura organizacional que abrange vários Estados da Federação, especializada em fornecer no atacado substâncias entorpecentes a quadrilhas de outras regiões, as penas de seus integrantes devem ser significativamente majoradas. Pena pecuniária. As penas pecuniárias do crime do art. 14 da anterior Lei de Tóxicos devem ser excluídas, tendo em vista que, após o advento da Lei nº 8.072/90 (art. 8º, caput), a cominação de multa deixou de persistir, considerando que a Lei de Crimes Hediondos, ao derrogar a Lei de Tóxicos, manteve o tipo do art. 14 modificando, porém, a pena. Regime. O regime, para o delito de tráfico de entorpecentes, é o inicialmente fechado, de acordo com o art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, com a redação da Lei nº 11.464/07, que se aplica retroativamente, por ser mais favorável aos réus. Também o é para o delito de associação para o tráfico, descabendo a estipulação do regime aberto ou semi-aberto, como requerido, seja pela natureza do ilícito, seja por força do que dispõe o § 3º do art. 33, com remissão ao art. 59, ambos do CP. Substituição da pena privativa de liberdade e sursis. Inadmissível a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, por não preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos pertinentes, bem como a aplicação do sursis. Recursos da defesa a que se dá provimento parcial, provendo-se o do Ministério Público”. 4. Agravo Regimental desprovido.AI 820480 AgR / RJ – Rio de Janeiro.”
A nova lei das organizações criminosas, que é a lei 12850/13, possui em seu bojo diversos prêmios que podem ser concedidos ao delator, o que significa que o instituto jurídico da delação premiada é um estímulo para que o acusado colabore dando informações aos responsáveis pela persecução penal. Dentre os prêmios, os quais estão codificados no artigo 4º da lei 12850/13 está o perdão judicial e consequentemente a extinção da punibilidade, conforme está expresso no artigo 4º,§2º da lei 12850/13, pois considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público a qualquer tempo poderá requerer ao juiz a concessão do perdão judicial ao delator, aplicando-se caso o juiz negue o pedido feito pelo Ministério Público, o artigo 28 do Código de Processo Penal. O magistrado, conforme menciona Nucci[35], não pode conceder perdão judicial de ofício.
Assevera-se com isto para o fato de que o requerimento do membro do Parquet pode se dar a qualquer momento da persecução penal, conforme já foi salientado. Porém, após a sentença penal condenatória, a pena somente poderá ser reduzida até a metade, não sendo mais admitido o perdão judicial, conforme está previsto no artigo 4º,§5º da lei 12850/13.
Acrescenta-se a isto, o fato de que outro prêmio na lei 12850/13, que é a causa de progressão de regimes, pois a regra geral é o cumprimento de ao menos 1/6(um sexto) da pena no regime anterior e bom comportamento carcerário, conforme está codificado no artigo 112 da lei das execuções penais e caso for condenação por crime hediondo e equiparado, a progressão de regime se dará após cumprimento de 2/5(dois quintos) da pena, se o delinquente for primário e de 3/5 se o mesmo for reincidente. Com a finalidade de estimular a delação premiada, a lei 12850/13, conforme menciona Renato Brasileiro[36], também passou a prever que, na hipótese de a colaboração premiada ser posterior à sentença penal, será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos, conforme está tipificado no artigo 4ª, §5º da lei 12850/13.
O Ministério Público poderá deixar de oferecer a denúncia, se o delator não for o líder da organização criminosa e se for o primeiro a prestar real colaboração. O fato de o órgão ministerial poder deixar de oferecer a denúncia significa uma mitigação do princípio da obrigatoriedade, que é um princípio da ação penal pública. Por outro lado, deixar de oferecer a denúncia e arquivar o inquérito policial, sem qualquer medida significa segundo o doutrinador Nucci[37] deixar o delator em completa desproteção. Urge salientar para o fato de que o Ministério Público pode requerer o desarquivamento, caso surjam novas provas.
É importante salientar que o delator possui vários direitos, uma vez que o delator é o chamado “traidor” na organização criminosa. Os direitos do colaborador estão expressos no artigo 5º da lei 12850/13.
Um dos principais direitos do colaborador é a preservação de seu nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais do agente. Quando existir delação premiada no curso de determinado procedimento investigatório, as fontes de prova identificadas devido às informações prestadas pelo colaborador tornam desnecessária a oitiva deste durante o curso do processo, conforme relata Renato Brasileiro[38].
Todavia, caso seja necessária a oitiva do delator no curso de um processo penal, a verdadeira identidade deve ser mantida em sigilo, pois é a própria lei 12850/13 que dispõe que o delator possui o direito de ter seu nome, qualificação, imagem e outras informações pessoais preservadas, devendo inclusive participar das audiências sem contato visual com os outros réus. Assim sendo, se o colaborador tiver que ser ouvido, deverá ser ouvido como testemunha anônima, conforme é o posicionamento do doutrinador[39] infra mencionado.
Além disso, o colaborador possui direito de ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes, sendo que a intenção do legislador é de tutelar a integridade física daquele.
O acusado possui o direito de acompanhar todos os atos da instrução probatória acompanhado de seu defensor, o que é chamado de defesa pessoal e defesa técnica. O réu possui o direito fundamental de presenciar e participar da colheita da prova oral produzida em audiência.
Porém, não se trata de um direito absoluto. Pois dentre os direitos fundamentais que colidem com o direito de o acusado acompanhar a colheita de prova produzida em audiência, está o direito do colaborador à vida, à segurança, à intimidade e também a liberdade de declarar, que se revestem de interesse público e sua proteção é dever do Estado. Por conseguinte, a própria lei 12850/13 assegura ao colaborador o direito de participar das audiências sem contato visual com os demais réus.
Outro direito que o delator possui é de cumprir a pena em estabelecimento penitenciário diverso dos demais condenados ou corréus, tendo em vista que, caso o colaborador cumpra a pena no mesmo estabelecimento penitenciário que os demais equivale a dizer do ponto de vista prático, uma verdadeira pena de morte, conforme salienta Renato Brasileiro[40].
Não existe momento para ser celebrado o acordo de colaboração premiada, podendo ser realizada na fase inquisitorial, assim como pode ser realizada na fase acusatória. O Ministério Público ao oferecer a Denúncia, poderá formular a proposta da colaboração premiada a um dos denunciados, com requerimento de sua oitiva e também da defesa técnica, com posterior apreciação pelo juiz.
Conforme está tipificado no artigo 6º da Lei 12850/13, o termo de acordo da delação premiada deverá ser realizado por escrito e conter o relato da colaboração e seus possíveis resultados, ou seja: um resumo das informações repassadas pelo delator às autoridades incumbidas da persecução penal.
Outro requisito que deve ter no acordo de delação premiada é a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor, conforme está codificado no artigo 4º, §15 da lei 12850/13, pois em todos os atos da negociação, confirmação e execução, o delator deverá estar assistida por seu defensor, pois faz parte da defesa técnica.
Assevera-se para o fato de que a regra geral é a tramitação sigilosa da delação premiada para assegurar o bom êxito das investigações, sendo que o acesso aos autos é restrita ao magistrado, Ministério Público e autoridade policial. O artigo 7º,§2º da lei 12850/13 relata que, no interesse do representado, ao defensor deverá ser assegurado acesso amplo aos elementos de prova constantes dos autos que digam respeito ao direito de defesa, sendo que deve ser precedido de autorização judicial. Segundo o posicionamento de Renato Brasileiro[41], o dispositivo infra mencionado faz referência ao defensor dos demais integrantes da organização criminosa, uma vez que os outros integrantes da organização criminosa possuem direito fundamental do contraditório e ampla defesa. Este acesso, por outro lado, não é irrestrito, não devendo abranger eventuais diligências em curso.
Portanto, por força do artigo 7º,§3º da lei 12850/13, a partir do momento em que a fase acusatória tiver início, deve se dar publicidade ao acordo da delação premiada, desde que seja preservado o sigilo das informações que estão expressas no artigo 5º da lei 12850/13, que constituem direitos do colaborador.
Ressalta-se, que segundo o posicionamento de Renato Brasileiro[42], durante a fase policial, deve ser preservado o caráter sigiloso do acordo de colaboração premiada.
6 Infiltração de agentes policiais na organização criminosa
Outro instituto jurídico que é trazido pela lei 12850/13 é a infiltração de agentes policiais no crime organizado. O agente infiltrado é introduzido discretamente em uma organização criminosa, passando a atuar como se fosse um de seus integrantes, escondendo sua verdadeira identidade, com a finalidade de identificar fontes de prova e obter elementos de informação capazes de autorizar a desarticulação da associação criminosa. As características da infiltração de agentes é ser policial necessariamente, pois não é admitido a infiltração de particulares, deve ter autorização judicial, a inserção deve ser estável e não de forma esporádica e se fazer passar por criminoso para conseguir a confiança dos integrantes da organização criminosa.
Assevera-se com isso que a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Transnacional, que foi ratificada pelo Brasil pelo Decreto 5015/04, também faz previsão à infiltração de agentes policiais para combater de forma eficiente a criminalidade organizada.
Acrescenta-se a isto ainda para o fato de que, segundo o posicionamento de Renato Brasileiro[43], os meios genéricos de obtenção de prova previstos na legislação processual penal têm se mostrado ineficazes para combater a macro criminalidade e por consequência gera impunidade. Diante disto o Estado necessita se valer de novas técnicas especiais e investigação. De acordo com os artigos 10 e 11 da lei 12850/13, a infiltração de agentes policiais necessita preencher os requisitos de prévia autorização judicial, devendo ser motivada e estabelecendo seus limites.
Tal normal infraconstitucional está em conformidade com o artigo 93, IX da nossa Carta Política, porque essa autorização judicial deve ser devidamente fundamentada, sob pena de nulidade absoluta por estar afrontando uma norma constitucional. Além de fazer previsão a duração razoável da infiltração, a decisão judicial também deve indicar certas condutas que devem ser observadas pelo agente infiltrado, tais como abstenção da prática de delito de dano. Segundo Vladimir Aras, citado por Renato Brasileiro[44], deve haver uma proibição ao concurso em crimes sexuais ou crimes violentos e a tortura, todavia a decisão judicial pode permitir que o agente infiltrado transporte pessoas e produtos ilícitos, com o objetivo de facilitar a descoberta e a prova de uma determinada infração penal. Daí a importância de o juiz, ao conceder a autorização judicial para a infiltração, pronunciar-se, desde já, quanto à execução de outros procedimentos investigatórios. Além disso, deve-se ter uma equipe de policiais que prestem apoio constante ao agente infiltrado, viabilizando eventual tutela caso sua verdadeira identidade seja revelada.
Outro requisito necessário para esta técnica especial de investigação é o fumus comissi delicti e o periculum in mora, porque a infiltração de agentes de polícia está condicionada à existência de infrações penais praticadas por organizações criminosas, sendo esta parte e indícios de existência da criminalidade chamada de fumus comissi delicti.Em relação ao chamado periculum in mora, há de ser levado em consideração o risco ou prejuízo que a não realização imediata desta técnica especial de investigação poderá representar para a aplicação da lei penal, para a investigação criminal ou para evitar a prática de novos crimes.
Acrescenta-se a isto ainda para o fato de que a infiltração de agentes policiais somente deve ser usada em última instância, pois o magistrado ao analisar um fato concreto deve buscar aquela que produza menores restrições à efera individual do agente. Pois como já foi afirmado, esta técnica de investigação deve ser precedida por outros meios de obtenção de prova, como por exemplo a interceptação das comunicações telefônicas. Por isto que está codificado no artigo 10 §2º da lei 12850/13, que a infiltração só será admitida se não houver outros meios disponíveis.
A infiltração de agentes policiais será permitida pelo prazo de 6(seis) meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que fique comprovada a sua necessidade, conforme está previsto no artigo 10,§3º da lei 12850/13. Esse prazo de 6(seis) meses é o limite para cada autorização judicial, o que não proíbe o magistrado de conceder a autorização para infiltração de agentes policiais por prazo menor.
Além disso, a própria lei 12850/13 estabelece que o agente infiltrado pode fazer cessar a atuação infiltrada, sendo evidente que a execução desta diligência pode ser interrompida a qualquer momento, se tiver risco à integridade física do agente policial.
Em relação ao procedimento para a infiltração de agentes policiais na organização criminosa, a lei 12850/13 faz previsão para este tipo de investigação, sendo que poderá ser feito mediante representação do delegado ou de requerimento do Ministério Público, conforme está tipificado no artigo 10 da lei 12850/13. O juiz não poderá atuar de ofício na fase de investigação, conforme é o posicionamento de Renato Brasileiro[45], pois seria uma afronta a imparcialidade do juiz. Entretanto, estando em curso o processo penal, portanto a fase acusatória, a autoridade judiciária passa a deter poderes inerentes ao próprio exercício da função jurisdicional, razão pela qual, nessa fase, é possível a determinação de ofício do juiz para a infiltração de agentes policiais até para concretizar o princípio da busca da verdade.
Uma inovação trazida no bojo da lei 12850/13 diz respeito a responsabilidade criminal do agente infiltrado. Conforme está expresso no artigo 13 da lei 12850/13, o agente deverá possuir proporcionalidade com a finalidade de investigação, sendo que o agente responderá pelos excessos praticados.Segundo a posição de Renato Brasileiro, o agente infiltrado não poderá ser responsabilizado por qualquer crime de que trata o artigo 2º da lei 1285013, nem deverá responder pelo crime de associação criminosa, a qual está expressa no artigo 288 do Código Penal.O fato de existir uma prévia autorização judicial para a utilização dessa técnica especial de investigação, já está afastando a antijuridicidade de sua conduta, diante do estrito cumprimento do dever legal que está tipipficado no artigo 23, II do código penal. Na hipótese de o agente infiltrado ser coagido a praticar outros delitos, sob pena de ter sua verdadeira identidade revelada, se conclui pela inexigilibilidade de conduta diversa, excluindo assim a culpabilidade do crime, porque não se pode ter um juízo de reprovação de sua conduta, se não era possível exigir outra conduta do agente. Nesse sentido, o artigo 13, §único da lei 12850/13 dispõe que “não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa”.
Considerações finais
O presente artigo teve como finalidade analisar de forma crítica se a nova lei da organização criminosa é lei bem elaborada para combater a macro criminalidade, o crime organizado nos dias atuais. Conforme foi analisado desde sua parte histórica, nosso legislador elaborou de maneira adequada, haja vista que antes da lei 12850/13, era utilizada como conceito de organização criminosa a Convenção de Palermo que foi ratificada pelo Brasil. Conforme foi demonstrado no conteúdo do artigo, uma Convenção jamais poderia criar crimes e impor penas, pois seria uma afronta ao princípio constitucional da legalidade, conforme o posicionamento do STF.
Assim sendo, foi promulgada e publicada a lei 12694/12, que tratava sobre o conceito de organização criminosa, contudo tal lei somente relatava o conceito acerca de organização criminosa, sem criar crimes e impor penas. A novidade sobre criar crimes e impor penas veio com a lei 12850/13.
Além disso, a nova lei da organização criminosa traz em seu bojo, novas técnicas especiais de investigação com o escopo de combater o crime organizado, dentre elas está a delação premiada, que foi bem abordada neste artigo sobre os procedimentos e direitos dos delatores. Outra técnica de investigação que foi inovadora é a infiltração de agentes policiais no interior da organização criminosa, sendo que somente deverá ser utilizada em última instância, pois introduzir um agente policial no interior de um crime organizado tráz vários riscos à integridade física do agente policial, sendo que este poderá recusar a se infiltrar. Além disso, quando se está no interior de um crime organizado, é difícil o agente policial se recusar a cometer algum crime, pois estando dentro do crime organizado, todos são considerados agentes delituosos. No entanto, também foi abordado neste artigo o fato de o agente policial infiltrado ser punível caso se exceda e cometa crime, salvo quando existir inexigibilidade da conduta diversa, o que exclui a culpabilidade.
Sob este ponto de vista, não restam dúvidas de que a nova lei da organização criminosa foi bem elaborada no intuito de combater o crime organizado, pois foram criados novos meios de prova, além das provas genéricas que estão previstas no Código de Processo Penal.
Advogado no Rio Grande do Sul, Pós-graduado em Ciências Penais pela Uniderp-Anhaguera Educacional
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O atestado médico é um documento essencial para justificar a ausência do trabalhador em caso…
O cálculo da falta injustificada no salário do trabalhador é feito considerando três principais aspectos:…
A falta injustificada é a ausência do trabalhador ao trabalho sem apresentação de motivo legal…